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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Oração familiar. Depois de deitarmos os três mais novos, partilhamos as leituras da missa do dia com o David, a Clarinha e o Francisco. Nestes dias de quaresma, meditamos no Evangelho de S. João, onde Jesus fala da sua missão aos amigos. E lemos:
"As obras que o Pai Me deu para realizar, estas obras que Eu faço, dão testemunho de que o Pai Me enviou. O Pai que Me enviou também dá testemunho de Mim. Vós nunca ouvistes a sua voz, nem vistes o seu rosto, nem tendes a sua palavra em vós, pois não credes Naquele que Ele enviou. Sei que não tendes o amor de Deus em vós. Eu vim em nome de meu Pai e não Me recebeis." (Jo 5, 36-38.41-42)
- Não percebi nada - disse o David. - Então afinal quem é Deus? É Jesus ou é o Pai?
- É Jesus, é o Pai e ainda é o Espírito Santo - Respondeu a Clarinha.
- Ah, então é por isso que nós dizemos Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo?
- Sim, David.
- Mas nós estamos sempre a dizer que só há um Deus!
- Só, porque o Pai, o Filho e o Espírito Santo são o mesmo Deus.
- Como é possível? Não entendo.
- Se entendesses Deus, Ele não seria Deus, porque seria mais pequeno que a tua inteligência - Intervi eu então.
- Vou explicar-te um bocadinho - Disse o Francisco - Vou mostrar-te como a Irmã de Religião e Moral me explicou, há uns anos atrás. Mãe, tens aí três velas?
Fui buscar, e aproveitei para trazer também a máquina fotográfica, para que vocês possam acompanhar a explicação. O Francisco deu uma vela ao David, uma à Clarinha e segurou na terceira. Depois acendeu-as e juntou as chamas, criando uma única chama: a Trindade.
É porque Deus é Trindade que o amor e a vida são o que são. Eu explico:
É porque Deus é Um, mas contém em Si mesmo três pessoas distintas, que o universo inteiro, tal qual o "conhecemos" hoje, pode ter estado contido numa partícula mais pequena do que um átomo, lá atrás, no início do tempo. Assim me contaram o Francisco e a Clarinha, que gostam imenso de Físico-Química e conversam muitas vezes, à mesa, sobre estes assuntos tão interessantes!
É porque Deus é Um, mas ao mesmo tempo Três, que o amor de um casal só se realiza plenamente quando esse amor gera um filho - ou, na impossibilidade de o fazer, se desdobra em gestos de amor para fora do casal, como trabalho de voluntariado. Bem, é porque Deus é Trindade, que existe o próprio amor, a relação entre humanos em que só nos realizamos plenamente na entrega aos outros!
E já olharam bem para a chama de cada uma das três velas? O fogo não se esgota por se repartir por várias velas, antes permanece todo em cada uma, como se só ela existisse. Cada vela tem o fogo completo, e quando unidas, a chama continua a estar completa! É porque Deus é Um e é Trino que acontece aquele fenómeno estranho na maternidade e na paternidade: amamos um filho ou amamos dez com a mesma intensidade, com a mesma exclusividade! Quando vejo mães com o legítimo receio - que já foi meu - de terem mais filhos por acharem que não vão ter tempo para eles, costumo dizer: um filho ocupa todo o nosso tempo e todo o nosso coração; dez filhos também! A chama continua individida, esteja ela repartida por uma ou por dez velas!
Se Deus não fosse Trindade, não havia nem universo, nem amor...
Há uns meses, um aluno meu teve um gesto muito feio: aproveitando um momento de distracção, em que me dirigi à porta da sala para falar com um pai de uma aluna, foi discretamente à minha secretária e retirou o teste por corrigir de um colega de turma, do cimo da pilha de testes que lá encontrou, rasgou-o e voltou para o seu lugar. Nem o meu pânico ao julgar ter perdido um teste, nem o pânico do colega que ficou sem ele, foram suficientes para que se acusasse. Uma semana mais tarde, depois de alguma investigação, este meu aluno foi desmascarado e castigado. Como ele nunca me pediu desculpa e o castigo lhe foi atribuído pela directora de turma, nunca falei com ele sobre o assunto. E a frieza instalou-se entre nós.
