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Conjugando o verbo amar

por Teresa Power, em 28.02.15

- Sabes, mamã, a minha melhor amiga é a Leonor. - Diz-me a Lúcia, enquanto a ajudo no banho. Geralmente, durante a hora do banho dos mais novos temos sempre conversas muito profundas.

- Ai sim? Nunca tinha ouvido falar na Leonor!

- Pois não. Ela é nova na escola.

- E já é a tua melhor amiga?

- Sim. Quando ela chegou à escola, ela veio ter comigo e perguntou: «Queres ser a minha melhor amiga?» Eu respondi: «Quero!» E agora somos as melhores amigas.

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 A conversa da Lúcia acordou em mim memórias queridas da infância. Recordo com nitidez a escolha de cada uma das minhas "melhores amigas", e todas elas foram feitas da mesma forma, pelo menos até aos meus dez, onze anos. Uma decisão. A minha primeira "melhor amiga" tinha os cabelos tão longos, tão longos (tão diferentes dos meus, curtinhos e rebeldes), que me lembrava uma princesa dos contos de fadas. Quem não queria ser amigo de uma princesa? A segunda era a minha vizinha de cima, pelo que dava muito jeito sermos melhores amigas, para aproveitarmos bem todo o tempo juntas. A terceira era a minha vizinha de baixo. Decisões tomadas instantaneamente, e alimentadas todos os dias com muita brincadeira.

 

O amor é sempre uma decisão. Na base de qualquer relação de amor ou amizade podem estar as mais variadas razões - incluindo a semelhança do amigo ou amado com um príncipe ou princesa de conto de fadas... - mas depois de feita a escolha, é preciso alimentá-la diariamente, através da decisão. Amar é agir, fazer, atuar; porque amar é um verbo, tal como Deus é Verbo - o Verbo feito carne (Jo 1, 14).

Custa, manter a fidelidade a um amor que se sente como passado? Custa, amar sempre, e amar quem não merece ser amado? Custa amar os colegas de trabalho menos simpáticos, os amigos que nos magoaram, os alunos insolentes, os vizinhos barulhentos? Custa alimentar a amizade com os amigos distantes, não esquecendo as datas importantes e oferecendo o nosso serviço? E no entanto, se não amarmos, nunca conheceremos a verdadeira alegria... Um ato de vontade, uma decisão, e uma oração: "Senhor, ajuda-me a amar! Senhor, dá-me a alegria de amar..."

Nos Evangelhos, este verbo "amar" está no imperativo:

 

"É este o meu mandamento: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei." (Jo 15, 12)

 

 

 

 

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publicado às 06:22

As palavras e as armas

por Teresa Power, em 17.01.15

Hora de aula de Inglês com a turma do Curso Vocacional.

- Professora, trouxe um trabalho sobre a família para mostrar - Diz-me uma menina, aos saltinhos de excitação - Quer ver? Levei quatro horas a fazer! Quatro horas!

Pego na cartolina que me mostra. Vejo um conjunto de fotografias grandes, representando-a a ela em várias idades e os dois irmãos mais novos. A um canto, a fotografia da mãe. Por cima, algumas palavras em inglês: "My mother, my brothers, me". 

- Muito bem! Não tens fotos do teu pai?

- Eu não tenho pai. Quer dizer, se tenho não sei quem ele é.

- Ah! E o teu padrasto, o pai dos teus irmãos?

- Esse está na prisão. Sabe, professora, ele está na prisão por causa de mim.

- ?

- Ele fez-me uma coisa quando eu tinha dez anos. Eu tive de levar uma transfusão de sangue, e ele foi para a prisão. E sabe, o meu pai fez o mesmo à minha mãe, e é por isso que eu nasci.

- Compreendo. Queres apresentar o teu trabalho à turma?

- Tenho vergonha!

Ajudo-a a apresentar o trabalho. No meio do barulho e da confusão geral, alguns escutam.

- Quem quer ser o próximo a fazer um trabalho sobre a família? - Pergunto.

- Nem pense, professora! Eu do meu pai nem quero ouvir falar!

