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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Há nos quinze anos uma beleza escondida, uma luminosidade especial. Quinze anos! Quinze anos... A infância ficou definitivamente para trás, mas ainda não está definido aquilo que iremos ser... O corpo, a mente e o espírito despertam para realidades novas, e aos quinze anos já estamos a caminho das águas profundas de que nos fala o Evangelho:
"Faz-te ao largo e lança as tuas redes para a pesca." (Lc 5, 4)
A Clarinha já se fez ao largo, e há uns tempos que navega em águas profundas. Sem perder a transparência e a inocência da sua infância feliz, a Clarinha cresceu. Observo-a quando toma conta dos irmãos por sua livre vontade, contando-lhes histórias, ensinando passos de ginástica à Lúcia e à Sara, ajudando-os a vestir ou a tomar banho. Observo-a quando se oferece para me ajudar com a lida da casa, se repara que estou mesmo muito cansada, ou dobra meias enquanto rezamos o terço. Observo-a quando controla a vontade de me responder mal, mordendo os lábios para não dizer o que sabe que não deve, ou quando chora no meu ombro, pedindo desculpa depois de se ter excedido, ou ainda quando me perdoa, sorrindo, se por acaso fui eu quem se excedeu. Observo-a quando ri à gargalhada com o Francisco, conversando no quarto do irmão sobre coisas que só os dois partilham. Observo-a sentada à sua secretária, livros abertos com determinação, disposta a melhorar a cada dia os seus resultados escolares. Observo-a quando patina ao desafio com os irmãos, à volta da casa, numa velocidade estonteante. Observo-a de tablet na mão e auriculares nos ouvidos, visionando competições de ginástica e concursos de dança, ou conversando online com as primas e as amigas. Observo-a ao serão, no Canto de Oração, rezando concentrada.
Escrevo este post na manhã de sábado. A Clarinha está na cozinha a fazer a pizza para o almoço. Enquanto mistura os ingredientes e espera que o molho de tomate fique pronto, vai cantando, cantando, cantando, atingindo as notas mais agudas sem qualquer esforço.
Ao cantar, a Clarinha alterna com naturalidade entre as canções pop da moda e as canções de Danielle Rose, uma cantora católica americana que descobriu no blogue da Marisa. "The Saint That is Just Me" é uma das suas canções preferidas, e ela canta-a de cor, com voz forte. Ao serão, também a costuma tocar na guitarra ou no bandolim, sentada em frente da lareira. Como Danielle, a Clarinha já intuiu que Deus nos chama à santidade, e que o caminho de santidade de cada um é único, irrepetível e insubstituível.
No Retiro em Lordelo, a Clarinha ficou muito tempo de joelhos, durante a adoração, a conversar com Jesus. No fim do dia, enquanto arrumávamos tudo para regressar a casa, a Clarinha voltou a escapulir-se para a igreja e voltou a ajoelhar-se diante de Jesus, para conversar com Ele mais um bocadinho.
"Não consigo imaginar a minha vida sem o Evangelho", diz-me ela de vez em quando. E continua, pensativa: "Como seriam os meus pensamentos? Como ficaria eu quando os testes correm mal, ou quando não consigo fazer um exercício de ginástica? Sem Jesus, acho que nada na minha vida faria sentido!" Este ano letivo não tem sido fácil para a Clarinha, que tem passado muitas horas a estudar matérias difíceis, e muitas outras horas a tomar decisões também difíceis, como se devem recordar (e como contei aqui, aqui e aqui). A adolescência nunca é fácil, não é verdade? Mas todos os dias, ao serão, lemos em conjunto a Palavra de Deus, que a Igreja oferece na missa diária. Acredito que, mais do que os meus esforços como mãe, é esta Palavra partilhada, mastigada, contemplada, que dá à Clarinha a confiança para viver cada dia com alegria e simplicidade.
