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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Quintas-feiras, os meus quinze minutos de oração são passados na igreja da Moita, perto da minha escola, onde o Santíssimo está exposto o dia inteiro. Ontem não foi exceção.
Cheguei à igreja cansada, com uma mala cheia de testes por corrigir, no intervalo entre uma aula e uma reunião. Vinha cheia de pressa, desejosa de aproveitar bem este tempo privilegiado diante do meu Senhor.
Entretanto, no banco da frente, duas pessoas passavam o turno: a senhora de cabelos brancos levantou-se, benzeu-se com água benta e saiu da igreja, enquanto o senhor também idoso se ajoelhou no seu lugar, apoiou a cabeça entre as mãos e ficou imóvel, a rezar. Que bonito, pensei... Fez-me lembrar a passagem de turno das guardas de honra dos monumentos nacionais. Com que solenidade os membros do exército executam a sua tarefa! Mas haverá maior honra do que guardar o Senhor sacramentado? Haverá monumento nacional que iguale em honra o mais tosco dos altares do Senhor? Sorri diante desta "guarda de honra" humilde e pobre, na simplicidade da igreja paroquial. Senti-me também eu como um "soldado de Cristo", por breves momentos contratado para este cargo maravilhoso de vigilante... No íntimo do meu coração assomaram as palavras do salmo 131:
"A minha alma anseia pelo Senhor,
mais do que a sentinela pela aurora..."
Olhei para o relógio: só me restava cerca de um minuto de oração, ou corria o risco de chegar atrasada à reunião. Um minuto! Levantei os olhos e disse a Jesus tudo o que Lhe queria dizer, muito depressa, para não faltar nada. Depois, também eu me benzi com a água abençoada, fiz uma genuflexão profunda e lenta e saí da igreja. De novo me assaltou a grandeza do milagre que acabava de acontecer: ali estava eu, simples mortal, com acesso direto e ilimitado à mais alta realeza do universo, com direito a dizer tudo o que quisesse ao Rei dos Reis, sem necessidade de marcação de audiências ou qualquer outra burocracia... Quem, senão o Senhor?
Ah, fazemos tão pouco uso dos nossos privilégios de Filhos de Deus...
- Mãe, podes vir connosco visitar o nosso castelo em Náturia?
A Lúcia e o David olham para mim com ar suplicante. São cinco horas da tarde, acabámos de chegar da escola e eu tenho uma montanha de coisas para fazer.
- Claro que posso - Respondo, pousando a minha mala cheia de testes por corrigir e lançando um olhar apressado à banca da cozinha, onde as cenouras, as batatas e os bróculos esperam pacientemente que alguém os enfie dentro da panela para a sopa do jantar.
- Eu sabia que ias dizer sim! - A Lúcia saltita de alegria. - Nem imaginas como o nosso castelo está lindo! Vais adorar! Anda, vem!
Dou a mão à minha filha e sigo-a para o descampado por detrás da nossa casa. As silvas já estão dobradas à nossa passagem, por força do hábito, e há flores silvestres a brotar nas margens deste caminho improvisado.
- É aqui. Olha só! Não é bonito?
Faço um olhar de espanto diante do monte de terra e canas que tenho diante de mim:
- Uau, um castelo magnífico! Posso entrar?
A visita não leva mais de dez minutos, o tempo que demora a passar por debaixo das canas e das silvas. Mas ainda não acabei, quando a Sara me chama do jardim:
- Mamã, estou a fazer a sopa com ervinhas! Queres provar?
Deixo Náturia e regresso a casa. Sentada na rocha debaixo da oliveira, finjo provar a sopinha de ervas.
- Está mesmo boa, Sara! Quem te ensinou a fazer?
- A Clarinha!
A Lúcia e o David regressam também a casa e decidem fazer, não só sopa de ervas, como ensopado, empadão e tudo o mais. Depois despejam os restos para o galinheiro:
- Os pitinhos adoram os nossos cozinhados!
Entretanto, o António vem ter comigo com as mãos cheias de folhas de outono.
- Que lindas, António! Onde as encontraste?
- Debaixo da nespereira. Conta-nos lá outra vez o que tu fazias quando eras pequenina...
Sorrio, pego na Sara ao colo e conto:
- Na casa dos meus avós havia um tanque. Eu pegava nas folhas de nespereira secas e colocava nelas as formigas que encontrava na terra. Depois punha-as a navegar no tanque.