- E porquê?

- A professora chamaria pai a um homem que era capaz de o trancar num quarto durante dois dias seguidos, sem comer nem beber? E eu só com quatro anos? Ele merecia uma bala na cabeça! Se eu o apanhasse hoje diante de mim, depois de tudo o que fez à minha mãe e a nós, mandava-lhe um tiro na cabeça, pode crer!

- Isso não é nada. Havias de ver o meu pai!

Volto-me para ver quem fala agora.

- Que tem o teu pai?

- Não quero falar nisso.

- O meu saiu da casa quando eu tinha dois anos - Explica-me uma menina de sorriso aberto e longos cabelos louros, incapaz de estar quieta. - Nesse dia, contou-me a minha mãe, ele partiu-me um vaso na cabeça e eu fui parar ao hospital.

- Olha, o meu é um banana. - Um rapaz matulão e barulhento junta-se à conversa - Imagina que a namorada dele pos-me fora de casa! Disse que eu fazia muito barulho de manhã, nas férias, e ela queria dormir. 

- E onde vives então agora?

- Vivo em casa da minha avó. A minha mãe abandonou-me há alguns anos, e aquela parva da namorada do meu pai não gosta de mim. Eu também não gosto dela.

 

A conversa salta de aluno para aluno, e todos têm uma espada afiada para exibir. Tenho a cabeça a andar à roda. Uma vez por semana, procuro oferecer à turma alguns minutos de conversa, mas há dias em que se torna difícil suportar os seus desabafos, de tão doridos eles são. Enquanto escuto, sem que me aperceba, dois já começaram à luta, e a Márcia está a chorar porque alguém lhe roubou o estojo. Finalmente, a campaínha toca, e todos correm para o intervalo.

 

Ao arrumar os meus livros e trancar a porta da sala, dou comigo a meditar nas palavras de S. Paulo:

 

"Que tens tu que não tenhas recebido?" (1Cor 4, 7)

 

Na verdade, que diferença há entre mim e eles? Que fiz eu de extraordinário para ter tido a graça de nascer numa família cheia de amor? Que fizeram eles de errado para nascerem frutos de violações e crescerem no meio de todo o tipo de violência? De que me posso gabar ou envaidecer? Que tenho eu que não me tenha sido dado de graça, absolutamente de graça? 

É muito fácil envaidecermo-nos daquilo que somos, da nossa fé, das nossas boas obras. Fazemo-lo o tempo todo, mesmo sem nos darmos conta. Somos muito mais fariseus do que imaginamos! Eu, pelo menos... Mas quando chegarmos ao Céu, iremos ficar tão envergonhados! Então veremos as graças que foram derramadas sobre nós, o seu porquê, e a forma como as desperdiçámos dia a dia. 

O meu aluno mal sabe ler e tem dificuldade em entender o que eu explico. Eu recebi muito mais do que ele... Quem terá mais contas a dar a Deus - ele, se um dia meter uma bala na cabeça do pai, ou eu, que às vezes perco a paciência e me irrito contra o próximo, dizendo o que não devia? A questão tão pertinente da liberdade de expressão de novo à baila... Matar com armas é pecado; mas matar com palavras também. Jesus foi muito claro:

 

"Ouvistes o que foi dito aos antigos: 'Não matarás'.

Eu, porém, digo-vos: todo aquele que chamar louco a seu irmão terá de responder na geena de fogo."

(Mt 5, 21-22)

 

Quantas vezes por dia eu preciso de pedir perdão e de ser perdoada! Que seria de nós sem o perdão uns dos outros e de Deus?

Fm, perdoe-me por favor a falta de paciência e o sarcasmo no outro dia, num comentário que já apaguei...

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publicado às 05:47

Dobrões de ouro

por Teresa Power, em 12.01.15

Hora do jantar. Porque é sábado, os mais novos tiveram direito a três quartos de hora de televisão, com o Jake e os Piratas da Terra do Nunca. A Sara adora balançar-se ao som da música, enquanto o David, a Lúcia e o António vão respondendo e acenando apropriadamente durante todo o programa. É para mim divertido observá-los diante do televisor!

