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Primeira confissão

por Teresa Power, em 06.03.15

Os meninos do grupo dos seis anos - o primeiro ano de catequese - fez no sábado passado a sua confissão quaresmal. Para quase todos, tratou-se da primeira confissão, pelo que os catequistas João e Isabel (uma bela Família de Caná!) não pouparam esforços para que fosse uma experiência memorável. O encontro do nosso pecado com o perdão transbordante do Senhor tem de ser uma ocasião de festa, e é preciso que as crianças o vejam assim!

A Laura Puet, no seu blog La Familia, Lugar de Fiesta, na Argentina, mostrou-nos como se pode fazer uma celebração penitencial belíssima com crianças pequeninas. Utilizando algumas das suas ideias (que vêm ao encontro da nossa simbologia quaresmal cá em casa), o João e a Isabel prepararam um poster com a imagem de Jesus, Bom Pastor. Depois, cada criança que se confessava trazia a sua ovelhinha, bem identificada, até junto de Jesus, onde a colocava com muita alegria:

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 Falar de perdão é, na verdade, falar de uma grande festa. Diz o Senhor:

 

"Qual de vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma, não deixa as noventa e nove no campo e vai em busca da ovelha perdida até a encontrar? Quando a encontra, com que alegria a coloca aos ombros! Volta então para casa e chama os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: «Alegrai-vos comigo porque encontrei a ovelha perdida.» Eu vos digo que também no céu haverá mais alegria por um pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão." (Lc 15, 1-7)

 

Não afastemos as crianças pequeninas desta grande festa! O reencontro com o Bom Pastor é a maior alegria que podemos experimentar na vida, e elas devem sabê-lo desde muito pequeninas. Não terão certamente "pecados de chumbo" para apresentar ao Senhor, mas aos seis anos já têm um bom quilinho de "pecados de algodão"! Todos os dias as ensinamos a pedir desculpa - a nós, ao professor, ao irmão... Porque bateu no amigo, porque falou alto na aula, porque tirou um brinquedo ao mano, porque mentiu à mãe... Ensinemo-las também a pedir desculpa ao Senhor!

E Jesus toma-las-á aos ombros, cheio de alegria, chamará os amigos e vizinhos do céu e da terra e fará uma festa...

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publicado às 06:24

Escrito para sempre

por Teresa Power, em 04.03.15

Eu estava bastante zangada com o David. No entanto, o disparate que o David fizera não fora por mal, e certamente não merecia a minha impaciência, ou pelo menos, não merecia tanto. Depois de ralhar, e de perceber que exagerara, abracei-o.

- Desculpa, David! - Disse, com sinceridade.

- Já te desculpei há muito - Respondeu-me ele, encostando a cabeça ao meu corpo num abraço. - Eu sei que me portei um bocadinho mal, e também sei que tu não querias ralhar tanto.

- Tens razão. Fomos os dois um pouco tontos. Vamos esquecer?

- Já está!

Tranquilizada com o perdão do meu filho, entrei no escritório para arrumar uns livros, e qual não foi o meu espanto ao deparar-me com isto:

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A letra, o uso das maiúsculas e o esforço visível empregue neste trabalho não me deixaram dúvidas:

- Lúúúúúúúúcia!

A Lúcia apareceu a correr:

- Que foi, mãe?

- Posso saber quem andou a escrever nos móveis?

- ...

- Não consigo ouvir. Dizes-me por favor quem andou a escrever nos móveis?

- ...

- Lúcia?

- Mas, mãe, tu foste um bocadinho tótó. Ralhaste com o David e ele não tinha feito de propósito!

- E era preciso escrever isso no móvel?

O David chegou nesse momento. Perante a obra de arte da irmã, comentou:

- Oh Lúcia! Isso nunca mais vai sair! Um dia quando tu tiveres filhos, eles vão pensar que a nossa mamã ainda é tótó!

Não consegui disfarçar um sorriso. Mas foi com um ar forçadamente sério que explorei a ideia do David:

- Ai, Lúcia, os meus netos, bisnetos, trisnetos e tetranetos vão todos ficar a saber que eu sou tótó. Que tristeza!

A Lúcia tinha os olhos muito abertos:

- Ah, não pensei nisso! Olha, eu depois digo-lhes que me enganei.

E aos saltinhos, foi brincar.

