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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Quatro meninos vestidos a preceito, sexta-feira de manhã, a caminho da escola:
- Eu sou a Heidi - Afirma a Sara, feliz.
- Não, Sara, a tua professora disse que os meninos da escolinha iam vestidos com roupa tradicional portuguesa, por isso tu és uma... bem, uma espécie de varina, misturada com minhota, com um estilo saloio de trazer por casa. Entendeste?
- Sim - Anui a Sara, muito séria - Sou a Heidi...
- OK, se calhar tens razão, com esse chapéu de palha amarrotado, o xaile barato e a saia costurada pela Clarinha com todo o amor do mundo... Sim, acho que és a Heidi!
Deus ama tanto a brincadeira, que criou algumas criaturas só para com elas brincar:
"No mar passeiam os navios e ainda o Leviatã, monstro que Tu criaste, para ali brincar!" (Sl 104, 26)
Há alguns dias do ano que foram feitos para... brincar! E às vezes os adultos complicam tanto com uma seriedade desproporcionada na escolha da roupa mais perfeita, mais cara e mais elegante, que roubam às crianças o prazer simples da fantasia infantil... Quanta vaidade paternal a estragar a festa dos pequeninos! Penso na Heidi, a menina dessa belíssima história de Joana Spyri, que longe das montanhas, guardava no fundo do baú o seu chapéu amarrotado e o seu vestido vermelho, juntamente com a sua infância feliz. É tão bom ser criança...
PS - Despachem-se a inscrever-se no Retiro Famílias de Caná, em Coimbra, já no dia 14! Não tenham receio, que apesar de ser um "retiro", tem muita brincadeira à mistura!
Gostam de trava-línguas? Experimentem este, retirado textualmente do Evangelho que lemos na missa diária há uns dias atrás:
"Os discípulos de João guardavam jejum. Vieram perguntar a Jesus: «Por que motivo jejuam os discípulos de João e os teus discípulos não jejuam?» Respondeu-lhes Jesus: «Podem os companheiros do noivo jejuar enquanto o noivo está com eles?»" (Mc 2, 18-22)
Se conseguirem ler todos os "j" como deve ser, e ler "Jesus" com "s" e não com "j" no meio também, estão de parabéns! Cá em casa, bem nos esforçámos por ler direitinho o Evangelho, mas não tivemos êxito. Fomos passando a leitura de uns para os outros, e as gargalhadas já eram tantas, que desistimos.
- Ah, então os judeus jejuam com João, mas não jejuam com Jesus! - Dizia o Francisco, brincalhão, no meio da festa.
- E quando Jesus partir, jejuarão - Acrescentava a Clarinha, também muito divertida.
Sim, cá em casa brincamos com a Bíblia, com todo o respeito que a nossa inocência e a nossa simplicidade nos permitem. Deus tem um grande sentido de humor, e gosta da nossa alegria! Depois de um trava-línguas tão engraçado, nenhum de nós se esquecerá desta passagem...
E os nomes? Já repararam na abundância de nomes que as leituras da missa diária ultimamente nos oferecem? Elcana, Fenena, Abiatar, Eliab, Aminabab... Quando os lemos cá em casa, não evitamos uma gargalhada. E às vezes, para os meninos estarem com atenção, fazemos o jogo: "Quem consegue memorizar os nomes na leitura que vou fazer?"
Bem, e ainda nos podemos divertir com os pormenores de alguns episódios. Há poucos dias lemos como Saul se tornou rei enquanto procurava as suas jumentas, ontem lemos como David venceu Golias com uma fisga, e agora, preparem-se, vêm aí os episódios mais divertidos, de como David poupou Saul à morte (não vos conto como foi, mas digo-vos já que vale a pena descobrir) e como Absalão foi morto. Cá em casa, estes episódios fazem furor!
Enfim, de brincadeira em brincadeira, de jogo em jogo, vamos memorizando a Palavra de Deus. Depois, com todo o respeito, beijamo-la, e colocamo-la de novo no Canto de Oração. E conversamos longamente sobre ela.
