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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
A Lúcia e a Sara brincavam animadamente na sala. A Lúcia era a professora, a Sara era a aluna. Eu passava a ferro, enquanto escutava.
- Agora vamos aprender a letra H - Dizia a professora - Sara, vem ao quadro!
E lá ia a Sara, toda contente, sem saber bem o que fazia.
- Sara, estás a portar mal! Tens de respeitar os outros!
E a Sara sorria, feliz.
- Sara, continuas a portar mal. Temos de ter uma conversa a sós. Vamos ali fora da sala, só nós as duas.
A Lúcia sentou-se no sofá - presumivelmente fora da sala de aula - e chamou a Sara para o seu colo. Depois de lhe dar um abraço, disse-lhe baixinho:
- Tens de aprender a portar bem e a respeitar os outros!
E com um beijinho, mandou-a de volta para a "sala". Eu pousei o ferro e tirei esta fotografia:
Enquanto a brincadeira prosseguia, e o ferro deslizava sobre a montanha de roupa a meu lado, fiquei a pensar no conteúdo da conversa da Lúcia. Eu já sabia que ela tinha uma ótima professora, pois tivera a mesma experiência com o Francisco. Mas a brincadeira fizera-me descobrir alguns pormenores importantes: quando a professora quer ralhar com algum menino, não o faz em público, diante da turma, mas chama-o à parte, fora da sala de aula. E aí não o trata com aspereza, mas com ternura, como a Lúcia fez com a Sara.
Que grande lição para mim! Quantas vezes ralho com um filho diante dos irmãos, ou com um aluno diante da turma inteira? No entanto, o Evangelho é muito claro:
"Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão." (Mt 18, 15)
Afinal, é assim que Jesus faz connosco, oferecendo-nos a oportunidade de confessarmos o nosso pecado a sós, de um para um, no confessionário... E fá-lo sempre com tanta ternura!
Obrigada, professora Rosário, obrigada Lúcia, obrigada Senhor, por mais esta lição. Que eu saiba repreender em privado e elogiar em público, sem aspereza e cheia de amor. Ámen!
Quando éramos namorados, o Niall e eu sonhávamos com uma quinta enorme onde os nossos filhos pudessem brincar em segurança, mexendo na terra e subindo às árvores. No entanto, o nosso orçamento nunca nos possibilitou a compra da dita quinta, nem de nada que se lhe parecesse. O tempo foi passando, e percebemos que só nos restava enterrar o nosso sonho...
Até que, um ano depois da morte do Tomás, nos mudámos para a casinha cor-de-rosa onde agora vivemos. Não, não fica no meio de uma quinta, mas fica no meio de um descampado cheio de silvas, canas e pedras, urtigas e flores selvagens, arbustos e eucaliptos - e lixo.
Assim que nos mudámos para aqui, o Francisco e a Clarinha adotaram este terreno como o seu quintal e batizaram-no de Náturia, inspirados nas Crónicas de Nárnia, que o pai lhes lia religiosamente todas as noites antes de se deitarem. Veio o David, depois a Lúcia, o António e, por fim, a Sara, e Náturia cresceu com eles. Neste post do ano passado descrevi uma visita guiada a Náturia, para que façam uma ideia do que estou a falar!
De dois em dois anos, Náturia muda de forma, pois o dono envia alguém com um trator para limpar o terreno, de acordo com a lei. A "limpeza" consiste basicamente em levantar grandes bocados de terra cheios de silvas e amontoá-los um pouco adiante, para de novo se cobrirem de silvas. Assim, de dois em dois anos, o descampado torna-se novamente excitante, com novas "montanhas" e novos "esconderijos", novos "túneis" de silvas e novas "piscinas" de água da chuva.
Férias significa tempo extra para brincar em Náturia. Da janela da sala ou da cozinha, vou vigiando as suas brincadeiras e escutando os seus gritos de alegria. Que felicidade!