De facto, a cada dia que passa, a minha missão educativa vai diminuindo, e a missão educativa do próprio Jesus vai crescendo... É por isso que é tão importante - sobretudo quando se têm filhos adolescentes - meditar as Escrituras em família, proclamando não as nossas palavras educativas, mas as de Deus. João Batista sintetizou num único versículo o essencial da missão educativa cristã:
"É preciso que eu diminua para que Ele cresça." (Jo 3, 30)
Ser mãe da Clarinha há quinze anos tem sido para mim um enorme privilégio, e todos os dias agradeço a Deus ter-me oferecido esta filha e os seus irmãos para com eles partilhar a vida.
Senhor, à medida que a minha influência maternal for diminuindo na vida da Clarinha, aumenta, Te peço, a tua! Que ela navegue em águas cada vez mais profundas e seja santa, a santa que só ela pode ser...
E hoje que fazes quinze anos... PARABÉNS, QUERIDA FILHA!
Hora de oração familiar. No Canto de Oração, lemos as leituras do dia. O Evangelho é de S. João, e relata-nos a cura de um paralítico junto à piscina de Betzatá, em Jerusalém. Os meninos escutam com atenção.
"Estava ali um homem que padecia da sua doença há trinta e oito anos. Jesus, ao vê-lo prostrado e sabendo que já levava muito tempo assim, perguntou-lhe: «Queres ser curado?» Respondeu-lhe o doente: «Senhor, não tenho ninguém que me meta na piscina quando se agita a água, pois enquanto eu vou, algum outro desce antes de mim.» Disse-lhe Jesus: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda.» E no mesmo instante, aquele homem ficou são, tomou a sua enxerga e começou a andar." (Jo 5, 5-9)
- Mãe, por que é que Jesus pergunta "Queres ser curado?" Não é óbvio que o pobre homem queria ser curado?
Todos se riem, divertidos. Mas a pergunta de Jesus é uma pergunta aberta, séria, que procura uma resposta também séria, como todas as suas perguntas no Evangelho - e segundo o padre Ronchi, que está a pregar os exercícios espirituais da Cúria Romana, os Evangelhos trazem cerca de 220 perguntas de Jesus...
- Nem todos os que estão doentes querem ser curados - Explico.
- Como assim?
- Talvez os que estão doentes no corpo manifestem geralmente vontade de serem curados. Mas os que estão doentes no espírito, nem sempre...Vocês não têm amigos que se portam mal nas aulas, todos os dias, e que não têm qualquer disposição para mudar de atitude? Ou meninos que dizem não entender a Matemática e por isso já nem sequer abrem o livro quando o professor manda?
- Sim!
- É o que Jesus quer dizer! Só muda, só se converte quem o deseja realmente. Claro que, mesmo depois de desejarmos mudar, iremos cair muitas e muitas vezes; mas sem vontade, nada se consegue, e nunca seremos verdadeiramente curados!
- Acho que já estou a perceber...
É mais fácil permanecer no pecado do que mudar de vida. O Papa Francisco refere muitas vezes aquilo a que chama "pecados de estimação", ou seja, os pecados que não temos qualquer intenção de deixar de cometer, dia após dia, confissão após confissão - e a falta de arrependimento impede a graça do sacramento da confissão, como ensina o Catecismo...
"Queres ser curado?"
É mais fácil dizer que não temos tempo, do que encontrar alguns minutos para a oração; é mais seguro convencermo-nos a nós mesmos que não é da nossa responsabilidade mudar o mundo, do que dar o nosso tempo, o nosso suor, o nosso esforço numa qualquer obra de apostolado ou solidariedade da Igreja; é bem mais simples desculparmo-nos com um "não sou capaz" do que esforçarmo-nos por mudar de rotinas, de hábitos, de práticas, de vida; é mais confortável descartar os desafios do Senhor como demasiado exigentes, do que seguir atrás da sua Cruz.
"Queres ser curado?"
A pergunta de Jesus é séria, e exige uma resposta. Sabemos que Jesus só olha à nossa boa vontade, pois na sua omnipotência, Ele faz o trabalho mais difícil... Porque não aproveitar a quaresma para responder ao Senhor?
