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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
- Meninos, estão a bater à porta! Alguém que abra, por favor!
- Mãe, é para ti. É um senhor, e não parece muito simpático.
Enxugo as mãos, pois estou a fazer o jantar, e apresso-me a chegar à porta. O senhor que me aguarda não está, realmente, com ar de grandes amigos.
- Não quero ter problemas com a senhora - Diz-me. Mentalmente e no espaço de dois segundos, revejo a minha vida nos últimos quarenta e três anos à procura de algum crime esquecido.
- Desculpe, não estou a entender...
- Este cão aqui é seu?
Já estou a entender.
- Sim, é. Jack, vem cá!
- Pois há dois minutos atrás, e como acontece todos os dias, ele estava na minha casa. Tal como estava às seis da manhã.
- Seis da manhã? Mas nós só o soltamos quando nos levantamos, pelas seis e meia...
- Então eram seis e meia.
- Na sua casa? A fazer o quê? Nós só o soltamos para eles esticarem as pernas e fazerem as suas necessidades no descampado aqui atrás da nossa casa. Depois eles entram em casa e ficam aqui connosco...
- Não, eles não fazem as necessidades no descampado; eles fazem-nas no meu jardim, que fica duas ruas atrás desta.
- Ah! Desculpe! Não sabia! Como eles não mordem a ninguém, nem se atravessam diante dos carros, costumamos tê-los soltos, à nossa volta... Nunca demos conta de irem para longe!
- Prenda os cães e não vamos ter problemas.
- Pois... Assim farei.
- Muito boa tarde então.
- Boa tarde!
Fecho a porta, volto-me e deparo-me com seis pares de olhos, fixos em mim.
- Que vais fazer agora, mãe?
- Eu? Vocês é que vão fazer! A partir de hoje, meus meninos, começam a levar os cães a passear com trela, como o resto do mundo faz.
- Mas nós só chegamos da escola às cinco horas!
- Bem, vamos fazer uma escala. O pai passeia-os de manhã, ao acordar, eu passeio os cães à hora de almoço, e vocês ao fim da tarde. Combinado?
Chegamos a um acordo, e mais relaxados, deixamo-nos cair no sofá a rir à gargalhada, imaginando um pouco a situação que deu origem às queixas do vizinho. Depois, suspiro. Não sei como vou conseguir encaixar mais esta atividade no meu horário...
Diz a Escritura:
"Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus." (Rm 8, 28)
Nem sempre me recordo deste versículo, ao longo do meu dia. Quantas vezes uma pequena contrariedade é suficiente para me entristecer ou oprimir? Se, pelo contrário, me recordar da Escritura, deixo-me tomar por um sentimento de "santa" curiosidade: que quererá Deus que eu aprenda desta vez? Que planos terá Ele para mim? Tenho procurado fazer assim com tudo, absolutamente tudo - como diz S. Paulo - que me acontece, especialmente os contratempos, sejam eles no trabalho, na escola, na paróquia, com as Famílias de Caná, com os meus filhos... e, claro, com os meus cães.
A Palavra de Deus não mente. Graças a este vizinho pouco simpático mas cheio de razão, teve início, há cerca de dois meses atrás, um dos meus rituais preferidos: levar os cães a passear pelas ruas da minha terra. Quase todas as tardes encontro vinte a trinta minutos para a nossa bela passeata. Há muito tempo que eu sentia a necessidade de fazer caminhadas ou outra forma de exercício físico que não apenas aspirar e arrumar a casa, sem nunca conseguir tempo para tal. Eis que um vizinho rabugento me oferece precisamente a oportunidade procurada!
Juntos, os cães e eu, demos as boas vindas à Primavera, nos campos em redor - eu com os olhos postos nas flores, nas ervas e nas nuvens, eles com os olhos postos nas lagartixas... Juntos, os cães e eu, descobrimos que as ovelhas tinham parido, e que os cordeirinhos se divertiam a saltitar nas quintas... E o engraçado é que continuo a ter tempo para arrumar a casa, tempo para preparar as minhas aulas e tempo (pouco, muito pouco) para escrever neste blogue.
Vinte a trinta minutos de contemplação são naturalmente vinte a trinta minutos de oração. Sozinha com os cães, pelos campos ao redor da minha casa, eu vou conversando com o Senhor, partilhando tudo com Ele - "Nós, Jesus"... Como já referi várias vezes, gosto especialmente de rezar em voz alta, louvando, cantando, rindo ou chorando, suplicando, agradecendo... As ovelhas, as lagartixas, os passarinhos e os cães não parecem achar que seja maluca ao falar assim "sozinha", e por isso aproveito o passeio para dar asas ao meu coração. Regresso a casa saciada, em profunda comunhão com Deus e toda a sua Criação.
