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Eu não sou Charlie

por Teresa Power, em 13.01.15

No domingo, a nossa casa voltou a encher-se: a família Almeida, com os seus três filhotes, veio visitar-nos e passar o dia connosco; ao mesmo tempo,  e por feliz coincidência, uma grande amiga precisou de nos confiar três dos seus nove filhos durante o dia. Assim, a nossa mesa à hora de almoço serviu para duas levas de almoços - uma com nove crianças, a outra - mais tarde - com os adultos e o Francisco e a Clarinha, que ficaram bastante aliviados por fazerem parte do grupo dos "grandes":

 

DSC00719.JPG

O dia, naturalmente, passou-se entre correrias, brincadeiras, gritos de alegria, pequenos amuos, e muita animação, em casa, no jardim e sobretudo em Náturia. Antes da despedida, houve tempo para uma oração de louvor cantada e dançada, e um terço muito animado:

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No final, depois de todos irem embora, sentámo-nos à mesa para um jantar rápido, que o sono já era muito. Foi então que o Niall teve esta conversa caricata com a Lúcia:

- Lúcia, queria dizer-te uma coisa.

- Sim?

- Sim. Da próxima vez que estiveres com os teus amigos a brincar, há uma brincadeira que não podes fazer.

- Ai há?

- Há. Não podes estar sentada no muro a fazer caretas para os carros que passam na rua.

- ...

- Lúcia, nunca mais repetes isso, pois não?

- Não...

- Ainda bem.

 

Gerou-se quase um minuto de silêncio, pontuado por uma troca de olhares e sorrisos dissimulados, enquanto todos procurávamos imaginar a cena a que só o Niall assistira. Depois, a conversa retomou a alegria habitual.

 

À noite, vi nas notícias os milhões que desfilaram pelas ruas de Paris. Alegadamente, protestavam contra o terrorismo e a favor da liberdade de expressão. Contudo, os cartazes que carregavam deixaram-me um travo muito amargo na garganta: "Je suis Charlie". Que significa este slogan afinal? Que nos revemos no mau gosto das caricaturas, no insulto brejeiro e na sátira racista do jornal vitimado? Responder-me-ão, claro, que não importa se concordamos ou não com o jornal em causa, porque o importante é a liberdade de expressão. Liberdade de expressão? Será liberdade de expressão insultar o outro? Será que ser ocidental significa poder sentar-me sobre o muro do meu jardim e fazer caretas para quem passa na rua?

A Bíblia é bastante mais antiga que a nossa carta de direitos humanos, de que tanto nos orgulhamos. Na Bíblia, estão magistralmente compilados dez mandamentos, que visam precisamente a boa harmonia entre os homens e entre os homens e Deus. O oitavo diz assim:

 

"Não levantarás falso testemunho contra o próximo." (Deut 5, 20)

 

Desculpem-me o desabafo, mas depois de ver o triste slogan "Eu sou Charlie" percorrendo toda a comunicação social, incluindo a imprensa cristã, não pude ficar calada. Que hipocrisia! Dizem os jornalistas por esse mundo fora, e neste nosso Portugal, estarem dispostos a morrer pela liberdade de expressão. Não me lembro de ver nenhuma manifestação de milhões de pessoas nos últimos tempos, defendendo a liberdade de expressão dos cristãos nos países onde o terror é a palavra de ordem de cada manhã, e onde se é assassinado sem nunca se ter sequer aberto a boca para ofender seja quem for. O século XX teve mais mártires cristãos do que os outros dezanove séculos juntos, e o século XXI não parece ser muito diferente. Milhões a sair em sua defesa?... Asia Bibi está há cinco anos presa por ter bebido água de um poço que pertencia a muçulmanos. Mãe de cinco filhos, aguarda o enforcamento. Nem ela, nem a família aceitam renegar a fé cristã, que lhe traria a liberdade imediata. Quantas manifestações têm ocupado a nossa imprensa tão livre, as nossas praças tão orgulhosamente liberais, as nossas televisões tão isentas? Quando eu vir algum destes manifestantes parisienses a segurar um estandarte que diga "Eu sou cristão" - não por se identificar com os cristãos, mas por se identificar com a causa da liberdade de expressão dos cristãos perseguidos, claro... - então eu acreditarei na sua sinceridade.

 

E já agora, caros leitores, a liberdade de expressão não é o valor supremo pelo qual nos devemos bater. O valor supremo é o amor. Tudo o resto é relativo, porque tudo o resto está subordinado a este valor absoluto - até a liberdade de expressão... Já Santo Agostinho dizia: "Ama e faz o que quiseres." E o Evangelho não nos dá nenhum outro critério para o julgamento final que não o amor. Leiam Mateus 25...

 

 

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publicado às 06:20


35 comentários

De Bruxa Mimi a 13.01.2015 às 18:55

Desconheço a realidade francesa acerca das procissões, por isso não falo do que sei, mas do que li no comentário.

"[...] não permite a realização de uma procissão na rua pública" não é o mesmo que "não permite a realização de procissões".

Agora, se a experiência que referem se passou em estradas e ruas públicas - e nos últimos tempos, uma vez que as leis mudam -, então sim, a informação estará realmente incorreta.

De Maria a 13.01.2015 às 23:34

Confirma-se então. Ainda participei numa, perto de Lyon, no ano passado, na rua pública fechada para o efeito.

De Dulce Duarte a 27.01.2015 às 18:36

Só agora li a discussão e efetivamente um grupo de amigos da minha paróquia, participou numa procissão em Burges, foram de Portugal para apoiarem a re-evangelização naquela paróquia, tiveram imensa dificuldade com as autorizações e todo o tempo que estiveram na via pública foram escoltados pela policia. o incrível foi que um polícia se converteu e passado uns meses estava a pedir para eles voltarem e acolheu-os em sua casa. Como digo o milagre do amor de Deus é imenso , a mim apetecer-me dizer: Je ne suis pas Charlie, mais je suis Charlie parfois... quando se trata de amar o outro na dimensão de Cristo.

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