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 - Mãe, por cada boa acção, o Jake recebe dobrões de ouro. Já viste a sorte dele? - Conta-me o David, entre duas garfadas de arroz.

- Mas tu também recebes dobrões de ouro por cada boa acção, David!

- Recebo? - O David abre os olhos de espanto.

- Sim, claro! Os teus dobrões de ouro estão no céu à tua espera.

- Pois é verdade! Até me esquecia. E recebo sempre, sempre?

- Recebes, desde que faças uma boa acção de verdade.

- Como assim?

- Se fizeres uma boa acção para te "armares", para te elogiarem, para que te façam o mesmo, ou por qualquer outra razão, não terás qualquer dobrão de ouro no céu. Mas se fizeres uma boa acção por amor, apenas porque sim, porque deve ser feita, porque Jesus fica contente, então verás quantos dobrões de ouro arranjas!

- E eu também?

- Tu também, António! Todos nós temos no céu um tesouro à nossa espera. Foi Jesus quem o disse!

 

"Não acumuleis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração." (Mt 6, 19-21)

 

 

- Eu vou ter muitos dobrões de ouro então!

- E eu também!

- E eu!

- E eu!

- E EEEEUUUUU! - Conclui a Sara, que levanta sempre o braço muito entusiasticamente quando percebe que é altura de o fazer.

 

Quem disse que os desenhos animados não são uma boa fonte de evangelização familiar?...

 

 

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publicado às 06:33

Pequenos gestos de amor

por Teresa Power, em 04.01.15

Pequenos gestos de amor, em férias, quando para além dos filhos também se têm três sobrinhos pequeninos em casa:

Apanhar as peças todas do "quatro em linha", espalhadas no tapete da sala.

Apanhar as molas da roupa espalhadas pela relva, para depois pendurar roupa capaz de encher um estendal inteiro.

Fazer novamente uma panela de doze litros de sopa, apesar de ontem também ter feito uma panela de doze litros de sopa, e sabendo que amanhã voltarei a ter de fazer uma panela de doze litros de sopa.

Apanhar lenços de papel sujos do chão da cozinha, do chão do quarto, do chão da sala, do chão do quarto de banho, da garagem e do jardim.

Procurar o par da meia em falta, no meio de um alguidar com cerca de trezentas meias diferentes.

Tirar as botas à Sara para limpar o cocó de cão agarrado à sola - e fazer isto três vezes no mesmo dia, sempre sem refilar.

Vestir casaco, cachecol e gorro aos meus sobrinhos para irem lá fora brincar, ainda não ter acabado de vestir o último, e já ter de despir o primeiro, que entretanto mudou de ideias.

Começar a fazer o jantar quando se acaba de lavar a louça do almoço.

Competir com o Niall para ver quem limpa mais rabos num dia.

Fazer uma horinha de sauna (de graça!) enquanto se vigiam ou dão banhos atrás de banhos.

...

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Afinal, Deus dá-me tantas ocasiões de amar, durante as vinte e quatro horas de cada dia! Só preciso de estar atenta. Porque só o amor será recompensado!

Tenho um livrinho precioso, que para mim é uma escola de santidade. Chama-se "O Manuscrito do Purgatório" (vejam na net em que consiste...). Na página 66 diz assim:

 

"O bom Deus olha menos às grandes acções, aos actos heróicos, que às acções simples, aos pequenos sacrifícios feitos por amor. Por vezes um pequeno sacrifício, que só Deus e a alma conhecem, é mais meritório que outro grande que tenha sido aplaudido."

 

Que alegria, saber isto!