Ao fim do dia e ao fim-de-semana, os passeios são feitos em família. Os cães trouxeram-nos novas oportunidades para passearmos juntos, para observar a natureza, para nos divertirmos em conjunto. Que bom!
E até a avó parece ter tomado o gosto pela passeata! Ora digam lá se não lhe fica bem?!
Senhor, Deus das surpresas, Deus que até do mal és capaz de retirar o bem, ensina-me a arte de tudo agradecer, bom e mau, na minha vida! Hoje, pequenos detalhes de falta de tempo ou de excesso de trabalho; amanhã, um problema mesmo a sério... Tudo, tudo concorre para o meu bem, como disse a jovem Chiara Badano: "Tu queres, Jesus? Então eu também quero!" Ámen.
De três em três dias, tenho de fazer o penso pós-operatório. Numa destas "agradáveis" sessões de enfermagem, tive uma interessante conversa com a enfermeira que me atendeu. O assunto vinha a propósito:
- Amamentou todos os seus filhos? - Perguntou-me ela delicadamente. Contei-lhe a minha história:
- Amamentei os três primeiros até eles não quererem mais. Tive três filhos sem nunca comprar um biberão! Tudo mudou com a morte do Tomás. O David nasceu três meses depois, e para minha grande tristeza, não tive nem uma gotinha de colostro para lhe oferecer... Quando a Lúcia nasceu, vibrei de entusiasmo perante a perspetiva de voltar a ter um bebé ao peito. Mas não foi assim: durante vários dias, esforcei-me por amamentar, fiz tudo o que pude, aguentei estoicamente as dores mais fortes, vi o peito ficar inflamado, vi a Lúcia chorar de fome, e por fim, desisti.
- Desistiu?
- Percebi que amamentar a Lúcia se estava a tornar numa fonte de angústia e stress totalmente desnecessária. Chorava ela, chorava eu, e isto dia após dia. A única solução era tirar o leite com uma máquina para lhe dar, o que me parecia bem mais arteficial do que dar um biberão de leite em pó, e sobretudo, impossível de praticar numa casa tão atarefada como a minha. Lembrei-me de uma frase que, muitos anos antes, o pediatra me dissera: "A hora da alimentação é a mais importante na vida de um bebé. É mil vezes preferível um biberão tranquilo que uma mama angustiada." Nunca esqueci aquilo... Decidi optar pelo biberão tranquilo. Foi uma experiência belíssima para todos - para mim, para o Niall, para os nossos outros filhos e, acima de tudo, para a pequena Lúcia. Quando o António e a Sara nasceram, eu já tinha feito as pazes com a minha incapacidade de amamentar, e voltei a dar biberão.
A enfermeira respirou fundo. Depois disse-me:
- Nem imagina o bem que me faz escutar isso! Eu estava no serviço de obstetrícia quando engravidei e tive o meu bebé. Eu não só sabia tudo sobre amamentação, como ajudava as outras mulheres a amamentar. Por isso foi uma imensa vergonha para mim descobrir que não era capaz de amamentar o meu próprio filho... Sofri horrores! Quando desisti de tentar, senti-me tão, mas tão envergonhada! Parecia que falhava no mais importante, e percebi que ninguém ali me compreendia.
Ficámos em silêncio durante uns breves instantes. Depois confidenciei-lhe:
- Nunca senti qualquer diferença, em termos de proximidade com o bebé, entre o ato de amamentar os meus filhos e o ato de lhes dar o biberão, acredita? Sempre fiz ambas as coisas com total concentração, com total amor, com os bebés bem juntinho a mim e sem cair na tentação de delegar esta doce tarefa a outros. O que alimenta um bebé é, acima de tudo, o amor, e esse não é, de todo, uma questão de biologia! Tentámos, esforçámo-nos, esquecemo-nos de nós para servir o nosso bebé - não conseguimos. Aceitámos o nosso fracasso de cabeça erguida, como um ato de amor, e isso é o que importa!
De regresso a casa, deparei com a cena do costume: os dois gatinhos bebés agarrados à mãe, mamando sofregamente... Parei a contemplá-los, como de costume também. Há poucas coisas mais bonitas na natureza que a visão de uma mãe a amamentar os filhos!
Enquanto os contemplava, relembrei a nossa conversa. Pensei na mãe de Santa Teresinha, em breve canonizada, que não conseguiu amamentar vários dos seus bebés, e na forma desprendida e prática como sempre contornou a situação, sem frustrações nem lamentações.
