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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Durante este primeiro período, o David sentiu-se sempre um pouco desanimado com a Matemática, e eu também. O professor foi repetindo que o David tinha capacidade para ser aluno de excelência, mas os resultados não correspondiam.
- Deixa lá, David, tu estás a dar o teu melhor! - Consolava-o eu. Como professora, conheço muitos alunos a quem os pais precisam de castigar quando tiram maus resultados. Os meus filhos, porém, castigam-se a si próprios, com mais ou menos lágrimas de tristeza, e por isso, a mim cabe apenas consolar. Antes isso!
- Talvez o David precise de uma ajuda maior da nossa parte - Dizia-me o Niall. Como ele chega sempre a casa depois dos trabalhos de casa estarem arrumados, essa ajuda, subentende-se, seria minha. Mas os meus fins de tarde são muito atribulados, com a Lúcia a aprender a ler, o António e a Sara a querer atenção, o jantar para fazer... Foi então que me lembrei do Francisco, para quem a Matemática é um hobby engraçado:
- Francisco, tenho um desafio a fazer-te: o David não está a conseguir ter bons resultados a Matemática. Precisamos que lhe dês, por semana, pelo menos uma hora de explicação. Que dizes?
O Francisco ficou calado por uns momentos. Depois tentou esquivar-se:
- Não faço a menor ideia do que ele anda a aprender! Além disso, não tenho jeito para professor.
- Eu também não faço a menor ideia do que ele anda a aprender, mas há uma maneira de ficarmos a saber: consultamos o manual. Quanto ao jeito para professor, Francisco, não te preocupes, que ao fim de duas semanas já o adquiriste!
Com um suspiro, o Francisco percebeu que não tinha alternativa. E com a sua natural paixão por desafios, decidiu agarrar este serviço com ambas as mãos. Assim, nas últimas semanas repetiram-se cenas como esta:
Na última semana de aulas, o David chegou a casa exultante: tinha conseguido mais de 90% a Matemática! Feliz, deu um abraço ao irmão.
Agora, que estão de férias, o Francisco decidiu ensinar o David a jogar xadrez. E não é que o David está a ficar um craque?
Escreveu S. Paulo aos filipenses:
"Não cuideis apenas dos vossos próprios interesses, mas tende sempre em mira os interesses dos outros." (Fil 2, 4)
Uma das nossas maiores preocupações enquanto pais é assegurarmo-nos de que os irmãos crescem solidários. Conheço cada vez mais famílias em que cada filho faz a sua vida, independente dos irmãos e sem qualquer tipo de responsabilidade para com eles. Tive há uns anos duas alunas gémeas que tinham inveja das notas uma da outra e nunca se ajudavam! Também conheço famílias em que os pequenos serviços prestados entre irmãos são pagos pelos pais... Que tipo de humanidade estamos nós a educar?
O David melhorou o aproveitamento a Matemática; mas o Francisco melhorou aspectos da sua personalidade bem mais importantes que a Matemática! Ajudando o irmão, venceu-se a si próprio, aprendeu a renunciar a um bocadinho do seu tempo para servir o outro, e descobriu a alegria de dar. Isto sim, é crescer...
- Mamã, eu queria um robô super mega fixe no Natal.
- E eu queria um carro telecomandado!
- Tanto disparate, meninos! O David já fez anos, e o António vai fazer em Fevereiro, portanto, ambos recebem uma prenda de anos. No Natal, todos receberão um presente mais simples e pequeno, porque há outra pessoa que faz anos, não é verdade?
- Pois, é Jesus...
- Então quem precisa de prendas é Jesus, e não os meus filhos, que têm brinquedos mais do que suficientes. Já prepararam hoje uma prenda para Jesus?
- Uma estrela?
- Sim, uma estrela...
Suspiros.
- Eu dou a Jesus a estrelinha de não pensar mais no robô...
- E eu não vou fazer nenhuma birra hoje. Prometo!
- Isso seria mesmo bom. Um bocadinho de silêncio nesta casa...
- Mamã, queres fazer um sacrifício para também dares uma estrelinha a Jesus?
- Quero, António, quero sim. Tens alguma sugestão?
- Tenho: fazes o sacrifício de nos deixar ver televisão!
- ????????
Educar e educarmo-nos para uma vivência profundamente cristã do Advento exige um trabalho contínuo e sério. Não vale a pena deitarmos mãos ao arado se depois olharmos para trás. Não vale a pena começarmos se tivermos medo das comparações inevitáveis que as crianças vão fazer entre o seu Natal e o Natal dos seus amigos.
