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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
- Hoje é praia ou missa, mamã?
- Hoje é missa, Sara. Tu gostas da missa?
- Gosto. Mas olha, diz ao senhor padre que eu não quero que ele me lave o cabelo!
- ?????
Levei alguns segundos a compreender o problema da Sara: durante todos os domingos de agosto, no Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora, a missa paroquial inclui a celebração de um ou mais batismos. E o batismo significa, - como é que eu nunca pensara nisto? - lavar a cabeça aos mais novos, claro! A Sara, que detesta lavar o cabelo, deve ter sofrido um pouco nas últimas missas, à espera que o tormento diário da água a escorrer sobre a sua cabeça pudesse também acontecer na igreja, onde julgava estar em segurança. Ai como é difícil ter-se quase três anos!
- Sara - continuei eu - Não tenhas medo, porque o senhor padre já lavou o teu cabelo uma vez, e não vai lavar mais nenhuma!
- Ai já?
- Já. Queres ver? - Fui buscar um album de fotografias - Olha, vês? O senhor padre lavou-te o cabelo com esta conchinha da praia, que os manos encontraram enquanto tu estavas na minha barriga e guardaram especialmente para a ocasião!
- Sabes, Sara, o senhor padre não lava o cabelo com shampô... Não! Não entra nada nos olhos. O senhor padre não está a tentar tirar a terra do jardim ou a areia da praia ou os restos de comida ou os bocados de cola do teu cabelo... Está a lavar o teu coração!
- O coração?
- Sim, o coração...
Enquanto eu explicava à Sara, com palavras muito simples, o sacramento do batismo, fiquei a pensar... Será que os pais que, aproveitando este mês de férias e encontro familiar, levam os seus filhos a ser batizados, experimentam dentro de si a urgência do sacramento? Ou será que simplesmente aproveitam a ocasião do batismo para festejar com a família e os amigos o nascimento do seu filho?
Apercebo-me de que, mesmo entre os católicos mais empenhados, existe uma vaga ideia de que o batismo é um símbolo, um gesto belo, mas incapaz de causar uma alteração profunda na natureza do ser humano. "Todos somos filhos de Deus", ouve-se dizer. Para quê a pressa então? Por que não esperar por uma reunião familiar, por uma situação financeira mais estável ou por umas férias para batizar os nossos filhos?
É verdade que todos os seres humanos são amados por Deus com amor infinito, antes ainda de serem concebidos; e que Deus tem milhares de formas diferentes de oferecer a sua salvação, a cristãos, a budistas, a ateus, pois como diz o Catecismo da Igreja Católica, "Deus não está prisioneiro dos seus sacramentos" (CIC nº1257). Mas também é verdade que o Evangelho diz:
"Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus." (Jo 3, 5)
Se o batismo não nos traz nada de novo; se não altera em nada a nossa própria natureza humana; se não tem poder para nos abrir o Céu, então não vale a pena perdermos tempo.
Mas se o batismo opera em nós um milagre - um milagre imenso, infinito e impossível de abarcar com a nossa pobre inteligência; se o batismo faz de nós participantes da vida do próprio Deus, realmente filhos no único Filho; se o batismo apaga em nós, definitivamente, a marca herdada do pecado; se o batismo faz jorrar para dentro de nós uma abundância de graça nunca antes vista, completamente absurda e totalmente gratuita - então eu vou ter imensa pressa em batizar os meus filhos. Diz o Catecismo da Igreja Católica: "A Igreja e os pais privariam a criança da graça inestimável de se tornar filho de Deus, se não lhe conferissem o batismo pouco depois do seu nascimento." (CIC nº 1250)
Cá em casa, batizei todos os meus filhos com um, dois ou três meses de vida. Se hoje tivesse outro bebé, batiza-lo-ia na semana seguinte a sair da maternidade...
- O senhor padre não vai lavar-me o cabelo!
"« Senhor, Tu não vais lavar-me os pés!» Disse-lhe Jesus: «Se não te lavar os pés, não terás parte comigo.» Disse-Lhe então Simão Pedro: «Nesse caso, Senhor, não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!»" (Jo 13, 6-10)
O António estava sentado no banquinho da casa de banho, mentalmente preparado para a aborrecida tarefa que se ia seguir; e eu procurava na caixa o pente mais ajustado para colocar na máquina de cortar cabelo.
- Que aborrecimento, está sem carga! - Desabafei, enquanto ajustava o pente. - António, acho que não te posso cortar hoje o cabelo. O Francisco tinha tanto cabelo que a máquina ficou sem carga depois do corte de ontem.
Enquanto retirava o pente da lâmina, liguei sem querer a máquina, que uma vez sem pente, começou a trabalhar.
- Olha, já dá! - Exclamei. E com a pressa de aproveitar o bocadinho de energia da máquina, encostei a lâmina à cabeça do António e cortei. Só quando vi os cabelos a cair no chão é que me lembrei que acabara de retirar o pente, e portanto, o que fizera na cabeça do António fora semelhante ao acto de barbear alguém. Com um grito, atirei com a máquina para o chão e abracei o meu filho.
- Desculpa, António!
- Porquê? Cortaste-me? Não me dói!
- Não, filho, não te cortei... Cortei o teu cabelo, isso sim, um pouco, bem, um bocadinho demais... Ai o que eu fiz!
Atraídos pelos meus gritos, os irmãos entraram na casa de banho. Olharam para o António com olhos muito abertos, e depois soltaram uma gargalhada:
- Assim é que tu estás na moda, António! - Disse-lhe o Francisco, dando-lhe uma palmada amigável nas costas. Depois murmurou-me ao ouvido: - Tens sorte não me teres feito isto a mim...
Mas o António não pareceu muito afectado com o corte moderno. Dando-me um grande abraço, descansou-me:
- Não faz mal, mamã. Não fizeste de propósito! E eu ainda sou o António, não sou?
O perdão instantâneo do António lembrou-me como é simples a vida quando não estamos presos à moda, ao que os outros vão dizer, à ditadura do espelho; mas mostrou-me principalmente como tudo se descomplica quando não duvidamos da bondade do nosso Pai, que nunca fará nada para nos magoar "de propósito". Por fim, também eu consegui dar uma gargalhada.
A C. é uma leitora assídua do blogue. Antes do verão passado, a C. também ficou sem cabelo - não apenas num rectângulo bem definido da cabeça, mas na cabeça inteira... Não por descuido, mas por causa da quimioterapia... Quando partilhou um bocadinho da sua jovem vida comigo, através do mail, pediu-me oração. Temos rezado por ela em família todos, todos os dias! Na semana passada, a C. deu-nos uma boa notícia: os tratamentos para o cancro estão a resultar! Em breve, o seu cabelo voltará a crescer.
Este post, C., é para ti, em acção de graças contigo, e para todos os leitores que, como tu, estão doentes. Sejamos todos capazes de acreditar na bondade do Senhor, que nos assegurou:
"Não se vendem dois passarinhos por uma moeda? E nenhum deles cairá no chão sem o consentimento do vosso Pai. Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não temais, portanto, pois valeis muito mais do que os passarinhos." (Mt 10, 29-31)
No dia em que acreditarmos verdadeiramente na bondade de Deus, que conta os cabelos da nossa cabeça e nos trata pelo nome - nesse dia seremos felizes...