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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Não sei se todos os leitores deste blogue sabem ou recordam o que é viver com uma criança de dois anos em casa. Para os mais esquecidos, aqui ficam algumas pistas...
Num destes dias, a Sara veio do jardim muito contente, acompanhada do António e da Lúcia. Na mão, segurava isto:
Aproximei-me para ver mais de perto o curioso objeto. A Clarinha entrou nesse momento na sala e os gritos que deu fez a nossa casa parecer um filme de terror. Querem ver mais de perto também?
Sim, é um rato morto, certamente pelos nossos gatos...
Outro dia, deixei a Sara sentada na sanita. Passados alguns minutos, ela correu para junto de mim, muito satisfeita, a dizer: "Mamã, disparate! Mamã, disparate!" Dirigi-me à casa de banho para ver o disparate... E deparei-me com isto:
Já não é a primeira vez que a Sara se entretem a desenrolar o papel higiénico, claro!
De outra vez, o telemóvel tocou, tocou, e eu não o conseguia encontrar. Sempre atrás do toque, fui levada até ao jardim, e no jardim, até à oliveira. O som vinha abafado e contínuo. Poderia o telemóvel estar... dentro da oliveira? De repente, vi isto:
Aproximei-me... E encontrei o que tão desejado telemóvel!
Nessa mesma tarde, o Niall tinha recebido uma mensagem supostamente minha, a dizer: "aoytm,m ghrmme yeertidm"... Bem... Tive sorte a mensagem ter ido ter ao Niall e a mais ninguém!
Mas ontem passou das marcas. A Sara apareceu junto de mim sem sapatos, sem meias, sem calças e sem cuecas. "Sara, onde tens a roupa?" Perguntei. "Não sei!" Foi a resposta. Corri a casa toda à procura, mas sem sucesso. Decidi vesti-la com outra roupa, e não pensei mais no assunto. Até que horas depois, no pátio, tive esta visão:
Sim, são as casotas dos cães e os seus pratinhos... Mas há mais alguma coisa no recipiente da água. Querem ver mais de perto?
- Deve ter aprendido contigo, Teresa - Disse-me o Niall a rir, quando o chamei para ver - Passas a vida a lavar roupa! A Sara só te quis imitar!
As crianças de dois anos são verdadeiros artistas na arte de esgotar a nossa paciência. Nem sempre reajo pegando na máquina fotográfica... Às vezes, reajo com uma palmadita no rabo e um raspanete. Em dias de maiores disparates, quando a oração familiar é complicada e agitada, ao fazermos a invocação dos nossos santos protetores - Santa Clara, rogai por nós! Irmã Lúcia, rogai por nós! Etc - alguém acrescenta, brincalhão: "Santa Paciência!" e todos respondemos a rir, "Rogai por nós!"
Os disparates da Sara fazem-me sempre, sempre meditar no amor de Deus - embora nem sempre na hora...
Diz o Senhor através do profeta Oseias:
"Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o, e chamei do Egito o meu filho. Mas quanto mais o chamei, mais ele se afastou. Entretanto, Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços, mas não reconhecia que era Eu quem cuidava dele. Segurava-o com laços humanos, com laços de amor, fui para ele como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto, inclinei-me para ele para lhe dar de comer..." (Os 11, 1-4)
Os disparates da Sara, que às vezes me fazem rir, e outras vezes me fazem perder a paciência, em nada beliscam o imenso amor que tenho por ela. Por ela, eu sou capaz de dar a minha vida. E de cada vez que ela corre para mim, dizendo com simplicidade e confiança: "Disparate!" Eu aperto-a contra o peito e parece-me amá-la ainda mais.
Os meus disparates, que às vezes fazem sorrir, outras vezes entristecem o Senhor, em nada beliscam o imenso amor que me tem. Por mim, o Senhor é capaz de dar a vida. Por mim, aliás, Jesus já deu a sua Vida... E de cada vez que corro para os seus braços, dizendo com simplicidade e confiança: "Perdoa-me!" Ele aperta-me contra o peito e ama-me ainda mais...