- Ena, elas deviam gostar muito!
- Não tenho tanta certeza...
Santa Teresinha escreveu muitas coisas sobre os seus santos pais, Luis e Zélia. Ambos trabalhavam arduamente o dia inteiro, Luís como relojoeiro e Zélia como bordadeira. No entanto, ambos sabiam "perder tempo" brincando com as suas meninas, no fim da escola e durante os fins-de-semana. A brincadeira dos meus filhos no jardim, longe da televisão, dos telemóveis e de outros brinquedos eletrónicos parece-se bastante com a brincadeira na casa de santa Teresinha:
"Depois de fazer os trabalhos de casa, eu saltitava no jardim à volta do papá, porque não sabia brincar com as bonecas. Era uma grande alegria para mim preparar tisanas com grãozinhos e cascas de árvores que encontrava no chão; levava-as depois ao papá numa linda chavenazinha, e o pobre paizinho largava o trabalho e depois, sorrindo, fingia beber. Antes de me voltar a dar a chávena, perguntava-me se devia deitar o conteúdo fora..." (História de uma Alma, manuscrito A)
Bem, são horas dos TPC. O David e a Lúcia sentam-se nas suas secretárias, a Sara e o António vão fazer lego, e eu estou livre para ir cozinhar. São apenas cinco e meia... Afinal só perdi meia hora a brincar com os meus filhos! Olho para eles, tão felizes e tão calmos. Meia hora não faz assim tanta diferença na minha vida, mas faz a diferença toda na vida deles.
Lembro-me do sírio Naamã, do Segundo Livro dos Reis. Cheio de lepra, pediu ao profeta Eliseu que o curasse a troco de grandes somas de dinheiro, mas ficou escandalizado quando o profeta lhe ordenou simplesmente sete mergulhos (gratuitos) no rio Jordão. Já prestes a regressar a casa sem experimentar a cura, foi desafiado pelo seu criado:
"Meu pai, se o profeta te tivesse mandado fazer uma coisa difícil, não a farias? Quanto mais agora, ao dizer-te: 'Lava-te e ficarás curado'!" (2Rs 5, 13)
No dia 27 de outubro, o Papa Francisco deixou esta mensagem no Twitter:
"Pais, sabeis 'perder tempo' com os vossos filhos? É uma das coisas mais importantes que podeis fazer cada dia."
Brincar com os meus filhos, meia hora por dia... Os remédios que o Senhor nos propõe são escandalosamente simples, tão simples, que hesitamos em os experimentar. Mas depois lemos histórias como a de Luís e Zélia Martin, e descobrimos que afinal são os remédios dos santos...
- Francisco e Clarinha, que tal se concorressem aos Jovens Inspiradores? Acabo de receber um mail da APFN. Parece-me que têm ambos o perfil adequado!
- Que disparate! - Responde-me o Francisco, encolhendo os ombros - Que tenho eu de inspirador? Não faço nada de especial, mãe.
- Nem eu! - Continua a Clarinha.
- Tudo depende do que entenderem por inspirador - Explico - Ser inspirador é mais uma forma de estar na vida do que qualquer outra coisa. Não se trata de um concurso de talentos!
Silêncio.
- Por exemplo, a forma como ambos ocupam os tempos livres é sem dúvida inspiradora para a juventude. Vocês não perdem um minuto do dia com futilidades! Ambos têm passatempos muito interessantes. A Clarinha pode falar das prendas que faz para oferecer às amigas com a sua máquina de costura. E o Francisco pode falar do tempo que gasta a aprender ilusionismo, e de como depois faz render o seu talento animando festas de anos e encontros de famílias.
- Já estou a entender - Diz a Clarinha, muito séria - Acho que também pode ser inspirador o facto de eu gostar de tomar conta dos manos e fazer bolos para os seus lanches...
- Claro! E porque não falar da tua perseverança na ginástica? Sorrindo através do esforço...
- Bem, eu levei a moda do "cubo mágico" para o colégio, há alguns anos atrás...
- Sim, Francisco, e continuas a ser modelo de jovem para muitos dos meninos que lá andam, aliando o estudo sério ao divertimento de qualidade. Isso é ser inspirador!
- Fala do teu guindaste hidráulico! E do teu canal, claro!
Sorrio:
- Bem, aqui têm o link do concurso. Agora fica nas vossas mãos!
