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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Termino hoje a "saga" da Clarinha, tal como espero e desejo que tenha terminado cá em casa, e termino esta pequena "série" de posts sobre os tempos livres dos Power. Quem chegar ao blogue aqui pela primeira vez, talvez seja conveniente ler esta sequência de seis posts antes deste!
Depois de jantar, na sala, fazemos alguns jogos ou lemos histórias todos juntos. São apenas dez minutos do nosso serão, o suficiente para nos divertirmos em família, antes da nossa oração familiar. Numa destas noites, durante um animado jogo em que o monstro maior da casa procurava agarrar os seus pequenos prisioneiros, que fugiam aos gritos e às gargalhadas, a Clarinha fez uma roda e um pino tão entusiásticos, que atirou para o chão a fotografia do Tomás e a imagem de S. Tiago vinda diretamente de Compostela.
- Clarinha, por favor, sabes bem que a nossa sala é pequena para os teus pinos! - Ralhei. Ela desatou a chorar:
- Mãe, eu não aguento ficar sem fazer ginástica! Eu não sou capaz de passar os dias sem me esticar muito bem esticadinha!
Suspirei fundo e abracei-a.
- Clarinha, podes sempre voltar às aulas de ginástica sem estares em competição...
- Sabes bem que não, mãe. Outras poderão, não eu. As professoras iriam pressionar, porque não me querem perder. Eu ajudo a dar nome ao clube... Não. Não posso arriscar. Além disso, as aulas são iguais para todos, estejam ou não em competição, e deixa-me que te diga... são uma seca! Temos de treinar em silêncio completo, se nos distraímos ou rimos, gritam logo connosco. Não quero isso para mim! Só quero descontrair e divertir-me ao fim de um dia de escola...
- Mas se precisas assim tanto de fazer ginástica, temos de encontrar uma alternativa à ginástica rítmica.
Ela acalmou um pouco, perante os olhares espantados dos irmãos mais novos, que com o aparato, se tinham esquecido de fugir do "monstro". Ouvi o David a murmurar baixinho, abanando a cabeça com sabedoria: "Não entendo nada... Chora por fazer, e chora por não fazer..."
De repente, lembrei-me de uma conversa que tivera há alguns dias com uma amiga.
- Clarinha, disseram-me que no velódromo, ao mesmo tempo que há aulas de ginástica rítmica, também há de artística. É verdade?
- Sim, é. Mas iria ser a mesma coisa, mãe. Quando os treinadores vêem do que eu sou capaz, começam a pressionar.
- Contudo, disseram-me que tu já és demasiado crescida para começar competição agora, em artística. Disseram-me que o professor se concentra nos pequeninos, que vão trabalhar para competir, e vai ensinando os mais crescidos de forma descontraída, sem lhes dedicar demasiada atenção. No fundo, o que tu queres...
No dia seguinte, levei a Clarinha à sua primeira aula de artística. O professor disse-me que, a começar nesta altura do ano, só seria possível se a Clarinha soubesse fazer uma roda, um pino, uma cambalhota... Descansei-o. Depois expliquei-lhe que a Clarinha não tem espírito de competição, e que seria melhor não a abordar sequer sobre tal. Foi a sua vez de me descansar.
Quando a aula terminou, a Clarinha vinha radiante, e o seu sorriso iluminava.
- Então, Clarinha, gostaste?
- Adorei! Podemos conversar e rir enquanto treinamos. Já fiz amigas! Adoro ir ter com as meninas e apresentar-me: "Olá, sou a Clara." É tão bom conviver! O professor nem acreditava, quando eu lhe disse que aprendi a roda sem mãos sozinha, pela internet. Ia ensinar-me o flick, mas descobriu que eu já sei fazer dez seguidos. Na próxima aula ensina-me a fazer um mortal! Fiz uma aranha na trave e não tive medo. Não te preocupes: temos uma piscina de esponjas espetacular por baixo, se por acaso cairmos! - Atirou-se para o sofá, esgotada e feliz. E acrescentou: - Eu adoro ginástica, eu preciso de ginástica, mas a ginástica não é a minha vida. Nestas novas aulas tenho espaço para conversar, rir, descontrair enquanto treino, que é o que eu preciso ao fim de um dia de escola e estudo... Tive um sonho, concretizei-o, já é passado.
Tenho tido oportunidade de escutar a Clarinha a responder a quem lhe pergunta pelas suas razões de desistência. "Foi a professora?" "Ela não exigia o suficiente de ti, que podias dar mais?" "Ela exigia demasiado de ti?" "Ela era fria?" A resposta da Clarinha tem-me surpreendido: "Não, não saí por causa da professora. Saí por minha causa. A professora fez o que tinha de fazer. Eu é que não estava bem." E uma das maiores alegrias da Clarinha nos últimos dias foi um abraço e um sorriso da sua antiga treinadora (a que a acompanhava mais de perto), que no velódromo lhe estendeu os braços: "Clarinha, parabéns, tens imenso jeito para a artística! O importante é estares feliz."
Às vezes, na cama, a Clarinha chora um bocadinho com saudades das bolas, das fitas, dos arcos, das cordas. Também eu recordo, com alguma emoção, a alegria imensa da Clarinha durante o verão, quando, com o pai, fez a sua encomenda, pela Internet, da bola e da fita mais lindas do mundo, o cuidado que pôs na escolha, a festa que fez ao receber a encomenda... Depois, recordo-me da história de Lot e da sua mulher, habitantes de Sodoma, a cidade pecadora que o Senhor queria destruir. Conhecem o episódio? O anjo do Senhor foi enviado a Lot e disse-lhe:
"Foge, se quiseres conservar a tua vida. Não olhes para trás nem te detenhas em parte alguma do vale. Foge para o monte, de contrário morrerás." (Gn 19, 17)
Há passagens da Bíblia que só conseguimos entender quando vivemos a sua força. Esta é uma delas. De facto, às vezes é preciso partir sem olhar para trás, para não corrermos o risco de sermos transformados, como a mulher de Lot, numa estátua de sal. Ao longo da nossa vida, Deus irá desafiar-nos a abandonarmos tudo aquilo que nos prende ao mundo, incluindo - sim, incluindo - os nossos próprios sonhos. Porque, se não nos detivermos em parte alguma do vale, em breve alcançaremos o único monte que existirá para sempre, o Coração de Deus...
