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A teologia das lágrimas

por Teresa Power, em 22.01.15

Costumo passar grande parte do meu serão, depois de deitar os meninos, ao computador, a trabalhar. O Niall, por seu lado, gosta de ver as notícias, e chama-me por vezes para me contar o que se passa no mundo.

- Repara nestas imagens do sofrimento causado pelo ébola - Disse-me, ontem à noite, enquanto assistia às notícias na BBC - A situação está o pior possível!

- Não tinha dado conta de que está tão grave.

- É natural. Os grandes temas da nossa televisão são o futebol e a crise, e o verdadeiro sofrimento do outro, a verdadeira crise que aflige os nossos irmãos em África e noutras partes do mundo passa-nos ao lado. Um dia dar-nos-emos conta do flagelo que o ébola significou, mas nessa altura já será tarde. Como o genocídio no Ruanda, por exemplo, que só chamou a atenção do mundo depois de ter feito oitocentas mil mortes em cem dias.

- Vivemos tão centrados em nós...

- Pois vivemos. Fazemos muito pouco pelos outros. E sabes porquê? Porque vivemos demasiadamente confortáveis.

- É verdade. Não entenderemos nunca o sofrimento do outro enquanto não experimentarmos um pouco de sofrimento também.

- Esse é uma das maiores bênçãos do sofrimento: amolecer o nosso coração, partir a pedra que temos dentro do peito, e tornar-nos humanos, verdadeiramente irmãos uns dos outros.

- Sim, como diz a Escritura:

 

"Dar-lhes-ei um só coração e infundirei neles um espírito novo. Extrairei do seu corpo o coração de pedra e dar-lhes-ei um coração de carne." (Ez 11, 19)

 

Em Manila, diante de 30 000 estudantes reunidos para escutar o Papa Francisco, uma menina de 12 anos chorou ao perguntar ao Papa porque sofrem as crianças. Esta menina vive actualmente numa instituição, mas já tinha procurado comida nos caixotes de lixo e dormido na rua.

As suas lágrimas disseram ao Papa que ela não se esquecera do que era sofrer; que ela experimentava em si mesma a dor do mundo; que o seu coração não era de pedra, mas de carne. Como o Papa depois explicou, as suas lágrimas fizeram teologia:

 

"Certas coisas da vida só podem ser vistas com os olhos limpos pelas lágrimas. Quem não aprender a  chorar, nunca será bom cristão. O mundo de hoje precisa de aprender a chorar, chorar pelos marginalizados, pelos abandonados, mas os que levam uma vida mais ou menos sem necessidades não sabem chorar."

 

Na verdade, precisamos de experimentar um bocadinho de dor para sermos solidários com quem sofre. As pequenas dificuldades de cada dia ou os grandes sofrimentos da vida podem ser bênçãos que o Senhor nos dá para amolecer o nosso coração... Eu preciso de sentir frio em casa para imaginar minimamente o que é ser sem-abrigo, e preciso de reconhecer que sou verdadeira pecadora para entender o que Jesus me ofereceu na Cruz...

 

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publicado às 06:23


8 comentários

De carla a 22.01.2015 às 14:49

Teresa, No passado dia 17, li uma notícia no jornal I com o seguinte título "Descida nos preços do petróleo tem mais impacto em África que o Ébola". Fiquei chocada com este título ( o desenvolvimento da notícia não falava sequer no ébola ). De facto o nosso "primeiro" mundo vive obcecado com a economia, alta finança e tudo o que gira à volta do dinheiro e excedentes orçamentais. Comparar o impacto da epidemia do século, que mata indiscriminadamente, muito por culpa da pobreza e da falta de recursos, com a descida do petróleo e as consequências para os países produtores, mostra claramente as prioridades da sociedade ocidental. Isto só e apenas porque "o primeiro mundo" não tem ébola, não tem miséria, não tem pobreza extrema. Considero que pessoas como nós, com a possibilidade de ter acesso à vivência de outros mundos e outras gentes, somos privilegiados e, temos a obrigação de dar conhecer aos outros, a realidade do mundo lá fora, a começar pela nossa casa e pelos nossos filhos. Há muito sofrimento no mundo que a nossa televisão não mostra porque as imagens ferem susceptibilidades e não ganham audiências. Todos nós que vivemos no primeiro mundo, a braços com uma crise sem precedentes, com cortes nos salários, com aumentos de impostos, com desemprego, e tudo o resto que ouvimos diariamente na televisão, continuamos a ser o primeiro mundo. Somos tão egocêntricos que não conseguimos alcançar que os nossos problemas seriam a felicidade de muitos. Nós não temos crianças a dormir debaixo das pontes das autoestradas, a 1 m dos carros que passam; não temos bairros de lata com densidade populacional superior à grande Lisboa... e outros que aqui podia citar. Felizes dos que têm a possibilidade de conhecer outras realidades além das que nos mostram os nossos telejornais. É nossa obrigação como cidadão e como cristão, de a dar a conhecer. Parabéns pelo post. Bjs Carla

De Bruxa Mimi a 22.01.2015 às 20:49

Obrigada por estas palavras, Carla!

De LG a 23.01.2015 às 09:24

Também temos muita, muita miséria à nossa porta, porventura mais chocante ainda precisamente por estarmos no dito «primeiro mundo»... Devemos cultivar a capacidade de ver o sofrimento à nossa volta e, sobretudo, de actuar no sentido de atenuar as desigualdades. Confesso que fico sempre com sentimentos ambíguos quando me chegam notícias de voluntários que partem para missões humanitárias em paragens distantes, havendo tanta necessidade a que acudir aqui tão perto.

Entretanto, quem conquistou certos padrões de vida com trabalho honesto não tem de sentir-se culpado por isso! Grato, certamente; responsável e desafiado à partilha, sempre; privilegiado, parece-me discutível, salvo se não tiver tido de se esforçar para alcançar o que tem.

De carla a 23.01.2015 às 12:22

Também concordo que à nossa volta, e às vezes mais perto do que possamos imaginar, existe pobreza, dificuldade e falta de alguns confortos . Mas, acredite LG, que, graças a Deus, no nosso mundo não conhecemos o verdadeiro significado da palavra miséria. Mesmo os mais pobres, diria até aqueles que nem casa têm e dormem na rua, encontram-se distantes da miséria que existe por esse mundo fora.
Quanto à palavra privilegiados, peço desculpa mas continuo a dizer que somos privilegiados por aquilo que temos, quer nos tenha sido dado, quer conquistado com o nosso trabalho. Nós temos o privilégio de poder conquistar com o nosso trabalho, esforço, dificuldades, alegrias, etc. o que hoje temos, e claro aspirar a ter ainda melhor. Nada de condenável nisso. Mas, existem gentes nossas desconhecidas que não têm esse privilégio. Nem a isso têm acesso. Foi nesse sentido que utilizei a palavra privilégio.
Os nossos pobres vivem num mundo onde, graças a Deus, melhor ou pior ( igualmente discutível), existem apoios de vários níveis. São insuficientes? Claro que sim. Não chegam a todos? Concordo. Muitos nem sequer o pedem por vergonha? Também. Não deviam ser necessários para ninguém? Sim, claro.
Mas existem. Noutros lados, estão a anos luz....
O importante, é fazer todos os dias para que cá, lá e pelo caminho, todo o ser humano possa ter a dignidade de viver. É isso que luto todos os dias e agradeço pela vida tenho. Bjs Carla

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