Esta fotografia foi tirada pelo Francisco:
Sim, é o que estão a pensar: ele estava empoleirado no cimo de um eucalipto, contemplando o seu reino de Náturia e a nossa casa... Só descobri quando vi a fotografia.
Os mais novos têm brincadeiras mais pacatas:
- Já viste como Deus foi bom para connosco? - Disse-me outro dia o Niall, enquanto observava comigo os meninos a brincar.
- Como assim?
- Nós sonhávamos com um espaço grande para os nossos filhos brincarem. No entanto, se o tivéssemos, podias esquecer as Famílias de Caná e todo o trabalho que temos em mãos para o Reino de Deus, pois eu passaria os meus fins-de-semana empoleirado num trator, ou de enxada na mão. Assim, Deus ofereceu-nos uma terra que não precisamos de plantar, mas que torna possível aquilo que mais desejávamos: o espaço de brincadeira familiar!
- Tens razão. O que estás a dizer recorda-me as palavras de Moisés no Livro do Deuteronómio:
"Quando o Senhor, teu Deus, te introduzir na terra que jurou a teus pais, Abraão, Isaac e Jacó, dar a ti, com cidades grandes e belas que não edificaste, casas cheias de toda a espécie de bens que não ajuntaste, cisternas já escavadas que não cavaste, vinhas e oliveiras que não plantaste; e quando comeres e te fartares, cuida para não esquecer o Senhor que te libertou do Egito, lugar de escravidão." (Deut 6, 10-12)
- Se pensarmos bem, colhemos tantas coisas que não plantámos. A começar pelo dom da vida!
- Sim, e a graça, totalmente imerecida, de vivermos em países sem guerras e com elevados níveis de conforto...
- E a graça de nascermos cristãos e não termos de lutar ou morrer pela nossa fé!
- A graça de termos escolas para os nossos filhos, e podermos partilhar com os seus professores a belíssima tarefa da educação...
- Na verdade, a nossa vida não é apenas fruto do nosso trabalho ou do nosso esforço. É engraçado pensar nisso! A nossa vida é acima de tudo presente do Senhor. Nem sempre nos damos conta de todos os frutos que colhemos como família, e que não plantámos.
Depois, o Niall deu uma gargalhada:
- Bem, nem toda a gente se lembraria de ver este monte de silvas como um substituto vantajoso para uma bela quinta! É preciso ter o olhar treinado para reconhecer os dons de Deus...
- E para perceber quando Ele responde às nossas orações. É que frequentemente, a sua resposta é diferente do que imaginávamos! Primeiro parece-nos uma resposta fraquinha e ficamos desapontados, mas depois descobrimos que foi a resposta perfeita.
Náturia tornou-se, na nossa casa, símbolo da gratuidade do amor divino, e símbolo da simplicidade de que precisamos para aceitar este amor. A terra que não plantámos ajuda-nos a reconhecer que o Senhor nos libertou da escravidão do "Egito" (e do "querer sempre mais", e do "controlar toda a vida", e da "autosuficiência") para a felicidade do Reino...
(Vista romântica de Náturia)
Educar uma família numerosa é uma escola de vida. Olhando para cada um dos meus filhos, dou-me conta da grande aprendizagem que é ter irmãos.
Naturalmente que não se aprendem as mesmas lições como irmão mais velho ou como irmão mais novo! As lições são diferentes. Assim, um irmão mais velho aprende cuidando dos mais pequenos, vendo o seu espaço a ser progressivamente invadido, os seus brinquedos e objectos pessoais usados e abusados, os seus pais cada vez mais partilhados. Os mais novos, ao contrário, não precisam de muitas lições para aprender a partilhar, a ceder, a deixar tirar, porque nascem num espaço que já pertence a todos e crescem num colo que já pertencia a outros antes deles nascerem. Contudo, também precisam de aprender muitas coisas: aprender a esperar pela sua vez, aprender a escutar os mais velhos, aprender a obedecer.
- Es-pe-ra! - Soletrava a Sara com a mão erguida, dirigida ao primo que me estendia o pé para eu apertar o sapato, enquanto eu tentava vestir o António.