Tudo isto para vos dizer: não percam as histórias do Rei David, que todos os dias as leituras da missa nos oferecem, neste início de ano! David foi um grande santo, mas também um grande pecador. Disse o Papa Francisco ontem, na homilia, que David nos ensina esta grande verdade: "Não há santo sem passado, não há pecador sem futuro." David pecou muito, mas arrependeu-se muito também, chorou o seu pecado até ao fim da sua vida, e aceitou como merecidos todos os seus infortúnios. Longe de desbaratar a graça recebida, David lavou o seu pecado na misericórdia de Deus e mudou radicalmente o seu caminho. Profundamente humilde, louvou e amou a Deus como poucos. E talvez com exceção de Moisés, não há no Antigo Testamento personagem mais querido do Senhor.
Possa a nossa "telenovela" diária ser a Palavra do Senhor, no meio de alegria, de brincadeira, de oração, de meditação, de muita e profunda conversa! Nos serões familiares, com os mais novos ao colo, imitemos os passarinhos que levantam voo em bando, uns atrás dos outros, uns protegendo os outros, uns puxando pelos outros... em direção ao Coração de Deus...
O dia amanhece cedo, como sempre, mas desta vez, acordo os meninos com um "refrão" diferente:
- Levantem-se, filhos, hoje é o dia das Bodas de Caná!
Na verdade, este ano, o Evangelho do Domingo Segundo do Tempo Comum é o Evangelho das Bodas de Caná, e há que celebrar.
Pouco a pouco, todos aparecem na cozinha.
- Vamos começar a festa com panquecas? - Pergunta o David, muito prático.
- Claro. O pai já está a fazê-las. Se te despachares, ainda vais a tempo de ajudar!
Segue-se a alegria das Bodas de Caná verdadeiras, as mais completas, aquelas em que o vinho novo, o vinho bom, o vinho guardado para o fim, se torna no Sangue do Cordeiro Imolado: as Bodas da Eucaristia. Foi para que pudéssemos viver a alegria destas Bodas que Jesus deu a sua Vida, na Cruz! E pensar que um mistério tão imenso está ao alcance de qualquer cristão, na igreja mais próxima de sua casa! Qualquer cristão, não: há no mundo irmãos nossos que têm de caminhar quatro horas pelo mato para encontrar uma igreja, ou que têm de celebrar a Eucaristia às escondidas, no meio da noite. Nós somos uns privilegiados, e fazemos tão pouco caso dos nossos privilégios!...
Durante a Eucaristia, trocamos olhares cúmplices com as outras Famílias de Caná. Todos nos sentimos verdadeiramente felizes por podermos partilhar este momento...
Regressamos a casa, com o entusiasmo próprio dos dias de festa. Para o almoço, temos pizza, a pedido da maioria:
E depois, enquanto o pai e a mãe arrumam a cozinha, os filhos preparam o teatro das Bodas de Caná. Que grande festa fazemos! Cantamos, dançamos, batemos palmas, e finalmente, as Bodas:
- Oh, já acabou?
- Foi curtinho, Sara, este texto é mais rápido que o do Natal...
Um ar amuado:
- Posso ficar com o vestido?
- Claro!
- Mas convém tirar antes de ajudares a fazer os bolinhos!
Sim, porque a festa ainda não terminou... Cá em casa, temos a bênção de ter uma Clarinha especialmente dotada para a doçaria, arte que não herdou da mãe!
E depois do lanche, jogamos cartas. Lembram-se do jogo "House" que jogámos nas nossas férias? Os meninos não o esqueceram e, de vez em quando, repetimos a dose! Não exige grandes quantidades de tempo, e dez minutos de "House" são suficientes para proporcionar alegres gargalhadas:
Depois das cartas, o pictionary. Mais gargalhadas!
Não julguem que é fácil adivinhar o significado dos rabiscos da Sara, do António, e especialmente, bem... da mãe!
Lá fora, há frio e chuva. Mas cá dentro, brinca-se sem parar. Até o pai e o Francisco jogam dardos na garagem. A Clarinha precisa de estudar um bocadinho, e vem ter comigo, de livros na mão:
- Há algum lugar nesta casa em que eu possa trabalhar?
É nestes momentos que as chaves dão jeito:
- Clarinha, tranca-te no escritório e não abras a porta aos manos até acabares! Entretanto, e para estares sossegada, vou contar-lhes uma história.