 

Eu sei que, quando descobrimos o prazer da escrita, todas as superfícies são boas para escrever. Mas também sei que há coisas que só se devem escrever na areia. Entre elas, os pecados e os defeitos dos outros! Quando nos ensinou a rezar, Jesus ensinou-nos a perdoar o próximo prontamente, como o David fez:

 

"Perdoai-nos as nossas ofensas

Assim como nós perdoamos

aos que nos ofendem." (Mt 6, 12)

 

É que é na areia, também, que Deus escreve os nossos pecados, para poder, com uma só onda da sua misericórdia infinita, apagá-los assim que Lho peçamos...

 

"Tem piedade de mim, ó Deus, segundo a tua misericórdia,

segundo a tua grande clemência, apaga as minhas trangressões!

Lava-me todo inteiro da minha culpa

e purifica-me do meu pecado!

Pois reconheço as minhas culpas

e tenho sempre presente o meu pecado.

Lava-me, e ficarei mais branco do que a neve!" (Sl 51/50)

 

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publicado às 06:24

Vitrais coloridos

por Teresa Power, em 29.01.15

De entre as muitas fotos de férias que a Nathalie (nossa querida jovem leitora a partir do Brasil) me enviou, houve duas que chamaram a minha atenção - as fotos da Catedral de Brasília, dedicada a Nossa Senhora Aparecida:

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A Catedral é toda circular, as paredes são vitrais e não existem sequer colunas a sustentar o magnífico teto! Fiquei absolutamente encantada. Que maravilha! E que sensação deve ser, estar no interior de tão bela Catedral, onde também se encontra a cruz de madeira construída para a primeira missa em Brasília, no mato. 

Cada um destes vitrais pequeninos deixa passar a luz celeste, colorindo-a com a sua própria cor, mas sem com isso lhe retirar o brilho. Antes pelo contrário! Filtrada através de cada vitral, a luz que ilumina o interior da Catedral torna-se ainda mais bela.

Quando Adão e Eva se descobriram pecadores, optaram por se esconder do Senhor e por tapar a sua vergonha:

 

"Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e cingiram-se." (Gn 3, 7)

 

Mais tarde, Jesus disse-nos no Evangelho:

 

"Não há nada oculto que não venha a ser descoberto" (Mt 10, 26)

 

Este "vir a ser descoberto", quanto a mim, não significa que a nossa vida tenha de ser exposta num grande "Big Brother" televisivo, mas antes que a nossa vida deve ser exposta ao olhar luminoso do Senhor, sem qualquer receio, sem qualquer hesitação. Tudo, bom e mau, deve ser confiado à misericórdia divina, que tudo perdoa, que tudo corrige, que faz crescer todo o bem. O sacramento do perdão, que obriga ao segredo absoluto da parte do confessor, obriga-nos também à exposição absoluta do nosso pecado diante de Deus, sem "folhas de figueira". Não há caminho mais simples para se deixar atravessar pela luz celeste!

Cada um de nós é um vitral colorido, destinado a deixar passar a luz de Deus, colorindo-a com a sua própria vida, a sua personalidade distinta, as suas boas obras, as suas virtudes e até o seu pecado, desde que entregue à misericórdia divina. Nada do que somos e fazemos, nada mesmo, deve impedir a luz de passar através de nós para iluminar os que se abrigam sob o nosso olhar - os nossos filhos, amigos, vizinhos, colegas.

Quando assim o fizermos, o pequeno vitral que somos, ligado por Deus aos pequenos vitrais de cada um dos nossos irmãos, sustentará a Igreja do Senhor...

 

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publicado às 06:40

As palavras e as armas

por Teresa Power, em 17.01.15

Hora de aula de Inglês com a turma do Curso Vocacional.

- Professora, trouxe um trabalho sobre a família para mostrar - Diz-me uma menina, aos saltinhos de excitação - Quer ver? Levei quatro horas a fazer! Quatro horas!

Pego na cartolina que me mostra. Vejo um conjunto de fotografias grandes, representando-a a ela em várias idades e os dois irmãos mais novos. A um canto, a fotografia da mãe. Por cima, algumas palavras em inglês: "My mother, my brothers, me". 

- Muito bem! Não tens fotos do teu pai?

- Eu não tenho pai. Quer dizer, se tenho não sei quem ele é.

- Ah! E o teu padrasto, o pai dos teus irmãos?

- Esse está na prisão. Sabe, professora, ele está na prisão por causa de mim.