Também nós, pais, precisamos de aprender lições diferentes. Por exemplo, em relação aos filhos mais velhos, precisamos de aprender a não deixar de dar mimo, enquanto aumentamos a responsabilidade; e em relação aos filhos mais novos, a não facilitar na responsabilidade, enquanto aumentamos o mimo.
Como em todas as escolas, também na escola da família se aprende tanto nas "aulas" como no "recreio". O Niall e eu estamos muito conscientes da importância deste "recreio familiar" na educação dos nossos filhos: é preciso que todos os irmãos cresçam uns com os outros, brincando uns com os outros e partilhando a vida uns com os outros. É muito fácil "deixar andar"! Mas quando se "deixa andar", apercebemo-nos de que o irmão mais velho já saiu para a universidade antes de ter tido tempo de conhecer o irmão mais novo. E assim se perdem os laços únicos que os deviam unir pela vida fora...
As famílias modernas sofrem grandes tentações de individualismo. Os irmãos tendem a ter amigos diferentes e interesses diferentes, passando pouco tempo uns com os outros, mesmo em férias. Cabe-nos a nós, pais, proporcionar e incentivar tempos fortes de lazer em família, mesmo à custa de algum prazer pessoal dos mais velhos. Para nós, é uma alegria quando vemos repetirem-se cenas como estas:
Diz o Livro do Eclesiastes:
"É melhor dois do que um só.
tirarão melhor proveito do seu esforço.
Se caírem, um ergue o seu companheiro.
Se um só é oprimido, dois já conseguem resistir a isso;
o cordel dobrado em três não se parte facilmente."
(Ecl 4, 9-12)
Não deixemos a educação da nossa família ao acaso, nem permitamos que o individualismo destrua a nossa casa familiar! Aproveitemos a calma do domingo para proporcionar aos nossos filhos brincadeiras e actividades em família, "um por todos, e todos por um"
- Mãe, jogas às charadas connosco?
Um dos nossos jogos preferidos em família é o jogo das charadas: cada um, à vez, faz a mímica de um objecto, pessoa ou animal, e todos tentamos adivinhar. Não pensem que é um jogo fácil! Deviam ver a mímica altamente elucidativa do António para representar, imaginem, uma rocha a cair de uma falésia, ou os esforços do David para representar um pedal de bicicleta... As coisas de que eles se vão lembrar! Valha-nos a Lúcia, que geralmente é sempre uma mãe ou uma princesa, e a Sara, que costuma ser a última coisa que os outros foram, o que torna a adivinhação bastante simples.
- OK, jogo convosco, mas hoje fazemos umas charadas diferentes.
- Como?
- Charadas com as histórias da Árvore de Jessé! Vocês olham para os símbolos e representam-nos. Depois, contam a história!
- Boa!
- Que giro!
- Vamos lá então...
Adivinhem lá o que são estes meninos?
O David agitou as mãos e os braços. Sim, adivinharam: a Sarça Ardente! E este agora?
Claro! A queda de Jericó, ao som da trombeta! Quanto à Lúcia...
Balançando-se no tapete azul, a Lúcia foi a Arca de Noé sobre as águas do Dilúvio. Não custou a adivinhar!
A boa surpresa foi que os meninos conheciam bem todas e cada uma das histórias da Árvore de Jessé, que tinhamos contado ao longo de todo o Advento. É engraçado ouvir uma criança a repetir uma história, pois apercebemo-nos de que ela não memorizou apenas o enredo: memorizou a entoação e os pequenos detalhes que tornaram a história mais interessante. As crianças escutam as histórias como nós somos chamados a escutar a Palavra de Deus: com o coração.
