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Até ao céu!

por Teresa Power, em 02.03.16

- Meninos, tenho uma notícia para vos dar.

- Sim? Qual é?

- É sobre a vovó-mamã? - Os meus filhos tratam a minha avó, não por bisavó, mas por vovó-mamã, talvez por escutarem a avó a tratá-la por mãe.

- Sim, é sobre a vovó-mamã...

- Ela já está boa? Podemos ir visitá-la?

- Não vês que ela já não vai ficar boa, António? A vovó-mamã está quase a morrer, não é, mãe?

- A vovó-mamã já está com Jesus... Era isso que eu vos queria dizer.

- Já morreu? - O David quer ter a certeza.

- Sim, já morreu. Já está no céu!

- Então já está boa! Viva! Ah, deve ser tão bom estar no céu! - A Lúcia não esconde a sua alegria. Ela sabe o quanto a bisavó sofria nos últimos anos da sua vida, e também sabe, com uma certeza infantil, inocente e pura, que o céu é a maior felicidade que podemos experimentar.

- Quem me dera estar no céu agora, a brincar! Achas que a vovó-mamã já viu o Tomás?

- E vai poder pegar nele ao colo! Que sorte! Ena...

- E vai ver Jesus! E Nossa Senhora! Ah, ela deve estar tão feliz!

A conversa depressa se centra neste mistério imenso que é o céu, e que cá em casa é frequentemente motivo de belos sonhos. Há muito que a morte deixou de nos meter medo, e falamos sempre dela como da verdadeira Porta Santa, a Porta que nos lança na Vida.

- Bem, amanhã, dia 1 de março, vamos ao funeral - Interrompo.

- Funeral? Funeral? - A Sara quer saber do que falamos nós.

- Sim, Sara. Vamos fazer a última festa à vovó-mamã. Vamos rezar por ela, na missa, e depois acompanhá-la ao cemitério. Sabes, como o Tomás... Lembras-te do túmulo do Tomás, onde ficou guardado o seu corpo? A vovó-mamã também vai ter um túmulo assim. O corpo das pessoas é demasiado pesado para subir ao céu, por isso, Deus só leva a alma, e no céu dá-lhes um corpo novinho em folha, sem doenças, sem velhice, sem dores. O corpo da terra volta para a terra, aonde pertence.

- Ah, por isso é que não vemos os corpos por aí a voar!

- Claro. Seria uma grande confusão! Deus só leva as almas, e no céu tudo se arranja.

Os meninos não têm dificuldade em entender isto. Não custa, imaginar o espírito a elevar-se alto no céu, leve como as nuvens, alegre como os pássaros, azul como o horizonte... e voar até ao Coração de Deus.

Nessa noite, no terço, recordámos a vovó-mamã, pedimos ao Senhor que a acolhesse no seu Coração e agradecemos o dom que ela foi sempre na nossa vida. No dia seguinte, fui buscar os meninos à escola logo depois do almoço, e seguimos até Aveiro, rezando o terço no carro e preparando os cânticos para o funeral.

O dia estava luminoso, sereno e belo. Na missa, todos cantámos e tocámos, porque se havia coisa que a avó gostava, era da nossa música. Atentos, os meninos seguiram a belíssima homilia do Cónego António Assunção (o sacerdote da minha infância, testemunha do meu casamento, padrinho do Francisco, o mesmo sacerdote que sepultou o Tomás...), feita especialmente para que as crianças penetrassem um pouco no imenso mistério da eternidade.

cemiterio 5.jpg

Depois, serenos, dirigimo-nos ao cemitério. O azul do céu e o branco das lajes, o silêncio e a paz...

 Cemiterio 4.jpg

cemiterio 6.jpg

- A vovó-mamã vai ficar dentro daquela cova?

- Não, António. Já te esqueceste? É só o corpo que fica ali, até se desfazer em terra, em pó... Essa terra vai alimentar as plantas, fazer crescer as árvores, fazer brotar as flores, e o ciclo da vida continua. Entretanto, a alma da vovó-mamã já não está aqui, já está no céu, e Deus já lhe deu um corpo novo, sem rugas, sem fome, sem sede, sem doença, sem morte.

- Ah...

É preciso que os meninos vejam o caixão, é preciso que vejam a cova, a terra, a pedra fria. É preciso que vejam e que não desviem o olhar, e que não se distraiam com fábulas, e que não esqueçam... O mistério da morte é o mistério da vida. É preciso perder o medo à morte para perder o medo à vida.

Um a um, deitam uma última flor sobre a urna, e logo os coveiros a cobrem de terra.

