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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Ontem, sentada na cama antes de dormir, como costume, li alguns pontos da exortação pastoral A Alegria do Amor. E enquanto lia, o pensamento divagou e recordei-me de duas grandes lições de solidariedade das nossas famílias de origem que marcaram, uma a minha juventude, outra a juventude do Niall.
Era inverno em Castelo Branco, terra de muito frio. Sete e pouco da manhã. À porta, a minha mãe esperava um rapazito, que apareceu de boné enfiado e cabeça baixa. Na cozinha, nós as três, jovenzinhas, aguardavamos impacientes a visita, enquanto contemplávamos a mesa abundante que a minha mãe preparara: croissants, cereais, leite com chocolate, sumo de fruta. Ele chegou, sentou-se meio envergonhado, e comeu, comeu, comeu, um prato após o outro, como quem não comia há muito tempo... O ritual manteve-se até ao final do ano letivo. Quem era o rapazinho? Era um aluno da minha mãe, que faltava muito às aulas porque - descobriram as funcionárias - tinha fome a sério e, logo que a cantina abria para o almoço, não suportava nem mais uma aula. Numa altura em que a ajuda social escolar ainda não era um dado adquirido, a minha mãe decidiu resolver o assunto com as suas próprias mãos: de acordo com a mãe do menino, combinou que, de futuro, ele iria sair do autocarro na paragem anterior à escola, onde ficava a nossa casa, para o seu pequeno-almoço. E o menino deixou de ter fome - e de faltar às aulas. No ano seguinte, a minha mãe saiu Castelo Branco e deixou de poder dar o pequeno-almoço ao Hugo. Encontrou-o muitos anos depois, numa paragem de autocarro, quando ele, reconhecendo a sua antiga professora, foi ao seu encontro... Tinha crescido, era mecânico.
Irlanda, inverno também, mas certamente ainda mais frio. Lá fora levantara-se uma terrível tempestade. Era quase de noite, mas o pai do Niall ainda tinha que fazer na rua:
- Niall, Niall, veste o impermeável que temos de ir ao acampamento cigano - Disse-lhe ele.
Assim fizeram. O Niall recorda ainda hoje o pavor que sentiu dos cães do acampamento, que ladraram insistentemente à sua chegada. Mas nada deteve o seu pai, diretor da escola primária daquela zona da cidade, frequentada por muitas crianças ciganas. O chefe do acampamento recebeu o diretor com respeito.
- É perigoso ficarem aqui esta noite - Disse o pai do Niall, decidido - Venham, tragam as caravanas e os cavalos e podem ficar no recinto da escola, que tem algumas coberturas para vos proteger. Vou abrir-vos as portas da escola para usarem os chuveiros e a cozinha.
E foi assim que o acampamento cigano, com crianças e cavalos, foi transferido para o abrigo da escola primária, numa das noites mais terríveis do inverno irlandês.
Passaram os anos. O testemunho de solidariedade das nossas famílias, de que estes dois episódios são um pequeníssimo exemplo, continua a ecoar nos nossos corações e nas nossas vidas, e a impulsionar-nos a fazer o mesmo, aqui e agora. Tanto eu como o Niall, no seguimento do que vimos fazer em nossas casas, encaramos a vida profissional como missão, como testemunho cristão. Será que o conseguimos? As palavras de Jesus são claras:
"Tudo o que fizestes ao mais pequenino dos meus irmãos, a Mim o fizestes." (Mt 25, 40)
E que ponto da exortação pastoral foi este que me fez recuar tanto no tempo e contemplar demoradamente o testemunho recebido? Foi o ponto em que o Santo Padre relembra as famílias de que não se pode ser católico "separado" do mundo, fechado na sua casa sem relação com a sociedade circundante. Aqui fica então:
"Convém lembrar-nos também de que a adoção e a procriação não são as únicas maneiras de viver a fecundidade do amor. Mesmo a família com muitos filhos é chamada a deixar a sua marca na sociedade onde está inserida, desenvolvendo outras formas de fecundidade que são uma espécie de extensão do amor que a sustenta. As famílias cristãs não esqueçam que « a fé não nos tira do mundo, mas insere-nos mais profundamente nele. (...) A cada um de nós cabe um papel especial na preparação da vinda do Reino de Deus ». A família não deve imaginar-se como um recinto fechado, procurando proteger-se da sociedade. Não fica à espera, mas sai de si mesma à procura de solidariedade. Assim transforma-se num lugar de integração da pessoa com a sociedade e num ponto de união entre o público e o privado. Os cônjuges precisam de adquirir consciência clara e convicta dos seus deveres sociais." (181)
Assim seja!