 

"O amor jamais passará. As profecias terão o seu fim, o dom das línguas terminará e a ciência vai ser inútil..." (1Cor 13, 8)

 

 

 

 

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publicado às 06:43

Vovó Mamã

por Teresa Power, em 21.11.14

Numa destas tardes de domingo fomos a Aveiro visitar a minha avó, a quem os meus filhos chamam carinhosamente "Vovó Mamã", talvez por ela ser a mamã da sua vovó. A minha avó, mulher forte, generosa, atenta aos outros, a quem eu devo tanto desde menina e até bem depois de casar, está ainda na sua casa, mas já não pode estar sozinha, visto não conseguir deslocar-se e sofrer de uma grave demência. Assim, a minha mãe passa quase todo o seu tempo com ela, tendo ainda a ajuda de funcionárias dedicadas e trabalhadoras.

A Palavra de Deus é muito clara:

 

"Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes durante a sua vida; mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na plenitude das tuas forças. A caridade que exerceres com o teu pai não será esquecida, e ser-te-á considerada, em reparação de teus pecados." (Sir 3, 12-14)

 

Que palavra tão bonita! Deus está disposto a esquecer os nossos pecados por um acto de amor para com os nossos pais, algo que devia ser tão natural em nós...

Cuidar do pai e da mãe idosos aprende-se em família. Eu estou acostumada a ver a minha mãe cuidando incansavelmente da minha avó. E embora a minha avó nunca deixe de dizer "obrigada" e "por favor", já não reconhece a filha. Não é fácil acompanhar os seus delírios, ajudá-la a fazer a sua higiene quando ela quase não se mexe, partilhar o seu sofrimento todos os dias. Mas a minha mãe fá-lo de todo o coração. Terei eu, um dia, esta capacidade de entrega e esquecimento de mim mesma?

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Recordo aqui um texto de Santa Teresinha, que sempre me comoveu, em que ela relata a forma como cuidava de uma irmã muito idosa do convento:

"Custava-me muito oferecer-me para acompanhar a Irmã S. Pedro ao refeitório, porque sabia que não era fácil contentar a pobrezinha, que sofria tanto e que não gostava de mudar de acompanhante. Contudo, eu não queria deixar de aproveitar uma tão bela ocasião para praticar a caridade. Todas as tardes, quando via a Irmã S. Pedro sacudir a ampulheta, sabia que isso queria dizer: "Vamos!" É incrível como me custava sair, mas fazia-o imediatamente. Depois começava todo um cerimonial. Era preciso retirar e levar o banco de um modo especial, e sobretudo, não se apressar; a seguir, iniciava-se o passeio. Se ela dava um passo em falso, logo lhe parecia que eu a segurava mal; se procurava andar ainda mais devagarinho - "Logo vi que era nova demais para me acompanhar!" Quando chegávamos ao refeitório, era preciso arregaçar-lhe as mangas de um modo também especial...

Uma noite de inverno, em que cumpria, como de costume, o meu pequeno ofício, ouvi ao longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei um salão bem iluminado, todo resplandecente de dourados, de donzelas elegantemente vestidas. A seguir, o meu olhar pousou na pobre doente que amparava; em vez de uma melodia, ouvia de vez em quando os seus gemidos queixosos; em vez de dourados, via os tijolos do nosso claustro austero, mal iluminado. Não consigo exprimir o que se passou na minha alma, o que sei é que o Senhor a iluminou com os reflexos da verdade, que ultrapassavam de tal maneira o brilho tenebroso das festas da terra, que não podia acreditar na minha felicidade! Ah, para gozar mil anos de festas mundanas, não teria dado os dez minutos gastos no cumprimento do meu humilde ofício de caridade!" (História de Uma Alma, Manuscrito C)

 

Que o Senhor nos ensine, como a Santa Teresinha, a escolher o mais importante, e a perceber que a felicidade do Céu vale bem um pequeno ou um grande esforço de caridade na Terra. Ámen!

 

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publicado às 06:56

O lixo e o amor

por Teresa Power, em 16.10.14

Numa casa cheia de filhos, o chão está sempre cheio de lixo. Assim, uma das actividades que mais tempo me consome é o acto de me debruçar, apanhar algo do chão, voltar a endireitar-me, enfiar esse algo no bolso e fazer mentalmente um apontamento sobre o local exacto onde esse algo pertence, que tanto pode ser o cesto da roupa suja, como a caixa dos legos, a caixa de costura, a gaveta dos lápis de cor, a gaveta das roupas das bonecas, a biblioteca, o saco dos brinquedos, ou simplesmente - e maioritariamente - o lixo.