Na quarta-feira passada, o Francisco e a Clarinha souberam que tinham ambos sido selecionados para a grande final do concurso Jovens Inspiradores. Que bela surpresa, para quem concorrera sem muita esperança! Agora era preciso ir a Lisboa para as entrevistas e para uma tarde festiva, no sábado. O Niall, naturalmente, ofereceu-se para os levar. Aproveitariam também para visitar uns amigos, que os acompanhariam na grande final.
As entrevistas foram momentos muito engraçados para ambos. O Francisco teve ocasião de resolver o cubo de Rubik diante do júri, e a Clarinha mostrou orgulhosamente a mochila feita por ela.
- Francisco, sendo o mais velho de uma família numerosa, deves estar um pouco cansado de cuidar de crianças... Quantos filhos queres ter? - Perguntou o júri, já no final.
- Os que vierem - Foi a resposta pronta.
A da Clarinha não foi muito diferente:
- Muitos!
Por fim, gargalhadas descontraídas perante a pergunta do costume:
- Não ver televisão, não ter Facebook e não ter telemóvel não te faz sentir mal junto dos amigos?
Entretanto, em casa, eu e os quatro mais novos aguardamos notícias com o telemóvel na mão. A tarde vai passando, com muita chuva, e os meninos estão impacientes:
- Quando chega o pai?
- Quero o mano!
- Hoje a Clarinha não brinca comigo?
O telemóvel vibra. É um sms a chegar. Abro, e leio em voz alta:
"O FRANCISCO GANHOU!"
(fotografia na página do Facebook da APFN)
Tento falar com o Niall ao telemóvel, mas ele está ocupado a bater palmas e a escutar as amáveis palavras dos promotores do concurso.
- Mamã, o júri disse que eu também devia ter ganho o prémio, mas só podia ganhar um, pois concorremos ambos no mesmo grupo dos catorze aos dezassete - Conta-me à noite a Clarinha, muito feliz - E disse também que toda a nossa família está de parabéns, porque para educar dois jovens assim é preciso que a família seja toda ela inspiradora. Ficas contente?
Fico, sim, fico contente... Penso na Carta de S. Paulo ao seu querido Timóteo:
"Permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a certeza, bem ciente de quem o aprendeste. Desde a infância conheces a Sagrada Escritura, que te pode instruir, em ordem à salvação pela fé em Cristo Jesus." (2Tm 3, 14-15)
Mas que prémio foi esse que o Francisco recebeu?
- Recebi um computador Touchscreen, fantástico! Mas como eu já tenho um ótimo computador, este fica para a Clarinha. Ela estava a precisar de um... - Explica-me o Francisco, com simplicidade.
Sorrio, agora com muito mais orgulho. Fico a pensar no que significa ser inspirador... A própria forma de se receber um prémio pode ser inspiradora! Afinal, foram mesmo ambos os vencedores... São nove horas da noite, e os meus seis filhos estão reunidos em torno de uma caixa de cartão. A Clarinha abre-a, muito feliz, e retira de lá o seu computador, novinho em folha. Todos querem ver como funciona. O Francisco vai ajudar a instalar o que for necessário. As exclamações de alegria são muitas e barulhentas...
- Professora, falta muito para tocar?
- Porquê, João, já estás cansado da aula?
Bocejos - Se calhar...
- Pois eu acho que a aula passou bem depressa!
- Isso és tu, Mariana, que gostas de Inglês!
- Tu já não dizes o mesmo quando estamos em Matemática, pois não?
- Não, Matemática passa devagar...
Mas todas as aulas acabam por passar, mais ou menos lentamente, e o toque da campainha acaba sempre por chegar.
Uma das maiores lições da escola é o toque da campainha. Eu sei que há movimentos contrários, defendendo as aulas de duração variável, e até há quem defenda que se deve apenas estudar o que apetece, quando apetece e se apetece.Também reconheço que todos precisamos de um tempo sem "toques de campainha" - e que bem que sabem as férias! Mas eu continuo a achar que há algo de libertador no toque da campainha.
A campainha liberta-me das tarefas cansativas ou indesejadas; mas também me liberta do excessivo apego às tarefas desejadas. Se é bom ser interrompido a meio de algo aborrecido, é ainda melhor ser interrompido a meio de algo agradável... É que esta interrupção é uma forma magnífica de treinar a vontade, e com ela, a minha liberdade interior. Este treino será extremamente útil ao longo de toda a vida, quando precisar de desligar o televisor para cuidar do recém-nascido, ou ligar o despertador para chegar a tempo ao trabalho, ou pousar o jornal para fazer o jantar.
