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Planeamento familiar I

por Teresa Power, em 31.10.14

Aproximava-se a data do nosso casamento, há dezoito anos atrás. No meio de muitas trapalhadas com os papéis, o Niall e eu procurávamos ter algum tempo e algum espaço para nos prepararmos espiritualmente.

A primeira desilusão chegou quando o nosso pároco nos disse que, ali, não havia cursos de preparação para o matrimónio. Eu estava desejosa de encontrar outros casais de noivos e sobretudo, estava desejosa de escutar o testemunho de casais mais velhos e experientes, que nos pudessem falar de Deus e de amor. Na altura, ainda não tinha computador, e a Internet era uma ilustre desconhecida…


Sem curso de preparação, decidimos então procurar, sozinhos, algumas respostas para perguntas que se impunham. Como iríamos planear a nossa família? De que métodos podíamos dispor? Desde o início do nosso namoro que falávamos dos filhos, da educação que queríamos dar-lhes, da família numerosa e alegre que gostaríamos de ter. No entanto, todas as vozes à nossa volta nos lembravam que dois ou três filhos era mais do que suficiente, e que não era conveniente tê-los muito cedo, porque o casal precisa "de um tempo". Enfim, não pensámos muito em nada disto senão já perto do nosso casamento. E foi quando descobrimos que estávamos sós na nossa reflexão.

 

Na minha fé simples, eu só queria obedecer à doutrina da Igreja, mas eu não a conhecia senão muito vagamente. Vasculhei a minha memória à procura de respostas. Eu frequentara grupos de jovens, pertencera a vários movimentos da Igreja, fizera retiros e exercícios espirituais, assistira a palestras dadas por padres jesuítas em Coimbra, enquanto estudava. Enfim, não era ignorante na maior parte dos temas da Igreja. Mas não conseguia lembrar-me de alguma vez alguém me ter falado neste assunto com a abertura de que agora  necessitava. Porquê?


Começámos por perguntar ao médico de família, em separado, como fazer planeamento familiar, caso sentíssemos necessidade dele. A resposta foi a mesma para os dois: uma receita da pílula. Saímos do consultório cabisbaixos. Outra desilusão! Se eu não estava doente; se o meu corpo funcionava na perfeição, para que queria eu um comprimido?


Marquei consulta no ginecologista, um conhecidíssimo médico de Coimbra. Fui à consulta cheia de expectativa e de novo lancei a minha inocente pergunta: como podia eu planear a minha família?

- Quer uma receita de pílula, não é? - Perguntou, sem me deixar acabar de falar. Eu queria responder que não, que queria que ele me falasse do meu corpo, me ensinasse a conhecer a biologia por detrás da sexualidade, me encorajasse a confiar na minha feminilidade, mas não fui capaz de articular palavra. Eu desconhecia, na altura, que em Portugal não há - ou há muito poucos - ginecologistas especializados em planeamento familiar natural e capazes de acompanhar as mulheres nesta escolha nas suas consultas, como há nos E.U.A., por exemplo. Saí do consultório com uma receita na mão, que tratei de aviar na farmácia mais perto.

 

Ao chegar a casa, abri a embalagem e pus-me a ler o folheto informativo. O que li deixou-me muito angustiada: ali estava eu, jovem de vinte e quatro anos, a transbordar saúde, com uma receita de um medicamento na mão. As contra-indicações eram simplesmente assustadoras, e eu não conseguia compreender por que razão todos me falavam em tomar um comprimido, quando eu só queria ser feliz. Guardei a caixinha na gaveta dos medicamentos, junto do paracetamol e do aero-om.


Decidi então perguntar a um sacerdote. Escolhi um sacerdote cheio de fé, que sempre fora para mim sinal do amor de Deus. Fiz-lhe a mesma pergunta que fizera ao médico de família e ao ginecologista.
- O casal deve gerir a sua sexualidade de acordo com a sua consciência - Foi a resposta. Nenhuma referência ao Catecismo da Igreja Católica, nenhuma referência a Paulo VI, a João Paulo II, a pecado ou a virtude. Apenas a alusão à consciência que, convenhamos, aos vinte e quatro anos não é exactamente uma grande aliada (e aos quarenta continua a não ser...)!


Se os dois médicos me tinham desiludido, a resposta deste sacerdote deitou por terra a esperança que me restava. Eu não sabia então que os ensinamentos da Igreja sobre o planeamento familiar eram alvo de grande controvérsia, e que muitos sacerdotes tinham uma espécie de estranha vergonha em propor aos casais aquilo que eles nunca poderiam viver.

1ºbeijo erasmus.jpg

Lembram-se da história do jovem rico? Este jovem era eu, este jovem era o Niall. Cheios de entusiasmo juvenil, nós corremos ao encontro do representante de Jesus e perguntámos, na nossa linguagem atabalhoada e inquieta: "Como nos pede a Igreja que regulemos a nossa fertilidade?" Que foi a nossa maneira de perguntar: "Que devemos fazer para alcançar a vida eterna?"

As respostas que obtivemos foram como se Jesus tivesse desistido de nós, e não nos julgasse dignos de um salto maior. Imaginem que Jesus tinha dito ao jovem rico: "O que tu fazes, já chega." Ou, em linguagem estudantil: "O que tu fazes já dá para passar no exame."

Nós não queríamos "passar". Nós não queríamos um "suficiente". Nós queríamos ganhar a Taça, nós queríamos subir ao pódio, nós queríamos alcançar a coroa da vitória. Nós não precisávamos que nos indicassem os “mínimos”, nós queríamos que nos abrissem o horizonte até aos “máximos”. Mas ninguém parecia acreditar na nossa capacidade para sermos santos.
E contudo, a Palavra de Jesus não me deixava descansar... Jesus nunca disse: "Sede boas pessoas." Jesus disse:

 

“Sede perfeitos, como o vosso Pai é perfeito.” (Mt 5, 48)

 

O Papa Francisco disse numa homilia no sábado passado: "Não tenham medo da vida de santidade, pois esse é o único caminho para renovar a Igreja." 

 

Até que chegou a véspera do nosso casamento… Sim, a véspera! Amanhã conto-vos mais

 

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publicado às 06:43


10 comentários

De João Miranda Santos a 31.10.2014 às 09:49

"Enfim, não era ignorante na maior parte dos temas da Igreja. Mas não conseguia lembrar-me de alguma vez alguém me ter falado neste assunto com a abertura de que agora necessitava. Porquê?"

Como eu me identifico com estas palavras...
Tenho-me perguntado isto imensas vezes, como é possível fazer-se todo um percurso numa paróquia, passar mais tempo no CUMN do que na faculdade enquanto universitário, e no nosso caso ainda fazer o CPM também organizado por jesuítas, e nada...

De Teresa Power a 31.10.2014 às 09:57

Eu também passava mais tempo no CUMN que na universidade...

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