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Remédio santo

por Teresa Power, em 29.10.15

- Mãe, podes vir connosco visitar o nosso castelo em Náturia?

A Lúcia e o David olham para mim com ar suplicante. São cinco horas da tarde, acabámos de chegar da escola e eu tenho uma montanha de coisas para fazer.

- Claro que posso - Respondo, pousando a minha mala cheia de testes por corrigir e lançando um olhar apressado à banca da cozinha, onde as cenouras, as batatas e os bróculos esperam pacientemente que alguém os enfie dentro da panela para a sopa do jantar.

- Eu sabia que ias dizer sim! - A Lúcia saltita de alegria. - Nem imaginas como o nosso castelo está lindo! Vais adorar! Anda, vem!

Dou a mão à minha filha e sigo-a para o descampado por detrás da nossa casa. As silvas já estão dobradas à nossa passagem, por força do hábito, e há flores silvestres a brotar nas margens deste caminho improvisado.

- É aqui. Olha só! Não é bonito?

Faço um olhar de espanto diante do monte de terra e canas que tenho diante de mim:

- Uau, um castelo magnífico! Posso entrar?

Náturia 1.JPG

náturia 2.JPG

náturia 3.JPG

A visita não leva mais de dez minutos, o tempo que demora a passar por debaixo das canas e das silvas. Mas ainda não acabei, quando a Sara me chama do jardim:

- Mamã, estou a fazer a sopa com ervinhas! Queres provar?

Deixo Náturia e regresso a casa. Sentada na rocha debaixo da oliveira, finjo provar a sopinha de ervas.

- Está mesmo boa, Sara! Quem te ensinou a fazer?

- A Clarinha!

A Lúcia e o David regressam também a casa e decidem fazer, não só sopa de ervas, como ensopado, empadão e tudo o mais. Depois despejam os restos para o galinheiro:

- Os pitinhos adoram os nossos cozinhados!

Entretanto, o António vem ter comigo com as mãos cheias de folhas de outono.

- Que lindas, António! Onde as encontraste?

- Debaixo da nespereira. Conta-nos lá outra vez o que tu fazias quando eras pequenina...

folha de outono 1.JPG

Sorrio, pego na Sara ao colo e conto:

- Na casa dos meus avós havia um tanque. Eu pegava nas folhas de nespereira secas e colocava nelas as formigas que encontrava na terra. Depois punha-as a navegar no tanque.

- Ena, elas deviam gostar muito!

- Não tenho tanta certeza...

 

Santa Teresinha escreveu muitas coisas sobre os seus santos pais, Luis e Zélia. Ambos trabalhavam arduamente o dia inteiro, Luís como relojoeiro e Zélia como bordadeira. No entanto, ambos sabiam "perder tempo" brincando com as suas meninas, no fim da escola e durante os fins-de-semana. A brincadeira dos meus filhos no jardim, longe da televisão, dos telemóveis e de outros brinquedos eletrónicos parece-se bastante com a brincadeira na casa de santa Teresinha:

"Depois de fazer os trabalhos de casa, eu saltitava no jardim à volta do papá, porque não sabia brincar com as bonecas. Era uma grande alegria para mim preparar tisanas com grãozinhos e cascas de árvores que encontrava no chão; levava-as depois ao papá numa linda chavenazinha, e o pobre paizinho largava o trabalho e depois, sorrindo, fingia beber. Antes de me voltar a dar a chávena, perguntava-me se devia deitar o conteúdo fora..." (História de uma Alma, manuscrito A)

Bem, são horas dos TPC. O David e a Lúcia sentam-se nas suas secretárias, a Sara e o António vão fazer lego, e eu estou livre para ir cozinhar. São apenas cinco e meia... Afinal só perdi meia hora a brincar com os meus filhos! Olho para eles, tão felizes e tão calmos. Meia hora não faz assim tanta diferença na minha vida, mas faz a diferença toda na vida deles.

Lembro-me do sírio Naamã, do Segundo Livro dos Reis. Cheio de lepra, pediu ao profeta Eliseu que o curasse a troco de grandes somas de dinheiro, mas ficou escandalizado quando o profeta lhe ordenou simplesmente sete mergulhos (gratuitos) no rio Jordão. Já prestes a regressar a casa sem experimentar a cura, foi desafiado pelo seu criado:

 

"Meu pai, se o profeta te tivesse mandado fazer uma coisa difícil, não a farias? Quanto mais agora, ao dizer-te: 'Lava-te e ficarás curado'!" (2Rs 5, 13)

 

No dia 27 de outubro, o Papa Francisco deixou esta mensagem no Twitter:

"Pais, sabeis 'perder tempo' com os vossos filhos? É uma das coisas mais importantes que podeis fazer cada dia."

Brincar com os meus filhos, meia hora por dia... Os remédios que o Senhor nos propõe são escandalosamente simples, tão simples, que hesitamos em os experimentar. Mas depois lemos histórias como a de Luís e Zélia Martin, e descobrimos que afinal são os remédios dos santos...

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publicado às 06:00


9 comentários

De Bruxa Mimi a 29.10.2015 às 08:07

Eu gosto muito de brincar com os meus filhos. No entanto, nos dias de aulas, digo quase sempre o seguinte: "primeiro, despacham-se, depois, se se despacharem, ainda poderemos brincar um bocadinho antes do jantar". Nunca experimentei inverter a ordem: dar-lhes toda a atenção, primeiro, brincando um pouco com eles, ou escutando as histórias que me quiserem contar, e só depois pôr a "engrenagem" a funcionar! Talvez, se inverter a ordem, receba em troca colaboradores mais calmos e bem-dispostos. Quando o experimentar, hei de contar como correu!