Regresso às aulas. Turma do Vocacional. Antes de entrar na sala, respiro fundo, rezo uma Avé Maria e entrego-me a Jesus: "Nós, Jesus: Tu e eu vamos dar aulas à turma do Vocacional."
Entrada bastante atribulada. Alguém passa uma rasteira e outro cai no chão, mas porque não é bom ficar "por baixo", logo atira com uma mochila sobre as carteiras. A meio do "voo", mais dois ou três ficam magoados e decidem vingar-se. Consigo, a custo, controlar a situação e fazê-los sentar nas cadeiras.
Nas reuniões de avaliação, fui informada que o meu pior aluno foi institucionalizado. Sinto-me muito envergonhada do sentimento de alívio que me invade...
- Têm tido notícias do vosso colega? - Pergunto, quando o barulho acalma um pouco.
- Ele diz que aquilo é um galinheiro.
- O quê?
- Não ligue, professora. Acho que ele anda bem.
- E vocês, que fizeram nas férias? Aprenderam alguma coisa nova nos estágios nas empresas?
- Aprender? A mim só me mandavam limpar o pó!
- Eu aprendi. E até já tenho emprego para as férias, que o dono da oficina disse que eu podia ir ajudar.
- Fantástico!
- Eu também. A costureira disse-me que eu podia ir nas férias grandes trabalhar com ela.
- Isso é que é sorte! Agarra a tua oportunidade, D., que podes não voltar a ter outra!
- Eu também aprendi.
- Aprendeste? - Olho com expetativa para o meu aluno. Do "novo" grupo (sem o aluno que foi institucionalizado), é talvez o que mais dores de cabeça me causa...
- Aprendi a controlar-me.
A maior parte destes alunos está habituada a reagir a provocações da pior maneira. Julgo que é esse o modelo que têm em casa, e é essa a estratégia de sobrevivência que desenvolveram ao longo da sua triste vida. Quebrar o ciclo e aprender o auto-controlo não é tarefa fácil, nem se consegue de um dia para o outro. Percebo que L. está a falar com sinceridade, e dou-lhe os meus parabéns.
- Sabes, L., seres capaz de te controlar é a melhor lição que podes aprender. Quando nos deixamos levar pelos nossos impulsos imediatos, tornamo-nos escravos e perdemos a liberdade. Podes ver isso, por exemplo, no teu colega que deixou a turma. Incapaz de se controlar, precisou que outros o controlassem.
L. está a ouvir, mas faz de conta que a conversa não lhe interessa.
- Sermos capazes de nos controlarmos faz de nós livres. Tu é que escolhes se te deixas provocar ou não. A resposta é tua, não do colega que te provocou. A decisão está nas tuas mãos. No dia em que conseguirmos controlar os nossos impulsos, seremos senhores de nós mesmos. Nesse dia, podes levantar a cabeça, porque venceste a batalha!
Não lhe digo mais nada, mas enquanto observo os seus esforços evidentes para se comportar (serão duradouros?) lembro-me de S. Paulo. Numa longa explicação na Carta aos Romanos, ele falou precisamente deste assunto, que eu vi exemplificado na minha sala de aula:
"Deparo-me, pois, com esta lei: em mim, que quero fazer o bem, só o mal está ao meu alcance. Sim, eu sinto gosto pela lei de Deus, enquanto homem interior. Mas noto que há outra lei nos meus membros a lutar contra a lei da minha razão e a reter-me prisioneiro na lei do pecado que está nos meus membros. Que homem miserável eu sou!" (Rm 7, 21-24)
S. Paulo está aqui a falar dos meus alunos, que estão prisioneiros do mal que os rodeia; mas S. Paulo está também a falar de mim, que sei muito bem qual é a Lei de Deus, que cresci com acesso livre a ela, e que mesmo assim, me deixo imprisionar pelo pecado... Quantas vezes, na relação com os outros, me deixo levar pelos meus instintos de cansaço, irritação, impaciência? Os meus alunos têm mais desculpa do que eu.