Deverei, então, acolher com a mesma serenidade os diversos tempos do meu dia, bons ou maus, ao ritmo dos sucessivos "toques de campainha"? Bem, há um "tanto faz" negativo, provocado pela desilusão ou pela falta de criatividade, muito comum em alguns alunos pouco motivados para o estudo; mas há um "tanto faz" cristão, aquele que santificou Chiara Luce e todos os santos: "Tu queres, Jesus? Então eu também quero." Santo Inácio de Loyola chamava-lhe "indiferença".
Este "tanto faz" cristão ensina-me a dar o meu melhor tanto na aula de Inglês, como na aula de Matemática, tanto com professores simpáticos, como com professores antipáticos, tanto com turmas calmas como com turmas barulhentas, tanto com alunos queridos como com alunos problemáticos. Fácil? Para mim, neste ano letivo, tem sido extremamente difícil... Mas tem sido também a forma de me libertar de mim mesma, dos meus gostos e desejos, para experimentar a única felicidade, aquela que vem de cumprir a vontade do Senhor, agora.
A sabedoria do "toque da campainha" percorre a mais nobre tradição monástica, desde as suas origens - para saber o que está uma carmelita a fazer a qualquer hora do dia, basta consultar o horário do seu convento -, e vai ainda mais atrás, ao livro do Eclesiastes:
"Para tudo há um momento
e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu;
Tempo para nascer e tempo para morrer,
tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou,
tempo para destruir e tempo para edificar,
tempo para chorar e tempo para rir..." (Ecl 3, 1-8)
Quatro horas da tarde. Está na hora de ir buscar os meus filhos ao colégio. É o "toque da campainha", a lembrar-me de que devo interromper o trabalho, desligar o computador e desligar os problemas da escola, para toda eu me concentrar nos meus filhos. Pelo caminho, ainda terei outro "toque": quinze minutos na capela perto do colégio, em colóquio a sós com o meu Senhor...
Há cerca de três anos atrás, fizemos uma viagem de carro que ainda hoje nos faz a todos dar uma grande gargalhada. O destino era bastante simples, e até tenho vergonha de o dizer, vivendo eu aqui em Mogofores: era a Praia de Mira. Mas nós conseguimos perder-nos completamente nas ruas paralelas e perpendiculares que circundam toda a área das praias da zona de Aveiro. Finalmente, o Francisco decidiu ligar o GPS no telemóvel do pai, e começou a dar indicações ao Niall:
- Virar à direita a duzentos metros...
- Não pode ser! - Insistia o Niall. - Eu conheço o caminho, não é à direita!
- Mas, pai, já tentaste à esquerda e falhou! Porque não segues as indicações do GPS? - Insistia por sua vez o Francisco.
Mas o Niall virava à esquerda. Então o GPS, com muita calma, lá refazia a rota:
- Virar à esquerda a trezentos metros...
- Não viro! - Continuava o Niall, convicto. - Esse GPS não vale nada. Nem deve estar atualizado.
- Pai, por favor, vira à esquerda!
E o Niall virava à direita. O GPS ia corrigindo a rota, sem se impacientar. A cada recusa do Niall, o GPS refazia as suas indicações, para que pudessemos chegar ao nosso destino. Finalmente, lá encontrámos a tabuleta a indicar: "Praia de Mira". Vitória!
- Se tivesses acreditado no GPS, já cá estávamos há muito tempo - Resmungava o Francisco. E continua a resmungar, até hoje! Porque o Niall continua a desconfiar do GPS e a "seguir o seu instinto", mesmo quando este está claramente errado.
Outro dia, na catequese, servi-me da história do GPS para explicar aos meus catequisandos a forma como Deus nos conduz pela vida. Deus tem um sonho para cada um de nós. A cada "curva", Deus vai-nos dando indicações precisas sobre os passos que precisamos de dar para chegar à paragem seguinte da nossa viagem. Nem sempre escutamos com atenção... Nem sempre o nosso GPS interior está bem sintonizado com o satélite do Senhor! Ou então acontece como aconteceu com o Niall na nossa célebre viagem: recusamos determinadamente as indicações que o Senhor nos dá através, por exemplo, da sua Igreja, da doutrina católica, dos mandamentos, da Palavra da Bíblia, e preferimos o nosso "instinto" que, geralmente, é mais agradável aos sentidos.