De Joana Tav. a 29.10.2015 às 09:27

Oh Teresa obrigada! É verdade basta apenas alguns minutos do nosso tempo para que eles se sintam verdadeiramente amados e felizes. Hoje esse tempo é cada vez mais escasso e não é porque que ele não exista mas sim porque damos talvez em muitas vezes uma ordem errada às nossas prioridadeS. Tenhamos nós mais "tempo"com os nossos filhos e certamente todos no futuro colheremos os frutos!

De Sandra a 29.10.2015 às 09:46

Mudei de uma casa de 2 andares com 4 quartos para um apartamento T2 há pouco tempo (somos apenas 3 lá em casa - eu, o meu marido e o nosso filho). Tenho andado numa roda viva em arrumações e sei que tenho desleixado o meu filhote com 4 anos. Ontem prometi que, quando chegássemos a casa, antes de fazer o que quer que fosse, brincaríamos com a plasticina. E assim foi, assim que chegámos a casa, preparámos tudo e fizemos casas com garagens, cobras gigantes, rochas com o "X" que indica o lugar e torres de várias cores... Ainda brincámos com o carro telecomandado (ainda bem que os vizinhos de baixo não estavam em casa!). Foi apenas meia hora, mas ele ficou tão feliz!! Depois ficou sozinho a brincar com os carrinhos e eu fui tratar de tudo que tinha ficado para trás! Tudo se fez na mesma e nada paga a felicidade que vi nos olhos do meu filho porque a mãe esteve a brincar com ele em vez de dizer "Agora não, que a mãe está ocupada!"

De Anónimo a 29.10.2015 às 14:24

E quando se chega a casa depois das 20.00 horas? Brinca-se com os filhos e depois vão para a cama muito tarde, ou trata-se dos assuntos domésticos de forma a que o sono dos filhos esteja garantido? ...
Nem sempre é fácil ...

De Teresa Power a 29.10.2015 às 14:39

Querido leitor
Os blogues têm destas coisas: como são "diários online" só podem falar da realidade de cada um. Neste blogue eu não escrevo artigos de opinião em geral, antes falo sempre, sempre - e este é ponto de honra - a partir da minha experiência. Antes de escrever este post pensei que, na verdade, ele só seria transponível para um número restrito de pessoas que chegam a casa antes do anoitecer... Mas é a minha realidade. E acredite no que lhe vou dizer: tenho a certeza absoluta de que há muita gente que chega a casa pelas oito da noite e consegue mais tempo de qualidade com os filhos do que muitos que chegam às cinco da tarde... Com boa vontade e a ajuda do Senhor, tudo é possível! No limite, temos sempre uma solução: "Senhor, eu faço tudo para educar bem os meus filhos, mas há obstáculos que não posso ultrapassar, porque não está nas minhas mãos fazê-lo. Entrego-te o trabalho que falta fazer..." Deus não Se deixa vencer em generosidade. Um abraço!

De Maria da Conceição Meira da Cruz a 29.10.2015 às 18:31

Parabéns! Parabéns pelo vosso testemunho de vida! Sem dúvida, um exemplo a seguir!! Mas... é tão difícil!!!! Que bela forma de evangelizar!
De fato não é a quantidade e tempo que dedicamos à família, mas sim a qualidade! Que bom sentirmo-nos família!
Parabéns ao Francisco e à Clarinha!
Beijinhos para toda a família

De Joana Tav. a 30.10.2015 às 08:17

Este tema Teresa é um tema da actualidade, podíamos inclusive fazer um debate alargado, um referendo e grandes alterações às leis do trabalho que regem os princípios entre ser cidadão e em simultâneo um responsável pela continuidade de uma geração salutar no toca aos valores da família... Mas estranhamente continuamos serenos à espera que o "tempo" surja de uma forma milagrosa. Acredito que este referendo é acima de tudo um gesto individual que em sintonia poder-se-ia tornar colectivo... Acredito que cada um de nós tem o dever de em consciência, se assume a missão de alargar a família aceitar que a Vida mudou... E esta aceitação julgo que talvez seja o maior desafio individual... Hoje não estamos sós e temos o dever de cumprir o melhor possível com a nossa missão.. Caso contrário o sentido da família pura e simplesmente é apenas um cenário do imaginário... É preciso mudar... É preciso que todos nós acreditemos mais na família e em ser família, aprendamos todos a ter "tempo" pois o "tempo" nada mais é, que um gesto altruísta.
Eu aprendo muito consigo Teresa e estou-lhe muito grata pela sua forma genuína de sem crítica nos passar a sua mensagem... Obrigada!

De Helena Le Blanc a 01.11.2015 às 23:44

Ai Teresa! Ai ai ai...
Como o meu coração dói .. Por ler este post ; por saber que é verdade; por reconhecer a minha impaciência, a minha pressa por fazer tanto em tão pouco tempo, e deixar para trás o essencial!
Um abraço

De Teresa A. a 03.11.2015 às 12:18

Faco minhas as palavras da Teresa e da Helena.
O que mais me envergonha é que a Teresa, com 6 filhos, jardim, gatos e caes, galinhas e sei lá que mais, lá consegue esticar o tempo em vez de se pôr a fazer queixinhas... Que hei-de eu dizer, que só tenho uma filha?
Para mim será mesmo só uma questao de prioridades, deixar para trás o supérfluo e dar atencao ao meu naquinho de gente, que passa o dia no infantário e quer ter 10 minutos de atencao da mae, sem ela estar a fazer o jantar, a estender roupa, a aspirar o chao....
Deixar para trás o "a mae já vai, deixa-me só fazer xyz"...
shame on me

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