Já depois da aula terminar, e de eu ter lutado arduamente contra os meus instintos mais primários, que me incitavam a gritar, a ridicularizar, a responder no mesmo tom; já depois de todos os meus alunos sairem da sala, percebo que só há uma forma de vencer este combate. E essa forma está contida naquelas duas palavrinhas: "Nós, Jesus." De facto, é também essa a conclusão de S. Paulo:
"Quem me há-de libertar deste corpo que pertence à morte? Graças a Deus, por Jesus Cristo, Senhor nosso! (...) Se com Cristo sofremos, também com Ele seremos glorificados." (Rm 7, 25.8, 17)
Jesus, ajuda-me a morrer contigo para o pecado, para contigo ressuscitar para a felicidade. Sei que não o conseguirei sem luta, sem sofrimento, sem cruz; mas também sei que é esse o único caminho que leva à ressurreição, pois ninguém ressuscita sem antes morrer - e morrer para si mesmo! Nós, Jesus... Ámen!
- Hoje foi mesmo mau. Os meninos portaram-se mal, e por causa deles não pude ir brincar lá para fora. E o solinho brilhava tão bonito!
- É assim, António. Na escola, por causa de um, pagam todos. Comigo também costuma acontecer! Farto-me de ouvir sermões. E não sou eu que falo!
- E eu também, David!
- Espera lá, Lúcia - Interrompi - Tu costumas falar um bocadinho, não é verdade?
- Não!
Continuei a conduzir, e a escutar.
- É mesmo injusto! Perder um intervalo por causa dos outros! Tu fazes injustiças dessas, mamã?
- Faço, David. E fico sempre cheia de pena dos meninos que se portam bem, como tu. Mas às vezes tem de ser! O Francisco e a Clarinha já sofreram muitos castigos coletivos sem qualquer culpa, e estão aqui. Não pensem mais nisso! Estamos quase a chegar a casa e podem ir todos brincar no jardim.
- Ah, que bom ser primavera!
Enquanto os meninos saíam do carro em grande alegria para correr e brincar na relva, fiquei a pensar...
"Por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, pelo que todos pecaram.
Se pelo pecado de um morreram todos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça, que é de um só Homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos.
Pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores; assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos.
Onde abundou o pecado, superabundou a graça." (Rm 5, 12-20)
A nossa consciência individualista moderna quer-nos fazer acreditar que o nosso pecado apenas a nós diz respeito. Esquecemo-nos de que o pecado, como o amor, é uma pedra lançada na água, provocando circulos concêntricos cada vez mais vastos... Não há pecado inocente; e sim, por um, todos pagam! A guerra que rebenta lá longe, o tsunami que mata nos confins da terra, a crise económica ao nosso lado, o sofrimento dos pobres e de tantos infelizes conhecidos e desconhecidos é nossa culpa também. Jesus não morreu na cruz apenas pelos grandes pecadores: morreu por mim, e a coroa de espinhos que carregou, e as feridas que empaparam de sangue a terra, foram causadas também por mim.
Mas se o pecado de um só causa tanto sofrimento no mundo, a santidade de um só também é capaz de santificar o mundo. Jesus, o Santo de Deus, já nos amou até ao fim. Unamos a Ele os nossos gestos de amor, para que ninguém tenha de "ficar de castigo" por nossa causa, mas antes, por nossa causa, todos sejam salvos, em Jesus Cristo, Nosso Senhor. Ámen!
O António entrou a correr no quarto, com a cara cheia de terra e o cabelo transpirado.
- Ena, António, isso é que é brincar! - Comentei, enquanto procurava abraçá-lo para depois lhe retirar a camisola. Mas o António afastou-me:
- Tens de ir embora, porque eu vou fazer uma coisa e não quero que tu vejas!
