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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Aproximava-se a data do nosso casamento, há dezoito anos atrás. No meio de muitas trapalhadas com os papéis, o Niall e eu procurávamos ter algum tempo e algum espaço para nos prepararmos espiritualmente.
A primeira desilusão chegou quando o nosso pároco nos disse que, ali, não havia cursos de preparação para o matrimónio. Eu estava desejosa de encontrar outros casais de noivos e sobretudo, estava desejosa de escutar o testemunho de casais mais velhos e experientes, que nos pudessem falar de Deus e de amor. Na altura, ainda não tinha computador, e a Internet era uma ilustre desconhecida…
Sem curso de preparação, decidimos então procurar, sozinhos, algumas respostas para perguntas que se impunham. Como iríamos planear a nossa família? De que métodos podíamos dispor? Desde o início do nosso namoro que falávamos dos filhos, da educação que queríamos dar-lhes, da família numerosa e alegre que gostaríamos de ter. No entanto, todas as vozes à nossa volta nos lembravam que dois ou três filhos era mais do que suficiente, e que não era conveniente tê-los muito cedo, porque o casal precisa "de um tempo". Enfim, não pensámos muito em nada disto senão já perto do nosso casamento. E foi quando descobrimos que estávamos sós na nossa reflexão.
Na minha fé simples, eu só queria obedecer à doutrina da Igreja, mas eu não a conhecia senão muito vagamente. Vasculhei a minha memória à procura de respostas. Eu frequentara grupos de jovens, pertencera a vários movimentos da Igreja, fizera retiros e exercícios espirituais, assistira a palestras dadas por padres jesuítas em Coimbra, enquanto estudava. Enfim, não era ignorante na maior parte dos temas da Igreja. Mas não conseguia lembrar-me de alguma vez alguém me ter falado neste assunto com a abertura de que agora necessitava. Porquê?
Começámos por perguntar ao médico de família, em separado, como fazer planeamento familiar, caso sentíssemos necessidade dele. A resposta foi a mesma para os dois: uma receita da pílula. Saímos do consultório cabisbaixos. Outra desilusão! Se eu não estava doente; se o meu corpo funcionava na perfeição, para que queria eu um comprimido?
Marquei consulta no ginecologista, um conhecidíssimo médico de Coimbra. Fui à consulta cheia de expectativa e de novo lancei a minha inocente pergunta: como podia eu planear a minha família?
- Quer uma receita de pílula, não é? - Perguntou, sem me deixar acabar de falar. Eu queria responder que não, que queria que ele me falasse do meu corpo, me ensinasse a conhecer a biologia por detrás da sexualidade, me encorajasse a confiar na minha feminilidade, mas não fui capaz de articular palavra. Eu desconhecia, na altura, que em Portugal não há - ou há muito poucos - ginecologistas especializados em planeamento familiar natural e capazes de acompanhar as mulheres nesta escolha nas suas consultas, como há nos E.U.A., por exemplo. Saí do consultório com uma receita na mão, que tratei de aviar na farmácia mais perto.
Ao chegar a casa, abri a embalagem e pus-me a ler o folheto informativo. O que li deixou-me muito angustiada: ali estava eu, jovem de vinte e quatro anos, a transbordar saúde, com uma receita de um medicamento na mão. As contra-indicações eram simplesmente assustadoras, e eu não conseguia compreender por que razão todos me falavam em tomar um comprimido, quando eu só queria ser feliz. Guardei a caixinha na gaveta dos medicamentos, junto do paracetamol e do aero-om.
Decidi então perguntar a um sacerdote. Escolhi um sacerdote cheio de fé, que sempre fora para mim sinal do amor de Deus. Fiz-lhe a mesma pergunta que fizera ao médico de família e ao ginecologista.
- O casal deve gerir a sua sexualidade de acordo com a sua consciência - Foi a resposta. Nenhuma referência ao Catecismo da Igreja Católica, nenhuma referência a Paulo VI, a João Paulo II, a pecado ou a virtude. Apenas a alusão à consciência que, convenhamos, aos vinte e quatro anos não é exactamente uma grande aliada (e aos quarenta continua a não ser...)!
Se os dois médicos me tinham desiludido, a resposta deste sacerdote deitou por terra a esperança que me restava. Eu não sabia então que os ensinamentos da Igreja sobre o planeamento familiar eram alvo de grande controvérsia, e que muitos sacerdotes tinham uma espécie de estranha vergonha em propor aos casais aquilo que eles nunca poderiam viver.