Depois lembrei-me então que também eu, quatro filhos atrás, já estivera do lado daqueles que acham facílimo dar o peito e vergonhoso dar um biberão... Foi a minha própria experiência de fracasso, de vergonha, de pobreza, que me tornou mais humana e mais humilde, capaz de entender as experiências de fracasso, de vergonha e de pobreza dos outros.
Ter partos naturais, amamentar com facilidade, engravidar quando se quer são tudo dons gratuitos do Senhor, que Ele concede de acordo com a sua vontade. No entanto, quantas e quantas vezes nos apropriamos deles como riquezas pessoais, ou pior ainda, os associamos à nossa fé, como se fossem algo merecido pela nossa grande santidade, ou como se a sua falta fosse um castigo pelos nossos pecados... Seremos muito mais felizes fazendo as pazes, sorrindo, com as nossas limitações naturais. Ah, como é triste a vida de quem acha que Deus lhe deve alguma coisa!
"Tu queres, Jesus? Então eu também quero!" Assim rezava a jovem Chiara Luce Badano, perante a doença incapacitante que lhe roubou a juventude. E em vez do dom da saúde, recebeu de Deus o dom de uma alegria perfeita.
"Tu queres, Jesus? Então eu também quero!" Assim podemos nós rezar também perante a nossa vergonha, o nosso fracasso. E descobriremos que o Senhor tem para nós outros dons que não aqueles que tanto desejávamos - dons que nos irão surpreender, quando os quisermos aceitar...
É a experiência de fracasso e de pobreza que nos permite conhecer a verdadeira felicidade, a felicidade da Bem Aventurança que Jesus proclamou um dia, sobre a montanha:
"Bem aventurados os pobres que o são no seu íntimo, porque é deles o Reino dos Céus." (Mt 5, 3)
Há cerca de duas semanas, a Clarinha caiu mal durante um exercício de ginástica (em casa...), ficando com uma dor persistente no joelho. Durante vários dias, a Clarinha continuou a sua vida normal, embora com dor. Mas como não melhorasse, antes se sentisse cada vez pior, teve de ir a uma consulta de fisiatria. A resposta foi clara: a Clarinha tinha uma rotura de ligamentos e não podia fazer ginástica durante, pelo menos, três semanas. Estávamos em vésperas do grande espetáculo de final de ano, que há meses a fazia sonhar...
Na noite em que chegou a casa, depois da primeira avaliação do seu problema, a Clarinha chorou, e nós sentimos o coração partido. Sabíamos que ela precisava de deitar cá para fora toda a frustração de não poder participar no espetáculo da Menina do Mar, onde iria dançar como uma alga agitando-se nas ondas azuis.
Mas algumas horas depois, quando se foi deitar, as lágrimas já tinham dado lugar a um sorriso. Não terá sido um sorriso espontâneo, antes o sorriso treinado de quem está habituado a sofrer alguma dor para conseguir os resultados de beleza e ritmo de cada exercício. O sorriso que nasce na dor é certamente bem mais precioso do que o que nasce na alegria... Como Chiara Badano, em situação bem mais grave, também a nossa Clarinha precisava de aprender a dizer: "Tu queres, Jesus? Então eu também quero."
A ginástica foi substituída pela fisioterapia, os treinos por consultas de fisiatria e, para a semana, ortopedia. As férias da Clarinha prometem ser bem mais calmas do que esperávamos, ou pelo menos, com menos saltos e piruetas! A "bilha" do "Nós, Jesus" vai sendo cheia da água dos seus pequenos sacrifícios.
A vida, como o desporto, oferece-nos oportunidades contínuas de lidar com a frustração. Podemos desperdiçá-las, queixando-nos da sorte e resmungando de tudo e de todos; ou podemos agarrá-las com ambas as mãos, forçando um sorriso, oferecendo a Jesus a nossa dor e avançando, com humildade nova, no caminho que se nos abre.
Nestes dias, temos vindo a escutar, na primeira leitura da missa diária, a história de José, filho de Jacob, traído pelos irmãos e vendido como escravo para o Egito, e finalmente tornado poderoso administrador do faraó. Perdoando de coração aos seus irmãos, José faz esta afirmação:
"Vós planeastes fazer o mal contra mim. Deus, porém, teve em mente com isso um bem." (Gn 50, 20)
Na tarde do espetáculo, em vez de dançar no palco, a Clarinha tocou guitarra sentada no sofá da sala, enquanto os irmãos mais novos dançavam e batiam palmas. Escutando a sua voz alegre e forte, capaz de afastar para longe todos os fantasmas, eu pensava...