O seu sorriso maroto não deixava margem para dúvidas:
- Bem, se tu não queres que eu veja, é porque é asneira! Vais guardar algum pedaço de terra na gaveta, como da última vez? Ou, deixa-me adivinhar: vais guardar um pedaço partido de um vaso de cerâmica, como naquele dia em que as tuas gavetas apareceram cheias de pedaços de vidro? Ou... Não estás a pensar em fazer um ninho de minhocas debaixo da cama?
O António abanou a cabeça, muito sério. Entretanto, a Clarinha chamou-me do seu quarto, e baixinho, informou-me:
- O pai comprou um pacote de pastilhas ao António, e ele escondeu-as para as comer sem tu dares conta...
Enquanto deixava o António sozinho com a sua "marotice", fiquei a pensar nas palavras de S. Paulo:
"Antigamente éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Comportai-vos como filhos da luz, pois o fruto da luz manifesta-se em toda a bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor e não participeis nas obras estéreis das trevas. Pelo contrário, condenai-as abertamente. Porque é até vergonhoso falar das coisas que estas pessoas fazem em segredo. Mas todas as coisas condenadas são postas a descoberto pela luz, pois tudo o que é manifestado torna-se luz." (Ef 5, 8-14)
Como o António, também eu sei perfeitamente o que devo ou não devo fazer, e para calar a minha consciência, evito cruzar o meu olhar com o do Senhor quando pratico o mal... Mas as minhas "marotices" são bem menos inocentes que as do António! Se vivesse mais consciente do olhar constante do Senhor pousado sobre mim, não pecaria tanto.
Há duas formas belíssimas de me colocar à luz do olhar do Senhor: uma delas acontece no sacramento da Confissão, quando descubro o meu pecado e o conto com simplicidade a Jesus, na pessoa do seu sacerdote; a outra, através da adoração de Jesus-Eucaristia, ou simplesmente de uma oração diante do sacrário. Nem sempre consigo falar com Ele, porque me faltam as palavras e me foge o pensamento, mas sempre, sempre me posso deixar contemplar, amar e iluminar por Aquele que é a Luz...
Hoje, a pedido do Papa Francisco, irão começar um pouco por todo o mundo vinte e quatro horas de adoração eucarística. Nós também iremos oferecer algumas das nossas horas familiares para adorar o Senhor!
Os meninos do grupo dos seis anos - o primeiro ano de catequese - fez no sábado passado a sua confissão quaresmal. Para quase todos, tratou-se da primeira confissão, pelo que os catequistas João e Isabel (uma bela Família de Caná!) não pouparam esforços para que fosse uma experiência memorável. O encontro do nosso pecado com o perdão transbordante do Senhor tem de ser uma ocasião de festa, e é preciso que as crianças o vejam assim!
A Laura Puet, no seu blog La Familia, Lugar de Fiesta, na Argentina, mostrou-nos como se pode fazer uma celebração penitencial belíssima com crianças pequeninas. Utilizando algumas das suas ideias (que vêm ao encontro da nossa simbologia quaresmal cá em casa), o João e a Isabel prepararam um poster com a imagem de Jesus, Bom Pastor. Depois, cada criança que se confessava trazia a sua ovelhinha, bem identificada, até junto de Jesus, onde a colocava com muita alegria:
Falar de perdão é, na verdade, falar de uma grande festa. Diz o Senhor:
"Qual de vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma, não deixa as noventa e nove no campo e vai em busca da ovelha perdida até a encontrar? Quando a encontra, com que alegria a coloca aos ombros! Volta então para casa e chama os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: «Alegrai-vos comigo porque encontrei a ovelha perdida.» Eu vos digo que também no céu haverá mais alegria por um pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão." (Lc 15, 1-7)
Não afastemos as crianças pequeninas desta grande festa! O reencontro com o Bom Pastor é a maior alegria que podemos experimentar na vida, e elas devem sabê-lo desde muito pequeninas. Não terão certamente "pecados de chumbo" para apresentar ao Senhor, mas aos seis anos já têm um bom quilinho de "pecados de algodão"! Todos os dias as ensinamos a pedir desculpa - a nós, ao professor, ao irmão... Porque bateu no amigo, porque falou alto na aula, porque tirou um brinquedo ao mano, porque mentiu à mãe... Ensinemo-las também a pedir desculpa ao Senhor!