Lembram-se da história do jovem rico? Este jovem era eu, este jovem era o Niall. Cheios de entusiasmo juvenil, nós corremos ao encontro do representante de Jesus e perguntámos, na nossa linguagem atabalhoada e inquieta: "Como nos pede a Igreja que regulemos a nossa fertilidade?" Que foi a nossa maneira de perguntar: "Que devemos fazer para alcançar a vida eterna?"
As respostas que obtivemos foram como se Jesus tivesse desistido de nós, e não nos julgasse dignos de um salto maior. Imaginem que Jesus tinha dito ao jovem rico: "O que tu fazes, já chega." Ou, em linguagem estudantil: "O que tu fazes já dá para passar no exame."
Nós não queríamos "passar". Nós não queríamos um "suficiente". Nós queríamos ganhar a Taça, nós queríamos subir ao pódio, nós queríamos alcançar a coroa da vitória. Nós não precisávamos que nos indicassem os “mínimos”, nós queríamos que nos abrissem o horizonte até aos “máximos”. Mas ninguém parecia acreditar na nossa capacidade para sermos santos.
E contudo, a Palavra de Jesus não me deixava descansar... Jesus nunca disse: "Sede boas pessoas." Jesus disse:
“Sede perfeitos, como o vosso Pai é perfeito.” (Mt 5, 48)
O Papa Francisco disse numa homilia no sábado passado: "Não tenham medo da vida de santidade, pois esse é o único caminho para renovar a Igreja."
Até que chegou a véspera do nosso casamento… Sim, a véspera! Amanhã conto-vos mais
Quando vou a Fátima, gosto de contemplar o Santuário do cimo da colina, onde se erguem as belíssimas estátuas de S. João Paulo II e do beato Paulo VI. Foi com a ajuda destas estátuas que contei aos meus filhos alguns episódios das vidas destes dois grandes santos!
(S. João Paulo II)
(Beato Paulo VI)
De joelhos, estes dois homens de Deus foram a Fátima entregar a sua vida e o seu pontificado a Nossa Senhora, a "Mãe da Igreja", como foi proclamada pelo novo beato em 1964, perante o aplauso espontâneo de todos os Padres conciliares. Como diz o Papa Francisco, "a Igreja sem Maria torna-se num orfanato"!
De joelhos sobre o monte. Paulo VI escreveu nos seus apontamentos:
"A luz do castiçal queima e consome-se sozinha. Mas tem uma função, a de iluminar os outros, a todos, se possível."
De joelhos sobre o monte, queimando a luz do seu castiçal, Paulo VI experimentou o mistério do sofrimento. Até onde o seu olhar abarcava, ele assistiu ao desmoronar de esperanças e ao renascer de ódios e conflitos; viu sacerdotes abandonarem o seu sacerdócio, religiosas deixarem as suas congregações, famílias inteiras sair da Igreja por não a conseguirem entender.
De joelhos sobre o monte, Paulo VI foi criticado e caluniado, até hoje.
De joelhos sobre o monte, Paulo VI experimentou a imensa alegria de se identificar cada vez mais com Cristo Crucificado, também Ele sobre o monte de onde contemplamos o mundo...
Foi Paulo VI quem instituiu o rito da Via Sacra no Coliseu na Sexta-feira santa! Ele sabia muito bem que a Igreja só poderia renascer fazendo a experiência da cruz, sinal inconfundível da presença de Deus.
Quando penso em Paulo VI, lembro-me das palavras de S. Paulo ao seu querido Timóteo, sacerdote por ele ordenado:
"Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor (...) Quanto de mim ouviste, na presença de muitas testemunhas, transmite-o a pessoas de confiança, que sejam capazes de o ensinar também a outros. (...)
Adverte os eleitos seriamente em nome de Deus que não se envolvam em litígios de palavras. Isso não serve para nada e leva à ruína dos ouvintes. Esforça-te por te apresentares diante de Deus como trabalhador digno e irrepreensível, interpretando rectamente a Palavra da verdade. (...)