O Natal como Jesus o quer não está escondido algures na nossa infância. As nossas memórias de simplicidade não contam toda a verdade, pois as crianças que eramos não tinham como entender tudo o que se passava; e nem sempre a simplicidade que algumas famílias recordam estava impregnada de Deus!
O Natal como Jesus o quer está disponível hoje, aqui e agora, no nosso presente. Talvez possamos ir buscar ideias e inspiração à nossa infância; ou talvez precisemos antes de arriscar e de inventar os nossos próprios rituais familiares!
Saibamos integrar-nos com humildade e em clima de harmonia naquilo que são as tradições das nossas famílias alargadas, sem deixar de dar testemunho da nossa fé. A aprendizagem que resulta do encontro festivo da família, mesmo quando este é difícil, é muito superior aos conflitos que vão surgindo! Se forem à caixa de comentários ao post Tempo de Família em Época de Natal, encontrarão as mais variadas sugestões para simplificar a troca de prendas nas famílias. Na família do Niall (nove irmãos e nove cunhados), no início do Advento um dos irmãos tira à sorte quem vai oferecer um presente a quem, em nome de toda a família. Assim, cada um de nós só precisa de comprar um presente, e não dezasseis.
Dentro das nossas próprias casas, contudo, não estamos dependentes de tradição alguma, e temos liberdade completa para as transformar no presépio onde Deus hoje quer incarnar e habitar. Sim, nós podemos reinventar o Natal! E asseguro-vos de que é fantástico, quando percebemos que estamos a escrever a História da nossa família!
No início do Advento, Jesus aconselhou-nos a estar atentos, para que a sua chegada não nos apanhasse distraídos com os nossos afazeres, mas centrados no essencial:
"Vigiai, portanto, não se dê o caso que, vindo o dono da casa inesperadamente, vos encontre a dormir. O que vos digo a vós, digo-o a todos: vigiai!" (Mc 13, 37)
Sentemo-nos hoje mesmo, ao serão, em família, e façamos uma "chuva de ideias" em redor do verdadeiro Natal de Jesus. Como vamos celebrar o seu nascimento na nossa pequena família, antes, depois ou durante todas as festas familiares que acompanham esta época? Sejamos ousados, criativos, alegres e simples. E o Senhor virá, e habitará entre nós! Ámen.
PS - Enviem-me por favor, para o mail, fotografias dos vossos céus estrelados, das vossas Árvores de Jessé, ou da forma que descobriram aí em casa de preparar simbolicamente o Natal! Estou a escrever um post com algumas fotografias já recebidas, e teria todo o gosto em publicar as vossas também!
No dia 20 deste mês, o António e a Sara foram para a escola de pijama. Sim, de pijama! Nos braços, levavam a sua almofadinha e um ursinho de peluche. E na cara, um grande sorriso!
20 de novembro foi o Dia Nacional do Pijama, e o Centro Social de S. José de Cluny é uma das escolas que adere a esta celebração. A intenção é recordar ao país que todas as crianças têm direito a viver no seio de uma família, seja a sua, seja uma família de acolhimento. Em Portugal existem 8142 "crianças invisíveis", como os mentores deste dia lhes chamam, separadas dos seus pais e que vivem em instituições. Na maior parte dos outros países europeus, a norma é estas crianças viverem em famílias de acolhimento. Porque não em Portugal?
No dia 20, ao ver os meus filhos tão divertidos a brincar de pijama o dia inteiro, recordei os meus quatro sobrinhos adoptados, na Irlanda. Sim, a irmã mais velha do Niall sabia que não iria poder ter filhos biológicos desde os doze anos de idade, altura em que foi submetida a uma delicada operação e lhe foi retirado o útero; o irmão mais velho do Niall também não conseguiu ter filhos biológicos, apesar da sua mulher ter engravidado algumas vezes. Ambos os casais adoptaram duas crianças, que vivem felicíssimas no seio das suas famílias.
A minha sobrinha mais velha, filha da irmã mais velha do Niall, é uma bela rapariga romena, bem morena, estudante universitária de grandes olhos negros. Os pais foram buscá-la à Roménia quando a menina tinha quatro anos. Vivia num enorme orfanato, com muitas outras crianças, e assim que viu os meus cunhados entrar no recinto, atirou-se-lhes para os braços com a exclamação (em romeno, naturalmente):
- Finalmente já chegaram! Estava à vossa espera! Vamos para casa?
