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As figuras de estilo e as mães

por Teresa Power, em 10.10.14

Num destes dias, li à Lúcia e ao David, durante o nosso tempo de leitura ao serão, A Menina do Mar, de Sophia de Mello Breyner Andresen. Deliciámo-nos - eu conscientemente, eles em cada vibração da sua alma - com a magnificência das descrições, o som das palavras na boca, o marulhar das ondas de verão de regresso ao pensamento. Sophia escreve muito bem, claro. E é muito diferente ler uma história escrita por um "amador" das letras, contida num dos milhares de livros infantis à venda, ou ler uma história escrita por uma Sophia.

Mas quando acabei de ler, e depois de uns segundos de silêncio pensativo, o David perguntou:

- O Rapaz não tinha mãe?

Sorri para mim própria. Realmente, não dá para acreditar que uma criança com mãe pudesse decidir de repente ir embora da vida, mergulhando num mar estranho, atrás da Menina do Mar. É difícil imaginar o Rapaz feliz ao abandonar a sua casa para sempre e de forma tão radical, a não ser se o imaginarmos maltratado ou órfão. A pergunta do David fez-me compreender o porquê daquela estranha sensação que sempre me fica na alma depois de ler um livro de Sophia.

Dei-lhe a única resposta possível:

- Acho que não, David.

Depois de os deitar, arrumei o livro na estante, ao lado de outros livros da Sophia. Suspirei. Nem pensar em ler A Floresta, onde a menina principal vive rodeada de criadas e criados, numa casa enorme e num bosque magnífico, mas onde continua a não haver uma única mãe; ou A Fada Oriana, onde a família numerosa do moleiro não é capaz de se organizar e cuidar dos seus filhos, a família do lenhador quase morre de fome e de frio, e a única pessoa sensata vive sozinha; no Cavaleiro da Dinamarca há uma família à espera, eu sei; mas não tem nome nem acção. Há nos livros de Sophia, por detrás da beleza das palavras e da rectidão de valores básicos, uma torre incontornável de solidão e aspereza e uma perturbadora ausência da família. Nos seus livros (como na sua vida) falta o colo de uma mãe.

Todos os anos, na nossa casa, há sempre alguém que tem como leitura obrigatória escolar uma história de Sophia. E apesar de todos os valores transmitidos na sua obra, confesso que estou um pouco cansada, pelos valores que nela faltam. Eu sei que é mais simples escolher uma obra já bem trabalhada. E o "sempre se fez assim" tem muita força! Mas as figuras de estilo não são mais importantes que a noção de família, e um professor cristão tem de estar atento a ambas.

 

Não me levem a mal... Não estou apenas a falar de literatura. Também estou a falar de Geografia, de Matemática, de Física, de Artes, de Inglês. Como professora cristã, tenho a obrigação de estar vigilante! Um problema matemático sobre lucro é importante, mas um cristão precisa de se certificar que as crianças resolvem problemas suficientes sobre partilha e doação; um texto em inglês sobre Shakira pode ser muito giro, mas é preciso que seja contrabalançado com textos suficientes sobre personalidades verdadeiramente motivadoras de valores cristãos. Enfim, S. Paulo deu aos filipenses uma sugestão que continua válida como critério nas nossas escolhas:

 

"De resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é respeitável, tudo o que possa ser virtude e mereça louvor, tende isso em mente." (Fl 4, 8)

 

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publicado às 06:56


2 comentários

De Olívia a 10.10.2014 às 12:20

Se sentes isso estando os teus filhos numa escola católica, imagina nós... em que a única coisa que poderia aproximar as minhas filhas da religião é a disciplina de moral, no entanto acho que mesmo lá parece que Deus está tão longe... veja-se na altura das festas grandes: Natal e Páscoa, nada se faz para manter vivo o Menino do presépio... a festa da vida vivida na Páscoa, os valores da família, enfim tantas coisas...

De Carla a 11.10.2014 às 00:03

Infelizmente, hoje em dia, tal como na nossa sociedade, também na escola existe uma grande lacuna de valores. Os valores fundamentais da vida foram-se perdendo e o local privilegiado para os manter vivos, a escola em todas as suas dimensões, tb não os ensina, e principalmente não os vive. Muitas vezes sobre a bandeira da laicidade, deixa de apregoar de viva voz os verdadeiros valores da vida, trsnsversais a todas as religiões. Quanto à disciplina de EMRC, da responsabilidade da igreja católica, tem de começar por fazer uma verdadeira selecção de professores, pela sua competência mas tb pela sua vida no dia a dia. Não podemos ensinar os meninos sob o sligan olha para o que eu digo, mas não olhes para o que eu faço.

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