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O relógio adiantado e a felicidade conjugal

por Teresa Power, em 16.07.15

Cá em casa, estar de férias significa, entre muitas outras coisas, acordar cedo, às vezes mais cedo - e com muito mais vontade - do que em tempo de aulas. Quando vivíamos ao pé da praia, antes do Tomás morrer, costumávamos estar na areia pelas oito e meia. Nessa altura, havia quem brincasse connosco, dizendo que tínhamos as chaves da praia... Agora temos quarenta minutos de viagem diária a separar-nos do mar, mas mesmo assim, gostamos de chegar à praia entre as nove e as nove e meia, para contemplar as gaivotas que  ainda saltitam na areia e a praia que se estende, solitária, à nossa frente. Ao meio-dia, quando a praia começa verdadeiramente a encher-se de gente, nós já estamos de regresso a casa, com a sensação de ter brincado, rido, saltado e nadado por um dia inteiro!

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 Mas não foi sempre assim. Quando nos casámos, o Niall e eu tivemos naturalmente de orquestrar hábitos e gostos, temperamentos e sonhos. E não foi tarefa fácil! Às diferenças naturais que existiam entre nós, havia ainda a juntar a diferença cultural - o Niall é irlandês - que era significativa. O nosso primeiro ano de casados foi talvez o mais difícil...

Como portuguesa, criada no interior e habituada ao calor, eu achava que a praia só era boa com muito sol. Como irlandês, habituado ao mau tempo e a baixas temperaturas, o Niall gostava de caminhar na areia contra o vento e de nadar à chuva. Ao fim-de-semana ou durante as férias, eu ficava na cama até depois das nove horas, enquanto o Niall se levantava de madrugada. Para mim, antes das nove horas, em férias, não valia a pena estar acordado, porque aqui no litoral está sempre fresco, pelo que a praia não seria uma experiência agradável. O Niall sentia-se frustrado. Para ele, o melhor do dia estava perdido.

Uma manhã de sábado, acordei com o seu chamar entusiasmado:

- Teresa, Teresa, levanta-te depressa, já passa das nove e tu prometeste que íamos passear à beira-mar!

Abri os olhos, estremunhada. Estava ainda cheia de sono. Seria possível ser tão tarde? Olhei para o meu relógio de pulso: nove e um quarto. Olhei para o relógio de parede: nove e um quarto. E quando cheguei à cozinha, olhei para o relógio no micro-ondas: nove e um quarto (nessa altura, nós não tínhamos ainda telemóvel). Tomei o pequeno-almoço à pressa, vesti-me e saímos para o prometido passeio. Cá fora, na rua, o vento fresco e o silêncio da manhã souberam-me deliciosamente bem. Quanta beleza! Entrámos no carro, e naturalmente olhei para o relógio: marcava sete da manhã.

- Niall, que se passa? O relógio do carro... Sete da manhã? Mas... O meu relógio...?

O Niall sorriu, triunfante, enquanto conduzia a caminho da praia.

- Enganei-te bem, não foi?

Não contive uma gargalhada:

- Tu deste-te ao trabalho de mudar todos os relógios lá de casa? Nem te esqueceste do micro-ondas...

- Sim, mudei os relógios todos. Não tinha outra forma de te convencer a vires fazer este passeio comigo. Vais ver que valeu a pena!

E valeu. Valeu tanto a pena, que nunca mais preferi a cama a um passeio pela madrugada...

 

Quem, como eu, já fez quarenta anos, recorda-se certamente da primeira telenovela brasileira difundida em Portugal, Gabriela Cravo e Canela, baseada no belíssimo romance de Jorge Amado. A música, cantada por Maria Bethânia, parece contudo ser o refrão de muitos casamentos fracassados: "Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim..."  Quanta gente recusa a mudança na sua vida! E quanta gente acaba por incorporar na sua vida, não as virtudes, mas os defeitos do conjuge, baixando os braços e desistindo do esforço necessário para que a mudança aconteça!

Quando olhamos para trás, quase dezanove anos depois do dia do nosso casamento, e procuramos o segredo que nos permitiu chegar até aqui com tamanha felicidade, encontramos um refrão contrário... No meio de muitos defeitos e muitos erros, o Niall e eu tivemos sempre uma virtude: a vontade de aprender com o outro o melhor que ele tem para dar, e de o incorporar na nossa vida conjunta. Os hábitos que hoje temos resultam deste desafio constante que fomos fazendo um ao outro a todos os níveis, e da forma como aceitámos ser desafiados, recusando o "vou ser sempre assim". Ao longo dos anos, o Niall adquiriu muitos dos meus melhores hábitos e eu adquiri muitos dos dele, e juntos esforçámo-nos por abandonar hábitos destrutivos e adquirir novos hábitos vencedores. Acordar cedo, para nós, é um deles!