- ?

- Ele fez-me uma coisa quando eu tinha dez anos. Eu tive de levar uma transfusão de sangue, e ele foi para a prisão. E sabe, o meu pai fez o mesmo à minha mãe, e é por isso que eu nasci.

- Compreendo. Queres apresentar o teu trabalho à turma?

- Tenho vergonha!

Ajudo-a a apresentar o trabalho. No meio do barulho e da confusão geral, alguns escutam.

- Quem quer ser o próximo a fazer um trabalho sobre a família? - Pergunto.

- Nem pense, professora! Eu do meu pai nem quero ouvir falar!

- E porquê?

- A professora chamaria pai a um homem que era capaz de o trancar num quarto durante dois dias seguidos, sem comer nem beber? E eu só com quatro anos? Ele merecia uma bala na cabeça! Se eu o apanhasse hoje diante de mim, depois de tudo o que fez à minha mãe e a nós, mandava-lhe um tiro na cabeça, pode crer!

- Isso não é nada. Havias de ver o meu pai!

Volto-me para ver quem fala agora.

- Que tem o teu pai?

- Não quero falar nisso.

- O meu saiu da casa quando eu tinha dois anos - Explica-me uma menina de sorriso aberto e longos cabelos louros, incapaz de estar quieta. - Nesse dia, contou-me a minha mãe, ele partiu-me um vaso na cabeça e eu fui parar ao hospital.

- Olha, o meu é um banana. - Um rapaz matulão e barulhento junta-se à conversa - Imagina que a namorada dele pos-me fora de casa! Disse que eu fazia muito barulho de manhã, nas férias, e ela queria dormir. 

- E onde vives então agora?

- Vivo em casa da minha avó. A minha mãe abandonou-me há alguns anos, e aquela parva da namorada do meu pai não gosta de mim. Eu também não gosto dela.

 

A conversa salta de aluno para aluno, e todos têm uma espada afiada para exibir. Tenho a cabeça a andar à roda. Uma vez por semana, procuro oferecer à turma alguns minutos de conversa, mas há dias em que se torna difícil suportar os seus desabafos, de tão doridos eles são. Enquanto escuto, sem que me aperceba, dois já começaram à luta, e a Márcia está a chorar porque alguém lhe roubou o estojo. Finalmente, a campaínha toca, e todos correm para o intervalo.

 

Ao arrumar os meus livros e trancar a porta da sala, dou comigo a meditar nas palavras de S. Paulo:

 

"Que tens tu que não tenhas recebido?" (1Cor 4, 7)

 

Na verdade, que diferença há entre mim e eles? Que fiz eu de extraordinário para ter tido a graça de nascer numa família cheia de amor? Que fizeram eles de errado para nascerem frutos de violações e crescerem no meio de todo o tipo de violência? De que me posso gabar ou envaidecer? Que tenho eu que não me tenha sido dado de graça, absolutamente de graça? 

É muito fácil envaidecermo-nos daquilo que somos, da nossa fé, das nossas boas obras. Fazemo-lo o tempo todo, mesmo sem nos darmos conta. Somos muito mais fariseus do que imaginamos! Eu, pelo menos... Mas quando chegarmos ao Céu, iremos ficar tão envergonhados! Então veremos as graças que foram derramadas sobre nós, o seu porquê, e a forma como as desperdiçámos dia a dia. 

O meu aluno mal sabe ler e tem dificuldade em entender o que eu explico. Eu recebi muito mais do que ele... Quem terá mais contas a dar a Deus - ele, se um dia meter uma bala na cabeça do pai, ou eu, que às vezes perco a paciência e me irrito contra o próximo, dizendo o que não devia? A questão tão pertinente da liberdade de expressão de novo à baila... Matar com armas é pecado; mas matar com palavras também. Jesus foi muito claro:

 

"Ouvistes o que foi dito aos antigos: 'Não matarás'.

Eu, porém, digo-vos: todo aquele que chamar louco a seu irmão terá de responder na geena de fogo."

(Mt 5, 21-22)

 

Quantas vezes por dia eu preciso de pedir perdão e de ser perdoada! Que seria de nós sem o perdão uns dos outros e de Deus?

Fm, perdoe-me por favor a falta de paciência e o sarcasmo no outro dia, num comentário que já apaguei...