Educar os filhos é também ajudá-los a gerir o seu desapontamento e a sua frustração, acreditando que não há mal que Deus não possa transformar em bem, se lho entregarmos com confiança e humildade. Na vida, nem sempre os ventos nos são favoráveis - e ainda bem, pois o que faríamos nós com ventos favoráveis o tempo todo? Os aviões descolam sempre contra o vento...
Só quem é professor imagina as angústias que os professores vivem nestes dias de avaliações. Em cada reunião, analisamos os alunos em risco de retenção até à exaustão, fazemos "futurismo", como dizemos na nossa gíria, imaginando o que irá acontecer caso o aluno passe e caso fique retido, recolhemos os bocadinhos de esforço e os restinhos de trabalho demonstrados por alunos mais problemáticos, refletimos, mudamos notas, voltamos atrás, avaliamos o impacto de uma retenção no contexto familiar, contamos pequenas histórias de cada aluno que ajudam a puxar um sorriso, a criar empatia. Um professor nunca é - embora haje quem o pense - indiferente ao destino dos seus alunos, por muito que estes alunos o tenham desafiado e até insultado. As reuniões de avaliação são sempre, para mim, uma grande lição de humanidade.
E no entanto, apesar de todos os esforços, de toda a boa vontade, somos sempre injustos. Porque o João passou, e o José, numa reunião diferente, com um conselho de turma diferente, ficou retido. Porque conseguimos comparar notas, mas não pessoas, histórias de vida, contextos familiares. E esta sensação de termos sido injustos algures durante o caminho insiste em nos acompanhar pela vida.
Nestes dias de avaliações, lembro-me da jovem beata Chiara Badano. Também ela sofreu muito com a escola! Durante a sua adolescência teve inclusive de repetir um ano. Os colegas de Chiara são unânimes a dizer que a Chiara foi vítima de uma enorme injustiça, chumbada num exame para o qual se preparou muito bem, mas avaliada negativamente por uma professora que não gostava dela, num tempo em que as avaliações não eram sujeitas ao controlo dos tempos atuais.
Terá esta injustiça quebrado a fortaleza de Chiara? Pelo contrário: esta injustiça foi, para a jovem Badano, um trampolim para a santidade. Chiara aproveitou a oportunidade de ter sido injustiçada para crescer no amor fraterno: jamais permitiu que, junto dela, se falasse mal da professora em causa; continuou a cumprimentá-la com o seu sorriso pronto; e ofereceu o o seu sofrimento "a Jesus Abandonado". Chiara entrou na escola, no ano seguinte, de cabeça levantada, tomando lugar na sua nova turma com simplicidade e alegria. A injustiça que sofreu desafiou Chiara a tornar-se santa.
Cá em casa, ouço com alguma frequência os meus filhos a queixar-se de injustiças, quer da parte dos professores, quer dos colegas - porque o trabalho de grupo que não foi bem avaliado, porque o teste que foi demasiado curto ou demasiado extenso, porque o colega fez barulho e não deu para ouvir qual era o trabalho de casa. Que fazer com estas pequenas injustiças (e atenção que não estou a falar de bullying ou de coisas realmente graves)? Ajudemos os nossos filhos a aproveitar estas oportunidades para crescer em perdão, compreensão, auto-controlo, fraternidade. Não os encorajemos a queixar-se por pequenas coisas - geralmente são mais pequenas do que as imaginamos! Ninguém se torna santo sem sofrer contrariedades. Diz Isaías, profetizando sobre Jesus:
"Entreguei as minhas costas aos que me batiam, e as minhas faces aos que me arrancavam a barba; não escondi o rosto aos ultrajes e às cuspidelas. Conservei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei envergonhado." (Is 50, 6-7)
Ah, vamos ficar tão surpreendidos quando chegarmos ao céu, e descobrirmos quais os trampolins luminosos que nele nos lançaram...
O António estava a comer com imenso prazer. Entre garfadas, ia conversando com os irmãos e connosco, muito animado.
- Quero mais!
- Se faz favor.
- Quero mais se faz favor!
Coloquei um pouco mais de massa e de carne estufada no seu pequeno prato.
- Mais! - O António manteve o prato estendido.
- Come primeiro essa, depois se ainda tiveres espaço, dou-te mais - Respondi-lhe.
E foi então que a birra começou:
- TANTA POUCA!
- O quê?
- TAAAAANTA POUUUUUUCA!
- António, se quiseres mais eu dou, mas primeiro comes o que tens no prato.
Agora as lágrimas corriam a alta velocidade, e o prato continuava intocado diante do meu filho de quatro anos. Já não havia nada a fazer: era mesmo hora de birra... Os irmãos encolheram os ombros, nós também, e continuámos a tentar conversar por entre os gritos do António, enquanto eu escondia um sorriso diante da sua gramática atabalhoada:
- TAAAAANTA POUUUUUUCA!