- Mãe, eu não quero mais fazer ginástica - A confissão da Clarinha apanhou-me totalmente desprevenida. Estávamos a falar de que, brevemente, teríamos de investir algum dinheiro num fato de ginástica, pois ela não podia continuar eternamente a competir com fatos emprestados. E estávamos a pensar num como prenda de Natal.
- Mas, Clarinha, o que aconteceu? Não é o que tu mais gostas de fazer?
A Clarinha desatou a soluçar. Eu sabia que ela tinha tido alguma dificuldade em se adaptar à nova treinadora principal (que orientava os treinos principais), mais fria e severa que a professora dos treinos normais, mas estava longe de imaginar tal coisa. Havia, claro, alguns sinais de mal-estar, como uma irritação excessiva nos dias anteriores às provas. E havia alguns comentários desta treinadora que me deixavam um nó no estômago, como por exemplo este: "As meninas que querem ginástica a sério têm de esquecer os tempos perdidos com missas, catequeses, coros e outras atividades", comentário que mereceu da Clarinha um encolher de ombros e uma gargalhada.
Quando, por fim, conseguiu falar, desabafou:
- Mãe, eu adoro ginástica, quer dizer, eu adorava ginástica, mas... Eu detesto competições! Eu não quero ir a mais nenhuma competição.
- E pode-se saber porquê?
- Passo o dia sozinha. Em grande solidão.
- Sozinha? Mas tu passas o dia inteiro rodeada de meninas, a treinar!
- Sim, e esse é que é o problema: estamos todas sozinhas, mãe! Cada qual está a treinar o seu esquema, e ninguém fala com ninguém... Eu bem tento sorrir, eu bem tento falar, perguntar o nome, saber o que mais gostam de fazer, saber a que escola vão ou qual a música que gostam de ouvir. Mas ninguém me devolve o sorriso... Ninguém fala comigo! É horrível!
E a Clarinha soluçou ainda mais. Abracei-a. Começava a entender.
- Clarinha, queres dizer que nas competições as meninas só estão a pensar em ganhar?
- Sim, mãe. Quando cheguei à última competição, a professora apresentou-me a uma menina da sua outra escola. Sabes como me apresentou? Não foi: "Olha, esta é a Clarinha". Foi: "Olha, chegou a tua competição".
- Que queria ela dizer com isso?
- Que eu e ela estávamos a lutar pelo mesmo lugar, claro.
- Mas eu pensei que as competições eram para cada uma se superar a si mesma, não para cada uma superar a outra.
- Também eu... E sabes o que me disse mais, quando acabei a minha prova?
- Sei, tu disseste-me na altura. Ela disse: "Tenho orgulho em ti!"
- Não, mãe, não memorizaste as suas palavras exatas, mas eu memorizei. Ela disse: "Tenho orgulho em te mostrar." É bem diferente!
Não era só o ambiente das competições que magoava a Clarinha. Era também o tempo dispendido com os treinos, e que a professora aumentava progressivamente. Mais horas de treino significavam, para a Clarinha, menos horas a fazer outras coisas também interessantes, como culinária, costura, guitarra, bandolim, brincadeiras com os irmãos, jantares em família. E a Clarinha não tinha a certeza de que o sacrifício valesse mesmo a pena.
A conversa prolongou-se por vários dias e vários treinos. Pedi à Clarinha que não desistisse sem ter a certeza de que o queria fazer. Assegurei-a do que ela já sabia: de que eu não tinha para ela qualquer sonho relacionado com a ginástica, que nunca me passara pela cabeça fazer ginástica ou ter uma filha ginasta, e portanto, ela não me desiludiria desistindo, antes simplificaria a vida de todos lá em casa. E dei-lhe espaço para chorar, pensar, decidir. Assim, durante as férias do Natal, a Clarinha ainda fez um estágio de um dia inteiro e uma competição. A última.
Finalmente, conversámos com a professora que a acompanhava nos treinos semanais, que foi extremamente compreensiva e ficou tão surpreendida quanto eu. Com muita elegância, procurou encorajar a Clarinha a continuar. Em vão.
- Clarinha, recebi um mail da tua professora, a dar-te os parabéns - Disse-lhe, quando uma tarde a fui buscar ao colégio.
- Parabéns porquê?
- Porque já sairam os resultados da tua última prova... Ficaste em quarto lugar, com uma pontuação de... 9000 pontos! O primeiro lugar teve uma pontuação de 10 250 pontos. Não ficaste longe!
Silêncio. Depois, a Clarinha começou a chorar baixinho. Deixei-a chorar, sabendo que no seu interior as cambalhotas eram muitas.
- Clarinha, não estavas à espera de tanto, pois não?
- Não.
- Sabes que podias chegar a um primeiro lugar um dia, não sabes? Na segunda divisão, claro...
- Sei. A professora disse-me.
- E queres mesmo desistir?
- Não estou na ginástica por causa do pódio.
A decisão estava tomada.
- Clarinha, podemos dizer que foi um final feliz, então! Terminaste em beleza!
Um sorriso. Definitivo.