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publicado às 05:47

Perigo no presépio

por Teresa Power, em 15.12.14

Ontem, ao contemplar o presépio, algo estranho chamou a minha atenção: misturados com as ovelhinhas, os pastores, as conchinhas da praia e os restantes elementos bucólicos que se espraiam pelo musgo, estavam duas ferozes criaturas...

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Como terão o leão e o tigre ido parar ao presépio? Fiquei em pânico, com medo que algo pudesse acontecer ao Menino Jesus, tão frágil, deitado numa manjedoura pequena demais para Ele, e já com um pezinho partido à custa de beijinhos desajeitados... Mas depois lembrei-me de que talvez o leão e o tigre conhecessem a profecia de Isaías, e daí o terem arriscado caminhar até à gruta de Belém:

 

"Então o lobo habitará com o cordeiro e o leopardo deitar-se-á com o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o animal cevado estarão juntos, e um menino os conduzirá. A vaca e o urso pastarão lado a lado, as suas crias deitar-se-ão juntas, e o leão comerá feno como o boi. A criança de peito brincará junto à toca da víbora, e a criança desmamada porá a mão na cova da serpente." (Is 11, 6-8)

 

Um urso a pastar ao lado de uma vaca e um leão a comer feno como um boi é verdadeiramente uma revolução grandiosa, difícil de imaginar. Num dia da semana passada, conversando com um aluno da minha direcção de turma, perguntava-lhe:

- Como queremos nós que haja paz na Terra, se vocês, jovens, não conseguem relacionar-se no espaço de uma turma? Escrever insultos no Twitter sobre as tuas colegas não parece uma estratégia muito apropriada para se conseguir ser aceite...

Ele ficou pensativo. Depois assentiu:

- Tem razão, professora. - E acrescentou: - Mas mesmo que eu tente mudar e voltar a ser amigo delas, elas já não acreditam em mim. Ninguém, nem os professores nem os meus amigos, me quer dar outra oportunidade!

Quando ele saiu de junto de mim, fiquei a pensar no que significa isto de fazer a paz. Às vezes, somos nós os leões que precisam de aprender a comer feno; outras, somos o menino que precisa de não ter medo de meter a mão na toca da víbora...

Fazer a paz implica trabalhar o nosso carácter, dominar os nossos instintos e converter o nosso coração; mas também implica dar ao outro a oportunidade de provar que está mudado! Precisamos - na família, no casamento, nas amizades - de muita humildade e de muita confiança em Deus para colocarmos a mão na toca da víbora, acreditando que, desta vez, ela não nos morderá.

Ah, a paz de Jesus é tão exigente!...

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publicado às 06:24

Desfazendo o feitiço

por Teresa Power, em 04.09.14

- David, vem tomar o pequeno-almoço!

- Espera!

- Agora!

- Espera!

O David costuma sentar-se a ler um livro na sala assim que acorda, e confesso que às vezes, na confusão dos pequenos-almoços - para mim, é a refeição mais difícil de gerir no dia inteiro - até me esqueço dele, tal é o seu silêncio à volta do livro.

- Não tenho o tempo todo! Os manos já foram brincar e tu ainda sem comer!

Zangado, o David apareceu na cozinha. Ao entrar, tropeçou e bateu com a cabeça na porta, o que o irritou ainda mais. Começou a chorar.

- Eu só queria acabar o capítulo!

- Bom dia, David - Disse o pai, tentando ser simpático.

- Calem-se todos! Estão a enervar-me! EU NÃO QUERO COMER!

- Ok, vamos fazer outra coisa - Atalhou o Niall, sem perder a calma - Vais voltar ao teu quarto, sentas-te na cama e fazes de conta que estás outra vez a acordar. Depois vens direitinho à cozinha e dás-nos os bons dias com um sorriso. Esquecemos tudo o que se passou até agora e fazemos de conta que o dia vai começar!

O David gostou da ideia. Alguns minutos depois entrou na cozinha com um sorriso bonito e deu-nos os bons dias muito bem disposto. Depois, finalmente, sentou-se para tomar o seu pequeno-almoço.

 

Escreveu Hannah Arendt, uma filósofa alemã de origem judaica (1906-1975):

 

"Se não fôssemos perdoados, eximidos das consequências daquilo que fizemos, a nossa capacidade de agir ficaria por assim dizer limitada a um único ato do qual jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre as vítimas das suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço." (citado pelo Correio do Vouga, 3 de setembro de 2014)

 

Esta oportunidade de começar de novo, esta possibilidade de desfazermos o feitiço do mal sempre que necessário é na verdade uma das maiores graças que Deus nos concede. Que seria de nós sem o perdão contínuo de Deus? Que seria de nós sem o perdão contínuo uns dos outros?