Há poucos momentos mais cobiçados cá em casa que aqueles em que nos sentamos no sofá de livro na mão. Hoje cabe à Lúcia o direito a escolher a história.
Uma das vantagens de se terem vários filhos é que a brincadeira precisa de nós apenas em pequenas doses. A dose maior é sempre entre eles! Assim, durante a tarde, e aos bocadinhos, vou trabalhando no novo site Famílias de Caná, que está quase, quase pronto...
À noite, antes de dormir, a Lúcia tem uma coisa para me dizer:
- Depois dos dias dos retiros e das festas de anos, este foi o melhor dia!
E o melhor dia ainda não está terminado para os mais velhos. Ainda falta a hora de oração paroquial, diante do Santíssimo, no Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora. É aí que Maria, como em Caná, nos diz:
"Fazei tudo o que Ele vos disser!" (Jo 2, 5)
E é isso mesmo o que queremos fazer.
Um grande abraço a todas as Famílias de Caná, as que conhecemos e as que o são no seu coração, sem que nunca nos tenham dito! Que a todas, o Senhor abençoe! Ámen!
A chuva cai desalmadamente do céu, como tem acontecido quase ininterruptamente nas duas últimas semanas. No jardim, apenas as galinhas esgravatam, felizes. Já pensámos até em vestir os fatos-de-banho para fazer natação no jardim, pois não sabemos de que outra forma podemos aproveitar o "lindo" relvado...
Mas é o último dia de Natal, e há que festejar! À mesa, acendemos as cinco velas da nossa "Coroa de Advento" e cantamos cânticos natalícios.
Durante a tarde, ao desmanchar e arrumar o Presépio e a Árvore de Jessé, recordamos as férias de Natal.
- Lembras-te do passeio de bicicleta que fizemos?
- Sim, David, e aquele jogo de bola?
- Ah, a mãe fez um castelo de legos comigo!
- E o pai levou-nos ao parque...
- Estava tanto sol!
Sorrio, enquanto escuto os meus filhos a conversar sobre tanta brincadeira. Férias significa muita coisa. E uma das mais importantes é, sem dúvida alguma, a brincadeira. Em férias, temos tempo para brincar juntos, pais e filhos, sem pressas, sem horários. Ah, com que sofreguidão nós aproveitámos aqueles dias bonitos de sol! Mal sabíamos que seriam os últimos durante longas semanas!
Brincámos na praia...
Brincámos no parque da Mealhada...
Brincámos no parque da Curia...
Brincámos no dia do Retiro, brincámos ao acordar e brincámos ao deitar. Quando chegou a chuva, brincámos em casa, pois então...
E não pensem que só brincamos com os mais novos! Vejam como o Niall e o Francisco têm passado os seus serões, desde que o Natal trouxe este lindo presente ao Francisco...
- Teresa, já reparaste no tempo que passamos a brincar? - Pergunta-me o Niall, feliz, depois de todos os enfeites de Natal arrumados e da sala aspirada. - Há quarenta e poucos anos que, mais do que tudo, brincamos... Brincámos em crianças, brincámos em jovens, os filhos vieram pouco depois e retomámos a brincadeira. E como ainda não deixámos de ter crianças em casa, ainda não deixámos de brincar!
- Tens razão!
- Para muitas pessoas, brincar é uma memória do passado, uma memória da sua infância ou da infância do seu filho, que entretanto cresceu. Há dezassete anos que temos crianças pequeninas... Ainda vai faltar algum tempo para que brincar com elas seja uma memória!
- Bem, o mais provável é que, ao deixarmos de brincar com os filhos, comecemos sem intervalo a brincar com os netos...
Retomamos a conversa já depois dos filhos estarem todos a dormir.
- Sabes, Niall, para brincar com os filhos, como tu dizes, é preciso algum esforço. A brincadeira de que tu falas não é a brincadeira infantilizada de muitos adultos, que ocupam os seus tempos livres à volta de si mesmos, deixando a família sentada diante do televisor. Tu falas de uma brincadeira diferente, a brincadeira de quem se esquece de si mesmo para dar alegria ao outro...
- Sim, claro que sim. A partir do momento em que temos uma família ao nosso cuidado, a nossa felicidade passa sempre por ela. Brincar com os filhos, ou proporcionar aos filhos momentos divertidos, é bem mais interessante do que deixar os filhos em casa para satisfazer os nossos interesses pessoais!