A história da Clarinha não é, claro, a história de todos os meninos que fazem desporto de competição. Não quero, com estes posts, generalizar, nem sobre atletas, nem sobre treinadores, nem sobre clubes. No entanto, nestes dois anos descobri muita coisa que antes desconhecia por completo. Descobri, por exemplo, que são muitas as crianças que detestam as competições e os treinos exagerados que as precedem; que são muitos os treinadores interessados nos atletas como fonte de promoção pessoal ou do clube, e não enquanto pessoas; que é muito difícil resistir às lisonjeiras palavras dos treinadores, convencendo-nos de que a competição é o melhor para os nossos filhos; que são muitos os pais "treinadores de bancada", decididos a fazer dos seus filhos campeões olímpicos - porque se eu me queixo de que a professora exigia demais da Clarinha, outros pais, e relativamente à mesma professora, queixam-se precisamente do contrário... Nestes dois anos, descobri que, como diz o Livro do Eclesiastes,
"vaidade das vaidades, tudo é vaidade" (Ecl 1, 2)
Penso nos pais que impõem aos filhos atividades desportivas, musicais ou outras, sem se darem conta do cansaço que eles têm receio de exteriorizar, por medo de serem uma desilusão; penso nos pais que projetam nos filhos a realização dos sonhos que não conseguiram realizar, ou pelo contrário, a continuação da educação que receberam em pequenos; penso nos pais que não permitem aos filhos desistir - e me aconselharam a não permitir à Clarinha desistir - porque a adrenalina é uma vitamina que faz crescer.
Penso em Maria de Nazaré, que não percebia as escolhas do seu Filho, mas as aceitava como fazendo parte do grandioso mistério da sua vida e tudo guardava no Coração.
Possamos nós também escutar o que os nossos filhos nos dizem com as suas atitudes, os seus silêncios, as suas lágrimas, os seus risos... Só quando se sentirem escutados, sem julgamentos; só quando sentirem que não nos vão desiludir com as suas escolhas, eles irão abrir-nos o seu mundo interior para que entremos, pé ante pé, descalçando as sandálias porque o terreno é sagrado.
E entretanto, que aconteceu à Clarinha? Não, não ficou sentada no sofá... Olha quem! O final da história amanhã, se Deus quiser :)
A Clarinha tem catorze anos e frequenta o nono ano. Desde pequenina que a Clarinha manifestava um talento especial para ginástica. Com cinco anos, e sem qualquer treino específico, a Clarinha fazia rodas, pinos, espargatas e muito mais. Depois, quando no segundo ciclo teve acesso ao desporto escolar, a Clarinha começou a ocupar as tardes livres de quarta-feira (e só as tardes livres de quarta-feira), no colégio, com ginástica artística. Desafiando-se e superando-se a si mesma continuamente, a Clarinha aprendeu a fazer coisas que, a mim, nem em sonhos me ocorriam. Fazer ginástica assim, sem qualquer outro objetivo senão o superar-se a si mesma e o divertir-se, aproveitando ao máximo as possibilidades que o seu corpo treinado lhe permitia, era para a Clarinha uma fonte de alegria e de força interiores.
Para terem uma ideia das coisas que ela aprendeu a fazer, (re)vejam estes doze segundos de flicks, durante um piquenique na Irlanda, há dois anos atrás:
Entretanto, o professor de ginástica da Clarinha saiu do colégio. A Clarinha ficou desolada, pois mais nenhum professor, no colégio, tinha conhecimentos para a fazer evoluir.
Por outro lado, com o seu tablet a Clarinha tinha descoberto um outro tipo de ginástica que a encantava e a fazia sonhar: a rítmica. Na rítmica não se fazem mortais, nem flicks, nem barras, nem traves, mas dança-se com bolas, fitas, arcos, cordas, e fazem-se espargatas bem mais abertas que na artística.
Foi mais ou menos por esta altura que eu esbarrei com aquele cartaz, à entrada da minha escola: a dez minutos da nossa casa, iam pela primeira vez abrir aulas de ginástica rítmica. A Clarinha podia concretizar o seu sonho. Peguei num papel e num lápis e rabisquei um número de telefone, e ali mesmo, antes de entrar para a minha aula, fiz o telefonema que lançou a Clarinha na ginástica rítmica.
Quando cheguei a casa, não consegui conter a minha alegria:
- Clarinha, acabo de te inscrever... Clarinha, vão abrir aulas de ginástica no velódromo! Vais poder concretizar o teu sonho!
A Clarinha saltou de alegria. Depois parou:
- Mas, mãe, como vais fazer para me levar e buscar? Tu sempre disseste que as nossas atividades devem ser na escola ou perto de casa, para estarmos independentes... Tens os manos para tomar conta... Vais conseguir?
A Clarinha conhecia as nossas prioridades. Sabia que a sua ginástica iria perturbar o nosso ritmo de vida e nos iria obrigar a algumas acrobacias de logística e tempo. Mas nesse dia, a Clarinha também ficou a saber que, para nós, cada filho é único, cada filho tem as suas características e necessidades próprias, e em nome da sua felicidade pessoal, podemos fazer cedências, abrir exceções, dar algumas cambalhotas e, talvez, fazer alguns mortais.
Durante os dois anos seguintes, a Clarinha teve treinos duas ou três vezes por semana, ao fim do dia, e obrigou-nos a vários ajustes no nosso tempo de família, sobretudo por causa da oração familiar. Como costume, contámos com a colaboração dos amigos, partilhando boleias para os treinos. E tudo se fez.
A dada altura, a treinadora pediu a nossa autorização para a Clarinha entrar em competição, juntamente com várias outras meninas. Depois de me certificar que não iria ter mais do que três treinos de hora e meia por semana, nem ocupar mais do que cinco sábados por ano, aceitei.
Mal sabia eu que, assinando a entrada da Clarinha para o mundo da competição - em que, descobri mais tarde, o objetivo número um deixa de ser a alegria do desporto, para ser o pódio - eu estava a assinar o fim do seu amor pela ginástica. Mas isso fica para amanhã... Por hoje, deixo-vos com o vídeo da sua penúltima competição, em Dezembro:
Continuamos a sequência de posts sobre a ocupação dos tempos livres dos Power, e de novo repito que esta é a nossa opção, sem qualquer juizo de valor sobre outras opções de outras famílias felizes!