E Jesus toma-las-á aos ombros, cheio de alegria, chamará os amigos e vizinhos do céu e da terra e fará uma festa...
Eu estava bastante zangada com o David. No entanto, o disparate que o David fizera não fora por mal, e certamente não merecia a minha impaciência, ou pelo menos, não merecia tanto. Depois de ralhar, e de perceber que exagerara, abracei-o.
- Desculpa, David! - Disse, com sinceridade.
- Já te desculpei há muito - Respondeu-me ele, encostando a cabeça ao meu corpo num abraço. - Eu sei que me portei um bocadinho mal, e também sei que tu não querias ralhar tanto.
- Tens razão. Fomos os dois um pouco tontos. Vamos esquecer?
- Já está!
Tranquilizada com o perdão do meu filho, entrei no escritório para arrumar uns livros, e qual não foi o meu espanto ao deparar-me com isto:
A letra, o uso das maiúsculas e o esforço visível empregue neste trabalho não me deixaram dúvidas:
- Lúúúúúúúúcia!
A Lúcia apareceu a correr:
- Que foi, mãe?
- Posso saber quem andou a escrever nos móveis?
- ...
- Não consigo ouvir. Dizes-me por favor quem andou a escrever nos móveis?
- ...
- Lúcia?
- Mas, mãe, tu foste um bocadinho tótó. Ralhaste com o David e ele não tinha feito de propósito!
- E era preciso escrever isso no móvel?
O David chegou nesse momento. Perante a obra de arte da irmã, comentou:
- Oh Lúcia! Isso nunca mais vai sair! Um dia quando tu tiveres filhos, eles vão pensar que a nossa mamã ainda é tótó!
Não consegui disfarçar um sorriso. Mas foi com um ar forçadamente sério que explorei a ideia do David:
- Ai, Lúcia, os meus netos, bisnetos, trisnetos e tetranetos vão todos ficar a saber que eu sou tótó. Que tristeza!
A Lúcia tinha os olhos muito abertos:
- Ah, não pensei nisso! Olha, eu depois digo-lhes que me enganei.
E aos saltinhos, foi brincar.
Eu sei que, quando descobrimos o prazer da escrita, todas as superfícies são boas para escrever. Mas também sei que há coisas que só se devem escrever na areia. Entre elas, os pecados e os defeitos dos outros! Quando nos ensinou a rezar, Jesus ensinou-nos a perdoar o próximo prontamente, como o David fez:
"Perdoai-nos as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos
aos que nos ofendem." (Mt 6, 12)
É que é na areia, também, que Deus escreve os nossos pecados, para poder, com uma só onda da sua misericórdia infinita, apagá-los assim que Lho peçamos...
"Tem piedade de mim, ó Deus, segundo a tua misericórdia,
segundo a tua grande clemência, apaga as minhas trangressões!
Lava-me todo inteiro da minha culpa
e purifica-me do meu pecado!
Pois reconheço as minhas culpas
e tenho sempre presente o meu pecado.
Lava-me, e ficarei mais branco do que a neve!" (Sl 51/50)
- Mamã, o que pesa mais: um quilo de chumbo ou um quilo de algodão?
- Não sei, António.
Eu estava muito atrapalhada entre fazer o jantar e evitar que a Sara se queimasse ou partisse a cabeça enquanto me ajudava, e por isso respondi sem pensar.
- Não sabes mesmo? Que esquisito! - Comentou o meu filho, sem desistir.
Peguei na Sara ao colo com um braço e destapei a panela da carne com a mão livre. Com um suspiro, decidi entrar no jogo:
- Acho que é o chumbo. O chumbo é muito mais pesado do que o algodão! O algodão não pesa nada, não é verdade?