 

"Não te digo para perdoares até sete vezes, mas até setenta vezes sete" (Mt 18, 21-22)

 

O sorriso feliz do David, ao entrar na cozinha pela segunda vez, deu-me um vislumbre da razão pela qual Deus ainda não destruiu o mundo...


 

 

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publicado às 06:54

O telemóvel e a liberdade dos filhos de Deus

por Teresa Power, em 08.07.14

Cá em casa, só o pai e a mãe possuem telemóvel. O Francisco é o único adolescente de quinze anos que eu conheço que não tem telemóvel, mas também não deseja ter. Para quê? Os amigos conhecem o meu número de telemóvel e de casa, e telefonam quando querem:

- Boa tarde, posso falar com o Power? - Pergunta geralmente uma voz forte masculina (por enquanto...) do outro lado.

- Ó rapaz, Powers há muitos por aqui. Tens de ser mais específico! - Respondo na brincadeira, porque sei bem quem é o "Power" desejado.

 

Ontem, como de costume, o Francisco foi de bicicleta até à quinta onde monta a cavalo, e por lá ficou toda a tarde. Geralmente, costuma regressar entre as seis e as sete, mas ontem eram oito horas e ele ainda não tinha voltado. Confesso que eu já estava com o estômago às voltas, e na minha mente passavam algumas imagens pouco agradáveis, desde acidentes com cavalos, a acidentes com a bicicleta no caminho de regresso. Por fim, não aguentando mais a ansiedade, pedi ao Niall que fosse ver o que se passava. Ele foi de carro e voltou pouco depois, com um sorriso divertido na cara.

- O Frankie está a saltar obstáculos neste momento - Disse-me - Vi-o ao longe, e graças a Deus, ele não me viu. O que iria ele dizer? Portanto, fica descansada que ele há-de regressar.

E regressou!

 

Quando eu tinha a idade do Francisco, e tal como o Francisco, saía de casa para as minhas inúmeras actividades e regressava quando elas terminavam. Antes de sair, escutava os conselhos dos meus pais, e durante as minhas actividades, lembrava-me muitas vezes das suas palavras. No entanto, eu sabia que eles não estavam ali para me salvarem de qualquer situação, sabia que não era possível telefonar se me visse em apuros e sabia também que eles dificilmente iriam saber o que eu estava realmente a fazer com o meu tempo, fossem algumas horas ou alguns dias, como no caso dos campos de férias. Excepção, claro está, para acidentes.

Por outras palavras: eu era livre e, consequentemente, responsável. Livre e responsável para ser santa, e livre e responsável para pecar. A escolha, boa ou má, era minha. Se errasse, talvez a minha única testemunha diante de Deus fosse o meu anjo da guarda! Eu podia então abeirar-me do confessionário, com confiança, pedir perdão a Deus e recomeçar a minha vida com a certeza de que o meu passado estava apagado.

Olhemos agora para os adolescentes de hoje, que geralmente classificamos de livres, independentes e radicais. Que liberdade têm eles realmente? Haverá algum momento do seu dia em que estejam "incontactáveis", verdadeiramente por sua conta e risco? Haverá algum momento em que não se sintam controlados? Onde está a liberdade cristã, se os controlamos à distância através do telemóvel? E a responsabilidade, que só nasce no solo da liberdade? Se errarem, será que podem mesmo recomeçar do zero? E as dezenas de fotos no Facebook e nos telemóveis a guardar (save) para sempre o seu pecado? Que fizémos nós da misericórdia do Bom Pastor?

 

"Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém. Tudo me é permitido, mas eu não me farei escravo de nada." (1Cor 6, 12)

 

Assim explicou S. Paulo, falando da liberdade e da responsabilidade. Outro dia, fiquei agradavelmente surpreendida quando o Francisco me disse:

- Sabes, mãe, às vezes escuto os meus colegas, e dou-me conta de que tu me dás mais liberdade do que eles têm.

Admirei-me, porque objectivamente falando, não me parece verdade! O Francisco não tem Facebook, não tem telemóvel, nunca foi a uma discoteca, e tem uma série de obrigações a cumprir, das tarefas domésticas ao estudo, da missa à oração familiar. O que é que faz com que ele não as sinta como obrigações, mas antes as viva como responsabilidades naturais?