Há uma oração que o sacerdote reza na missa que me toca muito. Diz assim: "Senhor, não olheis aos nossos pecados, mas à fé da vossa Igreja." Sempre que venho de um Retiro Famílias de Caná, eu faço espontaneamente uma oração semelhante, que se prolonga durante muito tempo, quase no meu inconsciente, e que me deixa uma paz profunda. Diz assim: "Senhor, não olheis aos meus pecados, mas à generosidade, à humildade, à alegria, à fé, à caridade de tantas pessoas que foram tocadas pelo teu dom das Famílias de Caná através do nosso pobre testemunho!" E tenciono fazer esta mesma oração no Dia do Juízo, quando estiver diante de Deus!
De facto, nos Retiros Famílias de Caná damos o nosso testemunho familiar da forma como Deus pode transformar a vida, e damo-lo de modos diversos: pela palavra, pelo ilusionismo do Francisco, pela música, pelos jogos, pela partilha do alimento, pela conversa individual ao longo do dia, pelo acolhimento. Mas o que recebemos é sempre muito mais, e não o digo por dizer - digo-o com plena convicção. Neste retiro, como já aconteceu nos anteriores, conhecemos pessoas fantásticas, escutámos partilhas muito bonitas, e contemplámos a ação de Deus nas vidas dos seus amigos.
...Na vida da Rita, da Isabel e da Vera, por exemplo, que deram tudo o que tinham para que as crianças tivessem um dia magnífico, cheio de profundidade e de muita alegria. Quando entraram no carro, ao fim do dia, o nossos filhos mais novos exclamaram quase em coro: "Adorei este retiro! Adorei todas as atividades! Queria ficar mais tempo!" E durante a viagem, foram falando dos jogos, das histórias, da forma profunda e significativa como a mensagem lhes foi oferecida.
...Na vida da Emília, a catequista de Lordelo que nos convidou para este retiro, e que tudo preparou com tanto cuidado, com tanta atenção ao pormenor. Neste retiro tive a honra de falar atrás de uma mesa cuidadosamente pensada, com uma Bíblia rodeada de velas e de flores brancas. Deus gosta do pormenor, como é fácil deduzir se contemplarmos por alguns instantes os desenhos nas asas das borboletas ou nas folhas das árvores, e por isso, o cuidado da Emília é um dom do Senhor. E não é o único dom que a Emília recebeu, como o provou a enorme panela de deliciosa feijoada à hora do almoço! Mas acima de tudo, a Emília tem o dom de congregar um grupo quase inteiro de catequese familiar para participar num retiro. Magnífico!
...Na vida do senhor padre José Manuel Ribeiro Pinto, sacerdote de Lordelo, que nos tocou pela forma como se centra no essencial, e não se dispersa nem deixa que o dispersem.
Pensando em todas estas pessoas e em todas as Famílias de Caná que desde o primeiro momento dão o seu tempo,o seu suor e a sua oração para que estes e outros encontros aconteçam, sinto o impulso de escrever como S. Paulo:
"Dou graças a Deus todas as vezes que me lembro de vós, fazendo sempre com alegria oração por vós em todas as minhas súplicas, pela vossa colaboração no Evangelho desde o primeiro dia até agora." (Fil 1, 3-5)
No centro dos Retiros Famílias de Caná, está naturalmente Jesus. A meia hora de adoração é o cume de tudo o que fazemos, e não a encurtamos nem a suspendemos por nada deste mundo. A igreja de Lordelo é linda, sobretudo a capela da adoração. Os vitrais, imensos, deixavam passar a luz e os raios de sol que de vez em quando brilhavam no céu encoberto. No momento sublime em que o sacerdote elevou o Santíssimo e nos abençoou, Deus permitiu que o sol entrasse a jorros na igreja e nos banhasse numa luz intensa, elevando os nossos corações para esse outro Sol que é Jesus. Foi lindo!
Deixo-vos as fotos do dia:
Chegámos a casa pelas oito horas da noite, mas ainda tivemos tempo para rezar no nosso Canto de Oração e agradecer o dia. Iluminando as trevas, estavam as velinhas que os meninos decoraram nos seus trabalhos e a vela central que decorava a mesa, no salão paroquial...
- Teresa, trouxe-te um presente! - O Niall acabava de entrar em casa e ainda nem sequer tirara o casaco, mas o entusiasmo era enorme. Tirei-lhe a mala das mãos e abri-a, curiosa. Depois soltei um grito de alegria.