Estaremos nós, famílias católicas, a contar suficientes histórias desse livro tão recheado de aventuras que é a Bíblia? Conhecerão os nossos filhos suficientemente a Palavra de Deus? Brincaremos suficientemente à volta desta Palavra de Vida? Trazemo-la para o nosso Tempo de Família? No Deuteronómio, o Senhor deixou um mandamento a todas as gerações de crentes:
“Trarás no teu coração todas as palavras que hoje te ordeno. Tu as repetirás muitas vezes a teus filhos e delas falarás quando estiveres sentado em casa ou andando pelos caminhos, quando te deitares ou te levantares. Hás de prendê-las á tua mão para servirem de sinal, e hás de escrevê-las no portão da tua casa.” (Deut 6, 4-7)
Aproveitemos as férias para brincar com os nossos filhos, enquanto lhes ensinamos a Palavra de Deus!
Sexta-feira, o pai chegou mais cedo a casa, e os meninos fizeram-lhe uma grande festa. Como não estava a chover, a brincadeira no jardim prolongou-se até tarde, com muitos chutos e muitas bolas:
A Sara agarrava as bolas com ambas as mãos, o que fazia o pai gritar, entre gargalhadas:
- Sarah, this is football, not handball!
Mais tarde, sentados na sala à lareira, o pai e a Clarinha tocaram guitarra e cantaram juntos, como gostam de fazer. Aprender música em casa, em clima de brincadeira, não é tão complicado quanto isso, e traz tanta alegria a uma família! Depois da fase de esforço e persistência, chegou para a Clarinha e o Francisco a fase do puro prazer musical. De guitarra em punho, eles desafiam-nos a cantar:
Por fim, o pai ainda teve tempo para assistir a um novo truque de magia, pois o Francisco precisa do público caseiro para treinar a sua arte...
Antes de dormir, revi mentalmente o nosso fim de tarde familiar. E lembrei-me do aluno que um dia me disse:
- Estar com os meus pais é cá uma seca! Eles só falam da crise, professora!
Os nossos filhos costumam brincar em bando, todos juntos, embora cada um esteja a fazer uma brincadeira diferente. Nós encorajamo-los a brincar assim, com a televisão desligada e a casa toda por sua conta. Mas não nos esquecemos de que também nós, pais, precisamos de brincar com eles alguns minutos por dia...
Partilhar gargalhadas, brincadeiras e "actividades extra-curriculares" caseiras, em alguns fins de tarde por semana ou, pelo menos, ao fim de semana, é um dos nossos deveres enquanto pais. Li que o Papa Francisco, quando atendia um pai ou uma mãe em confissão, fazia de imediato uma pergunta:
- Hoje já brincaste com os teus filhos?
Jesus também falava de brincadeira quando disse:
"Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele." (Mc 10, 15)
Hoje, domingo, encontremos alguns minutos para brincar com os mais novos e para partilhar os interesses dos mais crescidos... E o Senhor virá, e brincará no meio de nós!
Os meus filhos mais novos adoram brincar às escondidas. Mas enquanto o David, a Lúcia e o António procuram lugares onde se esconder, a Sara tem uma técnica muito mais simples: tapando os olhos com as mãos, deixa de me ver, concluindo do alto dos seus dois aninhos que consequentemente, eu também deixo de a ver. Assim, ela grita como os irmãos:
- "Já está!"
E fica calmamente à espera, de olhos bem tapados, enquanto eu percorro o jardim à procura dos irmãos.
Outro dia, durante a brincadeira, recordei-me de Adão e Eva, também eles escondidos de Deus num jardim:
"Ouviram, então, a voz do Senhor Deus, que percorria o jardim pela brisa da tarde, e logo se esconderam do Senhor Deus, por entre o arvoredo do jardim. Mas o Senhor chamou o homem e disse-lhe: «Onde estás?»" (Gen 3, 8-9)
Adão e Eva eram mais velhos do que a Sara, mas ainda assim, pensaram que Deus não os conseguia ver porque eles não O conseguiam ver a Ele.
O Papa Francisco conta com frequência a história da sua avó, da forma como a sua avó o ensinou a viver na presença de Deus, repetindo-lhe constantemente: "Olha que Deus te vê." E eu penso cá para comigo que, se estivessemos sempre conscientes de que Deus nos vê, não pecaríamos tanto!