Que faz Deus? Deixa-nos entregues a nós mesmos, perdidos no lamaçal deste mundo e vítimas dos nossos próprios erros? Diz-nos "Bem te avisei" e encolhe os ombros? De modo nenhum: tal como o GPS do carro, o Senhor aceita as nossas escolhas, respeita os passos que queremos dar sem se impacientar, e se quisermos, apaga todo o nosso passado com uma só Palavra de perdão. Depois, a partir do ponto em que nos encontramos, refaz a nossa rota, aquela que nos irá levar à meta final, o Céu...
"Irmãos, não me julgo como se já o tivesse alcançado. Mas uma coisa faço: esquecendo-me do que está para trás e lançando-me para o que vem à frente, corro em direção à meta, para o prémio a que Deus, lá do alto, nos chama em Cristo Jesus." (Fl 3, 11-14)
Catequese. O meu grupo é constituído por adolescentes de catorze anos, atentos e mais ou menos interessados. Juntos, lemos o Evangelho:
"Não se vendem dois pássaros por uma pequena moeda? E nem um deles cairá por terra sem o consentimento do vosso Pai! Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados! Não temais, pois valeis muito mais do que os pássaros." (Mt 10, 29-31)
- Acreditam mesmo, mesmo nas palavras que acabámos de escutar? - Pergunto, perante o silêncio. Um encolher de ombros, alguns sorrisos.
- Isso é simbólico, Teresa!
- Alguém aqui acredita que Deus sabe quantos cabelos temos na cabeça?
Silêncio.
- Alguém acredita que Deus tem tempo para se preocupar com os passarinhos que caem do céu?
- Eu acho que não...
- Eu também acho que não deve ser bem assim...
A conversa está a ganhar forma. Durante meia hora, conversamos sobre a Providência Divina.
Mais tarde, de regresso a casa, escuto um piar aflitivo vindo do galinheiro. Os pintaínhos nasceram há poucos dias, e fazem as delícias dos mais novos. Que se passará? Corro ao galinheiro, e reparo que um deles, muito pequenino, conseguiu sair pela rede e está a tentar regressar, numa grande algazarra. Carinhosamente, pego-lhe com uma mão e devolvo-o à sua pobre mãe, que cacareja incessantemente.
Depois recordo-me da conversa com os meus catequisandos. Será que eu acredito verdadeiramente que Deus cuida dos meus pintainhos, das minhas galinhas, dos cabelos da minha cabeça? Será que acredito verdadeiramente que Deus cuida de cada refugiado sírio, de cada criança com fome, de cada mãe abandonada? Segundo a Clarinha aprendeu em Geografia, parece que a cada trinta segundos morre uma criança com malária no mundo. Acredito verdadeiramente que Deus cuida dela?
O que é isto da Providência Divina? Até que ponto eu acredito - sem ver, sem compreender, sem sondar as profundezas, sem encontrar nenhum sentido - num Deus que me deixa livre de fazer o bem e de fazer o mal, num Deus que me ama mas permite que O não ame, num Deus que me acolhe mas permite que O rejeite, num Deus que morreu para que eu vivesse, num Deus que é só Amor?...
Domingo de manhã. Depois do habitual pequeno-almoço de domingo, começa a correria.
- Mãe, posso levar o vestido novo à missa?
- Mãe, as minhas calças ainda não estão lavadas?
- Clarinha, penteias-me? Faz-me uma trança!
De repente, no meio da azáfama da manhã, corro para o computador.
- Meninos, Niall, venham cá! Quase que me esquecia! Hoje é o dia da canonização dos pais de Santa Teresinha, Luís e Zélia! Como é que podemos ver em direto?
Todos querem ver. O Niall liga o canal do YouTube do Vaticano (sim, o Vaticano tem destas coisas!) e de um momento para o outro, todos estamos lá, em Roma, no meio de uma imensa multidão...
