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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Cá em casa, estar de férias significa, entre muitas outras coisas, acordar cedo, às vezes mais cedo - e com muito mais vontade - do que em tempo de aulas. Quando vivíamos ao pé da praia, antes do Tomás morrer, costumávamos estar na areia pelas oito e meia. Nessa altura, havia quem brincasse connosco, dizendo que tínhamos as chaves da praia... Agora temos quarenta minutos de viagem diária a separar-nos do mar, mas mesmo assim, gostamos de chegar à praia entre as nove e as nove e meia, para contemplar as gaivotas que ainda saltitam na areia e a praia que se estende, solitária, à nossa frente. Ao meio-dia, quando a praia começa verdadeiramente a encher-se de gente, nós já estamos de regresso a casa, com a sensação de ter brincado, rido, saltado e nadado por um dia inteiro!
Mas não foi sempre assim. Quando nos casámos, o Niall e eu tivemos naturalmente de orquestrar hábitos e gostos, temperamentos e sonhos. E não foi tarefa fácil! Às diferenças naturais que existiam entre nós, havia ainda a juntar a diferença cultural - o Niall é irlandês - que era significativa. O nosso primeiro ano de casados foi talvez o mais difícil...
Como portuguesa, criada no interior e habituada ao calor, eu achava que a praia só era boa com muito sol. Como irlandês, habituado ao mau tempo e a baixas temperaturas, o Niall gostava de caminhar na areia contra o vento e de nadar à chuva. Ao fim-de-semana ou durante as férias, eu ficava na cama até depois das nove horas, enquanto o Niall se levantava de madrugada. Para mim, antes das nove horas, em férias, não valia a pena estar acordado, porque aqui no litoral está sempre fresco, pelo que a praia não seria uma experiência agradável. O Niall sentia-se frustrado. Para ele, o melhor do dia estava perdido.
Uma manhã de sábado, acordei com o seu chamar entusiasmado:
- Teresa, Teresa, levanta-te depressa, já passa das nove e tu prometeste que íamos passear à beira-mar!
Abri os olhos, estremunhada. Estava ainda cheia de sono. Seria possível ser tão tarde? Olhei para o meu relógio de pulso: nove e um quarto. Olhei para o relógio de parede: nove e um quarto. E quando cheguei à cozinha, olhei para o relógio no micro-ondas: nove e um quarto (nessa altura, nós não tínhamos ainda telemóvel). Tomei o pequeno-almoço à pressa, vesti-me e saímos para o prometido passeio. Cá fora, na rua, o vento fresco e o silêncio da manhã souberam-me deliciosamente bem. Quanta beleza! Entrámos no carro, e naturalmente olhei para o relógio: marcava sete da manhã.
- Niall, que se passa? O relógio do carro... Sete da manhã? Mas... O meu relógio...?
O Niall sorriu, triunfante, enquanto conduzia a caminho da praia.
- Enganei-te bem, não foi?
Não contive uma gargalhada:
- Tu deste-te ao trabalho de mudar todos os relógios lá de casa? Nem te esqueceste do micro-ondas...
- Sim, mudei os relógios todos. Não tinha outra forma de te convencer a vires fazer este passeio comigo. Vais ver que valeu a pena!
E valeu. Valeu tanto a pena, que nunca mais preferi a cama a um passeio pela madrugada...
Quem, como eu, já fez quarenta anos, recorda-se certamente da primeira telenovela brasileira difundida em Portugal, Gabriela Cravo e Canela, baseada no belíssimo romance de Jorge Amado. A música, cantada por Maria Bethânia, parece contudo ser o refrão de muitos casamentos fracassados: "Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim..." Quanta gente recusa a mudança na sua vida! E quanta gente acaba por incorporar na sua vida, não as virtudes, mas os defeitos do conjuge, baixando os braços e desistindo do esforço necessário para que a mudança aconteça!
Quando olhamos para trás, quase dezanove anos depois do dia do nosso casamento, e procuramos o segredo que nos permitiu chegar até aqui com tamanha felicidade, encontramos um refrão contrário... No meio de muitos defeitos e muitos erros, o Niall e eu tivemos sempre uma virtude: a vontade de aprender com o outro o melhor que ele tem para dar, e de o incorporar na nossa vida conjunta. Os hábitos que hoje temos resultam deste desafio constante que fomos fazendo um ao outro a todos os níveis, e da forma como aceitámos ser desafiados, recusando o "vou ser sempre assim". Ao longo dos anos, o Niall adquiriu muitos dos meus melhores hábitos e eu adquiri muitos dos dele, e juntos esforçámo-nos por abandonar hábitos destrutivos e adquirir novos hábitos vencedores. Acordar cedo, para nós, é um deles!
"Ninguém põe um remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo puxa parte do tecido e o rasgão torna-se maior. Nem se deita vinho novo em odres velhos; de contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho e estragam-se os odres. Mas deita-se o vinho novo em odres novos; e desta maneira, ambas as coisas se conservam." (Mt 9, 16-17)