Os meus cunhados apertaram-na nos braços. Que emoção! Estavam pela primeira vez diante da sua filha... Precisavam de um intérprete para entenderem as suas palavras, mas não as suas emoções.
- Vamos ficar no hotel uns dias - Disseram-lhe. - Depois vamos para casa.
A menina mostrou-se extremamente desapontada. Num hotel? A cada dia que passava, mais se impacientava. Até que os meus cunhados decidiram desistir das três semanas que tinham pensado passar na Roménia, achando que seriam necessárias para a integração da menina... A sua nova filha esperara quatro anos por uma casa e uma família, não por um hotel! Alteraram o voo como puderam e em poucos dias regressaram à Irlanda, onde a sua nova filha foi recebida com grande alegria pelos avós, tios e primos. Que futuro teria esta menina tido na Roménia? Certamente um futuro de prostituição e pobreza extrema. Na Irlanda, é uma jovem realizada e bem disposta.
"Quem receber um destes pequeninos em meu nome, a Mim recebe." (Mt 18, 5)
A esterilidade física de um casal não precisa de ser esterilidade do coração. Às vezes, os tratamentos da infertilidade prolongam-se tanto e são de tal forma agressivos, que enchem o coração de amargura. E quando a amargura se instala no coração, é capaz de o tornar também infértil... Acolher uma criança, através da adopção ou tornando-se família de acolhimento, é acolher o próprio Deus. Aquele menino traquinas que vai aprender a crescer em casa dos seus novos pais, afinal, é o próprio Jesus... Que maravilha!
O blogue Adotar, Amar, Viver e o blogue Beijo de Mulata são dois óptimos testemunhos de como a adopção pode encher a vida do amor de Deus. Mas há milhões de outros testemunhos, silenciosos e luminosos, no mundo inteiro! Que o Senhor nos mostre, em cada momento, como podemos acolhê-l'O em nossa casa. Ámen!
Numa destas tardes de domingo fomos a Aveiro visitar a minha avó, a quem os meus filhos chamam carinhosamente "Vovó Mamã", talvez por ela ser a mamã da sua vovó. A minha avó, mulher forte, generosa, atenta aos outros, a quem eu devo tanto desde menina e até bem depois de casar, está ainda na sua casa, mas já não pode estar sozinha, visto não conseguir deslocar-se e sofrer de uma grave demência. Assim, a minha mãe passa quase todo o seu tempo com ela, tendo ainda a ajuda de funcionárias dedicadas e trabalhadoras.
A Palavra de Deus é muito clara:
"Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes durante a sua vida; mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na plenitude das tuas forças. A caridade que exerceres com o teu pai não será esquecida, e ser-te-á considerada, em reparação de teus pecados." (Sir 3, 12-14)
Que palavra tão bonita! Deus está disposto a esquecer os nossos pecados por um acto de amor para com os nossos pais, algo que devia ser tão natural em nós...
Cuidar do pai e da mãe idosos aprende-se em família. Eu estou acostumada a ver a minha mãe cuidando incansavelmente da minha avó. E embora a minha avó nunca deixe de dizer "obrigada" e "por favor", já não reconhece a filha. Não é fácil acompanhar os seus delírios, ajudá-la a fazer a sua higiene quando ela quase não se mexe, partilhar o seu sofrimento todos os dias. Mas a minha mãe fá-lo de todo o coração. Terei eu, um dia, esta capacidade de entrega e esquecimento de mim mesma?
Recordo aqui um texto de Santa Teresinha, que sempre me comoveu, em que ela relata a forma como cuidava de uma irmã muito idosa do convento:
"Custava-me muito oferecer-me para acompanhar a Irmã S. Pedro ao refeitório, porque sabia que não era fácil contentar a pobrezinha, que sofria tanto e que não gostava de mudar de acompanhante. Contudo, eu não queria deixar de aproveitar uma tão bela ocasião para praticar a caridade. Todas as tardes, quando via a Irmã S. Pedro sacudir a ampulheta, sabia que isso queria dizer: "Vamos!" É incrível como me custava sair, mas fazia-o imediatamente. Depois começava todo um cerimonial. Era preciso retirar e levar o banco de um modo especial, e sobretudo, não se apressar; a seguir, iniciava-se o passeio. Se ela dava um passo em falso, logo lhe parecia que eu a segurava mal; se procurava andar ainda mais devagarinho - "Logo vi que era nova demais para me acompanhar!" Quando chegávamos ao refeitório, era preciso arregaçar-lhe as mangas de um modo também especial...