Peço-te encarecidamente, pela vinda de Jesus e pelo seu Reino: proclama a Palavra, insiste em tempo propício e fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência. Virão tempos em que o ensinamento salutar não será aceite, mas as pessoas acumularão mestres que lhes encham os ouvidos de acordo com os seus próprios desejos. Desviarão os ouvidos da verdade e divagarão ao sabor de fábulas. Tu, porém, controla-te em tudo, suporta as adversidades, dedica-te ao trabalho do Evangelho e desempenha com esmero o teu ministério." (2Tm)
Caramba! S. Paulo escreveu para Timóteo... ou para Paulo VI?
Termino com as palavras do nosso querido Papa Francisco, na homilia da missa da beatificação:
"A respeito deste grande Papa, deste cristão corajoso, deste apóstolo incansável, diante de Deus hoje só podemos dizer uma palavra tão simples como sincera e importante: obrigado! Obrigado, nosso querido e amado Papa Paulo VI!"
(Amanhã começo a contar-vos como os ensinamentos de Paulo VI entraram na nossa vida... É uma longa história!)
Turma de Curso Vocacional. Vinte rapazes e raparigas que não gostam da escola. Entro na sala, e levo quase dez minutos a conseguir que todos se sentem nas carteiras. Depois, mais dez minutos para abrirem os cadernos e a lição. No meio de uma imensa barulheira, procuro encontrar alguma paz interior. Suspiro.
- João, vira-te para a frente.
- Porquê? Tem algum mal eu estar voltado para trás?
- Manuel, abre o caderno!
- Não me apetece mesmo nada, professora. Hoje não vou escrever.
- Maria, vens ao quadro por favor?
- Nem pense, professora! Eu não percebo nada de Inglês.
Eu sei que a turma do vocacional não é uma turma "normal". Mas a crise de obediência não é típica apenas destes alunos! Ela atravessa a escola inteira, as famílias, as instituições e, naturalmente também, a Igreja.
Obedecer tornou-se sinónimo de não ser capaz de pensar por si próprio, e a obediência é vista como antónimo de criatividade ou ousadia. E no entanto, aquilo que Jesus veio fazer à Terra foi nada mais ou nada menos do que um acto de perfeita obediência ao Pai:
"Pai, se é possível, afasta de Mim este cálice; contudo não se faça como Eu quero, mas como Tu queres!" (Mt 26, 39)
"O mundo tem de saber que Eu amo o Pai e actuo como o Pai me mandou." (Jo 14, 31)
E S. Paulo diz-nos, falando de Jesus:
"Tornou-se obediente até à morte, e morte de cruz!" (Fl 2, 8)
Não podemos seguir Jesus sem imitar a sua obediência. Assim fizeram Maria e José, em primeiro lugar, obedecendo sem hesitar às palavras do anjo, antes de Jesus nascer; e assim fizeram os Apóstolos, numa sucessão nunca interrompida, até hoje.
Quando vejo a Igreja em rebeldia, desafiando a Palavra que lhe é oferecida pelo Papa, contestando os seus ensinamentos e propondo aos cristãos doutrinas diferentes, sinto uma tristeza e um desalento semelhantes aos que sinto quando chego àquela turma de Curso Vocacional...
Mas o Papa não se pode enganar? Sim, pode. E desse engano, terá naturalmente de dar contas a Deus. Nós temos a vida facilitada: se não compreendermos bem as palavras de Jesus através dos ensinamentos do Papa, só precisamos de as ler novamente ou de pedir que as repita por favor... Mesmo que o Papa se engane, nós não nos enganamos, obedecendo! É que para Deus, a humildade vale mais que todas as certezas do mundo.
Mas não terão os cristãos o direito de seguir a sua consciência, se ela for oposta aos ensinamentos papais? Claro que sim! Se o cristão estiver convencido de que o seu discernimento, o seu estudo e, sobretudo, a sua oração são mais profundos do que os do Papa; se o cristão sentir que Deus o iluminou mais fortemente do que iluminou o Papa, a quem entregou as chaves do Reino; se o cristão achar que, depois de longas e profundas horas de oração intensa, Deus lhe comunicou uma mensagem diferente da que comunicou ao Papa, aí ele deve agir de acordo com a sua consciência.