São horas de ir para a missa. Os meninos vão entrando no carro, os mais velhos já impacientes porque vamos chegar tarde ao ensaio do coro. Mas eu espero diante do computador, até ver a pequenina que vai levar as relíquias ao altar. Vai vestida de cor-de-rosa, entre a mãe e o pai. Devia estar morta, mas não está, porque o milagre que provocou a canonização foi o seu milagre... As lágrimas correm-me pela cara, e mal consigo falar. É difícil acreditar que estou a viver um momento assim... O momento da canonização do primeiro casal não-mártir da História, em conjunto!
O sínodo da família tem gerado os mais intensos debates de todos os lados. Os meios de comunicação social ocidentais - sim, porque no oriente as questões não passam sequer perto destes temas - querem saber o que vai acontecer aos recasados e aos homossexuais, e toda a sociedade aguarda com expetativa alguma forma de mudança.
Será que os leigos se deram conta da enorme mudança que teve lugar no domingo, às dez horas da manhã em Itália? Diante de uma imensa multidão e do mundo inteiro, a Igreja afirmou que o matrimónio não é um sacramento de segunda, mas uma verdadeira escola de santidade, uma escola capaz de dar ao mundo famílias de santos. De tal forma o matrimónio é reconhecido como caminho de santidade, que o dia de S. Luís e Santa Zélia Martin não é o dia da sua morte, mas o dia do seu matrimónio, 12 de julho.
Zélia e Luís viveram no século XIX, numa época muito diferente da nossa. Por exemplo, no seu tempo a missa era em latim e as pessoas só comungavam com expressa autorização do seu confessor, nunca diariamente. Mas nem por isso eles viviam longe da Eucaristia! Todos os dias, às cinco e meia da madrugada, eles participavam da missa. Ao ouvirem bater a porta da casa dos Martin, os vizinhos voltavam-se na cama: "Podemos dormir mais um bocado, são cinco da manhã!"
É natural que este tema da Eucaristia vá sendo meditado e aprofundado ao longo da História da Igreja, não a partir do ponto de vista dos "meus direitos", mas a partir de um conhecimento cada vez mais perfeito da misericórdia divina. Eu não sei que mudanças o sínodo trará neste ponto concreto para os divorciados recasados ou para qualquer outro católico, mas sei que o exemplo de Luís e de Zélia já trouxe mudanças grandes na minha vida, ao longo dos anos em que eles me têm acompanhado como leitura assídua, ensinando-me a amar, a desejar e a adorar a Eucaristia cada vez mais profundamente.
As famílias - todas as famílias - são chamadas à santidade. Espero sinceramente que o sínodo nos fale em abundância desta vocação específica da família cristã, e rezo para que, no futuro, muitos outros casais sejam propostos à veneração das famílias católicas como exemplos a imitar, segundo as Palavras de Jesus:
"Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte, nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu." (Mt 5, 13-16)
S. Luís e Santa Zélia Martin, rogai por nós! Ámen.
Hora de oração familiar. Juntos, lemos o Evangelho do dia. É a minha vez de ler em voz alta, e leio assim:
"Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «A todo aquele que Me tiver reconhecido diante dos homens também o Filho do Homem o reconhecerá diante dos Anjos de Deus. Mas quem Me tiver negado diante dos homens será negado diante dos Anjos de Deus." (Lc 12, 8-9)
- Que significa negar? - Pergunta a Lúcia, atenta.
- Alguém quer explicar?
- Eu explico - Diz a Clarinha - Imagina que um amigo te pergunta se vais à missa, e tu dizes que não. Isso é negar Jesus.
Silêncio.
- Às vezes tenho vergonha de dizer que quero ser padre - Diz o David, hesitante. - Mas depois ganho coragem e consigo dizer. Não estou a negar Jesus, pois não?
- Ainda bem que tens coragem - Sorrio - Assim não estás a negar Jesus! Cada um é livre de dizer o que pensa vir a ser, quando crescer. E, claro, és livre para mudar de ideias e vires a ser outra coisa qualquer. Mas se agora achas que queres ser padre, então ainda bem que tens coragem de o dizer.
- Sabes o que é que os meus amigos me respondem logo?
- Não faço ideia! O que é?
- Eles dizem que os padres não ganham dinheiro!