- Errado! - O António estava triunfante, tal como eu esperava com a minha resposta parva. - O algodão e o chumbo pesam o mesmo, porque um quilo é sempre um quilo!
A rir, o António saiu da cozinha, e a Sara perseguiu-o aos pulinhos. Enfim só, fiquei a pensar... E recordei-me de uma meditação que gosto de reler no livro A Fé em Família, de Christine Ponsard... Um quilo é sempre um quilo, seja de algodão, seja de chumbo. Mas em matéria de pecado, diz Christine, parecemos esquecer esta verdade. Acumulamos "pecados de algodão" uns atrás dos outros, sentindo-nos muito descansados porque não são "pecados de chumbo", daqueles que matam o amor, e esquecemo-nos que, de algodão em algodão, já temos um quilo bem pesado.
Amanhã irei entregar este quilo ao Senhor, confessando o meu pecado. O Senhor livrar-me-á deste peso mortal, restituindo-me a vida com o seu perdão. Ah, que seria de mim sem o sacramento da Confissão?...
"Feliz aquele a quem é perdoada a culpa
e absolvido o pecado.
Enquanto me calei, os meus ossos definhavam
no meu gemido de todos os dias,
pois a tua mão pesava sobre mim dia e noite.
Confessei-Te o meu pecado e não escondi a minha culpa;
disse: «Confessarei ao Senhor a minha falta.»
E Tu me perdoaste a culpa do pecado." (Sl 32/31)
PS - E por falar em confissões... Inscrevam-se o quanto antes no Retiro de Quaresma!
De entre as muitas fotos de férias que a Nathalie (nossa querida jovem leitora a partir do Brasil) me enviou, houve duas que chamaram a minha atenção - as fotos da Catedral de Brasília, dedicada a Nossa Senhora Aparecida:
A Catedral é toda circular, as paredes são vitrais e não existem sequer colunas a sustentar o magnífico teto! Fiquei absolutamente encantada. Que maravilha! E que sensação deve ser, estar no interior de tão bela Catedral, onde também se encontra a cruz de madeira construída para a primeira missa em Brasília, no mato.
Cada um destes vitrais pequeninos deixa passar a luz celeste, colorindo-a com a sua própria cor, mas sem com isso lhe retirar o brilho. Antes pelo contrário! Filtrada através de cada vitral, a luz que ilumina o interior da Catedral torna-se ainda mais bela.
Quando Adão e Eva se descobriram pecadores, optaram por se esconder do Senhor e por tapar a sua vergonha:
"Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e cingiram-se." (Gn 3, 7)
Mais tarde, Jesus disse-nos no Evangelho:
"Não há nada oculto que não venha a ser descoberto" (Mt 10, 26)
Este "vir a ser descoberto", quanto a mim, não significa que a nossa vida tenha de ser exposta num grande "Big Brother" televisivo, mas antes que a nossa vida deve ser exposta ao olhar luminoso do Senhor, sem qualquer receio, sem qualquer hesitação. Tudo, bom e mau, deve ser confiado à misericórdia divina, que tudo perdoa, que tudo corrige, que faz crescer todo o bem. O sacramento do perdão, que obriga ao segredo absoluto da parte do confessor, obriga-nos também à exposição absoluta do nosso pecado diante de Deus, sem "folhas de figueira". Não há caminho mais simples para se deixar atravessar pela luz celeste!
Cada um de nós é um vitral colorido, destinado a deixar passar a luz de Deus, colorindo-a com a sua própria vida, a sua personalidade distinta, as suas boas obras, as suas virtudes e até o seu pecado, desde que entregue à misericórdia divina. Nada do que somos e fazemos, nada mesmo, deve impedir a luz de passar através de nós para iluminar os que se abrigam sob o nosso olhar - os nossos filhos, amigos, vizinhos, colegas.
Quando assim o fizermos, o pequeno vitral que somos, ligado por Deus aos pequenos vitrais de cada um dos nossos irmãos, sustentará a Igreja do Senhor...
