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Levanta-te e anda

por Teresa Power, em 16.10.15

No dia 13 de outubro fui ao Hospital Universitário de Coimbra para a consulta de pós-operatório, onde me seria comunicado o resultado final da análise do tumor retirado. Nesta consulta eu iria saber se o tumor era, como se supunha, benigno, ou se, pelo contrário, seriam necessários mais tratamentos.

Cheguei ao hospital, subi ao nono andar, onde tinha estado internada, e dirigi-me à consulta. A médica que me recebeu tinha um enorme sorriso na cara: confirmava-se a benignidade do tumor, e confirmava-se também a pertinência da sua exérese, pois a análise tinha revelado características que podiam vir a degenerar em cancro dentro de alguns anos. Resumindo: o tumor tinha sido retirado a tempo, e este capítulo da minha vida podia ser encerrado.

Desci novamente ao rés-do-chão e apressei-me a entrar na capela, a mesma capela onde passara algumas horas daquela longa tarde de domingo, na véspera da operação... Os meus quinze minutos diários de oração diante do sacrário foram passados ali, em perfeita ação de graças.

Saí do hospital também eu com um enorme sorriso na cara. O sol brilhava muito forte, o céu estava muito azul, os pássaros cantavam, e um futuro novinho em folha estendia-se diante de mim: tinha sido aberto pelas palavras da médica, assegurando-me de que estava curada do meu mal.

No carro, de regresso a casa, meditei naquela magnífica história do Evangelho, em que quatro amigos levam um paralítico a Jesus e o fazem descer pelo telhado:

 

"Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: «Filho, os teus pecados estão perdoados.» Ora estavam lá uns doutores da Lei que discorriam em seus corações: «Porque fala ele assim? Blasfema! Quem pode perdoar os pecados senão Deus?» Jesus percebeu logo, em seu íntimo, que eles assim discorriam; e disse-lhes: «Que é mais fácil? Dizer ao paralítico: 'Os teus pecados estão perdoados' ou dizer: 'Levanta-te, toma o teu catre e anda'? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, Eu te ordeno - disse ao paralítico: levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa.» Ele levantou-se e, pegando logo no catre, saiu à vista de todos, de modo que todos se maravilhavam e glorificavam a Deus, dizendo: «Nunca vimos coisa assim!»" (Mc 2, 1-12)

 

A doença bloqueia o futuro do ser humano, impedindo-o de sonhar, de projetar, de experimentar todas as suas potencialidades; mas o pecado bloqueia um futuro muito mais longo: a eternidade. Estar paralítico no corpo é muito menos sério do que estar paralítico na alma... Talvez o paralítico do Evangelho só tenha percebido o alcance do perdão que Jesus lhe ofereceu depois de experimentar o regresso à vida do seu corpo paralisado.

Se um médico se dirigir a um amigo e lhe disser: "Alegra-te, amigo, porque não tens cancro!" O amigo certamente sorrirá, meio distraído; mas se o médico disser essas mesmas palavras a um seu paciente que, depois de longos tratamentos de quimioterapia, regressa ao consultório para um exame final, esse paciente dará saltos de alegria. Quem nunca esteve doente não conhece a alegria de se saber curado.

"Vai em paz, os teus pecados estão perdoados." É assim que terminam as nossas confissões, junto de um sacerdote. Será que alguma vez nos demos conta do alcance desta afirmação?  Alguma vez teremos saltado de alegria perante o futuro que o perdão nos oferece?

Enquanto não experimentarmos, no mais profundo da nossa vida, a certeza de que somos terrivelmente pecadores; que, sem Deus, nada de bom podemos fazer; que, se não caímos em pecado grave, é porque a graça de Deus não nos deixa cair; enquanto não nos sentirmos como doentes que precisam de médico, segundo as palavras de Jesus; enquanto não percebermos que, sem o perdão de Deus, o nosso futuro acaba aqui mesmo, nunca experimentaremos a profunda alegria do Evangelho...

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publicado às 06:00

Quivi

por Teresa Power, em 07.02.15

No domingo passado, como corolário de uma semana de gastroenterite, foi a vez da Sara vomitar. Já sem grande capacidade de reação, lavei a colcha da minha cama - que a Sara decidiu começar a sua sessão de vómitos enquanto a mudava sobre a minha cama -, os tapetes, as roupas, etc, com a preciosa ajuda da minha máquina cristã. Segunda-feira tive de ficar em casa com ela, faltando à escola. A Sara já estava mais bem disposta, mas continuava com os intestinos muito acelerados. Depois de brincarmos às escondidas sob a roupa a secar...

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 ... de passarmos a ferro um castelo de roupa e de dobrarmos pares de meias sem fim (sim, a Sara ia "ajudando"...)

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 ... a Sara fez-me um pedido:

- Quero quivi!

Olhei para ela com espanto:

- Quivi? Com os intestinos como tens, a desfazerem-se em água? Não, Sara, não te vou dar quivi. Vou dar-te um caldinho de cenoura e vais com muita sorte!