- Há um ano que espero por este livro, Niall! Eu não sabia que ele já tinha sido escrito, mas tinha a certeza de que, um dia, alguém iria escrever esta história. Tinha a certeza! E como vês, não me enganei... Há histórias que precisam de ser escritas, para não serem esquecidas, para brilharem nas trevas. E esta é uma delas! Obrigada, oh, obrigada!
Lembram-se da Meriam Ibrahim? Escrevi vários posts sobre ela aqui, aqui, aqui, aqui. A mulher de 27 anos, com um filho pequenino e grávida novamente, que o Sudão condenou à morte por ser cristã? E que nunca, por um segundo, renegou a sua fé? E que deu à luz acorrentada, sozinha na escuridão da cela? E que foi depois recebida pelo Papa Francisco?
A Bíblia apresenta-nos muitas mulheres fortes. Nos Provérbios, descreve-as assim:
"Uma mulher de valor, quem a poderá encontrar? O seu preço é muito superior ao das pérolas. O coração do marido nela confia e jamais lhe falta coisa alguma. Ela proporciona-lhe o bem e nunca o mal, em todos os dias da sua vida. Ela procura lã e linho e trabalha de boa vontade com as suas mãos. Levanta-se, ainda de noite, distribui o alimento pelos da sua casa... Cinge fortemente os seus rins, e os seus braços têm sempre força. A sua lâmpada não se apaga durante a noite." (Pr 31)
A lâmpada de Meriam também nunca se apagará. A mim, ela ilumina-me e aquece-me o coração. Escrevo este post às onze da noite, cheia de pressa, porque quero sentar-me na cama para ler o meu presente do Dia da Mulher... Que neste dia o Senhor abençoe todas as mulheres da Terra, a todas proteja, e a todas fortaleça com a sua graça como fez com Meriam! Ámen.
- Meninos, podem ligar a televisão! - Aviso, ao fim da tarde de sábado. Como já todos os leitores devem saber, sábado é dia de televisão para os Power mais novos, que durante a semana nem se lembram dela.
- Ena, que bom! Está a dar Jake e os Piratas! - Anuncia a Lúcia, a primeira a chegar à sala.
- Falta o David! - Reparo, quando a Sara e o António se instalam no sofá. - Quem o vai chamar?
- Hoje eu não vou ver televisão - Diz o David, entrando na sala. - Vou já tomar banho e depois vou ler para o quarto.
- E porquê? Tu adoras Jake e os Piratas!
- Para fazer um sacrifício. Hoje quero fazer um sacrifício dos grandes...
- Mãe, quero uma fatia de bolo!
- Já comeste ao lanche, António. Agora esperas pelo jantar. Só depois de jantar é que comes bolo outra vez.
- Mas eu quero agora.
- Já te disse que não. Depois de jantar.
- Agora!
- Não vale a pena, António.
Lágrimas. Parece que as birras ainda não acabaram de todo...
- António, vou explicar-te: não vais comer bolo agora, quer faças birra, quer não. Isso é certo. Mas restam-te duas escolhas: podes não comer bolo e ficar de mau humor, a chorar, zangado, e eu grito contigo e perco a paciência, e só temos tristeza para dar a Jesus; ou podes não comer bolo e sorrir, oferecendo a Jesus o teu sacrifício, e logo à noite pões uma flor no Canto de Oração. A escolha é tua!
O António suspira, e limpa as lágrimas. A escolha está feita.
Hora de oração familiar. Sentados no sofá da sala, rezamos o terço como todos os dias. Geralmente, antes de começarmos, precisamos de repetir muitas e muitas vezes: "Meninos, sentados como deve ser!" "Meninos, não se reza de qualquer maneira, é preciso respeito!" "Meninos, costas direitas no sofá!" Mas hoje não parece ser necessário. Antes de começarmos, o Niall ajoelha-se no chão. Duas avé-marias mais tarde, também a Clarinha se ajoelha. Mais duas avé-marias, e é a minha vez... E logo em seguida, o Francisco. Olhamos uns para os outros e rimo-nos: quando um decide oferecer um bocadinho mais a Jesus, ninguém quer ficar atrás! Sem que seja essa a nossa intenção, acabamos por nos desafiar uns aos outros todos os dias neste belo e difícil caminho da santidade.
