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Náturia

por Teresa Power, em 18.12.13

Por detrás da nossa casa há um terreno baldio, cheio de silvas, canas, paus, pedras, montes de terra, árvores e lixo. Portanto, um terreno perfeito para brincar. Todos os nossos filhos adoram passar as tardes de sábado e domingo ou os longos dias de férias a "explorar" por ali, e chegam ao fim do dia sujos, mal cheirosos, exaustos - e felizes.

Foi numa dessas tardes animadas que, há uns anos atrás, dei com o jipe da PSP a subir e descer a minha rua, vezes sem conta. Aproximei-me do portão do jardim para perceber o que se passava. O jipe parou então à minha porta e o agente perguntou-me:

- Minha senhora, parece-nos que andam ciganos a tentar acampar atrás da sua casa. Se tiver algum problema com eles, contacte-nos.

Dei uma sonora gargalhada e respondi:

- Tem toda a razão, senhor guarda, há um bando de ciganitos a montar acampamento aí atrás. Mas não se preocupe, que à noite vêm todos dormir cá a casa!

Os agentes da PSP sorriram, pediram desculpa pela confusão e foram embora mais descansados. E eu decidi fazer uma visita guiada ao "acampamento" dos meus filhos para tirar dúvidas. Comecei por conhecer a "oficina":

 

 

E depois caminhei em direcção ao "castelo", guiada pela bandeira...

 

 

No "castelo" dei com este trono:

 

Percorri também passagens secretas...

 

... e escadarias misteriosas:

 

Falei ao telefone com alguns dos cavaleiros mais afastados:

 

 Acreditem que funcionou!!!

 

Por fim, encontrei os meus "ciganitos" todos juntos, gritando em coro:

- Um por todos, e todos por Náturia!

 

 

_Náturia? Que nome é esse? - Perguntei.

_ Não te lembras das Crónicas de Nárnia, que o pai nos lê todas as noites? Então...

 

Os agentes da PSP tinham razão. Que será que os nossos vizinhos pensam deste bando de crianças a brincar na rua? Não deviam antes estar seguras dentro de casa, diante do televisor ou do computador, vivendo aventuras virtuais para não partirem nenhuma perna nem serem raptadas? Ou então  estar ocupadas com mil e uma atividades extra-curriculares?...

 

O "Rei de Náturia" cresceu. Tem quinze anos. Continua a brincar no terreno baldio, onde gosta de praticar tiro ao alvo e fazer experiências científicas, explorando princípios de engenharia. Os seus amigos perguntam-lhe às vezes se não sente falta de jogos de computadores, visto que nunca tivémos consolas ou playstations. O Francisco responde-lhes com a sua autoridade natural:

- Vocês e eu brincamos da mesma maneira. A única diferença é que as vossas aventuras são virtuais, e as minhas são reais. E não as trocava por nada deste mundo.

 

Náturia tem agora um novo rei. É o David. Ora vejam:

 

A foto, não se preocupem, é tirada a partir do meu jardim. O Reino de Náturia está sob vigilância contínua de adultos. E por isso, até os mais pequenos lá podem brincar:

 

 

 

 

De vez em quando, aos fins-de-semana, os mais pequenos pedem para ver televisão. E fazem-no durante cerca de meia hora. Depois retomam as suas brincadeiras. Os mais velhos já são capazes de decidir o que vale ou não a pena ver, e têm as suas preferências. Gostam do National Geographic e de tudo o que tenha a ver com natureza, desporto e, no caso do Francisco, engenharia e ciência. Não vêem novelas nem concursos, e muito menos programas tipo Big Brother. Não desejam vê-los, nem teriam permissão para tal. De vez em quando, vemos filmes em família, depois de deitarmos os mais novos.

Como educadores, temos a obrigação de manter o controlo-remoto do televisor na nossa mão. E não é porque "todos fazem" e "todos vêem" que nós temos de fazer ou de ver. Jesus nunca nos pediu para nos compararmos com o mundo. Ele quer que nós nos comparemos com Deus:

 

"Sede perfeitos, como o vosso Pai que está nos céus é perfeito" (Mt 5, 48)

 

Brincar numa qualquer "Náturia" no meio do campo ou em plena cidade é tão vital para o crescimento de uma criança como respirar. Se as deixarmos sozinhas num pedaço de natureza, sem horários, sem atividades desenhadas por nós, sem necessidade de apresentar resultados, sem necessidade de competir, sem televisores a pensar por elas, iremos ficar fascinados com os mundos imaginários que elas são capazes de construir. Elas têm direito a esfolar os joelhos e a serem confundidas com pequenos ciganos traquinas...

 

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publicado às 07:12


4 comentários

De Teresa A. a 11.08.2015 às 12:31

Obrigada, Teresa!

Eu sabia que, se procurasse com calma, havia de encontrar neste blog um "post" sobre este tema.
Ontem estive a conversar com a minha mae (avó de 5 netos entre os 18 e os 5 anos) sobre isto. É que eu sou como os pais Power, mas a minha mae usa o argumento de que "todos fazem" e de que se nao os netos vao ser marginalizados por serem diferentes... :-(
Este "post" fez-me voltar à minha infância, nos tempos em que eu brincava nos campos por detrás da casa dos meus avós, na aldeia, com os meus irmaos. Uma oliveira era uma casa, uma saca de batatas era uma manta, com pinhas e pedras faziam-se sopas... tao bom! Que saudades!

De Teresa Power a 11.08.2015 às 17:12

Sabes, Teresa, os meus filhos mais velhos fartam-se de rir e piscam-me o olho cada vez que, num encontro ou retiro, alguém lhes pergunta: "Não se sentem marginalizados?" Nunca tal sentiram! São miúdos perfeitamente integrados e muito populares, com grande aceitação pelos colegas, apesar da diferença. Não tenhas medo! Bjs

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