- Nem todos acham isso...
- Porque nunca experimentaram verdadeiramente esquecer-se de si. Como fez Maria, correndo a visitar Isabel.
- Sabes o que descobri outro dia? Descobri que o Antigo Testamento termina com uma frase muito sugestiva.
- Ai sim? E que frase é essa?
- Ora escuta:
"Fará com que o coração dos pais se aproxime dos filhos, e o coração dos filhos se aproxime dos seus pais..." (Ml 3, 24)
- E assim somos lançados no Novo Testamento, com Jesus. Não é bonito? Só Jesus pode fazer com que os corações dos pais e dos filhos se aproximem. Porque só Jesus pode dar sentido à nossa renúncia, à capacidade de nos esquecermos de nós para que o outro, o filho, se sinta amado.
- E o paradoxal é que é precisamente nesse esquecimento que encontramos a felicidade... Não te sentes plenamente feliz com tanta brincadeira, mesmo que com isso não tenhas tanto tempo para os teus hobbies pessoais?
- Se queres que seja sincera, nunca reparei numa contradição entre uma coisa e outra... Os meus hobbies pessoais passam cada vez mais pelo tempo de qualidade que passamos juntos. Acho que faz sentido: quando Deus repara no nosso esforço em renunciar ao nosso tempo livre para o dar à família, Ele também aumenta o prazer que encontramos neste tempo familiar, ao mesmo tempo que nos faz perder o interesse nos prazeres também bons, mas mais egoístas.
- Oh, de que maneira! Deus nunca Se deixa vencer em generosidade...
- Mãe, podes vir connosco visitar o nosso castelo em Náturia?
A Lúcia e o David olham para mim com ar suplicante. São cinco horas da tarde, acabámos de chegar da escola e eu tenho uma montanha de coisas para fazer.
- Claro que posso - Respondo, pousando a minha mala cheia de testes por corrigir e lançando um olhar apressado à banca da cozinha, onde as cenouras, as batatas e os bróculos esperam pacientemente que alguém os enfie dentro da panela para a sopa do jantar.
- Eu sabia que ias dizer sim! - A Lúcia saltita de alegria. - Nem imaginas como o nosso castelo está lindo! Vais adorar! Anda, vem!
Dou a mão à minha filha e sigo-a para o descampado por detrás da nossa casa. As silvas já estão dobradas à nossa passagem, por força do hábito, e há flores silvestres a brotar nas margens deste caminho improvisado.
- É aqui. Olha só! Não é bonito?
Faço um olhar de espanto diante do monte de terra e canas que tenho diante de mim:
- Uau, um castelo magnífico! Posso entrar?
A visita não leva mais de dez minutos, o tempo que demora a passar por debaixo das canas e das silvas. Mas ainda não acabei, quando a Sara me chama do jardim:
- Mamã, estou a fazer a sopa com ervinhas! Queres provar?
Deixo Náturia e regresso a casa. Sentada na rocha debaixo da oliveira, finjo provar a sopinha de ervas.
- Está mesmo boa, Sara! Quem te ensinou a fazer?
- A Clarinha!
A Lúcia e o David regressam também a casa e decidem fazer, não só sopa de ervas, como ensopado, empadão e tudo o mais. Depois despejam os restos para o galinheiro:
- Os pitinhos adoram os nossos cozinhados!
Entretanto, o António vem ter comigo com as mãos cheias de folhas de outono.
- Que lindas, António! Onde as encontraste?
- Debaixo da nespereira. Conta-nos lá outra vez o que tu fazias quando eras pequenina...
Sorrio, pego na Sara ao colo e conto:
- Na casa dos meus avós havia um tanque. Eu pegava nas folhas de nespereira secas e colocava nelas as formigas que encontrava na terra. Depois punha-as a navegar no tanque.
- Ena, elas deviam gostar muito!
- Não tenho tanta certeza...