Os meses foram passando. Este aluno, que já era mau estudante, tornou-se péssimo. Deixou de ter caderno diário e de prestar atenção às aulas e mostrava abertamente que não tinha qualquer interesse na disciplina. Preocupada, procurei soluções, em vão. Mas um dia em que me preparava para me confessar, ocorreu-me o óbvio: apesar de já ter o perdoado há muito tempo, nunca lho dissera! Adiei a minha confissão - não posso ir ter com Deus sem antes fazer as pazes com o irmão, disse Jesus (Mt 6, 14-15; 18, 35; 5, 23-24) - e, no dia seguinte, chamei o menino. Ele sentou-se na cadeira à minha frente e olhou-me com medo. Comecei:
- Tens pensado naquilo que fizeste?
- Desculpe, professora! - Foi a sua resposta imediata, quase ao mesmo tempo que eu formulava a pergunta.
- Já te desculpei há muito tempo - Disse-lhe, o mais carinhosamente que pude. - Que tal se agora começasses a trabalhar e a esforçar-te?
Ele sorriu, um sorriso aberto como eu não via há meses.
- Vou esforçar-me! - Prometeu.
E nesse mesmo dia, a sua atitude mudou. De repente, o meu aluno mostrou-se atento nas aulas, começou a fazer os trabalhos de casa e até apresentou trabalhos que não pedi. Os colegas admiraram-se com tanta mudança, mas eu entendi: o perdão abriu as portas fechadas do seu coração e da sua mente. O perdão ofereceu-lhe uma nova oportunidade para ser bom, para ser feliz.
Foi assim com Zaqueu (Lc 19, 1-10). Empoleirado naquela árvore, Zaqueu estava imobilizado pelo seu passado de pecado. De repente, veio Jesus, chamou-o pelo nome e fez-Se convidado para sua casa. Que alegria! O perdão de Jesus ofereceu a Zaqueu uma nova oportunidade para ser bom, para ser feliz. E naquele mesmo dia, a sua vida mudou.
Quando perdoamos os outros, abrimos-lhes portas para a felicidade.
Quando nos vamos confessar, nomeando um a um os nossos pecados, Deus abre-nos portas para a felicidade!
Eu perdoara ao meu aluno, mas não lho dissera. Enquanto ele não escutou as palavras de perdão da minha boca, o meu perdão não fez caminho nele.
Confessarmo-nos é darmos a Deus a oportunidade de nos dizer: "Sim, já te perdoei há muito tempo! Sim, já derramei por ti todo o meu sangue! Sim, desde o início do mundo que espero por ti!"
Enquanto não me disponho a escutar as palavras do sacerdote - "Vai em paz, os teus pecados estão perdoados!" - o perdão de Deus não faz caminho em mim...
Esta semana recebi uma notícia triste: uma família amiga teve de deixar a casa onde sempre viveu, a casa que construiu ao longo de décadas com amor e suor, porque o banco os expulsou de lá. É difícil imaginar a raiva, a revolta, a tristeza e a saudade. Mas os bancos são implacáveis e não sabem perdoar. Quem não paga tem de sair. Lei é lei.
Penso em quantos milhões de pessoas, neste exacto momento, vivem longe das suas casas, da sua terra e da sua família, porque não podiam pagar, porque a guerra os expulsou, porque precisam de trabalhar, porque precisam de viver.
Penso em Abraão. Às vezes, ao lermos a Bíblia, não damos o devido valor ao sentido das palavras. Este homem que olhava para o céu e contemplava as estrelas não teve uma vida encantada! A grande aventura da nossa fé judaico-cristã começou quando um homem já idoso partiu da sua casa, da sua terra e de tudo o que lhe oferecia segurança, em direcção ao desconhecido, guiado por uma voz que só ele ouvia. Que loucura! E que fé...