Os nossos filhos têm muitos e bons amigos, mas já toda a gente sabe: não adianta convidar os Power para dormir lá em casa, porque eles dormem sempre na sua própria casa, a não ser que o convite venha de outro lugar no país, e aí tem de haver uma boa razão... Para nós, o tempo de família por excelência é o fim do dia e o serão, pelo que não sacrificamos estas horas sem uma razão muito forte. Não somos fãs de "festas do pijama"!
Jogos de computador, não temos, nem eles jogam online. Mas vão à net, claro. É com o tablet na mão que a Clarinha faz as suas receitas de bolos e bolachas, ou costura com a sua máquina. Se precisa de alguma ajuda, pedimos a quem domina a arte, com a tia Inês ou a Isabel, madrinha da Lúcia. E tudo se resolve!
Foi também pela Internet que o Francisco aprendeu ilusionismo, vendo e revendo mágicos como Luís de Matos, David Copperfield e outros cujos nomes nem sequer consigo pronunciar. E pela Internet que descobriu como resolver o cubo mágico e como participar em competições. A Internet também lhe oferece ideias e conhecimentos científicos para os seus projetos, que ocupam fins-de-semana inteiros:
Depois, claro, é preciso aspirar e limpar o quarto - e isso também é ocupação dos tempos livres...
Os mais novos, encorajados pelos irmãos, vão dando os primeiros passos nas suas descobertas. Com a ajuda de livros, vídeos e dos irmãos, aprendem a fazer origamis, a construir objetos interessantes, a desenvolver projetos, a costurar.
Para todos eles, o tempo livre é sobretudo isso: livre. E porque é livre, é feliz.
- Mãe, amanhã preciso que me acordes às seis e meia da manhã, se fazes favor - Pediu-me o Francisco nas últimas férias do Natal. Ele não tem despertador porque dorme num quarto de três.
- Ai sim? E porquê?
- Combinei com o João irmos dar uma grande volta de bicicleta. Vou ter com ele a Aveiro de comboio, e o comboio é às sete da manhã. Seguimos de bicicleta para as praias, e regressamos pela hora de almoço. Não te preocupes, já verifiquei o boletim meteorológico, e o tempo vai estar bom.
- Ah... Então está tudo combinado?
- Tudo. Só preciso que me acordes a essa hora.
O resultado desta fantástica liberdade está neste vídeo, que o Francisco publicou a semana passada no seu canal:
Ser capaz de escolher uma madrugada às seis da manhã para um passeio de bicicleta em vez de uma noitada até às seis da manhã numa qualquer discoteca só faz sentido quando se cresce no ambiente correspondente, observando as escolhas felizes dos pais, passando a infância longe de centros comerciais e de noitadas. Não se chega a este nível de liberdade responsável e feliz por acaso... Digo eu, claro!
A Clarinha também adora passear de bicicleta com as amigas que têm autorização para o fazer, e os três mais novos (com exceção da Sara) já dão os seus passeios sozinhos, de bicicleta ou com os cães, ao redor da nossa casa, dentro do nosso campo de visão:
Brincar em Náturia é a maior fonte de aventuras cá em casa. Mas não se preocupem: há sempre alguém a vigiar, e se não puder ser a mãe, os irmãos mais velhos arranjam forma de o fazer sem perderem o direito ao seu próprio tempo livre. Vejam como a Clarinha contornou a situação!
Que mais se pode aprender em família, sem recurso a aulas exteriores? A nadar. Nos lagos, nos rios, no mar, vamo-nos desafiando uns aos outros. Um curso intensivo de verão ou, em alternativa, uma aula por semana durante alguns meses, também podem ajudar, mas não substituem a aprendizagem livre em família.
A patinar. Nem o Niall, nem eu sabíamos patinar quando, num Natal há muitos anos, oferecemos ao Francisco e à Clarinha o seu primeiro par de patins. Eles aprenderam sozinhos, e os irmãos aprenderam com eles. Desde então, a diversão é imensa, como podem (re)ver neste vídeo feito no inverno passado:
Também não é preciso frequentar atividades extracurriculares para se aprender, por exemplo, a subir e descer do telhado, ou pelo menos do cimo da garagem. Ora vejam só esta arte, filmada há dois anos (e não se assustem, que desde então o David já repetiu a proeza centenas de vezes):
Qual é então o nosso papel enquanto pais? Penso que é sobretudo o de facilitar e encorajar a aprendizagem, estando atentos aos interesses e às necessidades de cada um. Que grande alívio! Não é preciso dominar todos os saberes do mundo para se ser pai e mãe. Eu não sei costurar; origamis, só sei fazer um barquinho; magia, faço alguma, como curar um "doi-doi" com um beijinho, mas nada de mais; a minha ginástica é toda feita enquanto aspiro a casa ou movo vigorosamente os braços a lavar vidros cheios de dedadas e lambidelas... O Niall e eu ensinamos os nossos filhos a tocar guitarra, quando eles manifestam vontade de o fazer, mas a Clarinha aprendeu a tocar bandolim pela Internet. O Francisco gosta de fazer parkour, aprendendo com vídeos do Youtube.
E se eles quiserem aprender alguma coisa fora de casa? O Francisco, quase por acaso, descobriu a equitação. Como a atividade acontecia na sua tarde livre e era suficientemente perto para ele ir e vir de bicicleta, encorajámo-lo a tentar. E o Francisco adorou. Andar a cavalo às quartas-feiras à tarde tornou-se para ele uma forma de descontrair e desanuviar da escola, sonhar, desafiar-se a si próprio.
À hora de almoço e nas tardes de quarta-feira, o colégio oferece atividades como ginástica, xadrez, desportos com bola. Todos os nossos filhos aproveitam a oportunidade, que não rouba tempo familiar e torna alguns recreios da semana mais interessantes. Para a Clarinha, a ginástica artística praticada em desporto escolar, nas tardes de quarta-feira, foi durante anos o momento alto da sua semana.