Santa Teresinha escreveu muitas coisas sobre os seus santos pais, Luis e Zélia. Ambos trabalhavam arduamente o dia inteiro, Luís como relojoeiro e Zélia como bordadeira. No entanto, ambos sabiam "perder tempo" brincando com as suas meninas, no fim da escola e durante os fins-de-semana. A brincadeira dos meus filhos no jardim, longe da televisão, dos telemóveis e de outros brinquedos eletrónicos parece-se bastante com a brincadeira na casa de santa Teresinha:
"Depois de fazer os trabalhos de casa, eu saltitava no jardim à volta do papá, porque não sabia brincar com as bonecas. Era uma grande alegria para mim preparar tisanas com grãozinhos e cascas de árvores que encontrava no chão; levava-as depois ao papá numa linda chavenazinha, e o pobre paizinho largava o trabalho e depois, sorrindo, fingia beber. Antes de me voltar a dar a chávena, perguntava-me se devia deitar o conteúdo fora..." (História de uma Alma, manuscrito A)
Bem, são horas dos TPC. O David e a Lúcia sentam-se nas suas secretárias, a Sara e o António vão fazer lego, e eu estou livre para ir cozinhar. São apenas cinco e meia... Afinal só perdi meia hora a brincar com os meus filhos! Olho para eles, tão felizes e tão calmos. Meia hora não faz assim tanta diferença na minha vida, mas faz a diferença toda na vida deles.
Lembro-me do sírio Naamã, do Segundo Livro dos Reis. Cheio de lepra, pediu ao profeta Eliseu que o curasse a troco de grandes somas de dinheiro, mas ficou escandalizado quando o profeta lhe ordenou simplesmente sete mergulhos (gratuitos) no rio Jordão. Já prestes a regressar a casa sem experimentar a cura, foi desafiado pelo seu criado:
"Meu pai, se o profeta te tivesse mandado fazer uma coisa difícil, não a farias? Quanto mais agora, ao dizer-te: 'Lava-te e ficarás curado'!" (2Rs 5, 13)
No dia 27 de outubro, o Papa Francisco deixou esta mensagem no Twitter:
"Pais, sabeis 'perder tempo' com os vossos filhos? É uma das coisas mais importantes que podeis fazer cada dia."
Brincar com os meus filhos, meia hora por dia... Os remédios que o Senhor nos propõe são escandalosamente simples, tão simples, que hesitamos em os experimentar. Mas depois lemos histórias como a de Luís e Zélia Martin, e descobrimos que afinal são os remédios dos santos...
Hora de oração familiar. O evangelho de hoje, bastante longo, contém alguns dos ensinamentos mais fortes e desafiantes de Jesus. Leio uma primeira vez, pedindo aos meninos que memorizem uma ou duas palavras, de acordo com a sensibilidade do seu coração.
"A vós, porém, que me escutais, eu digo: amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam. Falai bem dos que falam mal de vós e orai por aqueles que vos caluniam. Se alguém te bater numa face, oferece também a outra. E a quem te levar a capa, deixa-o levar também a túnica. Dá a quem te pedir e, se alguém tirar do que é teu, não peças de volta. Assim como desejais que os outros vos tratem, tratai-os do mesmo modo. Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Os pecadores também agem assim. E se prestais ajuda somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até os pecadores prestam ajuda aos pecadores, para receberem o equivalente. Amai os vossos inimigos, fazei o bem e prestai ajuda sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande. Sereis filhos do Altíssimo, porque ele é bondoso também para com os ingratos e maus. Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado. Uma medida boa, socada, sacudida e transbordante será colocada na dobra da vossa veste, pois a medida que usardes para os outros, servirá também para vós." (Lc 6, 27-38)
- Perdoai! - Grita o António, ainda mal acabei de ler.
- Amai! - Continua a Lúcia.
- Recompensa! O que é recompensa?
- É prémio, António.
- Miseri...miseri...
- Misericordioso. Deus é misericordioso. Significa que Deus é bom para com os bons e os maus.
- E porque é que Ele é bom para os maus?
- Porque é misericordioso, David: Deus não nos ama porque nós somos bons; Deus ama-nos porque Ele é bom! Deus só consegue amar, só consegue perdoar, só consegue ser bom.
- Ah!
- Bem, este Evangelho tem tanta coisa bonita para aprender! Vamos ver se nos lembramos do mais importante. Eu vou voltar a ler algumas partes, e vocês completam-nas. Combinado?
Grande entusiasmo. Ninguém quer falhar. Os meninos ajeitam-se no sofá e são todos atenção. Começo o jogo:
- Amai...