Ao ouvirmos o que aconteceu aos nossos amigos, o Niall e eu conversámos.
- Já pensaste que dentro de alguns anos, vá lá, no máximo cinquenta anos, teremos também de deixar esta nossa casinha?
- Não teremos de andar mais de gatas a apanhar peças de lego debaixo dos sofás!
- Nem teremos de nos ajoelhar na lama do galinheiro para apanhar os ovos que as galinhas insistem em pôr debaixo da casota!
- Nem teremos de pôr a funcionar duas máquinas da louça e duas máquinas da roupa por dia!
- Nem teremos de nos preocupar com a humidade das paredes, o jardim inundado, as fechaduras partidas, a relva estragada!
Começámos a rir. É libertador pensar que a nossa casa definitiva não é aqui na terra! É libertador encontrar alguma esperança na tristeza dos nossos amigos e de tantos outros sem casa pelo mundo inteiro. Porque S. Paulo escreveu assim:
"Sabemos que, ao se desfazer a tenda que habitamos - a nossa casa terrestre - teremos nos céus uma casa preparada por Deus e não por mãos humanas, uma casa eterna." (2Cor 5, 1)
A nossa "casa" no céu tem uma grande vantagem: ela foi preparada por Deus para cada um de nós, e foi-nos oferecida de graça! Nós nunca teremos "dinheiro" suficiente para a comprar, mas Deus não é um banqueiro implacável, que nos retira os bens se não pagarmos. E porquê? Porque Jesus já pagou a nossa dívida! S. Paulo escreveu longamente sobre a diferença entre lei e graça, entre os "banqueiros implacáveis" e o Deus de amor. Leiam a Carta aos Romanos, essa magnífica obra de arte cristã! A cruz conquistou-nos o céu. A nossa "casa" está paga antes ainda de nela habitarmos! Jesus prometeu aos seus amigos:
"Na casa de meu Pai há muitas moradas. Quando Eu tiver ido e vos tiver preparado um lugar, voltarei novamente e levar-vos-ei Comigo." (Jo 14, 2-3)
Graças ao sangue de Jesus, todo o nosso sofrimento presente ganha sentido. Há um final feliz para a vida de cada um de nós! Trabalhemos então para embelezar a nossa casinha do céu (já falei dela também aqui), muito mais segura e importante que a nossa casinha da terra...
1 de abril. Sentados à mesa de jantar, conversamos e rimos alegremente. Os mais pequenos partilham anedotas e inventam mentiras, porque afinal o 1 de abril é o dia das mentiras. De repente, o António desata a chorar.
- Que se passa, António? Estavas tão contente! O que aconteceu agora?
- Todos sabem dizer mentiras menos eeeeeeuu! Eu não sei dizer mentiiiiiiiiras!
E diante de tão grande problema, o António soluça a bom soluçar!
A birra que ontem o António fez à mesa de jantar foi uma excepção a uma regra muito, muito recente: é que há quase uma semana que o António não faz birras! Um record digno do Guiness Book, como concordarão todos os que conhecem as birras do António.
Depois de o ajudar a secar as lágrimas e, já agora, a inventar uma pequena mentira para contar aos irmãos, decidi elogiá-lo diante de todos:
- Já viram, filhos? O António porta-se agora sempre tão bem! Por isso tem oferecido tantas flores a Jesus. Que maravilha!
- A mamã ensinou-me - explicou o António, escondendo a cara na minha camisola, cheio de vergonha - e eu aprendi! Já tenho quatro anos...
No belíssimo capítulo 13 da sua Primeira Carta aos Coríntios, S. Paulo diz assim:
"Quando eu era criança, falava como criança, raciocinava como criança, pensava como criança; mas quando me tornei homem, abandonei as coisas de criança." (1Cor 13, 11)
Uma afirmação tão óbvia, e no entanto... Quantas vezes me comporto como uma criança birrenta com a minha família ou até no meu trabalho? Quantas vezes causo problemas em casa com atitudes semelhantes às do António?