- Mãe, explica-me outra vez o que faz Jesus com todos os nossos sacrifícios!
- Então eu explico: cada vez que tu fazes um sacrifício, Jesus recebe-o nas suas mãos, com todo o carinho. Depois transforma-o numa graça especial para alguém também especial, que só Ele conhece... Assim, talvez Jesus tenha aproveitado o teu sacrifício de não ver televisão para derramar felicidade sobre um menino da tua idade, que estava a chorar no meio da guerra na Síria. Quem sabe? Talvez...
- Mas no céu vou saber, não vou, mãe?
- Sim, no céu vais poder brincar com todos os meninos que receberam graças através de ti. E também vais conhecer todos os meninos que, com os seus sacrifícios, obtiveram graças para ti!
- Nem posso esperar...
Estas conversas surreais acontecem muitas vezes em nossa casa. Podem conter uma ou duas imprecisões teológicas em termos de linguagem, eu sei, mas não encontro melhor forma de explicar às crianças esta maravilha que é a comunhão dos santos, em que nós, católicos, afirmamos acreditar. É deste imenso tesouro dos sacrifícios e sofrimentos de todos os santos, conhecidos e desconhecidos, vivos na Terra e vivos no céu, que cada um de nós recebe graça sobre graça. Como diz S. Paulo, as nossas vidas individuais são preciosas quando unidas ao sofrimento pascal de Jesus:
"Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, pelo seu corpo que é a Igreja." (Col 1, 24)
Porque no único Corpo formado por Jesus e pela sua Igreja, circulam de uns para os outros todas as graças, todas as bênçãos, todas as alegrias, todas as dores, como o sangue que percorre todos os membros:
"Os muitos que somos formamos um só corpo em Cristo, mas individualmente, somos membros que pertencem uns aos outros." (Rm 12, 5)
E de sacrifício em sacrifício, no Canto de Oração é quase primavera...
A todos os leitores do blogue, desejamos umas felizes 24 horas para o Senhor! Que durante o dia de hoje e de amanhã, os nossos pensamentos, os nossos sentimentos, o nosso tempo, a nossa vida sejam para o Senhor! Diante de Jesus-Eucaristia, Jesus entregue por nós, Jesus feito Pão, feito Sangue, feito Vida, a nossa oração seja fecunda!
Certamente todos vós tendes intenções fortes no coração pelas quais rezar. A essas, peço que acrescenteis uma oração especial pelas Famílias de Caná, que estão a crescer com a bênção de Deus e do nosso bispo de Aveiro, D. António Moiteiro. Peço especial oração pelo retiro de Lordelo, Guimarães, já no próximo domingo! As inscrições têm chegado em abundância e continuam a chegar, ao ponto de termos tido de reforçar a equipa que vai trabalhar com as crianças. Vai ser um dia muito belo... Rezemos por esta intenção!
Até segunda, se Deus quiser!
- Meninos, tenho uma notícia para vos dar.
- Sim? Qual é?
- É sobre a vovó-mamã? - Os meus filhos tratam a minha avó, não por bisavó, mas por vovó-mamã, talvez por escutarem a avó a tratá-la por mãe.
- Sim, é sobre a vovó-mamã...
- Ela já está boa? Podemos ir visitá-la?
- Não vês que ela já não vai ficar boa, António? A vovó-mamã está quase a morrer, não é, mãe?
- A vovó-mamã já está com Jesus... Era isso que eu vos queria dizer.
- Já morreu? - O David quer ter a certeza.
- Sim, já morreu. Já está no céu!
- Então já está boa! Viva! Ah, deve ser tão bom estar no céu! - A Lúcia não esconde a sua alegria. Ela sabe o quanto a bisavó sofria nos últimos anos da sua vida, e também sabe, com uma certeza infantil, inocente e pura, que o céu é a maior felicidade que podemos experimentar.