Cemiterio 1.jpg

Cemiterio 2.jpg

Diante daquela urna imensa, vieram-me ao pensamento memórias de um tempo antigo... A minha infância, a minha juventude, os meus primeiros anos de casada, e a minha avó sempre presente, acompanhando cada alegria e cada dor com a sua ternura infinita e uma capacidade imensa de se esquecer de si. Recordei-me de cada cheiro e de cada sabor das refeições deliciosas com que sempre nos recebia, nas longas férias que passávamos juntos; e das camisolinhas de lã tricotadas com todo o carinho do mundo, primeiro para nós, as netas, depois para cada um dos bisnetos que iam chegando... Os anos passaram, e pouco a pouco, a minha avó foi perdendo a memória, a capacidade de se deslocar sozinha, as forças. Mas nunca perdeu o essencial: o seu imenso amor, o seu imenso respeito e a sua imensa gratidão por quem dela cuidava. A todos, mesmo sem os reconhecer, respondia com um "obrigada" educado e bem disposto. E nas suas mãos, as contas do terço iam passando lentamente...

 vovo mamã e António 2.JPG

 David e vovomamã 1.JPG

 Sara e vovo mamã.jpg

vovó mamã e bisnetos power.JPG

Diante daquela cova e daquela terra, lamentei que os meus filhos não tenham conhecido a minha avó quando ela era nova e cheia de energia. Depois apercebi-me que a geração dos filhos dos meus filhos nem sequer recordará o seu nome. Que mistério! Como diz o salmista:

 

"Os dias dos seres humanos são como a erva;

brota como a flor do campo,

mas, quando sopra o vento sobre ela,

deixa de existir e não se conhece mais o seu lugar."

(Sl 102/103, 15-16)

 

Mas o mesmo salmo acrescenta:

 

"Mas o amor do Senhor é eterno para os que o temem,

para os que guardam a sua aliança

e se lembram de cumprir os seus preceitos."

(Sl 102/103, 17-18)

 

Diante de Deus, cada um de nós é sempre, sempre Presente. Os homens podem esquecer, mas o Senhor nunca esquece, porque nunca, por um instante sequer, existimos longe do seu olhar. Uma imensa alegria invade o meu coração, quando penso neste grande mistério. Sei que nenhum gesto de amor da minha avozinha ficará sem recompensa, mesmo aqueles gestos - especialmente aqueles gestos - que nunca lhe consegui agradecer.  

Avó - pagela.jpg

 No eterno Presente que é o Céu, só o amor é recompensado... E como diz S. João, falando de todos os cristãos que o são verdadeiramente, falando - também - da minha avó:

 

"Sabemos que passámos da morte à Vida porque amamos os irmãos." (1Jo 3, 14)

 

Ámen!

 

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publicado às 06:00


16 comentários

De Bruxa Mimi a 02.03.2016 às 07:47

O amor que vem do Amor é tudo, de facto...

Fiquei com os olhos humedecidos, não de pena do acontecimento, que realmente é de alegria se pensarmos bem nele, mas da forma como tudo foi exposto...

Beijinhos e abraços grandes!

De Lucilia a 02.03.2016 às 09:11

Obrigada pela forma como descrevem o acontecimento que é ao mesmo tempo uma bela catequese.
Que o Senhor vos dê muita alegria e felicidade.

De Marisa a 02.03.2016 às 09:25

Querida Teresa, existe a possibilidade, cada dia mais provável, de eu passar por esta situação no futuro próximo.... Tenho andado um pouco "à nora", mas também tenho tentado preparar-me, tentando aceitar e compreender o que vai acontecer. .. e tem sido bastante difícil.
Este teu post chegou até mim como a resposta às minhas oraçãos.
Obrigado querida Teresa, muito obrigado!

De Olívia a 02.03.2016 às 10:13

«É preciso que vejam e que não desviem o olhar, e que não se distraiam com fábulas, e que não esqueçam... O mistério da morte é o mistério da vida. É preciso perder o medo à morte para perder o medo à vida.»

Palavras sábias... que só agora vou conseguindo viver com sinceridade.
Obrigada mais uma vez.

De Anónimo a 02.03.2016 às 10:27

Ai Teresa, para variar este post veio mesmo de propósito para mim.....
A minha filha de 6 anos perdeu o avô materno há dois anos e o ano passado perdeu a avó paterna, ambos de cancro. Ela aceitou bem ambas as perdas, nós explicámos que os nossos seres queridos que já morrreram estao no céu, ao pé de Deus. Rezamos por eles e acendemos velas depois da missa.
O problema é que ela por várias vezes nos disse que quer morrer, pediu-nos para lhe dar-mos um tiro e agora no infantário atou um cordel ao pescoco e disse que se queria enforcar porque queria morrer. A razao que ela nos dá é que quer ir para o pé da avó! Eu bem lhe explico que a avó nao quer que ela vá para o pé dela, mas nao sei que mais dizer!