Mas também é verdade que desde os doze anos o Francisco - para grande espanto dos seus amigos e dos pais dos seus amigos - vai para todo o lado de bicicleta, sozinho, e passa tardes inteiras em casa de amigos ou em cima dos cavalos, sem telemóvel...

 

 

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publicado às 07:13

As desculpas não se pedem?!

por Teresa Power, em 12.05.14

A Lúcia berrava a plenos pulmões. A correr, veio mostrar-me o braço, onde os dentes bem marcados do António faziam uma bela tatuagem. Abracei-a, cuidei do braço, e depois fui falar com o António.

- Foi sem "quer"! - Disse-me ele, pensando que eu ia acreditar. Com calma, convenci-o a pedir desculpa à Lúcia, e ele lá foi, com o lábio a tremer - pois apesar de ter sido o autor do "crime", sabia bem como as dentadas doem.

- Desculpa! - Disse ele, de olhos baixos. E foi então que a Lúcia desbobinou aquela frase terrível, tão na moda:

- As desculpas não se pedem, evitam-se!

 

Na semana passada, na escola, uma funcionária veio queixar-se de um aluno da minha direcção de turma. Ele tratara-a mal e referira-se a ela chamando-lhe "bruxa feia". Falei com o meu aluno, zanguei-me com ele e fi-lo ir pedir desculpa à funcionária. Qual não foi o meu espanto quando, observando a cena de longe, a ouvi responder como a Lúcia:

- As desculpas não se pedem, evitam-se!

 

O meu aluno afastou-se a rir. O seu comportamento em relação à funcionária continuará certamente idêntico.

O António ter-se-ia afastado de cabeça alta de orgulho, despeitado com a resposta da Lúcia, se eu não tivesse interferido e corrigido a Lúcia.

Porque, Lúcia, as desculpas pedem-se sim! Pedem-se e dão-se, e não se fala mais no assunto. Claro que todos temos de evitar fazer o mal, mas depois de o fazermos, precisamos de sentir que ele não nos vai destruir nem corroer por dentro. Não há nenhum ser humano que não mereça uma segunda, uma terceira, uma milésima oportunidade para experimentar o poder do bem na sua vida. Se há uma marca distintiva dos cristãos, ela tem de ser o perdão. Disse Jesus:

 

"Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas." (Mt 6, 14-15)

 

Que seria de mim se, de cada vez que me fosse confessar, o senhor padre me dissesse, em nome de Jesus:

"As desculpas não se pedem, evitam-se!" ? Deus tenha piedade de mim!

 

Finalmente, a Lúcia perdoou o António e abraçou-o. Alguns minutos mais tarde, já brincavam os dois juntos de novo, apanhando caracóis na horta para colocar com jeitinho nas suas "casinhas":

 

 

 

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publicado às 09:08

Zaqueu

por Teresa Power, em 04.04.14

Há uns meses, um aluno meu teve um gesto muito feio: aproveitando um momento de distracção, em que me dirigi à porta da sala para falar com um pai de uma aluna, foi discretamente à minha secretária e retirou o teste por corrigir de um colega de turma, do cimo da pilha de testes que lá encontrou, rasgou-o e voltou para o seu lugar. Nem o meu pânico ao julgar ter perdido um teste, nem o pânico do colega que ficou sem ele, foram suficientes para que se acusasse. Uma semana mais tarde, depois de alguma investigação, este meu aluno foi desmascarado e castigado. Como ele nunca me pediu desculpa e o castigo lhe foi atribuído pela directora de turma, nunca falei com ele sobre o assunto. E a frieza instalou-se entre nós.

Os meses foram passando. Este aluno, que já era mau estudante, tornou-se péssimo. Deixou de ter caderno diário e de prestar atenção às aulas e mostrava abertamente que não tinha qualquer interesse na disciplina. Preocupada, procurei soluções, em vão. Mas um dia em que me preparava para me confessar, ocorreu-me o óbvio: apesar de já ter o perdoado há muito tempo, nunca lho dissera! Adiei a minha confissão - não posso ir ter com Deus sem antes fazer as pazes com o irmão, disse Jesus (Mt 6, 14-15; 18, 35; 5, 23-24) - e, no dia seguinte, chamei o menino. Ele sentou-se na cadeira à minha frente e olhou-me com medo. Comecei:

- Tens pensado naquilo que fizeste?