Assim, as nossas atividades extracurriculares são simplesmente formas divertidas de crescer e de explorar o mundo e o universo, pondo a render os talentos que o Senhor inscreveu em cada um, segundo a Palavra:
"A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade." (Mt 25, 15)
Um dia, há dois anos atrás, ao entrar na minha escola, esbarrei com um cartaz na porta envidraçada: uma menina pequenina e sorridente fazia uma espargata com uma bola vermelha na mão, vestida com um fatinho de brilhantes... O meu coração deu um pulo no peito. Mas sobre isso, conto-vos amanhã!
Outro dia, ao ler alguns comentários no post sobre a nossa festa das Bodas de Caná, apanhei um valente susto: será possível que haja por aí leitores convencidos de que a Clarinha aprendeu comigo a costurar e a cozinhar? Bem, fico muito lisonjeada que tenham pensamentos tão positivos sobre os meus talentos, mas... a sério que acreditam nisso??? Não, a Clarinha não aprendeu comigo. E também não treina ginástica duas horas por dia, ou sequer todos os dias, como alguém me perguntava no retiro de Natal. Socorro! Andam por aí muitas ideias erradas sobre a ocupação dos tempos livres dos Power, e porque eu gosto da verdade acima de tudo, decidi escrever uma semana de posts sobre o tema. Preparem-se!
Nunca o fiz até agora, porque não é objetivo deste blogue a discussão das diferentes perspetivas de educação, e porque em matéria de educação não me considero mais "expert" que qualquer de vós. Como dizia John Wilmot - e eu posso assinar por baixo - "antes de casar, tinha seis teorias sobre educação e nenhum filho; hoje tenho seis filhos e nenhuma teoria."
De qualquer forma, achamos importante explicar os nossos princípios, sabendo à partida que muitos discordarão deles. Mas porque são um dos pilares da educação dos Power, vou tentar apresentá-los por tópicos, algo que me obrigou a alguma reflexão, pois nunca antes pensei neles de forma tão sistematizada.
Aqui ficam:
- Nenhuma atividade extracurricular dos nossos filhos os deve fazer passar fora de casa mais tempo do que o que passam connosco, em família. De outra forma, correm o risco de serem educados mais pelos professores e treinadores do que por nós.
- Nenhuma atividade extracurricular os pode ocupar, por norma, ao fim-de-semana e muito menos impedir-nos de irmos à missa todos juntos, em família. Sem o nosso "tempo de família", não seríamos a família unida e feliz que hoje somos.
- Nenhuma atividade extracurricular lhes pode roubar o seu direito inalienável a brincar e a... não fazer nada. O ligeiro aborrecimento de uma criança desocupada, quando acompanhado por algumas palavras de encorajamento dos pais, é o furo na rocha que permite fazer jorrar a fonte da criatividade.
- Nenhuma atividade extracurricular é imposta pelos pais, e ninguém desilude os pais por desistir do que quer que seja.
- Nenhuma atividade extracurricular começa antes dos oito, nove anos, ou seja, antes da criança demonstrar uma vontade específica de experimentar alguma coisa, e antes da criança ter tempo para brincar, brincar, brincar e... brincar.
- Aliás: nenhuma atividade extracurricular é mais importante do que brincar.
Não, não há competição de basquetebol mais importante que... isto:
E não há competição de ginástica mais importante que... esta, filmada na nossa sala há dois anos atrás:
Não partilhamos a crença de que as crianças trabalham melhor sob stress, ou de que há linguagens, como a música, que é mesmo preciso aprender em profundidade, ou que a única alternativa à televisão é não ter tempo para ela, ou de que os banhos de adrenalina das competições melhoram a personalidade.
Também não achamos que o papel do pai ou da mãe seja fazer de motorista dos filhos, correndo de atividade em atividade para que eles aprendam tudo a que têm direito - há tanta coisa que podem aprender em casa, e que devem aprender em casa!
Por outro lado, e no outro extremo, rejeitamos o papel de professores ou de treinadores dos nossos filhos (tentação que um professor por profissão tem de continuamente combater) por uma razão, para nós, bastante evidente: os nossos filhos têm a oportunidade, na vida, de ter os mais variados professores e treinadores, aprendendo com cada um e crescendo com cada um - quer por empatia, quer por rejeição; mas pais, os nossos filhos só têm dois. Quando os pais se assumem também como professores ou treinadores (não falo de vida ou de fé, mas dos saberes do mundo, claro), correm o risco de serem rejeitados como pais, se por acaso vierem a ser rejeitados como professores ou treinadores. Em que ombro irá então a criança chorar para se queixar do excesso de trabalhos de casa ou da dureza do treino?...
Espero não desiludir demasiado alguns leitores ao afirmar, humildemente, que não tenho outras provas em defesa de todos estes princípios senão o reino de Náturia e seis filhos felizes. Acredito que haja muitos outros filhos felizes com outros princípios, claro. Estes são os princípios dos Power, não os princípios das famílias felizes, ou das famílias católicas, ou das Famílias de Caná. Os próximos posts vão ser uma partilha singela do que, filho a filho, ano a ano, prece a prece, fomos descobrindo. A nosso favor, temos apenas uma vontade muito grande de nos aperfeiçoarmos continuamente como família. Em nossa casa, não conhecemos a frase: "Sempre se fez assim, e pronto." Preferimos a Palavra da Sabedoria:
"A sabedoria facilmente se deixa ver por aqueles que a amam, e encontrar por aqueles que a buscam. Antecipa-se a manifestar-se aos que a desejam. Quem por ela madruga, não se cansará; há de encontrá-la sentada à sua porta. Pois ela própria vai à procura dos que são dignos dela e vai ao encontro deles, em cada um dos seus pensamentos. O princípio da sabedoria é o desejo sincero de ser instruído por ela, e desejar instruir-se é já amá-la." (Sb 6, 12-16)
Até amanhã!