Eu dou todos os dias graças a Deus por não estar nessas condições. É tão libertador não ter de "inventar a roda" a cada dia, mas poder confiar na Palavra e na Tradição que me foram entregues no meu baptismo! Em vez de desperdiçar o meu tempo contestando a doutrina, posso dedicar o meu tempo a descobrir formas ousadas, belas, diferentes, criativas e profundas de praticar essa mesma doutrina. Longe de me tolher os movimentos criativos, a obediência liberta-me para aquilo que verdadeiramente importa: procurar, com todo o coração, toda a inteligência, toda a alma, fazer tudo o que Jesus me disser. Ámen!
Oração da manhã. No carro, rezamos a consagração a Nossa Senhora Auxiliadora, Mãe de Caná, que termina com este pedido:
"Ensina-nos a fazer tudo o que Jesus nos disser!"
- Como podemos nós saber o que Jesus nos diz? - Pergunto, em jeito de provocação.
- Lemos a Bíblia...
- Escutamos a voz da nossa consciência!
Silêncio.
- E mais?
- Ouvimos o Papa!
- Exactamente, ouvimos o Papa. Porquê?
- Porque ele representa Jesus na Terra!
- O Papa é o sucessor de Pedro, a quem Jesus pediu para conduzir a sua Igreja, no meio de muitas tempestades, até à margem da Vida. Assim, nós acreditamos, com toda a fé, que o Papa conduz a Igreja de Jesus aonde Ele quer. Ele permite-nos acreditar na Igreja! Quando rezamos o Credo, nós dizemos que acreditamos na Igreja:
"Creio na Igreja una, santa católica e apostólica."
- E o Papa diz assim tantas coisas?
- Diz, claro. Todas as quartas-feiras, o Papa faz uma catequese para todos os cristãos. Todos os dias, na missa, ele faz uma homilia para nos ajudar a entender a Palavra de Deus. E de vez em quando, o Papa escreve uma carta a toda a Igreja, com ideias importantes para pormos em prática.
- Eu queria ver o Papa!
- Ele há-de vir a Portugal um dia.
Chegamos ao colégio. Depois de deixar os meninos, continuo a conduzir até à minha escola, e vou relembrando a nossa conversa... Que alegria eu sinto por pertencer à Igreja de Jesus!
Ao longo de toda a Bíblia, há uma frase mágica que converte homens e mulheres vulgares em agentes da História divina:
"Eis o servo do Senhor!"
Foi assim que Abraão, David, Samuel, Gedeão, Moisés, Maria e José de Nazaré e todos os grandes homens e mulheres bíblicos disseram. E ao fazê-lo, conquistaram um lugar na Bíblia. O servo é, em primeiro lugar, aquele que escuta para poder obedecer. Maria mostrou-nos que a felicidade depende desta obediência:
"Fazei tudo o que Ele vos disser!" (Jo 2, 5)
Obedecer à voz de Jesus, que ressoa na Igreja ao longo da História e é, a cada geração, oferecida ao povo de Deus pela voz do Papa: eis a grande rampa de lançamento na aventura divina...
Sábado à tarde, no recinto do Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora, as crianças e os jovens da catequese pareciam muito ocupados. Que estariam eles a fazer?
Sim, estiveram a montar tendas! Algumas mais consistentes...
... Outras mais... naturais!
Procurámos encaixar numa hora os sete dias da Festa das Tendas judaica, que acontece por esta altura no mundo judeu, e que Jesus celebrou durante toda a sua vida, em família e com os seus discípulos, para recordar...
...que na vida, tudo é passageiro, a alegria como a dor.
...que na Terra, vivemos acampados, pois a nossa verdadeira casa é o Céu.
...que enquanto alguns vivem em palácios, outros vivem refugiados em tendas sujas e podres, onde tudo falta.
...que nos faz bem passar algum tempo na vida sem os nossos confortos e espaços pessoais.
...que afinal, dependemos muito mais da providência de Deus do que imaginamos...
“Senhor, dá-me a conhecer o meu fim e o número dos meus dias,
Para que eu veja como sou efémero.
De poucos palmos fizeste os meus dias,
Diante de Ti a minha existência é como nada.
O homem não é mais do que um sopro!
Ele passa como simples sombra!
É em vão que se agita: amontoa riquezas e não sabe para quem ficam.
Senhor, a minha esperança está em Ti!” (Sl 39/38, 5-8)
"Aleluia!
Louvai o Senhor no alto dos céus,
louvai-O nas alturas!
Louvai-O, Sol e lua;
louvai-O, estrelas luminosas!