Uma noite de inverno, em que cumpria, como de costume, o meu pequeno ofício, ouvi ao longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei um salão bem iluminado, todo resplandecente de dourados, de donzelas elegantemente vestidas. A seguir, o meu olhar pousou na pobre doente que amparava; em vez de uma melodia, ouvia de vez em quando os seus gemidos queixosos; em vez de dourados, via os tijolos do nosso claustro austero, mal iluminado. Não consigo exprimir o que se passou na minha alma, o que sei é que o Senhor a iluminou com os reflexos da verdade, que ultrapassavam de tal maneira o brilho tenebroso das festas da terra, que não podia acreditar na minha felicidade! Ah, para gozar mil anos de festas mundanas, não teria dado os dez minutos gastos no cumprimento do meu humilde ofício de caridade!" (História de Uma Alma, Manuscrito C)
Que o Senhor nos ensine, como a Santa Teresinha, a escolher o mais importante, e a perceber que a felicidade do Céu vale bem um pequeno ou um grande esforço de caridade na Terra. Ámen!
Este ano, os horários da ginástica da Clarinha vieram complicar o nosso horário de oração. Saindo de casa às sete da tarde e regressando às nove, a Clarinha está fora exactamente durante o nosso tempo de oração familiar, e isto três vezes por semana. Houve assim necessidade de reajustar a nossa vida de oração, porque não faz sentido rezarmos em família sem ela.
Tentámos várias coisas, e fomos experimentando vários horários. Parece-nos finalmente que acertámos: nos dias em que a Clarinha tem ginástica, rezamos o terço às seis e meia da tarde, ou seja, assim que o pai chega a casa e antes da Clarinha sair. Depois do jantar fazemos a nossa costumada oração cantada e dançada e contamos uma história da Bíblia, antes de deitar os mais novos, sem a Clarinha; e por fim, quando a Clarinha regressa às nove da noite, fazemos a meditação das leituras da missa diária, com o pai e a mãe, o Francisco, a Clarinha, o David e a Lúcia. Como o terço já foi rezado antes, a Lúcia e o David não atrasam demasiado a sua hora de dormir, que costuma ser as nove da noite. Complicado? Para nós já foi assumido e resultou!
Três dias por semana, portanto, o António e a Sara estão connosco durante a recitação do terço. E como são muito barulhentos, precisámos de encontrar forma de os “silenciar” para rezarmos com a concentração necessária. Na nossa biblioteca familiar encontrei algumas Bíblias ilustradas, e ofereci-lhas. O António folheou a sua com imensa atenção.
- Qual é a história do terço hoje? – Perguntou, antes de começarmos.
- Hoje são os Mistérios Dolorosos, portanto, a história é aquela em que Jesus morre por nós – Respondi-lhe.
A Clarinha, solícita como sempre, apressou-se a procurar na Bíblia ilustrada do António as imagens correspondentes. E durante toda a oração, o António manteve o olhar absorto no livro, contemplando as imagens da flagelação, da coroação de espinhos, do caminho da cruz, da crucifixão. Sem o saber, o António estava a fazer oração de contemplação ao ritmo das Avé-Marias, que é afinal a grande maravilha do terço...
Quando terminámos, muito sério, perguntou-me:
- Posso ficar com esta Bíblia só para mim? – (Os meus filhos adorariam ter alguma coisa “só” para eles…)
- Não, António, mas pode ser só tua durante a oração do terço – Expliquei. – Amanhã, quando rezarmos os Mistérios Gloriosos, eu procuro a história na tua Bíblia outra vez.
Ele sorriu, muito feliz com o acordo. E nós também sorrimos felizes com o nosso novo acordo de oração…
Encontrar tempo para a oração será sempre uma prioridade. É preciso rearranjar horários, procurar soluções criativas, contornar obstáculos? Façamo-lo! Contente com o nosso esforço, Deus dá-nos sempre a multiplicar...
“Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será acrescentado.” (Mt 6, 33)
Num destes dias, li à Lúcia e ao David, durante o nosso tempo de leitura ao serão, A Menina do Mar, de Sophia de Mello Breyner Andresen. Deliciámo-nos - eu conscientemente, eles em cada vibração da sua alma - com a magnificência das descrições, o som das palavras na boca, o marulhar das ondas de verão de regresso ao pensamento. Sophia escreve muito bem, claro. E é muito diferente ler uma história escrita por um "amador" das letras, contida num dos milhares de livros infantis à venda, ou ler uma história escrita por uma Sophia.
