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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Eu estava bastante zangada com o David. No entanto, o disparate que o David fizera não fora por mal, e certamente não merecia a minha impaciência, ou pelo menos, não merecia tanto. Depois de ralhar, e de perceber que exagerara, abracei-o.
- Desculpa, David! - Disse, com sinceridade.
- Já te desculpei há muito - Respondeu-me ele, encostando a cabeça ao meu corpo num abraço. - Eu sei que me portei um bocadinho mal, e também sei que tu não querias ralhar tanto.
- Tens razão. Fomos os dois um pouco tontos. Vamos esquecer?
- Já está!
Tranquilizada com o perdão do meu filho, entrei no escritório para arrumar uns livros, e qual não foi o meu espanto ao deparar-me com isto:
A letra, o uso das maiúsculas e o esforço visível empregue neste trabalho não me deixaram dúvidas:
- Lúúúúúúúúcia!
A Lúcia apareceu a correr:
- Que foi, mãe?
- Posso saber quem andou a escrever nos móveis?
- ...
- Não consigo ouvir. Dizes-me por favor quem andou a escrever nos móveis?
- ...
- Lúcia?
- Mas, mãe, tu foste um bocadinho tótó. Ralhaste com o David e ele não tinha feito de propósito!
- E era preciso escrever isso no móvel?
O David chegou nesse momento. Perante a obra de arte da irmã, comentou:
- Oh Lúcia! Isso nunca mais vai sair! Um dia quando tu tiveres filhos, eles vão pensar que a nossa mamã ainda é tótó!
Não consegui disfarçar um sorriso. Mas foi com um ar forçadamente sério que explorei a ideia do David:
- Ai, Lúcia, os meus netos, bisnetos, trisnetos e tetranetos vão todos ficar a saber que eu sou tótó. Que tristeza!
A Lúcia tinha os olhos muito abertos:
- Ah, não pensei nisso! Olha, eu depois digo-lhes que me enganei.
E aos saltinhos, foi brincar.
Eu sei que, quando descobrimos o prazer da escrita, todas as superfícies são boas para escrever. Mas também sei que há coisas que só se devem escrever na areia. Entre elas, os pecados e os defeitos dos outros! Quando nos ensinou a rezar, Jesus ensinou-nos a perdoar o próximo prontamente, como o David fez:
"Perdoai-nos as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos
aos que nos ofendem." (Mt 6, 12)
É que é na areia, também, que Deus escreve os nossos pecados, para poder, com uma só onda da sua misericórdia infinita, apagá-los assim que Lho peçamos...
"Tem piedade de mim, ó Deus, segundo a tua misericórdia,
segundo a tua grande clemência, apaga as minhas trangressões!
Lava-me todo inteiro da minha culpa
e purifica-me do meu pecado!
Pois reconheço as minhas culpas
e tenho sempre presente o meu pecado.
Lava-me, e ficarei mais branco do que a neve!" (Sl 51/50)
O mais belo desafio escolar do primeiro ano é, sem dúvida, aprender a ler. Conseguir destrinçar um emaranhado de traços e pontos, separá-los em letras, reuni-los de novo em sílabas, oferecer-lhes som e, por fim, encontrar-lhes um sentido é verdadeiramente uma conquista, comparável às mais altas conquistas da cavalaria antiga.
Para a Lúcia, aprender a ler não está a ser tarefa fácil. Distinguir entre "t" e "p", entre"l" e "d", recordar os ditongos, juntar as consoantes aos ditongos e ler tudo em conjunto exige muito trabalho! Mas se, por um lado, a dificuldade é grande, por outro, o esforço também o é, e devagarinho a Lúcia vai conseguindo encontrar palavras no meio de tantos sons.
Ontem encontrei a Lúcia imóvel diante de um quadro do Tomás.
- O que estás a fazer, Lúcia? - Perguntei.
- Acho que sei ler o que está ali - Respondeu-me, apontando para uma palavra.
- Então lê lá!
- Conheço o "D" e o ditongo "eu". Lê-se "Deu". E depois tem outra letra que não sei qual é...
- Muito bem! A letra que não conheces é um "s". A palavra é... "Deus"!
A Lúcia abriu muito os olhos e a boca, completamente aturdida com a sua descoberta:
- Eu já sei ler "Deus"! - Exclamou.
- Sim, Lúcia, já sabes ler "Deus"!
E sem mais, começou a saltar e a bater palmas, exclamando cada vez mais entusiasticamente:
- Já sei ler "Deus"! Já sei ler "Deus"!
Aproveitando tanto entusiasmo, chamei-a à sala e rabisquei umas palavras no caderno de trabalho. Depois sentei-me com ela e, juntas, começámos a ler:
- Deus-é-meu-Pai!
A Lúcia balbuciou as palavras muito devagar e muitas vezes até finalmente perceber que faziam sentido:
- Deus é meu Pai! Mamã, Deus é meu Pai! Já sei ler isso!
Escrevi nova frase:
- Eu-amo-a-Deus.
De novo, uma grande luta à volta dos traços e dos sons, e por fim, a alegria exuberante da descoberta.
- Agora, Lúcia, vou escrever uma frase da Bíblia.
A Lúcia olhou para mim muito espantada:
- Da Bíblia? Eu já sei ler uma frase da Bíblia?
- Já. Vais ver...
E pegando no carderno escrevi:
"O teu Deus é o meu Deus."
Quando conseguiu ler a frase, a Lúcia estacou.
- Disseste que é da Bíblia. Posso ver?
- Traz-me a Bíblia então!
Apressou-se a ir buscar a Bíblia ao Canto de Oração. Abri no Livro de Rute 1, 16. E apontando para as palavras em letra miudinha, ajudei-a a ler:
"O teu Deus (será) o meu Deus." (Rt 1, 16)
Ao serão, durante a oração familiar, a Lúcia agradeceu:
- Obrigada, Jesus, porque já sei ler o que é mais importante. Já sei ler da Bíblia, e já sei ler "Deus"!
Obrigada, Jesus, porque a Lúcia sabe o que é mais importante... Que também eu, ao educar os meus filhos e ao lutar pelo seu sucesso escolar, nunca perca de vista o que é mais importante! Ámen.