Hora de aula de Inglês com a turma do Curso Vocacional.
- Professora, trouxe um trabalho sobre a família para mostrar - Diz-me uma menina, aos saltinhos de excitação - Quer ver? Levei quatro horas a fazer! Quatro horas!
Pego na cartolina que me mostra. Vejo um conjunto de fotografias grandes, representando-a a ela em várias idades e os dois irmãos mais novos. A um canto, a fotografia da mãe. Por cima, algumas palavras em inglês: "My mother, my brothers, me".
- Muito bem! Não tens fotos do teu pai?
- Eu não tenho pai. Quer dizer, se tenho não sei quem ele é.
- Ah! E o teu padrasto, o pai dos teus irmãos?
- Esse está na prisão. Sabe, professora, ele está na prisão por causa de mim.
- ?
- Ele fez-me uma coisa quando eu tinha dez anos. Eu tive de levar uma transfusão de sangue, e ele foi para a prisão. E sabe, o meu pai fez o mesmo à minha mãe, e é por isso que eu nasci.
- Compreendo. Queres apresentar o teu trabalho à turma?
- Tenho vergonha!
Ajudo-a a apresentar o trabalho. No meio do barulho e da confusão geral, alguns escutam.
- Quem quer ser o próximo a fazer um trabalho sobre a família? - Pergunto.
- Nem pense, professora! Eu do meu pai nem quero ouvir falar!
- E porquê?
- A professora chamaria pai a um homem que era capaz de o trancar num quarto durante dois dias seguidos, sem comer nem beber? E eu só com quatro anos? Ele merecia uma bala na cabeça! Se eu o apanhasse hoje diante de mim, depois de tudo o que fez à minha mãe e a nós, mandava-lhe um tiro na cabeça, pode crer!
- Isso não é nada. Havias de ver o meu pai!
Volto-me para ver quem fala agora.
- Que tem o teu pai?
- Não quero falar nisso.
- O meu saiu da casa quando eu tinha dois anos - Explica-me uma menina de sorriso aberto e longos cabelos louros, incapaz de estar quieta. - Nesse dia, contou-me a minha mãe, ele partiu-me um vaso na cabeça e eu fui parar ao hospital.
- Olha, o meu é um banana. - Um rapaz matulão e barulhento junta-se à conversa - Imagina que a namorada dele pos-me fora de casa! Disse que eu fazia muito barulho de manhã, nas férias, e ela queria dormir.
- E onde vives então agora?
- Vivo em casa da minha avó. A minha mãe abandonou-me há alguns anos, e aquela parva da namorada do meu pai não gosta de mim. Eu também não gosto dela.
A conversa salta de aluno para aluno, e todos têm uma espada afiada para exibir. Tenho a cabeça a andar à roda. Uma vez por semana, procuro oferecer à turma alguns minutos de conversa, mas há dias em que se torna difícil suportar os seus desabafos, de tão doridos eles são. Enquanto escuto, sem que me aperceba, dois já começaram à luta, e a Márcia está a chorar porque alguém lhe roubou o estojo. Finalmente, a campaínha toca, e todos correm para o intervalo.
Ao arrumar os meus livros e trancar a porta da sala, dou comigo a meditar nas palavras de S. Paulo:
"Que tens tu que não tenhas recebido?" (1Cor 4, 7)
Na verdade, que diferença há entre mim e eles? Que fiz eu de extraordinário para ter tido a graça de nascer numa família cheia de amor? Que fizeram eles de errado para nascerem frutos de violações e crescerem no meio de todo o tipo de violência? De que me posso gabar ou envaidecer? Que tenho eu que não me tenha sido dado de graça, absolutamente de graça?
É muito fácil envaidecermo-nos daquilo que somos, da nossa fé, das nossas boas obras. Fazemo-lo o tempo todo, mesmo sem nos darmos conta. Somos muito mais fariseus do que imaginamos! Eu, pelo menos... Mas quando chegarmos ao Céu, iremos ficar tão envergonhados! Então veremos as graças que foram derramadas sobre nós, o seu porquê, e a forma como as desperdiçámos dia a dia.