Na verdade, Deus contempla-nos continuamente com um olhar de amor, e vigia cada um dos nossos passos. Podemos esconder-nos sob a folhagem da vida, como Adão e Eva, ou simplesmente tapar os olhos, como a Sara, mas mesmo assim, continuamos presentes diante do seu olhar. Aliás, foi neste olhar que começámos a existir e a ser amados, antes ainda da Criação do mundo, é neste olhar que iremos viver até ao fim, e é neste olhar que iremos ser julgados um dia.
Hoje assistimos a uma crescente necessidade das pessoas exporem as suas vidas ao olhar do mundo, através de "reality shows" e concursos, onde se procura brilhar e conquistar a fama à custa do nada, à custa das intrigas da vida, ou à custa dos talentos de cada um. Ao mesmo tempo, cresce o medo deste olhar divino. No entanto, este olhar é o único que nos pode curar e libertar, porque não é um olhar interesseiro, intriguista ou curioso, mas um olhar profundamente amoroso.
Eu não conheço melhor forma de tirar as mãos dos olhos e expor a minha vida e o meu coração ao olhar amoroso do Senhor do que o sacramento da confissão. Ali, sou convidada, como Adão e Eva foram (e recusaram), a confessar um a um os meus pecados, e a fazê-lo na minha individualidade, a sós diante de Deus, representado no sacerdote. Ele já conhece o meu pecado, sim, como eu também sei onde a Sara se esconde... Mas eu preciso de destapar os olhos para enfrentar o seu olhar e acolher o seu amor! Então, como o Rei David cantou no salmo 50, redescubro a alegria da salvação...
A escola está quase aí! De repente estamos cheios de pressa: é preciso encadernar livros e cadernos, comprar material, afiar os lápis de cor... E é também preciso rever a tabuada! Dia sim, dia não, sento-me com o David e vou perguntando: 2x6=... 4x5=... Eu nunca gostei de matemática, mas reconheço que nunca soube tão bem a tabuada como agora, pois venho a recitá-la há vários anos - primeiro com o Francisco, depois com a Clarinha, agora com o David... No outro dia, enquanto escutava o meu filho pela terceira vez consecutiva a recitar a tabuada do 7, dei comigo a fazer algumas contas: quantos anos me esperam de tabuadas? Talvez para o ano já não seja necessário repeti-la com o David, pois ele já terá a autonomia necessária para a estudar sozinho, mas nessa altura começará a Lúcia, e depois o António, e por fim a Sara... E eu que pensei ingenuamente, aos quinze anos, estar livre da matemática para sempre! Suspirei, resignada, enquanto corrigia o David: não, David, 7x7 não é 48!
Alguns minutos mais tarde, os meus seis filhos estavam sentados no chão do escritório a fazer lego. O David pedira ao Francisco para o ajudar a fazer um barco de piratas e a Lúcia pedira à Clarinha para a ajudar a fazer um barco de princesas. A Sara e o António iam retirando peças um ao outro, choramingando e rindo à vez, e todos pareciam entender-se. Para chegar a este computador tive de saltar sobre uma montanha de legos, gesto a que felizmente estou bastante habituada e que me parece perfeitamente normal. Afinal, há quinze anos que tropeço em legos pela casa fora! Depois ri-me para mim própria: talvez nunca deixe de tropeçar em legos, talvez quando a Sara se cansar deles já falte pouco para os netos os utilizarem... Invadiu-me uma sensação de felicidade perfeita. Não há nada que me dê maior alegria que ver os meus filhos a brincar!
Quando o povo de Deus desanimou na tentativa de reconstruir o Templo, tarefa por demais grandiosa e difícil, o Senhor desafiou-o através do profeta Zacarias:
"Quem desprezou o dia das pequenas coisas? Alegrem-se vendo a pedra escolhida!" (Zac 4, 10)
O Templo das nossas vidas e da nossa família será construído por pequenas coisas, pedra a pedra. Hoje é então para nós o "dia das pequenas coisas." Na verdade, a maternidade, como tudo o que vale a pena, tem momentos de luta e momentos de descanso, que na grande maioria das vezes são tão banais e repetidos como o estudo da tabuada ou uma brincadeira de legos, ambos "pequenas coisas"... Fugir dos pequenos sacrifícios e das pequenas alegrias da vida (é tão fácil desprezar as "pequenas coisas"!) é pôr de lado a pedra escolhida...