- Desculpe, professora! - Foi a sua resposta imediata, quase ao mesmo tempo que eu formulava a pergunta.

- Já te desculpei há muito tempo - Disse-lhe, o mais carinhosamente que pude. - Que tal se agora começasses a trabalhar e a esforçar-te?

Ele sorriu, um sorriso aberto como eu não via há meses.

- Vou esforçar-me! - Prometeu.

E nesse mesmo dia, a sua atitude mudou. De repente, o meu aluno mostrou-se atento nas aulas, começou a fazer os trabalhos de casa e até apresentou trabalhos que não pedi. Os colegas admiraram-se com tanta mudança, mas eu entendi: o perdão abriu as portas fechadas do seu coração e da sua mente. O perdão ofereceu-lhe uma nova oportunidade para ser bom, para ser feliz.

 

Foi assim com Zaqueu (Lc 19, 1-10). Empoleirado naquela árvore, Zaqueu estava imobilizado pelo seu passado de pecado. De repente, veio Jesus, chamou-o pelo nome e fez-Se convidado para sua casa. Que alegria! O perdão de Jesus ofereceu a Zaqueu uma nova oportunidade para ser bom, para ser feliz. E naquele mesmo dia, a sua vida mudou.

 

Quando perdoamos os outros, abrimos-lhes portas para a felicidade.

Quando nos vamos confessar, nomeando um a um os nossos pecados, Deus abre-nos portas para a felicidade!

Eu perdoara ao meu aluno, mas não lho dissera. Enquanto ele não escutou as palavras de perdão da minha boca, o meu perdão não fez caminho nele.

Confessarmo-nos é darmos a Deus a oportunidade de nos dizer: "Sim, já te perdoei há muito tempo! Sim, já derramei por ti todo o meu sangue! Sim, desde o início do mundo que espero por ti!"

Enquanto não me disponho a escutar as palavras do sacerdote - "Vai em paz, os teus pecados estão perdoados!" - o perdão de Deus não faz caminho em mim...

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publicado às 08:43

Desculpa!

por Teresa Power, em 22.03.14

- Desculpa, António. A mãe portou-se mal.

- Ai portou?

- Sim. Tu portaste-te mal primeiro, mas eu exagerei. Não devia ter gritado tanto, porque te assustei. E isso é muito feio, assustar uma criança. E também te bati com muita força no rabo. Fiquei com a mão a doer!

- Ai ficaste? E já passou?

- Já, já passou. E a ti?

- A mim também já passou. Eu portei-me muito mal!

- Sim, às vezes todos nos portamos mal. Portámos os dois!

- Então os pais também se portam mal?

- Pois claro que sim. Desculpa.

- Está bem. Desculpa tu também!

- E se fossemos os dois pedir desculpa a Jesus?

- Como?

- Vamos ali ao Canto de Oração. Anda! Ajoelhamos e dizemos: "Perdoa, Jesus, porque nos portámos muito mal. Ajuda-nos a sermos melhores!"

 

O Papa Francisco disse numa homilia recente que as famílias precisam de três palavras para serem felizes:

 

"Com licença, obrigado, desculpa!" (26/10/13)

 

E S. Paulo recomenda aos cristãos de Éfeso:

 

"Que o sol não se ponha sobre a vossa ira." Ef 4, 26)

 

Recordo-me de muitas zangas na nossa família, de muitos excessos de gritos, de muitos amuos e de muitas palavras más. Mas não me recordo de algum dia o sol se ter posto sobre a nossa ira.

Claro que nem sempre o perdão se traduz de imediato em alegria. Algumas feridas custam mais a sarar, e é preciso muita paciência connosco e com os outros para que a dor acalme. Mas uma vez dado e recebido, o perdão começa a abrir o seu caminho de paz no casal e na família.

A nossa oração familiar, antes do dia terminar, não começa sem que todos se sintam perdoados. Cada vez somos mais exigentes neste ponto, tanto entre nós, casal, como entre os nossos filhos. De outra forma, como podemos rezar o Pai-Nosso? É preciso pedir perdão e perdoar, os pais entre si, os irmãos entre si, os pais aos filhos e os filhos aos pais, para podermos experimentar o perdão divino. Só quem se sabe perdoado é capaz de amar!

 

 

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publicado às 07:42



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