Escrito pelo Francisco, especialmente para os leitores mais jovens:
Muita gente não sabe como se entreter nas férias. Tenho muitos amigos que passam as férias no computador, no facebook e/ou (costuma ser o “e”) a jogar videojogos porque não sabem o que fazer para se entreterem. Deus deu-nos muitos dons, muitos que ainda temos por descobrir e muitos que simplesmente temos preguiça de colocar em prática. Sentados ao computador ou em frente à televisão é que não dá lá muito jeito para os pôr a render!
Cá em casa temos sempre muito com que nos entreter, portanto hoje vou partilhar convosco algumas ideias de atividades fantásticas para fazer nas férias. Os meus pais dizem que todos os anos eu tenho uma “mania” durante as férias, portanto vou começar por partilhar essas manias que já tive.
Rubik’s Cube. Peguei um dia num Cubo Mágico e decidi aprender a resolvê-lo. Pensava que era impossível, mas eu adoro desafios impossíveis (é por isso que sou ilusionista!). Peguei nele e não voltei a largar. Afinal é mais fácil do que parece! Depois de aprender o método básico para a sua resolução, aprendi o método avançado, bem mais rápido… e difícil! Assim tenho um jogo tridimensional (aha! Vês “PC gamer”?), que estimula a massa cinzenta, divertido e que impressiona todos! Ensinei a bastantes amigos meus e já passámos muitos intervalos na escola a tentar resolver no menor tempo possível. Depois do Rubik’s cube (cubo 3x3x3) aprendi a resolver o 2x2x2, o 4x4x4, o 5x5x5 e o pyraminx (uma espécie de pirâmide mágica). Eu sei que para alguns pode parecer uma seca, mas também era isso que os meus amigos pensavam… e já mudaram de opinião! Atrevam-se e aprendam no site oficial do Rubik's Cube. Aqui vos deixo um vídeo meu, a resolver o cubo em cerca de vinte segundos:
Origamis. Outra mania. São simples, tudo o que é necessário para os fazer é uma folha de papel. Com uma simples folha de papel é possível fazer muito mais do que um avião ou um barquinho. No ano em que me deu a mania dos Origamis aprendi a fazer pássaros, aviões, barcos, cavalos tudo com muito pormenor, aprendi a fazer origamis divertidos como um olho que abre e fecha, um sapo que salta ou um cavalo que dá piruetas. Muita gente não tem a ideia da dimensão desta arte. Deixo aqui um site e um canal do youtube que ensinam origamis muito bem: Origami Club e Tadashi Mori.
Se acham que já chega de papel em tempo de aulas mas ainda gostam de trabalhos manuais, que tal colocar a imaginação a funcionar e inventar pequenos objetos interessantes, úteis e esteticamente fixes? No youtube encontram-se imensos vídeos com ideias para este tipo de coisas. Vejam estes porta-chaves e estas pens de Lego que eu construí, e que podem fixar em construções de lego que inventem. Uma ideia genial que vi no youtube!
Para mim, o mais divertido no que toca a trabalhos manuais é construir coisas que funcionam, que têm utilidade, como estes “Lego-hacks”, ou um guindaste hidráulico feito com madeira, seringas, tubos… Estas fotos e este vídeo foram feitos no ano passado, quando eu tinha o dedo partido:
Este guindaste hidráulico tem muita ciência envolvida e como esta há muitas outras experiências com resultados divertidos e em que se aprende muito. Eu construo muitas destas coisas e é assim que aprendo muitas coisas que não se aprendem na escola. Foi também com estas construções que aprendi imenso de mecânica, eletrónica, o que é muito útil para arranjar objetos estragados cá em casa, como tive de fazer com a nossa televisão. Um site muito bom com muitas experiências, trabalhos manuais, origamis e outras coisas é o Manual do Mundo. Além de ensinar a fazer tudo muito bem, também explica todo o lado científico de forma muito simples e clara e não tão chata como nas aulas . Outros sites são, por exemplo, Grand Thomson ou Mama Recicla (um blog cheio de ideias giras para fazer com os mais novos, feito pela minha tia que vive em Barcelona).
Trabalhos manuais não é convosco? E que tal música? Podem sempre aprender a tocar um instrumento novo ou evoluir com algum instrumento que já sabem tocar, como eu tenho feito na guitarra, aprendendo a tocar musicas mais complexas e difíceis. Aqui estão alguns canais com bons tutoriais de guitarra: Cifra Club e Gareth Evans.
É muito tempo parados para vosso gosto? E que tal descobrir um desporto novo? Pode ser algo tão radical como Parkour ou algo divertido mas bem mais seguro como o lançamento do Boomerang. Eu sempre gostei de tentar coisas que não costumo ver pessoas a fazer e no ano passado decidi aprender a lançar o Boomerang. Não é nada fácil! Mas é um grande e divertido desafio experimentar truques como apanhar o Boomerang por entre as pernas, por trás das costas, lançar dois ao mesmo tempo… Se não têm espaço para isso ou não querem gastar dinheiro com um, sempre podem ir ao Manual do Mundo onde ele ensina a fazer um pequeno Boomerang bom para espaços mais pequenos.
O Boomerang é apenas um exemplo, mas há muitos desportos divertidos por aí que muita gente não conhece. E não precisa de ser apenas desportos mesmo desportos. Pode ser habilidades/acrobacias como, por exemplo, malabarismo. Para os interessados, vejam o canal Lucas Gardezani Abduch. Ele também ensina a fazer bolas de malabarismo. Eu tentei e funcionou:
Aproveitem as férias! Divirtam-se!
Hora de jantar. Aproveito o meio segundo de silêncio que de repente percorre a mesa para contar:
- Sabem o que li hoje no blogue da Bruxa Mimi? Imaginem que, para fazerem o seu Canto de Oração, tiveram de arrastar um piano!
- E isso custa assim tanto?
- Sabes quanto pesa o piano? Trezentos quilos! Sim, trezentos quilos!
- A trabalheira que deve ter sido!
- Parece que ainda lascaram a parede e tudo...