Por fim, vendo que ninguém cedia - e porque a carne estava mesmo apetitosa - o António lá limpou as lágrimas e assoou o nariz, e continuou a comer. Afinal o que tinha no prato parece ter sido suficiente, porque não tornou a repetir.
Enquanto escutava os gritos do meu pequeno filho, fui pensando em como tantas e tantas vezes, também nós ficamos com o prato estendido diante do Senhor, fazendo birra:
- Tanta Pouca!
Temos diante de nós um prato, que o Senhor preparou com carinho especialmente para nós, mas raramente estamos satisfeitos: temos filhos a mais, ou filhos a menos; temos trabalho a mais, ou trabalho a menos; temos dinheiro a mais, ou dinheiro ao menos; temos chuva a mais, ou frio a mais, ou calor a menos, ou amigos a menos, ou saúde a menos, ou... Porque não estamos nunca satisfeitos?
Recordo aqui a oração constante da jovem Beata Chiara Badano, que nasceu no mesmo ano que eu e morreu aos dezoito anos de idade. Já falei desta oração várias vezes, e hei-de continuar a falar, porque nela está contido o segredo da verdadeira alegria, essa alegria que nada nem ninguém nem circunstância alguma da vida pode roubar:
"Tu queres, Jesus? Então eu também quero."
Ou como disse Jesus ao longo de toda a sua vida:
"Faça-se a Tua vontade, ó Pai, na Terra como no Céu." (Mt 6, 10)
Ámen!
O António é uma criança doce, terna e bela, por dentro e por fora. Mas o António não tem sido assim muito fácil de "criar"!
- António, queres maçã ou banana para sobremesa?
- Quero quivi.
- Não há quivi.
- Mas eu quero quivi!
- António, vou repetir: queres maçã ou banana?
- Já disse que quero quiviiiiiiiiiiiiiiii!
- António, o pai trouxe-te uma bola.
- Eu queria era um balão!
- Não estás contente com a bola?
- Eu queria era um balão!
- Mãe, quero ir à praia.
- Eu também, mas está a chover, António.
- Quero ir à praia e quero ir agora!
- Está a chover, António!
- Já disse que quero ir à praaaaaaaaaaaia!
Já aqui falei das birras do António, pois são bastante frequentes. Às vezes, perco a paciência, e o resultado é um grito. Outras vezes, contudo, fico simplesmente a pensar...
É que o António é mesmo uma parábola viva daquilo que nós, adultos somos diante de Deus!
O Senhor oferece-nos um emprego - mas nós queríamos mesmo era o outro!
O Senhor presenteia-nos com um filho diferente - mas o que nós queríamos era um filho "normal"!
O Senhor oferece-nos uma casinha na aldeia - mas o bom seria viver num apartamento na cidade!
O Senhor dá-nos dinheiro suficiente para alimentarmos os filhos - mas o que nós queríamos era dinheiro para férias!
E a lista seria interminável... Claro que podemos sempre argumentar: não é Deus que nos envia as doenças, ou que nos faz perder o emprego! Sabemo-lo bem, e temos razão, porque Jesus assim no-lo assegurou. Mas também podemos olhar para a vida de outra maneira, e aceitar tudo, tudo, das suas mãos, como se cada acontecimento da vida, bom e mau - excepto o pecado - fosse um presente seu! É uma proposta de vida... Assim, e ao contrário do António, estaremos sempre felizes, quer tenhamos quivi, quer tenhamos maçã, quer chova, quer faça sol!
Chiara Badano teria quase a minha idade, pois nasceu em 1971, e eu nasci em 1972. Contudo, Chiara morreu aos dezoito anos, e já foi beatificada pela Igreja, numa bela cerimónia que contou com a presença de 25 mil jovens. Chiara adoeceu com cancro no auge da sua juventude. A mãe recorda-se bem do dia em que Chiara chegou a casa, depois dos primeiros tratamentos. Sem dizer palavra, fechou-se no quarto, e aí permaneceu 25 minutos. Foi a luta mais difícil da sua vida - a luta entre a sua vontade e a vontade de Deus. 25 minutos que deram a vitória a Deus... Chiara saiu do quarto a sorrir. Nunca mais se queixou da doença, e morreu feliz, com uma felicidade de fazer inveja ao maior milionário da Terra. Chiara tinha uma oração que repetia a toda a hora, diante de toda e qualquer circunstância da vida:
"Tu queres, Jesus? Então eu também quero."
Talvez o segredo da felicidade seja mesmo este...