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Um destes dias, a minha mãe veio cá e, com frio, vestiu o meu casaco de fato de treino, que costumo usar quando estou por casa. De repente, os meus filhos viram-na levar as mãos aos bolsos e tirar de lá botões, pedaços de papel, aparas de lápis, umas cuecas de nenuco e mais alguns objectos não identificados. Mais tarde, ri-me com ela: sim, o meu casaco funciona frequentemente como um caixote de lixo! Lembrei-me então de um pensamento de Santa Teresinha:

 

"Tudo é tão grande em religião... apanhar um alfinete por amor pode converter uma alma. Que mistério!... Só Jesus pode dar um tal valor às nossas acções." (Carta 164, à sua irmã Leónia)

 

Na verdade, já S. Paulo o dissera:

 

"Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus." (1Cor 10, 31)

 

Eu apanho todos os dias bem mais do que um alfinete do chão. A questão é: será que o faço por amor? Estou consciente de que o meu mais pequeno gesto pode ser oferecido a Jesus pela conversão do mundo? Ou faço-o com indiferença, com irritação, porque tem de ser?

Como Santa Teresinha, também eu não tenho grandes oportunidades de mostrar a Jesus o meu amor (a triste "moda" de matar cristãos ainda não chegou a Portugal), pelo que me restam as pequenas oportunidades... Não as quero desperdiçar!

Hoje, quando me debruçar pela milésima vez para apanhar lixo do chão, vou dizer no meu coração: "Jesus, aceita este gesto pequenino pela felicidade de quem Tu quiseres." Ámen!

 

 

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publicado às 06:56

Ternura e disciplina q.b.

por Teresa Power, em 11.09.14

Cá em casa vemos muito pouca televisão, como já referi diversas vezes. O televisor está sempre desligado, pois já temos ruído que chegue na vida de todos os dias, e liga-se quando desejamos ver algum programa. Foi o que aconteceu nestas férias, no dia em que chegou a nossa encomenda da Amazon: para além de uma colecção de livros sobre os sacramentos, de Scott Hahn, que há muito desejava ter e que a todos recomendo vivamente, mandámos vir uma colecção de filmes das nossas memórias de adolescentes. É engraçado como os filmes que marcaram o Niall, na longínqua Irlanda, marcaram também a minha geração portuguesa!

Começámos por Home Alone (Sozinho em Casa). Lembrei-me várias vezes deste filme durante a nossa viagem apressada para a Irlanda, pois passei o tempo a contar os meus filhos. Apercebendo-se do meu gesto ao entrar no avião, uma hospedeira de ar sorriu-me e murmurou divertida: "Home Alone!" Foi quando decidimos encomendar o filme.

O Niall e eu divertimo-nos imenso não tanto com o filme, mas com as gargalhadas hilariantes do David, da Clarinha e do Francisco (os mais novos já estavam deitados) perante as diabruras do pequeno Kevin. Um serão delicioso!

No dia seguinte, ocorreu-me a ideia: que foi feito de Macaulay Culkin, o pequeno actor? Era na altura uma criança cheia de talento, viva, divertida, bonita, enfim, continha em si uma promessa de futuro... Não me recordo de ver o seu nome em nenhum outro filme! Uma rápida pesquisa no Google trouxe-me a resposta: Macaulay tornou-se milionário aos doze anos, aos quinze já era senhor do seu próprio dinheiro porque os pais se divorciaram e, depois de lutarem em tribunal pelo dinheiro do filho, perderam; alguns anos mais tarde, Macaulay encontrou refúgio no mundo da droga. Hoje, aos 34 anos, as imagens de Macaulay são reveladoras de uma vida desperdiçada...