Os sete primos mais novos brincavam juntos no jardim. Eu estendia a roupa, em silêncio, enquanto escutava as suas conversas. A Lúcia acabava de abrir as duas tendas de brincar e enfiara-se lá dentro com a prima.
- Eu quero uma tenda só para mim - Disse o António.
- Nós somos muitos e precisamos de duas tendas - Respondeu a Lúcia, paciente.
- Mas eu quero uma tenda só para mim - Insistiu o meu filho teimoso.
- Então vem brincar connosco, e assim brincamos todos - Sugeriu a Lúcia, calmamente, enquanto ajudava a Sara e o priminho mais novo a entrar nas tendas.
- JÁ DISSE QUE QUERO A TENDA TODA PARA MIM!
- António, nós não gostamos das tuas birras - Continuou a Lúcia.
Eu também continuei a estender roupa, mas mantinha um ouvido atento para o caso de ter de intervir. Não foi preciso:
- Já sei! - Disse de repente a Lúcia - Anna, vamos brincar aos pobres! Ficamos todos numa só tenda e damos a outra ao António!
- Damos-lhe esta que não tem telhado - Disse a Anna, alinhando.
- EU QUERO A TENDA QUE TEM TELHADO!
- Não, Anna, damos-lhe a que tem telhado, porque os pobres não têm telhado. Às vezes têm de dormir na rua! E vivem em casas muito pequeninas. Traz os nossos bonecos todos para esta tenda pequenina sem telhado, e assim brincamos melhor!
A Lúcia e a Anna ficaram excitadíssimas com a nova brincadeira. E as ideias não paravam de nascer:
- Nós eramos pobres e a nossa mãe tinha morrido na guerra - Continuou a Lúcia. - Anda, vamos brincar! Sara, vem para esta tenda connosco!
O António continuava muito sério. Até que por fim, sozinho na tenda com telhado, perguntou:
- Posso brincar convosco aos pobres? Posso entrar na vossa tenda sem telhado?
E eu continuei a estender roupa, sempre em silêncio, enquanto recordava a Palavra de Jesus sobre a pobreza interior:
"Se alguém te tirar a túnica, dá-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a carregar a sua mochila por um quilómetro, leva-a por dois. Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem te pedir emprestado." (Mt 5, 40-42)
E a alegria da Lúcia confirmou-me a verdade da Bem-Aventurança:
"Felizes os pobres que o são no seu íntimo, porque é deles o Reino dos Céus!" (Mt 5, 3)
A Irlanda está a transbordar de crianças. É realmente giro ver tantas famílias numerosas - embora ainda não me tenha cruzado com nenhuma do tamanho da nossa - e ver crianças em todas as esquinas. Os meus cunhados falam de um "baby boom" e explicaram-me que as escolas têm cada vez mais alunos. Seria tão bom poder dizer o mesmo de Portugal! Talvez daqui a uns anos...
Conseguem identificar alguns dos Powers portugueses nesta foto de brincadeiras em família, no jardim da irmã mais velha do Niall?
Mas nem só em jardins se brinca na Irlanda. Aqui, a lei de planeamento urbanístico obriga à construção de um "green" - um espaço relvado público - ao fim de um certo número de casas. Assim, não importa se os jardins de cada família são grandes ou pequenos, todas as crianças podem correr e jogar à bola pertinho das suas casas, fazendo amigos entre os vizinhos e partilhando brincadeiras. "Brincar na rua", este conceito que no nosso país está morto e enterrado, é portanto um conceito muito actual na Irlanda. Eu não podia simpatizar mais com ele! A infância quer-se com liberdade, com brincadeira e com muitos, muitos amigos. Para uma criança crescer feliz, precisa de aprender a partilhar, a gerir conflitos, a conviver com quem é simpático e quem não é, a dar e a receber. Muito mais do que brinquedos, as crianças agradecem ter amigos com quem brincar!