...Louvai-O, alturas dos céus
e águas que estais acima dos céus!
Louvem todos o nome do Senhor,
porque Ele fixou tudo pelos séculos sem fim
e estabeleceu leis a que não se pode fugir!
...Da terra, louvai o Senhor,
monstros do mar e todos os abismos;
fogo e granizo, neve e neblina;
vento tempestuoso, que obedece à sua palavra;
montanhas e todas as colinas,
árvores de fruto e todos os cedros,
feras e todos os rebanhos,
répteis e aves que voam!
...Louvai-O, reis do mundo e todos os povos,
os jovens e as donzelas,
os velhos e as crianças!
Aleluia!" (Sl 148)
Hora de oração familiar. A Sara e o António já estão a dormir, depois de um curto momento de dança, canto e acção de graças. Hoje é o dia do David ler:
"Que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento..." (Ef 3, 17-19)
- Então como é o amor de Deus? - Pergunto.
- Alto, largo, profundo e comprido!
- David e Lúcia, ponham-se de pé e mostrem-nos lá o que é alto, largo e profundo! Divertidos, o David e a Lúcia fazem gestos grandes, enquanto eu repito: a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo...
- Parece-me que conheço uma coisa que é assim, alta, larga e profunda...
- O mundo?
- Bem, pode ser o mundo, mas também...
- A cruz!
- Exactamente! A cruz...
Na cruz, Jesus revelou-nos o comprimento, a altura, a largura e a profundidade do amor de Deus! Na cruz, também nós podemos revelar a Deus o comprimento, a altura, a largura e a profundidade do nosso amor por Ele...
Qual a minha cruz? Onde a encontro eu no dia-a-dia? No trabalho ou na falta dele? Nos filhos, ou na falta deles? Nos pais idosos? Nos colegas e nos amigos? Na doença, na deficiência, na falta de dinheiro, na falta de tempo, na dificuldade em rezar, na dificuldade em me manter fiel?
Seja qual for a minha cruz, ela é dom do amor de Deus na minha vida; e por ela, a minha vida pode tornar-se dom de amor... Abracemo-la então com alegria e entusiasmo! Ámen.
Cada um dos meus alunos das turmas de Curso Vocacional tem uma história de fracasso, frequentemente negligência, e às vezes maus tratos para contar. Hoje quero contar-vos um episódio que se passou com o D., um menino de dezasseis anos muito sofridos e muito tristes.
Conheço o D. há três anos. De ano para ano, o D. vai ficando cada vez mais duro e mais insolente. Quando o olho nos olhos, experimento quase sempre um calafrio e tenho vontade de desviar o olhar. Mas não o faço.
Na turma em que está integrado, há um menino, chamemos-lhe T., que, por ter um atraso de desenvolvimento, se está a tornar vítima de gozo. O D., que não tem dificuldades de aprendizagem, não perde uma oportunidade para o humilhar diante de todos.
Num destes dias, lembrei-me de desafiar o D.: poderia ele sentar-se ao lado do T., para lhe explicar os exercícios, enquanto eu continuava a circular pela sala, ajudando os outros? O D. não me olhou com a dureza do costume, nem deu uma gargalhada. Por qualquer motivo que desconheço, o D. levantou-se, sentou-se ao lado do T., e para meu grande espanto, passou o resto da aula a explicar-lhe pormonorizadamente a matéria, cheio de paciência. Eu, claro, mantinha um ouvido bem atento!
Lembram-se da estrela escondida na maçã? A minha fé na bondade infinita de Deus diz-me que a todos os seres humanos é oferecida, nalgum momento da sua vida, a oportunidade de escolher o bem em vez do mal, a vida em vez da morte. Ninguém é de tal modo vítima das suas circunstâncias que não tenha a possibilidade de quebrar o ciclo que o mantém escravo de uma história. Assim disse Moisés:
"Ponho hoje diante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, amando o Senhor, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele, porque Ele é a tua vida." (Deut 30, 19-20)
Conhecem a escrava Bakhita? Ah, leiam a sua história, e ficarão maravilhados! Bakhita foi raptada e tornada escrava com cerca de oito anos de idade, tendo sofrido as mais horríveis torturas na sua vida. Mas Deus nunca a abandonou, como nunca abandona ninguém. E um dia, Bakhita descobriu o seu amor... Bakhita é santa, padroeira de África. Nas suas Memórias, Bakhita recorda a primeira vez que ouviu falar de Deus:
"Então, aquelas santas madres, com heróica paciência, instruíram-me e fizeram-me conhecer aquele Deus que, desde criança, sentia no coração sem saber quem fosse. Recordava que, na minha aldeia, em África, vendo o Sol, a Lua e as estrelas, as belezas da natureza, eu dizia para comigo: «Mas quem é o patrão destas coisas tão belas?» E experimentava uma vontade muito grande de o ver, de o conhecer e de lhe prestar homenagem. E agora conheço-O. Obrigada, obrigada, meu Deus!»"