- ...os vossos inimigos! - Respondem quase em coro.
- Falei bem...
- ...dos que falam mal de vós!
- Se alguém te bater numa face...
-...apresenta-lhe também a outra!
- A quem te levar a capa...
-... dá-lhe também a túnica!
- Se te levarem o que é teu...
- ... não te queixes!
- Se amais aqueles que vos amam...
-... que agradecimento mereceis?
- Sede misericordiosos...
- ... como o vosso Pai é misericordioso!
- Não julgueis...
- ... e não sereis julgados!
- Não condeneis...
- ... e não sereis condenados!
- Perdoai...
- ... e sereis perdoados!
- Dai...
- ... e dar-se-vos-á!
- A medida que usardes com os outros...
- ... será usada também convosco!
Todos, dos maiores aos mais pequenos, se atropelam para responder primeiro, com grande alegria. Terminamos o jogo com alegres gargalhadas.
Aprender a Palavra de Deus de cor, bocadinho a bocadinho, com jogos, charadas e brincadeiras, é um caminho seguro para dar cumprimento à Palavra de S. Paulo, que lemos neste mesmo dia:
"Habite em vós com abundância a Palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros com toda a sabedoria." (Col 3, 15)
Agora é preciso pôr em prática...
Férias é tempo de brincadeira. Na montanha, não fizemos nós outra coisa!
Conhecem o Barco dos Piratas da Terra do Nunca?
- Eu sou o Barrica! - Apressava-se a gritar a Sara, entusiasmadíssima. E olhem que nenhum caiu lá de cima!
Numa das idas do pai ao hipermercado, a vinte minutos da nossa casa, os meninos receberam um presente magnífico: bolas de sabão! Vejam só o que acontece quando se espalham bolas de sabão no céu, na terra e na água... Quanta beleza!
Perto da nossa casa de férias encontrámos uma fantástica casinha numa árvore. Teria pertencido a alguma criança no passado? Hoje, apenas quatro crianças habitam na aldeia durante o ano inteiro...
Numa das suas expedições, os meninos descobriram que podiam brincar no socalco por cima da casa, ou seja... no telhado:
E noutro dia descobriram o galinheiro com a vista mais bela do mundo:
Numa das nossas manhãs na barragem, o Francisco utilizou o seu canivete e a sua imaginação e construiu esta deliciosa canoa em miniatura:
Por fim, junto ao rio havia todo o tipo de objetos curiosos, pertencentes a uma casinha abandonada, e que serviram para grandes brincadeiras:
Um fim de tarde, o dono do galinheiro passou por nós e ofereceu-nos um saquinho com todos os ovos do dia. Ficámos encantados, e entabulámos uma agradável conversa. Mas houve uma frase deste simpático senhor que me chocou. Dizia eu:
- Que bonito que isto é! A serra, a fonte, os animais, tudo tão bonito!
Ao que ele comentou:
- Bonito? Isto? Não há nada bonito aqui! Nada bonito aqui!
E enquanto se afastava, continuava a murmurar, abanando a cabeça:
- Não há nada bonito aqui!
Fiquei em silêncio. Claro que percebi a mensagem: o que para mim são férias e lazer, para ele é trabalho e suor. Mas onde terá ele deixado a pureza de olhar que nos permite transformar um palheiro abandonado num barco de piratas? Quando terá ele crescido assim tanto?
Senhor, dá-me um coração de criança, capaz de se alegrar com as coisas simples que me ofereces! Ensina-me a amar a minha rotina, a minha realidade, sem reclamar, e a perder tempo com uma bola de sabão a fluturar nas águas de um rio...
"Deixai vir a Mim as criancinhas, não as impeçais, porque dos que são como elas é o Reino dos Céus!" (Mt 19, 13-15)
Ámen!
Num dia de manhã, na semana passada, entrámos na garagem e tivémos uma bela surpresa: a Tiger decidira que chegara a hora de tirar os seus quatro gatinhos do ninho, e de os pousar suavemente no chão, para descobrirem o mundo.