Os nossos filhos aderiram de alma e coração à ideia do "green". Brincaram com o pai no "green" da sua infância, jogando à bola e subindo às árvores, brincaram com os primos nos "greens" das suas casas, e brincam alegremente com as crianças irlandesas que vão conhecendo no "green" do aldeamento de férias onde estamos. Ora vejam lá se não é uma belíssima ideia! Os nossos governantes são capazes de inventar leis tão disparatadas... Não acham que a lei da obrigatoriedade de um "green" perto das nossas casas seria uma lei realmente inteligente?
Leis justas e generosas, leis que protegem as crianças e as famílias, leis que defendem os idosos e incentivam a natalidade são leis que fazem dos nossos países nações cristãs. Diz o salmista:
"Feliz a nação que tem o Senhor por seu Deus,
o povo que Ele escolheu para sua herança..." (Sl 32/33)
- Mamã, vem brincar connosco! - Pediam os quatro mais novos. - Vem lá!
- Está bem. Vamos brincar às escondidas? Eu conto! - Gosto sempre de brincar às escondidas, porque enquanto "conto", vou continuando a tratar da roupa ou da cozinha, e eles, como se estão a esconder, não dão por nada...
- Já podes vir! - Gritaram lá de longe, entre risadinhas divertidas. Pousei o alguidar da roupa e percorri o jardim, fingindo não os ver por detrás do poço, por entre os caules dos girassóis ou do outro lado do carro. Quando, finalmente, os "encontrei", foi uma excitação!
Repetimos o jogo novamente. Como é comum nas crianças, o António escondeu-se exactamente no mesmo sítio em que o David se tinha escondido; mas antes fez-me uma recomendação:
- Não me encontres, está bem, mamã?
Enquanto os procurava no jardim - que não é assim tão grande, nem tem tantos esconderijos - pus-me a meditar na história da ovelha perdida. Disse Jesus aos seus discípulos:
"Quem de vós, se tiver cem ovelhas e perder uma, não deixa as noventa e nove no campo e vai em busca da ovelha perdida até a encontrar? E quando a encontra, com alegria põe-na aos ombros, volta para casa e chama os amigos e os vizinhos, dizendo: «Alegrai-vos comigo, porque encontrei a ovelha perdida!» Eu vos digo que também no céu haverá mais alegria por um pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão." (Lc 15, 4-7)
Depois pensei... Quando pecamos gravemente e nos afastamos da Igreja, achamos, na nossa infantilidade de fé, que nem Deus nos vai conseguir encontrar! Às vezes, como o António, suplicamos-Lhe: "Não me encontres, por favor!" apenas para não termos de fazer aquilo que já sabemos que precisamos de fazer, para mudar de vida...
Não, por mais profundos que sejam os abismos onde nos fomos esconder do Senhor, Ele tem tanta dificuldade em nos encontrar como eu tive, no meu jardim, a encontrar a Lúcia, o David, o António e, principalmente, a Sara! Diz o salmista:
"Para onde irei, longe do teu sopro?
Para onde fugirei, longe da tua presença?
Se subir aos céus, aí estás;
se descer aos abismos, aí Te encontras também.
Se tomar as asas da aurora
e for morar nos confins do mar,
também aí a tua mão me conduz
e a tua direita me guia.
Se eu disser: «Ao menos as trevas me envolvam
e a noite seja um cinto ao meu redor.»
Mesmo as trevas não são bastante escuras para Ti,
e a noite é tão clara como o dia..." (Sl 139/138)
Deus está tão perto, tão perto de nós! Ele habita as nossas trevas e os nossos abismos, desde aquele dia trágico e santo em que morreu na nossa cruz. Sim, Ele vai encontrar-nos, oh se vai...