Até ao fim da sua vida, Bakhita tratará sempre o Senhor por "Patrão". E repetirá muitas e muitas vezes, com um sorriso luminoso: "Que bom que é o Patrão!" Mas o que mais impressiona em Bakhita é este pensamento constante:
"Se encontrasse agora os negreiros que me raptaram e os que me torturaram, ajoelhar-me-ia e beijar-lhes-ia as mãos porque, se isso não tivesse acontecido, não seria agora cristã e religiosa."
Bakhita escolheu perdoar em vez de odiar; o D. escolheu ajudar em vez de troçar. E eu? A cada momento, tenho diante de mim a vida e a morte, a felicidade e a facilidade, a bênção e a maldição...
Não nos refugiemos em pensamentos do tipo "Fui assim educado", "Não adianta tentar mudar as coisas", "Já o meu pai era assim"... A cada momento temos a oportunidade de quebrar o ciclo que nos mantém escravos dos nossos defeitos, do nosso passado, do nosso pecado, da nossa história. Como Bakhita, abençoemos o caminho que me trouxe até Deus, mesmo que ele esteja clavejado de espinhos...
- Mãe, estive a ler a Bíblia.
- A Bíblia, David? A tua Bíblia ilustrada?
- Não, a tua Bíblia. A azul, sabes.
- Ai sim? E que leste tu?
- Estive a ler a Carta aos Romanos. Aquela Carta de S. Paulo!
Troquei um olhar cúmplice com o Niall, que escutava a conversa divertido. Sentado no sofá, o David tinha num dos lados a Bíblia, e no outro, um livro de Asterix, que ele adora ler. Calculei imediatamente o porquê da "Carta aos Romanos"...
- Olha lá, o que é que tu leste nessa carta?
- Não percebi muito bem. Mas era sobre Deus, lá isso era!
- Também me parece que sim - Atalhei. E continuei: - David, porque é que tu gostas dos Romanos?
- Porque são soldados! Pelo menos no Asterix são.
- Sabes que S. Paulo escreveu um texto especial para os soldados?
O David olhou-me com os olhos muito abertos e estendeu-me a Bíblia:
- Lê-me esse texto!
- Ora escuta então:
"Revesti-vos da armadura de Deus, para terdes a capacidade de vos manterdes de pé contra as maquinações do diabo. Mantende-vos, portanto, firmes, tendo cingido os vossos rins com a verdade, vestido a couraça da justiça e calçado os pés com a prontidão para anunciar o Evangelho da paz; acima de tudo, tomai o escudo da fé, com o qual tereis a capacidade de apagar todas as setas incendiadas do maligno. Recebei ainda o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a Palavra de Deus." (Ef 6, 10-17)
Quando terminei, o David tinha um sorriso largo na cara.
- Ena, pá! Diz lá outra vez como é essa roupa!
Repeti cada detalhe, devagar, fazendo os gestos com ele. Por fim, rimo-nos juntos. S. Paulo tinha cá cada ideia!
Sabes, David, a vida cristã é e será sempre uma batalha, e só vencerá quem souber lutar. Podia ler-te muitas outras passagens de S. Paulo, em que o Apóstolo nos fala da luta entre a carne e o espírito, entre a vontade do homem e a vontade de Deus... Mas esta chega para entenderes que precisas de te preparar para a batalha, se quiseres ser vencedor!
David, não penses que a obediência a Deus é tarefa fácil, ou tarefa de um dia! Não penses que conseguirás ser santo sem muita luta. Mas de uma coisa podes ter a certeza: Jesus está lá, na frente da batalha, dando a vida para que nós sejamos, n'Ele, vencedores. Assim, não te esqueças de enfrentar as guerras com as palavras mágicas: "Nós, Jesus, Tu e eu..." Ámen!