Mas quando acabei de ler, e depois de uns segundos de silêncio pensativo, o David perguntou:
- O Rapaz não tinha mãe?
Sorri para mim própria. Realmente, não dá para acreditar que uma criança com mãe pudesse decidir de repente ir embora da vida, mergulhando num mar estranho, atrás da Menina do Mar. É difícil imaginar o Rapaz feliz ao abandonar a sua casa para sempre e de forma tão radical, a não ser se o imaginarmos maltratado ou órfão. A pergunta do David fez-me compreender o porquê daquela estranha sensação que sempre me fica na alma depois de ler um livro de Sophia.
Dei-lhe a única resposta possível:
- Acho que não, David.
Depois de os deitar, arrumei o livro na estante, ao lado de outros livros da Sophia. Suspirei. Nem pensar em ler A Floresta, onde a menina principal vive rodeada de criadas e criados, numa casa enorme e num bosque magnífico, mas onde continua a não haver uma única mãe; ou A Fada Oriana, onde a família numerosa do moleiro não é capaz de se organizar e cuidar dos seus filhos, a família do lenhador quase morre de fome e de frio, e a única pessoa sensata vive sozinha; no Cavaleiro da Dinamarca há uma família à espera, eu sei; mas não tem nome nem acção. Há nos livros de Sophia, por detrás da beleza das palavras e da rectidão de valores básicos, uma torre incontornável de solidão e aspereza e uma perturbadora ausência da família. Nos seus livros (como na sua vida) falta o colo de uma mãe.
Todos os anos, na nossa casa, há sempre alguém que tem como leitura obrigatória escolar uma história de Sophia. E apesar de todos os valores transmitidos na sua obra, confesso que estou um pouco cansada, pelos valores que nela faltam. Eu sei que é mais simples escolher uma obra já bem trabalhada. E o "sempre se fez assim" tem muita força! Mas as figuras de estilo não são mais importantes que a noção de família, e um professor cristão tem de estar atento a ambas.
Não me levem a mal... Não estou apenas a falar de literatura. Também estou a falar de Geografia, de Matemática, de Física, de Artes, de Inglês. Como professora cristã, tenho a obrigação de estar vigilante! Um problema matemático sobre lucro é importante, mas um cristão precisa de se certificar que as crianças resolvem problemas suficientes sobre partilha e doação; um texto em inglês sobre Shakira pode ser muito giro, mas é preciso que seja contrabalançado com textos suficientes sobre personalidades verdadeiramente motivadoras de valores cristãos. Enfim, S. Paulo deu aos filipenses uma sugestão que continua válida como critério nas nossas escolhas:
"De resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é respeitável, tudo o que possa ser virtude e mereça louvor, tende isso em mente." (Fl 4, 8)
Hoje é dia de Santa Teresinha do Menino Jesus, a minha padroeira. O Canto de Oração está mais florido, com as "rosas de Santa Teresinha", que crescem no nosso jardim em sua honra e estão sempre cobertas de flores nesta altura!
Conheci santa Teresinha com dez anos, através do livro Amor sem Fronteiras, de Januário dos Santos, e desde então a nossa amizade não parou de crescer. Um pouco mais tarde li pela primeira vez a História de Uma Alma, que depois reli vezes sem conta, e continuo a reler. Sorri quando o Papa Francisco, na viagem ao Rio de Janeiro, disse diante das câmaras que levava entre os seus objectos pessoais também um livro sobre Santa Teresinha. Quem não ama esta santa tão jovem, tão pura, tão bela e tão grande?