- Bem, tanta coisa por causa do Canto de Oração... Achas que Deus ficou contente, mãe?
- Acho que ficou contentíssimo! Imagino-O a piscar o olho, feliz, a Nossa Senhora... Ver uma família arrastando trezentos quilos para O poder louvar! Quem não ficaria contente?
(Imagem do post do blogue Alheia a tudo... ou talvez não!")
Depois de nos rirmos com simpatia desta bela aventura da família da "Bruxa Mimi" (os meus filhos não me perdoam eu não lhes ter mostrado quem é a verdadeira "Bruxa Mimi" no Retiro de Almada), fiquei a pensar...
Quantos trezentos quilos muitos de nós não temos de arrastar, para encontrarmos tempo de oração pessoal e familiar?
Alguns têm de arrastar trezentos quilos de actividades extra-curriculares... Todas as actividades extra-curriculares são boas, claro, mas os que querem seguir Jesus não deixam apenas as coisas más para trás. Deixam também as boas, por outras melhores... Lembram-se do que diz o Evangelho? Diz assim:
"Atracando em terra os barcos, eles deixaram tudo e seguiram Jesus." (Lc 5, 11)
Deixem-me recordar-vos a história do chamamento de Pedro, o pescador, que termina exactamente com o versículo citado: às ordens de Jesus, Pedro acabara de pescar o maior número de peixes da sua vida! As redes quase se rompiam de tanto peixe... Completamente atordoado com o milagre, Pedro atracou então o barco e, como diz o Evangelho, deixou tudo e seguiu Jesus. Tudo? Sim, Pedro deixou sobre a areia todo o peixe que pescara - e o peixe é uma coisa muito boa! Terão sido... trezentos quilos de peixe?...
Uma das dificuldades que as famílias apontam para encontrarem tempo de oração e de evangelização familiar é precisamente a correria do seu dia. Porque as actividades extra-curriculares não enchem apenas as vidas dos filhos: enchem também as dos pais, transformados em motoristas, gerando na família níveis de stress e cansaço incompatíveis com a oração. Assim, para termos tempo de rezar, precisamos de arrastar para o lado algumas destas actividades, reduzindo-as a um nível que nos permita encontrar o tempo essencial da vida de oração. Cá em casa somos muito exigentes neste ponto!
Outras famílias têm de arrastar um objecto aparentemente bastante mais leve do que um piano, mas talvez lá no fundo seja bastante mais pesado. São trezentos quilos de... televisão! Ou de computador, ou de consolas, ou de telemóveis... Quanto tempo desperdiçado diante das imagens que o mundo nos quer impingir! Quantas horas mal empregues!
Um dos comentários mais frequentes entre pais é este: "Vou inscrever o meu filho em mais uma actividade extra-curricular, para que ele passe menos horas em frente do televisor". Será que a televisão e afins são a única alternativa? Cá em casa temos muito pouco de cada uma destas coisas (refiro-me naturalmente a actividades fora do horário escolar normal), mas um milhão de alternativas! Precisamos de as descobrir com os nossos filhos e de explorar com eles um admirável mundo novo de actividades extra-curriculares que se podem realizar... em casa, com a família ou com os amigos! O "homeschooling" (ensino doméstico) neste campo é fantástico...
Enfim, cada família sabe quais os trezentos quilos que tem de arrastar, se quiser encontrar tempo para o Senhor. A verdade é que - e vou usar as palavras com que a Bruxa Mimi concluiu o seu post - vale a pena. Vale mesmo a pena!...
Festa de "finalistas" da Lúcia: a pré-escola terminou! A Lúcia está apta a entrar no primeiro ciclo, e por isso merece uma festa!
Com simplicidade, assistimos todos à sua exibição, escutámos as canções e batemos palmas. Depois regressámos a casa, a Lúcia guardou a cartola e entregou-se às suas brincadeiras com os irmãos.
Passados alguns dias, a Lúcia fez-me uma pergunta:
- Mãe, o que é um restaurante?
Depois de um momento de surpresa, percebi que a Lúcia não tinha como saber o que era um restaurante. Não me recordo de alguma vez a ter levado a um! Quando saímos, levamos sempre um piquenique. Bem, se ela me perguntasse "o que é um piquenique?" isso sim, seria razão para alarme!
Mas a pergunta da Lúcia tem uma razão de ser. É que quase todos os seus amiguinhos foram jantar ao restaurante para festejar o fim da pré-escola! Eu sei que é fantástico encontrarmos ocasiões para celebrar a vida com os amigos, e fazermos um esforço por nos relacionarmos com os pais dos amigos dos nossos filhos. Não é nada disso que me fez reflectir. A questão é outra! Dizia-me uma amiga com nove filhos, de quem já falei aqui, e que também não foi ao restaurante celebrar:
- Hoje, para se ser pai é preciso fazer tudo tão perfeito, tão perfeito, que não se podem ter muitos filhos! Transformámos as crianças no "Rei Sol", e orbitamos à sua volta como planetas assustados...
Eu já ouvi mães dizerem, com tristeza e sinceridade, que não se sentem capazes de ter mais filhos porque acham que não iriam ter tempo para eles, ou porque talvez não os pudessem amamentar como tinham feito com o irmão, ou porque não teriam possibilidades de oferecer a outra criança as condições de vida que oferecem à primeira. Vejo a toda a hora pais exaustos, que não têm tempo para o casal ou para si mesmos, porque passam o pouco tempo livre que têm a fazer de motoristas dos filhos, levando-os da natação ao ballet, do judo ao futebol. No Evangelho, Jesus acusa os fariseus de atarem fardos demasiado pesados aos ombros do povo simples (Mt 23, 4). É o que está a acontecer com a maternidade e a paternidade! Complicamos tanto as coisas, que se torna impossível ter uma família realmente numerosa.