 

Terá sido o dinheiro a causa da infelicidade de Macaulay? O divórcio dos pais? Nem um, nem outro conduzem fatalmente à morte da alma. Há gente muito rica que é profundamente feliz, e filhos de pais divorciados plenamente realizados. O que correu mal então para Macaulay? Na sua biografia, não se diz em ponto algum que os pais, ao se divorciarem, lutaram pelo filho; o que está escrito é que ambos lutaram pela fortuna do filho; e diz-se também que, a partir desse dia, o pai deixou de ver o filho...Aos quinze anos, Macaulay recebeu nas mãos uma fortuna, ao mesmo tempo que lhe roubavam brutalmente o bem a que ele tinha direito: o amor.

Um dos ingredientes do amor é a ternura, que Macaulay não teve; outro, é a disciplina, que também lhe faltou, pois só disciplinamos quem amamos. Quem não ama não se dá ao trabalho (porque a disciplina é muito trabalhosa), substituindo antes disciplina por violência ou negligência. Sem disciplina, nenhum adolescente aprende a gerir o seu dinheiro, os seus talentos e, por fim, a sua vida! Cabe-nos a nós, pais, orientar as suas escolhas, colocando setas no caminho, sinais de proibição, sinais de obrigatoriedade, sinais de velocidade aconselhada, sinais luminosos. Um dia, ser-nos-ão pedidas contas da forma como disciplinámos os nossos filhos e os orientámos na vida...

 

No início de mais um ano lectivo, penso muitas vezes se estou oa dar aos meus filhos aquilo a que eles têm direito: muito amor, com doses extra de ternura; e disciplina q.b., para que o caminho que vão trilhar seja caminho de felicidade. O resto virá por acréscimo...

 

Continuando a citar S. Paulo, que leio sempre com muito agrado:

 

"Filhos, obedecei a vossos pais, no Senhor, pois é isso que é justo. Honra teu pai e tua mãe, tal é o mandamento, com uma promessa: para que sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra. E vós, pais, não exaspereis os vossos filhos, mas criai-os com a educação e correcção que vêm do Senhor." (Ef 6, 1-4)

 

 

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publicado às 06:47

Amar como Jesus amou

por Teresa Power, em 10.09.14

- Niall, uma leitora assídua do blogue falou da sua dificuldade com a palavra "submissa" na Carta de S. Paulo, que citei no post de ontem.

- Tu também tens dificuldades com essa palavra!

- Não brinques! Agora a sério...

- Não lhe respondeste que as mulheres estão em vantagem? S. Paulo disse que as mulheres deviam ser submissas, mas acrescentou que os maridos deviam amá-las "como Cristo amou a Igreja." Ser submissa é mais fácil do que amar como Cristo amou a Igreja! S. Paulo exige muito de nós, pobres homens!

- Então e o que é isso de amar como Jesus amou?

- Bem, acho que é o contrário exactamente do "machista". Jesus disse:

 

"Eu não vim para ser servido, mas para servir." (Mt 20, 28)

 

Então - continuou o Niall - se eu quiser amar como Jesus, primeiro tenho de começar por servir! Chegar a casa, depois do trabalho, e sentar-me de pantufas em frente da televisão não é uma atitude de serviço. Para um marido amar como Jesus amou, é preciso arregaçar as mangas e trabalhar lado a lado com a sua mulher!

-E trazer-lhe um chocolate quando vai às compras... Há uns dias que não me trazes nenhum!...

-Claro, um chocolate... Bem, no limite, amar como Jesus amou é dar a vida. Jesus amou até ao fim, e um marido cristão tem de fazer o mesmo.

- Espero não precisar que morras por mim!

- Morro todos os dias... Tenho de morrer para a minha vontade todos os dias, a fim de te fazer feliz, não é? Pequenas coisas diárias que fazem a diferença!

- Sabes que o que estás a dizer vem no Livro de Tobias também? A mãe de Sara disse assim a Tobias, ao entregar-lhe a filha em casamento:

 

"Entrego a minha filha à tua guarda. Nunca a entristeças, durante os dias da tua vida!" (Tb 10, 13)

 

- S. Paulo não diz em lado nenhum que o marido é superior à esposa. S. José não era superior a Maria, e no entanto, era ele o chefe de família! Nossa Senhora obedeceu quando foi preciso levantar-se e levantar o Menino durante a noite para partir a toda a pressa para o exílio. Por sua vez, José deu a sua vida ao aceitar uma mulher grávida por esposa... Era o seu nome e a sua reputação que estavam para sempre destruídas!