Que entusiasmo! Os meninos não sabiam para onde se virar: de todo o lado apareciam gatinhos, pequenas bolas de pelo tropeçando umas nas outras e miando baixinho. A Tiger, muito senhora de si, vigiava os filhotes a uma distância segura, aproximando-se quando pressentia perigo e oferecendo-lhes de mamar, cheirando-os e lambendo-os quando os ouvia queixar.
Pela primeira vez, os nossos filhos puderam pegar nos gatinhos e acariciá-los. Até então, eles não saíam do ninho, e para não interferirmos na ordem da natureza, ninguém lhes tocava. Que festa, naquela garagem! Para aí em casa poderem - sobretudo os mais novos - partilhar da nossa alegria, aqui ficam dois pequenos vídeos deste dia fantástico:
- Os teus meninos estão a crescer, não é verdade, Tiger? - Perguntei-lhe suavemente, acariciando-a - E tu percebeste que chegou a hora de os fazer sair do ninho, mesmo que ainda tropecem um pouco e andem cambaleantes... No ninho, nunca iriam fortalecer as pernas. Tiveste toda a razão!
Nesse dia, o Niall e eu conversámos sobre a sabedoria da natureza, que inscreve nos genes dos animais as leis do crescimento. A nós, Deus dotou-nos de menos instinto, mas em contrapartida, ofereceu-nos uma inteligência superior, capaz de discernir os sinais dos tempos, como Jesus dizia aos seus ouvintes.
Cá em casa, também os nossos filhos estão a crescer. O que a Tiger descobriu por instinto, nós somos chamados a descobrir por atenção à voz do Senhor... Os nossos filhos nunca "fortalecerão as suas pernas" se não os colocarmos no chão para que caminhem. O importante, como a Tiger nos demonstrou, é manter a atenção em alerta máximo e o abraço pronto a acolher. Depois - como a Tiger - há que confiar: se fizermos bem o nosso trabalho, colheremos os seus frutos. Diz-nos a Bíblia:
"Habitua o menino no caminho a seguir, e mesmo velho, não se afastará dele." (Pro 22, 6)
Senhor, que eu seja sempre capaz de acompanhar o crescimento dos meus filhos, sabendo identificar os tempos certos para os retirar suavemente do ninho e os encorajar no chão da sua aventura! Ámen.
Dia um de maio. Dia de chuva, todos dentro de casa.
- Que vamos brincar agora? - Perguntava a Lúcia, aos saltinhos. Tinha estado grande parte da tarde a brincar comigo e com o Niall, na companhia da Sara e do António, pois os restantes irmãos estavam fora noutras atividades.
Suspirei, um pouco cansada. Já tinha brincado ao lego, às escondidas e contado histórias. De repente, o Niall teve uma ideia brilhante:
- Vamos brincar às charadas bíblicas. Cada um vai representar uma história da Bíblia, e os outros vão tentar adivinhar!
- Viva! Viva! - Gritavam eles, entusiasmados.
E assim fizemos. O António e a Lúcia estavam cheios de ideias, o Niall e eu representámos algumas histórias, e a Sara saltitava entre todos, imitando os gestos de cada um e batendo palmas de alegria.
Vejam lá se adivinham as histórias da Bíblia representadas:
Exatamente: Samuel a dormir, a escutar o Senhor a chamá-lo e a correr para o quarto de Eli, batendo à porta, convencido que fora Eli quem o chamara!
E agora?
Bem, esta é a Lúcia a pescar no mar de Tiberíades! A noite toda sem nada pescar, claro, até Jesus chegar junto dela...
E aqui?
A Lúcia é o povo de Israel, caminhando em solene procissão em redor das muralhas de Jericó. Pelos vistos, a Lúcia pertence ao grupo dos músicos, que à frente tocavam trompete, cheios de alegria!
Finalmente, tentem adivinhar quem é o bebé que se tenta meter dentro deste cesto de roupa...
Claro! O pequeno Moisés escondido num cestinho de vime e cuidadosamente colocado nas águas do Nilo, perto do local onde as princesas iam tomar banho... A princesa, claro, foi a Lúcia:
Experimentem aí em casa! As charadas bíblicas são das formas mais divertidas de recordar, recontar e meditar as histórias da Bíblia, o grande livro da nossa fé. Diz o Deuteronómio:
"Estas palavras que hoje eu te dou estarão no teu coração. Repeti-las-ás aos teus filhos e refletirás sobre elas, tanto sentado em tua casa, como ao caminhar, ao deitar ou ao levantar." (Deut 6, 6-7).