A boa notícia é que não precisamos de carregar nenhum destes pesados fardos! Jesus diz-nos claramente no Evangelho:
"Procurai primeiro o Reino de Deus, e tudo o resto vos será acrescentado." (Mt 6, 33)
Será realmente preocupante a Lúcia não saber o que é um restaurante, porque os pais não têm tempo nem dinheiro para isso, se puder brincar numa casa cheia de irmãos? Será realmente preocupante não poder amamentar um bebé, porque as exigências dos patrões em tempo de crise não o permitem, se os filhos experimentarem um amor incondicional a toda a hora? Será realmente preocupante não ter uma festa de anos com insufláveis, se os amiguinhos puderem jogar com os pequenos aniversariantes ao lego no chão da sala? Será realmente preocupante a criança não frequentar um sem-número de desportos, se em vez disso tiver a liberdade para subir às árvores, jogar à bola no jardim ou patinar na cozinha?
O que procuramos nós primeiro? Quem ou o quê colocamos nós no centro da nossa vida? Tenhamos a coragem de colocar Deus no centro da nossa vida. Se for preciso, tenhamos a coragem de corrigir a rota do nosso pequeno planeta familiar e deixar de orbitar em torno de tudo o resto, para que só Deus seja o nosso Sol. Não conseguiremos fazer tudo aquilo que o mundo exige de nós, e não seremos perfeitos aos olhos do mundo, claro, porque não aguentaremos o seu ritmo. Mas que nos importa isso? Tudo nos será acrescentado, segundo a promessa de Jesus. Tudo? Sim, tudo: a felicidade! Ah, e que felicidade...
Por detrás da nossa casa há um terreno baldio, cheio de silvas, canas, paus, pedras, montes de terra, árvores e lixo. Portanto, um terreno perfeito para brincar. Todos os nossos filhos adoram passar as tardes de sábado e domingo ou os longos dias de férias a "explorar" por ali, e chegam ao fim do dia sujos, mal cheirosos, exaustos - e felizes.
Foi numa dessas tardes animadas que, há uns anos atrás, dei com o jipe da PSP a subir e descer a minha rua, vezes sem conta. Aproximei-me do portão do jardim para perceber o que se passava. O jipe parou então à minha porta e o agente perguntou-me:
- Minha senhora, parece-nos que andam ciganos a tentar acampar atrás da sua casa. Se tiver algum problema com eles, contacte-nos.
Dei uma sonora gargalhada e respondi:
- Tem toda a razão, senhor guarda, há um bando de ciganitos a montar acampamento aí atrás. Mas não se preocupe, que à noite vêm todos dormir cá a casa!
Os agentes da PSP sorriram, pediram desculpa pela confusão e foram embora mais descansados. E eu decidi fazer uma visita guiada ao "acampamento" dos meus filhos para tirar dúvidas. Comecei por conhecer a "oficina":
E depois caminhei em direcção ao "castelo", guiada pela bandeira...
No "castelo" dei com este trono:
Percorri também passagens secretas...
... e escadarias misteriosas:
Falei ao telefone com alguns dos cavaleiros mais afastados:
Acreditem que funcionou!!!
Por fim, encontrei os meus "ciganitos" todos juntos, gritando em coro:
- Um por todos, e todos por Náturia!
_Náturia? Que nome é esse? - Perguntei.
_ Não te lembras das Crónicas de Nárnia, que o pai nos lê todas as noites? Então...
Os agentes da PSP tinham razão. Que será que os nossos vizinhos pensam deste bando de crianças a brincar na rua? Não deviam antes estar seguras dentro de casa, diante do televisor ou do computador, vivendo aventuras virtuais para não partirem nenhuma perna nem serem raptadas? Ou então estar ocupadas com mil e uma atividades extra-curriculares?...
O "Rei de Náturia" cresceu. Tem quinze anos. Continua a brincar no terreno baldio, onde gosta de praticar tiro ao alvo e fazer experiências científicas, explorando princípios de engenharia. Os seus amigos perguntam-lhe às vezes se não sente falta de jogos de computadores, visto que nunca tivémos consolas ou playstations. O Francisco responde-lhes com a sua autoridade natural:
- Vocês e eu brincamos da mesma maneira. A única diferença é que as vossas aventuras são virtuais, e as minhas são reais. E não as trocava por nada deste mundo.
Náturia tem agora um novo rei. É o David. Ora vejam:
A foto, não se preocupem, é tirada a partir do meu jardim. O Reino de Náturia está sob vigilância contínua de adultos. E por isso, até os mais pequenos lá podem brincar:
De vez em quando, aos fins-de-semana, os mais pequenos pedem para ver televisão. E fazem-no durante cerca de meia hora. Depois retomam as suas brincadeiras. Os mais velhos já são capazes de decidir o que vale ou não a pena ver, e têm as suas preferências. Gostam do National Geographic e de tudo o que tenha a ver com natureza, desporto e, no caso do Francisco, engenharia e ciência. Não vêem novelas nem concursos, e muito menos programas tipo Big Brother. Não desejam vê-los, nem teriam permissão para tal. De vez em quando, vemos filmes em família, depois de deitarmos os mais novos.
Como educadores, temos a obrigação de manter o controlo-remoto do televisor na nossa mão. E não é porque "todos fazem" e "todos vêem" que nós temos de fazer ou de ver. Jesus nunca nos pediu para nos compararmos com o mundo. Ele quer que nós nos comparemos com Deus:
"Sede perfeitos, como o vosso Pai que está nos céus é perfeito" (Mt 5, 48)
Brincar numa qualquer "Náturia" no meio do campo ou em plena cidade é tão vital para o crescimento de uma criança como respirar. Se as deixarmos sozinhas num pedaço de natureza, sem horários, sem atividades desenhadas por nós, sem necessidade de apresentar resultados, sem necessidade de competir, sem televisores a pensar por elas, iremos ficar fascinados com os mundos imaginários que elas são capazes de construir. Elas têm direito a esfolar os joelhos e a serem confundidas com pequenos ciganos traquinas...