Mas não foi "apenas" a história de Santa Teresinha que conquistou o meu coração; foi também, e muito especialmente, a história dos seus pais e da sua família. Ainda antes de casar, comprei o livro História de Uma Família, sobre a família de Santa Teresinha, e tenho-o todo sublinhado e anotado, como se faz com um livro de estudo. A grande preocupação destes pais era a santidade dos seus filhos e um do outro. Nada no seu dia, nas suas decisões, nas suas escolhas - desde a escola das meninas à casa onde viver - foi deixado ao acaso! Zélia e Luís Guérin procuravam em tudo, mesmo tudo, a santificação da sua família. Sofreram muito, pois viram morrer quatro filhos, Zélia morreu de cancro da mama aos quarenta e cinco anos, e Luís sofreu de grave demência no final da sua vida. Mas nada os separou do amor de Deus. A esta família santa aplicam-se com justiça as palavras de Jesus:
"Todo aquele que escuta as minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; mas não caiu, porque estava fundada sobre a rocha." (Mt 7, 24-25)
Santa Teresinha aprendeu pois a ser santa ao colo do pai e da mãe, que entretanto foram beatificados por Bento XVI a 19 de outubro de 2008. As relíquias deste casal de santos serão expostas à veneração dos fiéis durante o sínodo da família, como forte sinal de que as famílias cristãs são chamadas à santidade. Já é tempo de colocar sobre o candelabro a vida de santidade das famílias verdadeiramente cristãs, para poderem iluminar as nossas dificuldades na educação dos nossos filhos, as nossas escolhas diárias, as nossas lutas e as nossas vitórias.
O sínodo irá trazer-nos algumas respostas pastorais sobre vários assuntos relacionados com as famílias modernas, segundo espero; mas eu desejo que, acima de tudo, nos aponte caminhos de santidade, nunca baixando a fasquia que nos faz pular alto e alcançar a verdadeira felicidade do Céu!
Uma destas noites, antes de me deitar, abri a porta do frigorífico e deparei com este bilhetinho, pousado sobre a última fatia de crumble de maçã:
"Querido Francisco: esta fatia de crumble de maçã é para a mãe. Um abraço, Pai" (O Niall exprime-se sempre com os filhos em inglês, sua língua materna)
Sorri. Mais uma brincadeira entre pai e filho mais velho! O Francisco costuma "assaltar" o frigorífico todas as noites antes de se deitar, e de manhã, os efeitos do "assalto" fazem-se notar. Desta vez, o pai quis ter a certeza de que o seu querido filho não iria engolir de uma só vez o que restava da sobremesa preferida da mãe.
As mães deixarem a melhor fatia aos filhos, é instintivo e absolutamente natural. Até as minhas galinhas, quando têm pintaínhos, o fazem, e é ternurento observar como a mãe-galinha escolhe com o bico os grãos mais tenros para depois os colocar aos pés dos pintaínhos mais frágeis.
Mas os filhos deixarem a melhor fatia para as mães, é algo que precisa de ser treinado, e pode ser treinado a brincar.
Cresci a ver a minha avó cuidar da sua mãe até ao fim, na sua própria casa. E agora vejo a minha mãe cuidar da minha avó, já muito enfraquecida de mente e de corpo, com toda a ternura do mundo. Quando a minha vez chegar, quero estar à altura. E quando for a vez dos meus filhos, desejo de todo o coração que sejam capazes de um amor que dá até doer.
O quarto mandamento da Lei de Deus diz-nos assim:
"Honra teu pai e tua mãe para que se prolonguem os teus dias sobre a terra que o Senhor te dá." (Ex 20, 12)
Ou seja: honra teu pai e tua mãe, se queres ser feliz. O amor é a única fonte de felicidade.
Depois de ler o bilhete, e de reparar que a fatia estava mesmo intacta - o Francisco tinha uma piada divertida na ponta da língua, na manhã seguinte - sentei-me calmamente na mesa da cozinha, com uma chávena de chá e a dita fatia à frente. Sem complexos de culpa, deliciei-me com a minha sobremesa preferida.
- Francisco, desliga o computador, são horas de rezar!
- Espera!
- Clara, fecha o livro, vamos rezar!
- Estou quase a acabar, espera!
- David, não chutes a bola com tanta força! António, pára de saltar para o sofá, já sabes que está partido. E a Lúcia, alguém sabe onde ela se meteu?
- Está no quarto a chorar. A Sara estragou o seu desenho.
- LÙUUUUcia! VAMOS REZAR! ALGUÉM PÕE ORDEM NESTA CASA? VAMOS REZAR!
- Depressa, meninos, a mãe está a ficar irritada e a Sara está quase a adormecer ao meu colo. Agora parou mesmo tudo. Vamos lá!
- Já cá estou!
- E eu também!
Há dias em que a hora da oração parece uma batalha. O choro de uns, a pressa de outros, a distracção de quase todos dão vontade de desistir. Rezamos sempre bem todos os dias? Não. Rezamos todos os dias? Sim. Uma das maiores armadilhas do demónio é convencer-nos de que os nossos esforços são patéticos e não vale a pena insistir. Mas nós sabemos que Deus é Pai, e como qualquer pai, só precisa de ver o esforço do filho para ficar feliz.