Ficamos todos em silêncio. Por onde andam os sonhos infantis de heroismo, os desejos de ser bombeiro, enfermeiro do INEM, piloto aviador? Por onde anda a infância dos nossos filhos? Que fizemos dela? Aos nove anos já não têm direito a sonhar? Lembrei-me do Principezinho, daquela passagem em que Saint-Exupéry fala da diferença entre os adultos e as crianças:
"As pessoas crescidas gostam de números. Quando lhes falam de um amigo novo, nunca perguntam nada de essencial. Nunca perguntam: «Como é a voz dele? A que é que ele gosta mais de brincar? Faz coleção de borboletas?» Em vez disso, perguntam: «Que idade tem? Quantos irmãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele?» Só então julgam ficar a saber quem é o vosso amigo. Se contarem às pessoas crescidas: «Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado...», as pessoas crescidas não conseguem imaginá-la. Precisam de lhes dizer: «Hoje vi uma casa que custou quinhentos mil euros.» Então já são capazes de a admirar: «Mas que linda casa!»
"O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males" (1Tm 6, 10)
Assim escreveu S. Paulo a Timóteo.
Talvez seja um bom exercício verificarmos a frequência com que falamos de dinheiro na nossa casa, em brincadeiras, em comentários mais ou menos maledicentes sobre a roupa e o carro dos outros, em discussões sobre poupanças e gastos, em ralhetes, em... É que pela frequência com que falamos de um assunto pode medir-se a importância que esse assunto tem para nós. Os nossos filhos observam atentamente todos os nossos gestos e escutam até as palavras que calamos. Que mensagens lhes transmitimos sobre o dinheiro?
Ah, a Palavra de Deus a identificar as nossas feridas antes de as poder curar...
Este outono, pela primeira vez, o nosso jovem diospireiro encheu-se de frutos. Como quase todos adoramos diospiros, tem sido uma verdadeira festa! O António e a Sara, em especial, passam o tempo a correr à horta para colher diospiros. Vêm ter comigo com as mãos cheias e o sumo espesso entre os dedos: "Mamã, olha!"
No sábado fui com eles apanhar diospiros e enchemos uma taça. Depois sentámo-nos no jardim e cortei diospiros para toda a família, até não sobrar nenhum.
- Olha só isto, Niall, uma taça cheia de diospiros terminada!
- Está visto que colhemos todos os dias a dose certa! - Riu-se ele. - Acho que a nossa árvore tem o tamanho ideal: se colhêssemos mais diospiros por dia, eles acabavam por apodrecer, porque os diospiros têm esta característica de apodrecerem muito depressa também!
- É verdade! A nossa árvore dá-nos todos os dias a dose certa... Nem demais, nem de menos!
Lembrei-me então do maná, essa bela surpresa de Deus no deserto. Naquela madrugada, o povo acordou e viu uma fina camada branca e orvalhada sobre a areia:
"Os filhos de Israel disseram uns aos outros: «Que é isto?» Pois não sabiam o que era aquilo. Disse-lhes Moisés: «Isto é o pão que o Senhor vos dá para comer. Foi isto que o Senhor ordenou: ‘Recolhei cada um conforme os que habitem na sua tenda.’»
Assim fizeram os filhos de Israel, e recolheram, uns muito, outros pouco. Não sobejava a quem tinha muito e não faltava a quem tinha pouco. Cada um recolhia conforme o que comia.
Disse-lhes Moisés: «Ninguém guarde até de manhã.» Porém, alguns não escutaram Moisés, e guardaram até de manhã; mas ganhou vermes e cheirava mal. E Moisés irritou-se contra eles. Recolhiam-no todas as manhãs, cada um conforme o que comia. E quando o sol aquecia, derretia-se." (Ex 16, 17-21)
O maná não foi apenas o alimento do povo no deserto; foi sobretudo uma lição de confiança e de simplicidade. Em cada madrugada, as famílias aprendiam a confiar um bocadinho mais no Senhor, recolhendo apenas o necessário para cada dia, e aprendiam a vencer invejas, rivalidades, receios, ganância.
Quantos de nós nos preocupamos em recolher, em cada dia, apenas o alimento necessário? Talvez estejamos a trabalhar demais, não por necessidade, mas para enriquecer... E talvez com isso estejamos a roubar tempo a Deus e à família! Por outro lado, talvez nos tenhamos fechado ao dom da vida, com medo de não termos nem dinheiro nem paciência para educar mais um filho... Estaremos a fazer as contas ao imprescindível ou ao supérfluo? Quanto à paciência, é-nos oferecida em cada manhã de acordo com o tamanho da família, tal como o maná! Onde fica a fronteira entre prudência e o receio, entre a confiança e a irresponsabilidade, entre a generosidade e a loucura? Senhor, dai-nos o pão de cada dia, e com ele, a sabedoria do coração... Ámen!