E também - acrescento eu - ao brincar!
Não sei se todos os leitores deste blogue sabem ou recordam o que é viver com uma criança de dois anos em casa. Para os mais esquecidos, aqui ficam algumas pistas...
Num destes dias, a Sara veio do jardim muito contente, acompanhada do António e da Lúcia. Na mão, segurava isto:
Aproximei-me para ver mais de perto o curioso objeto. A Clarinha entrou nesse momento na sala e os gritos que deu fez a nossa casa parecer um filme de terror. Querem ver mais de perto também?
Sim, é um rato morto, certamente pelos nossos gatos...
Outro dia, deixei a Sara sentada na sanita. Passados alguns minutos, ela correu para junto de mim, muito satisfeita, a dizer: "Mamã, disparate! Mamã, disparate!" Dirigi-me à casa de banho para ver o disparate... E deparei-me com isto:
Já não é a primeira vez que a Sara se entretem a desenrolar o papel higiénico, claro!
De outra vez, o telemóvel tocou, tocou, e eu não o conseguia encontrar. Sempre atrás do toque, fui levada até ao jardim, e no jardim, até à oliveira. O som vinha abafado e contínuo. Poderia o telemóvel estar... dentro da oliveira? De repente, vi isto:
Aproximei-me... E encontrei o que tão desejado telemóvel!
Nessa mesma tarde, o Niall tinha recebido uma mensagem supostamente minha, a dizer: "aoytm,m ghrmme yeertidm"... Bem... Tive sorte a mensagem ter ido ter ao Niall e a mais ninguém!
Mas ontem passou das marcas. A Sara apareceu junto de mim sem sapatos, sem meias, sem calças e sem cuecas. "Sara, onde tens a roupa?" Perguntei. "Não sei!" Foi a resposta. Corri a casa toda à procura, mas sem sucesso. Decidi vesti-la com outra roupa, e não pensei mais no assunto. Até que horas depois, no pátio, tive esta visão:
Sim, são as casotas dos cães e os seus pratinhos... Mas há mais alguma coisa no recipiente da água. Querem ver mais de perto?
- Deve ter aprendido contigo, Teresa - Disse-me o Niall a rir, quando o chamei para ver - Passas a vida a lavar roupa! A Sara só te quis imitar!
As crianças de dois anos são verdadeiros artistas na arte de esgotar a nossa paciência. Nem sempre reajo pegando na máquina fotográfica... Às vezes, reajo com uma palmadita no rabo e um raspanete. Em dias de maiores disparates, quando a oração familiar é complicada e agitada, ao fazermos a invocação dos nossos santos protetores - Santa Clara, rogai por nós! Irmã Lúcia, rogai por nós! Etc - alguém acrescenta, brincalhão: "Santa Paciência!" e todos respondemos a rir, "Rogai por nós!"
Os disparates da Sara fazem-me sempre, sempre meditar no amor de Deus - embora nem sempre na hora...
Diz o Senhor através do profeta Oseias:
"Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o, e chamei do Egito o meu filho. Mas quanto mais o chamei, mais ele se afastou. Entretanto, Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços, mas não reconhecia que era Eu quem cuidava dele. Segurava-o com laços humanos, com laços de amor, fui para ele como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto, inclinei-me para ele para lhe dar de comer..." (Os 11, 1-4)
Os disparates da Sara, que às vezes me fazem rir, e outras vezes me fazem perder a paciência, em nada beliscam o imenso amor que tenho por ela. Por ela, eu sou capaz de dar a minha vida. E de cada vez que ela corre para mim, dizendo com simplicidade e confiança: "Disparate!" Eu aperto-a contra o peito e parece-me amá-la ainda mais.
Os meus disparates, que às vezes fazem sorrir, outras vezes entristecem o Senhor, em nada beliscam o imenso amor que me tem. Por mim, o Senhor é capaz de dar a vida. Por mim, aliás, Jesus já deu a sua Vida... E de cada vez que corro para os seus braços, dizendo com simplicidade e confiança: "Perdoa-me!" Ele aperta-me contra o peito e ama-me ainda mais...