Há uns anos, discuti com o Niall à mesa, porque o arroz que ele fizera tinha demasiada água. Ele respondeu-me que o meu era demasiado seco, e eu resmunguei qualquer coisa de volta. E assim continuámos durante um bom bocado. Enquanto discutíamos, os nossos filhos olhavam uns para os outros, perplexos. Por fim, desataram a rir.
- Querem que nós decidamos quem faz melhor o arroz? - Perguntou o Francisco, divertido.
Olhámos um para o outro e apercebemo-nos do ridículo da situação. Decidimos rir também. Ainda hoje, quando nos vêem discutir, o Francisco e a Clarinha aproximam-se sorrateiramente e dizem num tom provocador:
- É por causa do arroz?
Crescer é deixar para trás as birras infantis. Os nossos primeiros anos de casados estavam recheados deste tipo de discussões, altamente desgastantes e perfeitamente ridículas. Hoje rimo-nos a bom rir daquilo que há alguns anos nos enervava tanto. E perguntamo-nos onde encontrávamos nós o tempo e a energia para discutir assim! Crescemos. Como o António. Mas como ele, ainda temos muito para crescer!
Naquela mesma carta, S. Paulo conta-nos o segredo para podermos vencer as nossas birras e crescer até à estatura de filhos de Deus:
"O amor é paciente, o amor é bondoso, o amor não é invejoso, não é orgulhoso, não se envaidece, não é descortês, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. No presente permanecem estas três coisas: fé, esperança e amor. Mas a maior delas é o amor." (1Cor 13, 4-7.13)
Todas as manhãs, ao chegarmos ao Centro Social S. José de Cluny, onde deixo a Sara, o António e a Lúcia, somos acolhidos por uma irmã sorridente. Cheia da ternura de Deus, ela abraça um a um os meus filhos, chama-os pelo nome e dá-lhes um beijinho carinhoso. Só depois continuamos caminho até à sala de acolhimento, onde a cena se repete, desta vez com uma auxiliar fantástica, a Célia.
Ontem de manhã, chegámos ao Centro e não estava ninguém na portaria. Admirado, o António exclamou:
- Hoje não há ninguém para dar um beijinho! Que esquisito, não é, mamã?
Ainda mal tinha acabado de falar, quando a irmã apareceu. Tinha sido chamada ao escritório por uns breves instantes. E o António recebeu o seu beijinho!
Fiquei a pensar no que significa isto de acolher o outro, e no quão importantes são os nossos gestos de acolhimento. Ser cristão, como já disse aqui e aqui, é ser capaz de acolher como Jesus acolhia. Meu Deus, a fasquia é alta! Porque Jesus tratava a todos pelo nome - as irmãs no Centro também! - e a todos acolhia com amor infinito. Mesmo Judas foi acolhido com amor, quando chegou junto de Jesus para O trair!
Como estamos nós, Igreja de Cristo, a praticar o acolhimento? Será que há alguém "para dar um beijinho" à porta das igrejas, no início da missa? Serei eu capaz de acolher, enquanto esposa, enquanto mãe, enquanto filha, enquanto profissional? O papa Francisco não se cansa de pregar a importância do acolhimento. Acima de todas as normas da Igreja, acima de todos os ritos e de todo o conhecimento, está o amor que acolhe e que abre portas. Disse Jesus:
"Ide aprender o que significa: prefiro a misericórdia aos sacrifícios" (Mt 9, 13)
As irmãs do Centro dão testemunho do amor de Jesus com um simples beijinho carinhoso. Jesus prometeu:
"Em verdade vos digo: quem der de beber um copo de água fresca a um destes mais pequeninos, por ser meu discípulo, não ficará sem a sua recompensa." (Mt 10, 42)
Enquanto não percebermos isto, não percebemos nada do que é ser cristão...