- Quem me dera estar no céu agora, a brincar! Achas que a vovó-mamã já viu o Tomás?
- E vai poder pegar nele ao colo! Que sorte! Ena...
- E vai ver Jesus! E Nossa Senhora! Ah, ela deve estar tão feliz!
A conversa depressa se centra neste mistério imenso que é o céu, e que cá em casa é frequentemente motivo de belos sonhos. Há muito que a morte deixou de nos meter medo, e falamos sempre dela como da verdadeira Porta Santa, a Porta que nos lança na Vida.
- Bem, amanhã, dia 1 de março, vamos ao funeral - Interrompo.
- Funeral? Funeral? - A Sara quer saber do que falamos nós.
- Sim, Sara. Vamos fazer a última festa à vovó-mamã. Vamos rezar por ela, na missa, e depois acompanhá-la ao cemitério. Sabes, como o Tomás... Lembras-te do túmulo do Tomás, onde ficou guardado o seu corpo? A vovó-mamã também vai ter um túmulo assim. O corpo das pessoas é demasiado pesado para subir ao céu, por isso, Deus só leva a alma, e no céu dá-lhes um corpo novinho em folha, sem doenças, sem velhice, sem dores. O corpo da terra volta para a terra, aonde pertence.
- Ah, por isso é que não vemos os corpos por aí a voar!
- Claro. Seria uma grande confusão! Deus só leva as almas, e no céu tudo se arranja.
Os meninos não têm dificuldade em entender isto. Não custa, imaginar o espírito a elevar-se alto no céu, leve como as nuvens, alegre como os pássaros, azul como o horizonte... e voar até ao Coração de Deus.
Nessa noite, no terço, recordámos a vovó-mamã, pedimos ao Senhor que a acolhesse no seu Coração e agradecemos o dom que ela foi sempre na nossa vida. No dia seguinte, fui buscar os meninos à escola logo depois do almoço, e seguimos até Aveiro, rezando o terço no carro e preparando os cânticos para o funeral.
O dia estava luminoso, sereno e belo. Na missa, todos cantámos e tocámos, porque se havia coisa que a avó gostava, era da nossa música. Atentos, os meninos seguiram a belíssima homilia do Cónego António Assunção (o sacerdote da minha infância, testemunha do meu casamento, padrinho do Francisco, o mesmo sacerdote que sepultou o Tomás...), feita especialmente para que as crianças penetrassem um pouco no imenso mistério da eternidade.
Depois, serenos, dirigimo-nos ao cemitério. O azul do céu e o branco das lajes, o silêncio e a paz...
- A vovó-mamã vai ficar dentro daquela cova?
- Não, António. Já te esqueceste? É só o corpo que fica ali, até se desfazer em terra, em pó... Essa terra vai alimentar as plantas, fazer crescer as árvores, fazer brotar as flores, e o ciclo da vida continua. Entretanto, a alma da vovó-mamã já não está aqui, já está no céu, e Deus já lhe deu um corpo novo, sem rugas, sem fome, sem sede, sem doença, sem morte.
- Ah...
É preciso que os meninos vejam o caixão, é preciso que vejam a cova, a terra, a pedra fria. É preciso que vejam e que não desviem o olhar, e que não se distraiam com fábulas, e que não esqueçam... O mistério da morte é o mistério da vida. É preciso perder o medo à morte para perder o medo à vida.
Um a um, deitam uma última flor sobre a urna, e logo os coveiros a cobrem de terra.
Diante daquela urna imensa, vieram-me ao pensamento memórias de um tempo antigo... A minha infância, a minha juventude, os meus primeiros anos de casada, e a minha avó sempre presente, acompanhando cada alegria e cada dor com a sua ternura infinita e uma capacidade imensa de se esquecer de si. Recordei-me de cada cheiro e de cada sabor das refeições deliciosas com que sempre nos recebia, nas longas férias que passávamos juntos; e das camisolinhas de lã tricotadas com todo o carinho do mundo, primeiro para nós, as netas, depois para cada um dos bisnetos que iam chegando... Os anos passaram, e pouco a pouco, a minha avó foi perdendo a memória, a capacidade de se deslocar sozinha, as forças. Mas nunca perdeu o essencial: o seu imenso amor, o seu imenso respeito e a sua imensa gratidão por quem dela cuidava. A todos, mesmo sem os reconhecer, respondia com um "obrigada" educado e bem disposto. E nas suas mãos, as contas do terço iam passando lentamente...