Hora da oração familiar.
- Meninos, vamos rezar! Venham depressa! (...) MENINOS, VAMOS REZAR! (...) MEEE-NIIII-NOOOOOSS! REEEEEEZAAAAAAR!
O som dos pés a correr pelo corredor. Atropelos. O António tropeça e cai. Choro. Gritos.
- Porque há-de sempre acontecer alguma coisa quando são horas de rezar?
- Eu estava só a acabar um exercício de Matemática.
- E eu tinha mesmo, mesmo de acabar a torre de legos!
- OK, estamos todos juntos, vamos rezar. Francisco, pega na guitarra e toca, por favor!
Enquanto cantamos, um avião de papel passa mesmo junto do meu nariz. Ainda estamos a cantar, quando a Lúcia e o David desatam aos gritos um com o outro, e antes que tenha tempo de intervir, estão a empurrar-se e a bater-se.
- PÁRA A MÚSICA!
Silêncio.
- Não quero ninguém com brinquedos na mão! Todos de pé, porque Jesus merece muito melhor que isto!
A Lúcia ajoelha-se, e a Sara imita-a. A Clarinha toca gentilmente no António, ajudando-o a voltar-se para o Canto de Oração.
- Estão prontos? Óptimo, vamos recomeçar!
Geralmente, as nossas orações familiares são momentos de grande alegria, permitindo-nos curar as pequenas feridas do dia. Mas às vezes, não têm nada de santo nem de bonito, acreditem! Então sorrio para comigo, pensando: "Se os leitores do blogue ou as Famílias de Caná pudessem espreitar esta nossa oração de hoje, iriam ficar escandalizados!"
Que havemos de fazer? Desistir? Naturalmente que não! Como procurei explicar ontem, ao falar da ginástica da Clarinha, na oração e em toda a vida de fé é preciso insistir, insistir, insistir. Deus nunca se escandaliza! Para Ele, o importante é mesmo o nosso esforço em sermos fiéis. O resto é simples, e Deus consegue fazê-lo de um momento para o outro. Sim, Deus nunca se deixa vencer em generosidade, e a sua graça cobre a nossa fraqueza.
Ultimamente têm chegado a este blogue pessoas cheias de vontade de iniciar ou aprofundar a oração familiar. As Famílias de Caná procuram ser no mundo sinal de que é possível encontrar este tempo e este espaço no nosso dia, mesmo que o tenhamos de roubar a muitas coisas tão atractivas do mundo! Diz-nos S. Paulo:
"Não vos acomodeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade." (Rm 12, 2)
Nos diversos blogues das Famílias de Caná, e neste nosso blogue no menu "oração", podem encontrar muitas propostas criativas de oração familiar. Hoje permitam-me que vos ofereça o exemplo da família da "Bruxa Mimi", que escreve no blogue Alheia a tudo... ou talvez não:
A "Bruxa Mimi" descobriu por acaso um dia o nosso blogue e pouco depois caiu na loucura de se inscrever no retiro Famílias de Caná, sem saber absolutamente mais nada sobre nós do que o que por aqui ia lendo. Arriscou muito, sim, como aliás a Olívia, a Rute, a Marisa, o Edu, o Toni e tantas outras pessoas arriscaram! Mas valeu a pena, a julgar pelas suas palavras e pela profundidade e criatividade da oração lá em casa...
No seu blogue, a "Bruxa Mimi" conta com simplicidade episódios engraçados da sua vida familiar e escolar (a "Bruxa Mimi" é professora do primeiro ciclo). Como a fé de um cristão anda necessariamente ligada à vida, a "Bruxa Mimi" fala também de Deus. Já antes do retiro ela partilhava com os seus leitores pequenas orações das crianças, a sua experiência com a missa dominical, etc. Mas depois do retiro, a sua oração familiar cresceu, e com ela, cresceu esta partilha da fé. A "Bruxa Mimi" falou do nosso retiro aqui,e depois falou da sua oração familiar aqui e aqui. Espreitem, que vão gostar!
Entretanto, descobri que há por aí mais Famílias de Caná com vontade de iniciar um blogue, contando as suas vivências de fé. Aguardo com grande expectativa... Venham daí esses blogues!