- Lara, a tua terra tem uma igreja muito bonita!
- Conhece, professora?
- Fui lá ontem pela primeira vez. Era quinta-feira, e disseram-me que às quintas há adoração ao Santíssimo todo o dia. Como fica aqui perto da escola, fui lá rezar.
- Ah, tem lá umas cenas assim, tem... Já tinha ouvido falar!
- E tu não costumas ir?
- Acha, professora?
- Isso não é para velhotes? - Atalha a Ana, curiosa.
- O quê - adorar Jesus? Ana, tu vais à catequese?
- Vou, estou quase a fazer o crisma. Pensei que essa cena era para velhotes!
- Eh, malta, estão a falar das cenas da igreja? Eu até já vi a professora numa missa ou coisa assim. Estava a cantar!
Sorri - Sim, costumo cantar no coro.
- Eu até ia à missa quando era miúdo, e andei na catequese, mas agora já sou homem!
- E os homens não vão à igreja, Mateus?
- Os homens não precisam de lamechices! Já viu algum homem a sério na igreja?
- Olha, o meu marido vai sempre à missa. E é um homem a sério!
- Que estranho...
Sorrio, enquanto procuro retomar a aula de Inglês nesta turma barulhenta do Curso Vocacional. É, na verdade, bastante comum ver os homens sentados nos bancos de trás da igreja, ou até lá fora à espera, enquanto as mulheres se aproximam do altar. Parece que a religião é coisa de mulheres... E segundo a percepção dos meus alunos, coisa de "velhotas"! O que há de lamechas na capacidade de dar a vida por outro? Lembro-me da passagem do Livro de Josué, em que este grande líder, bem masculino, afirma a sua fé em nome pessoal e em nome da sua família, perante os perigos do paganismo à sua volta:
"Escolhei hoje a quem quereis servir: quereis adorar os deuses cananeus? Quereis antes adorar os deuses egípcios, donde Moisés vos foi buscar? Ou quereis adorar o Senhor nosso Deus, o único Senhor, que vos tirou do Egipto e vos conduziu pelo deserto? Eu e a minha família serviremos o Senhor.” (Js 24, 15)
Uma mãe de joelhos a rezar é uma imagem poderosa numa casa; mas um pai de joelhos a rezar, no mundo de hoje, é-o muito mais. No debate da Renascença no dia 4 de outubro, do qual participei, o padre Rui Pedro Trigo Carvalho, que esteve no recente encontro mundial de famílias em Filadélfia, falou num estudo curioso apresentado ao papa: quando procuramos evangelizar a família começando pela criança, como acontece com a catequese, alcançamos 5% das famílias; quando começamos pela mãe, cerca de 20%; mas se for o pai o primeiro a converter o seu coração, o sucesso é de 90%.
Uma criança, um adolescente, um jovem que vê o pai de joelhos, em oração, jamais o esquecerá. "Ena, Deus deve ser mesmo importante, para até o meu pai, que não tem tempo para nada, se ajoelhar diante d'Ele!" Rezar em família não pode ser adiado para quando formos "velhotes". Tem de ser aqui e agora, no meio da agitação da vida moderna, quando os filhos estão em crescimento.
Todas as noites, na nossa casa, o chefe da família ajoelha-se para rezar. É ele quem começa e termina a oração "em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". É ele quem traz para a oração o que acontece pelo mundo fora, depois de escutar o relato das notícias na rádio, durante os três quartos de hora de viagem até casa, ao fim do dia. E muitas vezes, é ele quem segura nos braços os mais pequeninos, enquanto passa nos dedos as contas do terço. Haverá maior conforto do que adormecer ao colo do pai, ao som das avé-marias?
Ontem, pela primeira vez na História, o Papa canonizou um casal em conjunto: os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus. Sobre o seu pai, escreveu Teresinha: "Bastava olhar para ele, durante a oração familiar, para ver como rezam os santos."
Não, Mateus, a oração não é coisa de mulheres; não, Ana, "essas cenas" da Igreja não são coisa de "velhotes". Ontem, no Vaticano, o Papa deu um sinal magnífico ao mundo inteiro, oferecendo-nos a imagem de uma família que reza como modelo de santidade. Imitemo-los...
Estandarte no Vaticano, durante a missa de canonização