-Sim, submissão, ou obediência, é afinal dar a vida... Porque quem obedece precisa de morrer para a sua vontade, precisa de dar a vida! Jesus pregou a obediência com toda a sua vida. Logo no início do evangelho de S. Lucas é-nos dito que

 

"Jesus (aos doze anos) desceu com os pais a Nazaré e era-lhes submisso." (Lc 2, 51)

 

- Extraordinário, o Filho de Deus submeter-Se aos homens!

- E quando chegou a hora da morte, no Jardim das Oliveiras, Jesus manifestou a sua obediência total a Deus:

 

"Pai, se for possível, afasta de Mim este cálice. No entanto, não se faça a Minha vontade, mas a Tua." (Lc 22, 42)

 

 - O que S. Paulo nos diz afinal é que ambos, num casal cristão, precisam de dar a vida um pelo outro. O mundo aceita a ideia de um pai ou uma mãe dar a vida pelo filho - é um instinto natural -; mas S. Paulo diz-nos que o homem deve ser capaz de dar a vida pela mulher! Isto é um ensinamento radical no seu tempo, e continua a ser radical no nosso!

- Mas é a fonte da felicidade. Se todos os casais aderissem de coração ao ensinamento de S. Paulo, não havia necessidade de divórcio!

- Bem, o esforço tem de ser mútuo...

- Claro que sim. S. Paulo está a escrever para cristãos! Ser cristão é uma opção radical de vida; ou somos, ou não somos! E se somos, assumimos a nossa fé até ao fim. Um casal cristão é uma unidade:

 

"E os dois serão uma só carne." (Gen 2, 24)

 

- Amar como Jesus amou... Eis o grande segredo da felicidade...

 

 (Crucifixo que temos sobre a nossa cama de casal)

 

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publicado às 06:50

"Yes, Charles"

por Teresa Power, em 09.09.14

Uma das nossas histórias preferidas é a colecção de livros Little House on the Prairie (Uma Casa na Pradaria), de Laura Ingalls Wilder. Os livros são pouco conhecidos em Portugal, mas a série televisiva é conhecida de toda a gente da minha geração. Embora a série seja bonita, os livros são infinitamente melhores, contando a história verdadeira de uma família de pioneiros americanos, vivendo uma vida cheia de risco e de amor na "fronteira" do território índio, no início do século XX.

Recém-casados, ao serão, o Niall e eu lemos em conjunto - sempre gostámos muito de ler em voz alta - os nove livros, um bocadinho de cada vez. Anos mais tarde, lemos os três ou quatro primeiros livros ao Francisco e à Clarinha. Em breve começaremos a lê-los ao David, e depois à Lúcia e aos manos mais novos. Às vezes rimos à gargalhada, às vezes choramos, mas nunca pousamos os livros sem nos sentirmos diferentes, mais corajosos e mais pacificados. A história da vida de Laura teve uma grande influência na forma como fomos criando as nossas tradições familiares e definindo os nossos ideais.

 

Um dos muitos pontos que nos fez sempre reflectir foi a forma como o pai e a mãe da Laura se relacionavam. As suas quatro filhas nunca assistiram a uma discussão entre eles! O carinho e o amor um pelo outro são evidentes nos mais pequenos detalhes. Charles tinha o espírito aventureiro dos pioneiros, e ao longo da sua vida fez a sua família mudar de casa quatro vezes. Não foram mudanças de casa como as nossas hoje, claro! A primeira foi para território índio, a segunda foi de regresso a "território branco" porque o perigo não os deixava continuar. Em cada uma destas mudanças, a decisão foi sempre imediata, tomada sob grande tensão à última hora. A horta começava a dar os primeiros frutos, o poço tinha acabado de ser aberto, a casa estava pronta, com madeira a cheirar a fresco, as meninas começavam a conhecer a grande pradaria e a habituar-se ao "grande silêncio". Mas os soldados americanos estavam em guerra com os índios. "Vamos embora esta noite", disse Charles. "Hoje? Amanhã íamos começar a colher o trigo... Eu já tinha falado às miúdas nas refeições saborosas que íamos ter... A horta está pronta... Vamos perder um ano inteiro de trabalho... Hoje?" "Sim, Caroline, hoje. Prepara tudo que vamos embora." E a resposta de Caroline era invariavelmente: "Yes, Charles". Não se tratava de uma cedência amuada, mas de uma aceitação plena e alegre da vontade do outro: "Os coelhos vão fazer uma festa quando descobrirem a nossa horta", rematou ela divertida, lançando um último olhar à terra que abandonava.