Diante daquela cova e daquela terra, lamentei que os meus filhos não tenham conhecido a minha avó quando ela era nova e cheia de energia. Depois apercebi-me que a geração dos filhos dos meus filhos nem sequer recordará o seu nome. Que mistério! Como diz o salmista:
"Os dias dos seres humanos são como a erva;
brota como a flor do campo,
mas, quando sopra o vento sobre ela,
deixa de existir e não se conhece mais o seu lugar."
(Sl 102/103, 15-16)
Mas o mesmo salmo acrescenta:
"Mas o amor do Senhor é eterno para os que o temem,
para os que guardam a sua aliança
e se lembram de cumprir os seus preceitos."
(Sl 102/103, 17-18)
Diante de Deus, cada um de nós é sempre, sempre Presente. Os homens podem esquecer, mas o Senhor nunca esquece, porque nunca, por um instante sequer, existimos longe do seu olhar. Uma imensa alegria invade o meu coração, quando penso neste grande mistério. Sei que nenhum gesto de amor da minha avozinha ficará sem recompensa, mesmo aqueles gestos - especialmente aqueles gestos - que nunca lhe consegui agradecer.
No eterno Presente que é o Céu, só o amor é recompensado... E como diz S. João, falando de todos os cristãos que o são verdadeiramente, falando - também - da minha avó:
"Sabemos que passámos da morte à Vida porque amamos os irmãos." (1Jo 3, 14)
Ámen!
Hora de oração familiar.
- Mãe, posso desenhar os mistérios?
- E eu também?
O David e a Lúcia olham para mim com esperança.
- Sim, claro. Hoje vamos rezar os mistérios da alegria.
- É a história de Jesus pequenino, não é?
- Sim, é. Agora despachem-se a arranjar os lápis e o papel, para começarmos!
Começamos. Instalados no sofá, almofadas ao colo a servir de mesas, papel e lápis na mão, os meninos vão rezando e vão desenhando... E que desenham eles? A sua meditação. Enquanto nós, adultos, meditamos mentalmente, construindo imagens mentais dos mistérios que contemplamos, os mais pequeninos precisam de materializar o seu pensamento. Que melhor forma do que ir desenhando o que vamos contemplando?
O terço chega ao fim. O David e a Lúcia estendem-me os seus desenhos, orgulhosos. Vou colocá-los no Canto de Oração. Mas antes vou digitalizá-los para que vocês também os possam ver. Conseguem identificar os cinco mistérios da alegria, que o David desenhou? A Anunciação do anjo a Maria, a Visitação de Maria a Isabel, o Nascimento de Jesus, a Apresentação de Jesus no Templo, Jesus entre os doutores... Tudo aí está, desenhado com rigor!
E os mistérios da glória, desenhados também pelo David, no domingo?
Que dizem a esta felicidade estampada no rosto de Nossa Senhora, nos dois primeiros mistérios da alegria que a Lúcia desenhou?
Terei eu estado tão atenta a cada mistério como o David e a Lúcia estiveram? A grande maravilha da oração do terço é precisamente permitir-nos, num ciclo semanal, meditar na vida inteira de Jesus: segundas e sábados, meditamos na sua infância: são os mistérios da alegria; quintas, meditamos na sua vida pública, entre o batismo e a instituição da Eucaristia: são os mistérios luminosos; terças e sextas, meditamos no seu sofrimento e na sua morte: são os mistérios da dor; quartas e domingos, meditamos na sua glorificação, bem como na de sua Mãe: são os mistérios da glória. As famílias que rezam o terço todos os dias têm a graça de, semana a semana, percorrer a vida inteira de Jesus, e não apenas alguns episódios. Afinal, rezar o terço é imitar a Mãe de Jesus... Diz-nos S. Lucas:
"Sua Mãe guardava todas estas coisas em seu coração..." (Lc 2, 51)