O meu aluno mal sabe ler e tem dificuldade em entender o que eu explico. Eu recebi muito mais do que ele... Quem terá mais contas a dar a Deus - ele, se um dia meter uma bala na cabeça do pai, ou eu, que às vezes perco a paciência e me irrito contra o próximo, dizendo o que não devia? A questão tão pertinente da liberdade de expressão de novo à baila... Matar com armas é pecado; mas matar com palavras também. Jesus foi muito claro:
"Ouvistes o que foi dito aos antigos: 'Não matarás'.
Eu, porém, digo-vos: todo aquele que chamar louco a seu irmão terá de responder na geena de fogo."
(Mt 5, 21-22)
Quantas vezes por dia eu preciso de pedir perdão e de ser perdoada! Que seria de nós sem o perdão uns dos outros e de Deus?
Fm, perdoe-me por favor a falta de paciência e o sarcasmo no outro dia, num comentário que já apaguei...
- Mamã, vem brincar connosco! - Pediam os quatro mais novos. - Vem lá!
- Está bem. Vamos brincar às escondidas? Eu conto! - Gosto sempre de brincar às escondidas, porque enquanto "conto", vou continuando a tratar da roupa ou da cozinha, e eles, como se estão a esconder, não dão por nada...
- Já podes vir! - Gritaram lá de longe, entre risadinhas divertidas. Pousei o alguidar da roupa e percorri o jardim, fingindo não os ver por detrás do poço, por entre os caules dos girassóis ou do outro lado do carro. Quando, finalmente, os "encontrei", foi uma excitação!
Repetimos o jogo novamente. Como é comum nas crianças, o António escondeu-se exactamente no mesmo sítio em que o David se tinha escondido; mas antes fez-me uma recomendação:
- Não me encontres, está bem, mamã?
Enquanto os procurava no jardim - que não é assim tão grande, nem tem tantos esconderijos - pus-me a meditar na história da ovelha perdida. Disse Jesus aos seus discípulos:
"Quem de vós, se tiver cem ovelhas e perder uma, não deixa as noventa e nove no campo e vai em busca da ovelha perdida até a encontrar? E quando a encontra, com alegria põe-na aos ombros, volta para casa e chama os amigos e os vizinhos, dizendo: «Alegrai-vos comigo, porque encontrei a ovelha perdida!» Eu vos digo que também no céu haverá mais alegria por um pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão." (Lc 15, 4-7)
Depois pensei... Quando pecamos gravemente e nos afastamos da Igreja, achamos, na nossa infantilidade de fé, que nem Deus nos vai conseguir encontrar! Às vezes, como o António, suplicamos-Lhe: "Não me encontres, por favor!" apenas para não termos de fazer aquilo que já sabemos que precisamos de fazer, para mudar de vida...
Não, por mais profundos que sejam os abismos onde nos fomos esconder do Senhor, Ele tem tanta dificuldade em nos encontrar como eu tive, no meu jardim, a encontrar a Lúcia, o David, o António e, principalmente, a Sara! Diz o salmista:
"Para onde irei, longe do teu sopro?
Para onde fugirei, longe da tua presença?
Se subir aos céus, aí estás;
se descer aos abismos, aí Te encontras também.
Se tomar as asas da aurora
e for morar nos confins do mar,
também aí a tua mão me conduz
e a tua direita me guia.
Se eu disser: «Ao menos as trevas me envolvam
e a noite seja um cinto ao meu redor.»
Mesmo as trevas não são bastante escuras para Ti,
e a noite é tão clara como o dia..." (Sl 139/138)
Deus está tão perto, tão perto de nós! Ele habita as nossas trevas e os nossos abismos, desde aquele dia trágico e santo em que morreu na nossa cruz. Sim, Ele vai encontrar-nos, oh se vai...