O "Yes, Charles" de Caroline ficou na nossa história de casal como uma brincadeira e uma forma de rematarmos os nossos conflitos conjugais. Naturalmente que, neste início de século XXI, o "Yes Charles" é também "Yes Caroline". Mas o Niall e eu ainda não encontrámos forma melhor de terminarmos os nossos desentendimentos. Quando a discussão começa a aquecer, o tom de voz a elevar-se, o rosto a corar, eu respiro fundo e digo:

- Yes, Charles!

Ou então é o Niall o primeiro a ceder, e com um piscar de olhos responde-me:

- Yes, Caroline!

 

Lembrei-me de escrever sobre esta história anteontem à hora de jantar, depois de mais um "Yes Charles" dito ainda com os dentes cerrados, mas logo seguido de uma gargalhada. Porque assim que cedemos à vontade um do outro nos nossos pequenos conflitos, a cumplicidade regressa.

S. Paulo traduz este "Yes Charles" num texto lindíssimo, onde submissão, obediência, humildade, serviço e entrega são tudo sinónimos do amor maior, o amor com que Jesus nos amou - e é naturalmente no quadro de um grande amor que este texto deve ser lido:

 

"Sujeitai-vos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres casadas sejam submissas aos maridos como ao Senhor (...) Maridos, amai as vossas esposas como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela..." (Ef 5, 21-33)

 

O amor implica cedência de ambas as partes. Ninguém pode amar e ao mesmo tempo fazer sempre a sua vontade! A teimosia constante ou unilateral gera sempre a discórdia. É preciso "deitar aos coelhos" muitos sonhos e fazê-lo com alegria! A paz conjugal depende de muitos "Yes Charles" e "Yes Caroline" ditos talvez de dentes cerrados, mas transformados de imediato em cumplicidade amorosa...

 

(No retiro também falamos de amor... Inscrevam-se! Na coluna lateral deste blogue têm como o fazer!)

 

 

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publicado às 06:46

Já lá vão dezoito anos...

por Teresa Power, em 27.07.14

... desde o dia em que nos casámos!

 

 

Na altura, antes do final da missa, rezámos assim:

 

"Que a nossa família seja um cântico de louvor,

um Magnificat para glória de Deus! Ámen"

 

Na igreja, sobre o altar, tínhamos escrito um cartaz a dizer:

 

"Obrigado, Senhor, porque nos criaste!"

 

E é apenas isso que continuamos a pedir e a agradecer ao Senhor para a família que fizemos nascer há dezoito anos atrás... Hoje, durante a nossa oração familiar, o Niall e eu iremos rezar novamente as leituras da missa do nosso matrimónio. Depois, repetiremos as orações dos fiéis desse mesmo dia, e finalmente, renovaremos os nossos votos matrimoniais diante dos nossos filhos. De todas estas Palavras, guardo as de S. Paulo:

 

"O amor é paciente, o amor é benigno, não é invejoso; o amor não é orgulhoso, não se envaidece; não é descortês, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor, não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acabará..." (1Cor 13, 4-8)

 

Talvez hoje façamos um piquenique no jardim, ou um passeio a pé pelos campos à volta de casa... Ainda não será desta que a Lúcia ficará a saber o que é um restaurante :) 

 

 

 

 

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publicado às 06:25



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