:-(

De Teresa Power a 02.03.2016 às 10:40

Querido leitor, uma compreensão correta do mistério da morte não nos rouba a alegria de viver, antes pelo contrário! Uma criança, como é o caso dos meus filhos, que fala da vontade de ir para o céu, fala ao mesmo tempo da vontade de comer bolo de chocolate daí a dois minutos e da vontade de brincar ou brigar com o irmão daí a meia hora, ou seja, não quer, de forma alguma, morrer. Assim, se uma criança, como é o caso da sua menina, exprime uma vontade de morrer a sério, consciente de que, para isso, é preciso enforcar-se ou levar um tiro, eu penso que está a precisar de ajuda. Alguma coisa na sua vida não está bem, e talvez não seja a morte dos avós, mas alguma coisa que ela estará a viver sem que os pais o saibam... Investigue bem e peça ajuda! Ab

De Anónimo a 02.03.2016 às 11:02

Sou eu outra vez: eu não me preocupei muito até agora, porque ela é uma miúda super alegre, risonha, bem disposta, brincalhona, extrovertida, feliz....

Não é que ela esteja permanentemente triste, pelo contrário!
Não me parece que ela queira "morrer", ela sente é falta dos avós e pergunta, por exemplo, quando é que a avó ressuscita. Afinal de contas, Jesus também ressuscitou ;-)
Nós explicamos que os avós são os nossos anjos da guarda, que olham por nós lá no céu e que estão sempre presentes junto de nós, apesar de não os vermos. E que os vamos reencontrar quando morrermos. E que os avós não querem que ela vá já para o pé deles! Querem vê-la crescer, ser adulta, criar a própria família, etc.
E que nós, os pais, íamos sentir muuuuuito a falta dela. E que Deus é que decide quando chega a nossa hora.

Eu tenho é medo de que ela ache o céu tão bom, que prefira ir para lá mais cedo do que o previsto....

De Teresa Power a 02.03.2016 às 11:12

Os pais é que podem fazer a correta avaliação do que se passa, claro! Eu nunca me senti habilitada a dar conselhos, e por isso raramente o faço. Mas continuo a achar estranho que uma criança procure outras formas de ir para o céu para além da forma clássica de procurar descobrir se é capaz de voar... Para o céu bonito da infância não se parte com tiros ou forcas, mas com asas e sonhos. Este, para mim, é o problema que encontro na descrição da sua situação! Quanto a querer ir para o céu, eu não me importava nada de ir já e compreendo quem assim pense :) Bjs

De Anónimo a 02.03.2016 às 11:50

Obrigada, Teresa!

Nós estamos em diálogo com o infantário, as educadoras também não sabem muito bem como lidar com a situação, porque até agora não tiveram nenhum caso semelhante.
A frase "Para o céu bonito da infância não se parte com tiros ou forcas, mas com asas e sonhos" acerta na mosca.

Nós vamos tentando dialogar com ela, procurando ajudar a perceber aquilo que muitas vezes nem os adultos compreendem, que é o mistério da morte e vida eterna.

Beijinhos!

Gosto imenso de vir aqui visitar a família Power!

De Teresa Power a 02.03.2016 às 11:56

Que alegria saber isso! Vamos ficar unidos em oração! Dê notícias! Bjs

De Paula a 02.03.2016 às 14:09

Teresa, tive muita pena por não poder estar presente na despedida da tua avó, mas ela não me saiu do pensamento. É linda a homenagem que aqui lhe fazes. Também eu guardarei para sempre na memória os cheiros da casa dela quando ia visitá-la, sobretudo pelo Natal, e as conversas que tínhamos, a sua voz inesquecível, a ternura e a forma carinhosa como sempre falava das netas e a alegria que demonstrava quando exibia as fotos dos bisnetos. Acredito que a tua avó e o teu avô devem estar felizes lá no céu. Um beijinho para todos vós.

De Teresa Power a 02.03.2016 às 14:16

Não sabia que lias o blog!!! Um grande abraço cheio de carinho para a tua família! Ab Teresa

De Joana a 02.03.2016 às 19:46

Bonita homenagem à sua avó e que belo ensinamento de esperança nos deixou. Um grande beijinho para todos

De anônimo a 02.03.2016 às 21:57

Obrigada Teresa por este bonito post. Venho sempre ler porque alguns temas são óptimas aulas de catequese.
Um abraço.

De orquidea a 03.03.2016 às 01:32

Querida Teresa, que bonita forma de falar da morte. Quero tanto pensar assim, ter essa fé tão grande ... mas nem sempre tem sido fácil para mim, nos últimos anos, aceitar a morte com tanta força. E este post fez-me recordar, com muitas saudades, alguns jantares que fizemos juntos aos sábados à noite, depois da Missa quando o teu Fancisquinho ficava na casa dessa tua avó e era lá tão feliz com a oportunidade que davas a ele e aos teus avós de partilharem esse tempo só com ele. Lembras-te? E recordo o carinho com que falavas dessa tua querida avó e do teu avô, sempre presentes nas tuas referências aos valores familiares. Obrigada por tudo Teresa e um beijinho grande de amizade e saudades para vocês todos
Orquídea

De Joana Morais da Rocha a 04.03.2016 às 12:27

Obrigada pelo testemunho e por partilhar connosco um pouco do percurso da sua avó, Teresinha.
Um abraço

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