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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
O meu primeiro dia no hospital foi fantástico: pediram-me para estar lá domingo pelas dez da manhã, a fim de, durante todo o dia, me serem feitos os exames necessários à operação, que ocorreria no dia seguinte. Eu passei, portanto, um dia inteiro de completo descanso, longe das inúmeras tarefas domésticas que acompanham os meus dias, longe do rebuliço simpático da minha casa, e sentindo-me perfeitamente saudável e forte, pois o tumor de 3 por 4 cm na mama nunca me causou qualquer incómodo, e nem sequer era palpável.
Assim, depois de fazer todos os exames, pedi licença às enfermeiras para descer até à capela do hospital, onde passei algumas horas em oração profunda e serena. A capela é muito bonita, e sobre o altar estava escrita a Palavra desse domingo: "Abre-te!" Na verdade, o evangelho relatava a cura do surdo-mudo:
"E trouxeram-lhe um surdo, que falava dificilmente; e rogaram-lhe que pusesse a mão sobre ele.
E, tirando-o à parte, de entre a multidão, pôs-lhe os dedos nos ouvidos; e, cuspindo, tocou-lhe na língua. E, levantando os olhos ao céu, suspirou, e disse: Efatá; isto é, Abre-te.
E logo se abriram os seus ouvidos, e a prisão da língua se desfez, e falava perfeitamente." (Mc 7, 32-35)
Sozinha em oração, eu contemplei a cena daquela tarde, há dois mil anos atrás. Imaginei a confusão e a solidão do surdo-mudo, perdido numa multidão que não compreendia, chamado por Alguém que não conhecia... Que pavor, que vertigem se terá apoderado dele, ao sentir o toque de Jesus? O que teria sido dele, se como um bicho-de-conta assustado, se tivesse fechado ao toque que o curou? E depois - ah, depois - o milagre, o renascer, o renovar da alegria, da beleza, da vida...
Nessa noite, deitei-me serena e levemente curiosa sobre o dia seguinte. Segunda-feira, em jejum, fiz novos exames, desta vez bem mais invasivos, e experimentei uma dor de cabeça crescente, que culminou na sala de operações e só terminou quando adormeci, anestesiada, sob as luzes acesas.
"Abre-te", repetia-me Jesus, arrastando-me para longe da multidão pelas mãos dos médicos e dos enfermeiros; "Abre-te", repetia-me Jesus, magoando-me com o seu toque; "Abre-te", repetia-me Jesus, pedindo-me que me abandonasse, que me deixasse adormecer, que não tivesse medo.
"Nós, Jesus!" Repetia eu, deixando-me arrastar, afastar, tocar, magoar. Como o surdo-mudo, também eu me deixei levar pela vertigem do mistério, percebendo vagamente que, se me deixasse conduzir, se não me enrolasse sobre mim mesma como um bicho-de-conta assustado, se abrisse o meu coração, um milagre iria acontecer...
A minha oração de domingo foi feita com grande bem estar e cheia de pensamentos elaborados. A minha oração de segunda-feira foi feita sem beleza nem meditações de que me possa orgulhar... Domingo, ofereci a Jesus palavras sentidas; segunda, ofereci-lhe simplesmente a minha dor.
A minha vida de mulher europeia, de classe média, de vida familiar feliz, tem poucas oportunidades de sofrimento verdadeiro, quando comparada com a vida de tanta gente neste mundo que enche os nossos noticiários. Assim - e porque acredito profundamente no poder da Cruz - procuro estar sempre muito atenta, para não deixar escapar nenhuma oportunidade de dizer a Jesus, não com palavras, mas com a vida, que O amo.
Agora, a minha oportunidade, que procurei não desperdiçar, já passou... Foi tão pequenina, afinal! Em vez de sofrimento, tenho os meus dias cheios de mimos: como não posso fazer esforços, todos trabalham a dobrar; a minha mãe passou alguns dias connosco, para ajudar com as crianças e me encher de carinhos; a Clarinha tornou-se uma autêntica dona de casa:
O Francisco assumiu uma série de tarefas que antes me cabiam, como por exemplo, cortar o cabelo aos irmãos:
E os vizinhos e amigos não se cansam de nos visitar e encher a casa de bolos, de tal forma, que vou ter de implementar uma semana de dieta intensiva quando tudo isto estiver passado :) Vejam só o lanche que a Cláudia e a sua família nos trouxeram, quando nos vieram ver... E isto foi já depois de dias e dias de tartes de pastel de nata, bolos de chocolate, bolos de maçã, fruta caseira, marmelada biológica, e muito mais!
Senhor Jesus, quero dar-te graças pela irmã dor, pelo irmão tumor, pela família, pelos amigos, pelos mimos, pela vida, pela alegria! Não me deixes ser como o bicho-de-conta, que se enrola sobre si mesmo quando lhe tocamos ao de leve, mas permite-me que imite o surdo-mudo do evangelho, capaz de me abrir ao teu toque na minha vida, seja ele agradável ou doloroso, suave ou brusco, mas sempre, sempre um toque de amor salvador...
EFATÁ!
Ámen!