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"Ninguém põe um remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo puxa parte do tecido e o rasgão torna-se maior. Nem se deita vinho novo em odres velhos; de contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho e estragam-se os odres. Mas deita-se o vinho novo em odres novos; e desta maneira, ambas as coisas se conservam." (Mt 9, 16-17)

 

 

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publicado às 06:15


8 comentários

De Teresa A. a 16.07.2015 às 10:58

Obrigada por este post "!
Deve ter sido Deus que te inspirou para o escreveres e para eu o ler.
O meu namorado e eu estamos juntos há 6 anos, vivemos juntos há um, temos 4 filhos (eu 1, ele 3) e vamos casar pelo civil para ele poder adoptar a minha filha.
A nossa vida tem sido muuuuuito complicada durante estes 6 anos, e eu acho que é muito devido ao que tu escreves: o nao querer mudar.
Ainda pior do que isso é "aprender" com o outro o pior que ele tem para dar, em vez de aprender o melhor.
As tuas palavras fizeram-me reflectir e vou mesmo tentar mudar e adaptar a minha vida às virtudes do meu namorado.
Reza por nós!

De Teresa Power a 16.07.2015 às 21:40

Já estou a rezar, acredita! Grandes novidades! Fico tão feliz por ti! E não te admires se Deus me inspirou mesmo a escrever este post para ti. É típico d'Ele esta forma de agir, através uns dos outros :) Bjs!

De Bruxa Mimi a 17.07.2015 às 08:30

Meto-me no meio da vossa conversa para dizer que acredito que Deus tenha inspirado a escrita deste post para a Teresa A., mas garanto que não foi só para ela...

De Teresa A. a 07.08.2015 às 13:44

Olá Teresa, obrigada por rezares por nós. Tivemos imensos entraves no registo civil, andámos a correr para lá uma semana inteira porque sempre havia mais um documento em falta, incorrecto... Mas acabámos mesmo por casar no dia 29. Sem pompa nem circunstância, quase sem família, sem vestido de noiva... nem aliancas tínhamos! Ou melhor, tínhamos as dos meus pais, emprestadas. Eu tinha-as pedido à minha mae , nao porque nao tivessemos dinheiro para comprar umas novas, mas porque para mim eram o símbolo da presenca de duas pessoas que já cá nao estao : o meu pai e o meu tio padre (que tinha oferecido as alinacas aos meus pais quando se casaram e que também nos teria comprado as nossas e nos teria casado pela igreja se nao tivesse partido para o Pai). Às vezes a gente dá importância a coisas que nao a têm (roupa nova, comida pomposa e cara) e esquece-se do essencial: o melhor presente que me deram foi... estarem presentes.

Eu traduzi o teu post para o meu marido ler e ele gostou imenso e temos falado muitas vezes nele. Acredita que nos tem ajudado muuuuito !


De ana santos a 16.07.2015 às 12:45

É mesmo assim, há quem adquira os defeitos do conjugue e também dos colegas, em vez de se deixar contagiar pelas virtudes...

De Célia Costa a 16.07.2015 às 16:46

Olá Teresa,

A ideia que transmitiu nesta postagem diz-me muito...embora não no contexto conjugal.

Certamente, como professora já teve contacto com o mítico "sou como sou!" da malta nova.

Bem, eu do alto dos meus 22 anos eheheh ) arrisco-me a dizer que é das coisas que mais me irrita ouvir, quer em pessoal mais jovem, quer em pessoal da minha idade. "Bolas, és como és...e não te ocorre quereres ser melhor!?!?", penso muitas vezes...

Cada vez mais acho que uma das coisas coisas que marca a minha vivência Cristã, é querer sempre ser melhor, fazer melhor da próxima vez....ser mais correcta na próxima discussão, ser mais assertiva, dar um melhor testemunho.Enfim , fazer "caminho"! E ao mesmo tempo manter o equilíbrio para não cair na tendência auto-destrutiva de achar que nunca sou suficiente.

Enfim, bem haja ao seu blog que tanta companhia e inspiração me proporciona!

De Teresa Power a 16.07.2015 às 21:38

Obrigada, Célia! Esse equilíbrio de que falou é verdadeiramente a chave para uma vida realizada! Bjs

De Rogério Ribeiro a 16.07.2015 às 21:35

Os relógios...muito engraçado!!!

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