O tom de súplica tornou-se mais insistente:

- Quero quivi!

- Não, Sara, não há quivi hoje para ninguém.

Mas a Sara tinha visto a enorme caixa de belos e apetitosos quivis, que um simpático casal com quem nos cruzamos todos os domingos na missa nos oferecera. Sem paciência para me aturar, a Sara começou aos gritos:

- QUERO QUIVI! QUERO QUIVI! QUERO QUIVI!

 

Enquanto a procurava distrair, mostrando-lhe os passarinhos a saltitar no jardim e as gotas de chuva a cair, pensei na forma como tantas vezes rezo, e rezo mal... Como a Sara, também peço o que não me convém, e bato o pé porque o quero a todo o custo. Já o Apóstolo Tiago explicava aos cristãos:

 

"Pedis e não recebeis porque pedis mal, para gastardes com as vossas paixões." (Tg 4, 3)

 

Quantas vezes a minha oração se assemelha a uma lista de compras... "Dá-me isto, dá-me aquilo..." É tentador utilizar a oração para satisfazer as nossas paixões, e para nos queixarmos de tudo o que o Senhor não nos dá ou nos tira. E somos muito mal-criados na forma como o fazemos!

Jesus ensinou-nos a pedir, sim, com a simplicidade de uma criança que pede, insiste e volta a pedir a seu pai. Mas depois de cada pedido, Jesus ensinou-nos a acrescentar uma palavra de delicadeza, semelhante ao "se faz favor" que ensinamos às crianças:

 

"Seja feito como Tu queres, e não como Eu quero" (Mt 26, 39)

 

Ou:

 

"Seja feita a tua vontade, na terra como no céu." (Mt 6, 10)

 

Assim seja mesmo!

 

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publicado às 06:18

Os cabelos de Deus

por Teresa Power, em 26.01.15

O António estava sentado no banquinho da casa de banho, mentalmente preparado para a aborrecida tarefa que se ia seguir; e eu procurava na caixa o pente mais ajustado para colocar na máquina de cortar cabelo.

- Que aborrecimento, está sem carga! - Desabafei, enquanto ajustava o pente. - António, acho que não te posso cortar hoje o cabelo. O Francisco tinha tanto cabelo que a máquina ficou sem carga depois do corte de ontem.

Enquanto retirava o pente da lâmina, liguei sem querer a máquina, que uma vez sem pente, começou a trabalhar.

- Olha, já dá! - Exclamei. E com a pressa de aproveitar o bocadinho de energia da máquina, encostei a lâmina à cabeça do António e cortei. Só quando vi os cabelos a cair no chão é que me lembrei que acabara de retirar o pente, e portanto, o que fizera na cabeça do António fora semelhante ao acto de barbear alguém. Com um grito, atirei com a máquina para o chão e abracei o meu filho.

- Desculpa, António!

- Porquê? Cortaste-me? Não me dói!

- Não, filho, não te cortei... Cortei o teu cabelo, isso sim, um pouco, bem, um bocadinho demais... Ai o que eu fiz!

Atraídos pelos meus gritos, os irmãos entraram na casa de banho. Olharam para o António com olhos muito abertos, e depois soltaram uma gargalhada:

- Assim é que tu estás na moda, António! - Disse-lhe o Francisco, dando-lhe uma palmada amigável nas costas. Depois murmurou-me ao ouvido: - Tens sorte não me teres feito isto a mim...

Mas o António não pareceu muito afectado com o corte moderno. Dando-me um grande abraço, descansou-me: 

- Não faz mal, mamã. Não fizeste de propósito! E eu ainda sou o António, não sou?

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O perdão instantâneo do António lembrou-me como é simples a vida quando não estamos presos à moda, ao que os outros vão dizer, à ditadura do espelho; mas mostrou-me principalmente como tudo se descomplica quando não duvidamos da bondade do nosso Pai, que nunca fará nada para nos magoar "de propósito". Por fim, também eu consegui dar uma gargalhada.

 

A C. é uma leitora assídua do blogue. Antes do verão passado, a C. também ficou sem cabelo - não apenas num rectângulo bem definido da cabeça, mas na cabeça inteira... Não por descuido, mas por causa da quimioterapia... Quando partilhou um bocadinho da sua jovem vida comigo, através do mail, pediu-me oração. Temos rezado por ela em família todos, todos os dias! Na semana passada, a C. deu-nos uma boa notícia: os tratamentos para o cancro estão a resultar! Em breve, o seu cabelo voltará a crescer.

 

Este post, C., é para ti, em acção de graças contigo, e para todos os leitores que, como tu, estão doentes. Sejamos todos capazes de acreditar na bondade do Senhor, que nos assegurou:

 

"Não se vendem dois passarinhos por uma moeda? E nenhum deles cairá no chão sem o consentimento do vosso Pai. Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não temais, portanto, pois valeis muito mais do que os passarinhos." (Mt 10, 29-31)

 

No dia em que acreditarmos verdadeiramente na bondade de Deus, que conta os cabelos da nossa cabeça e nos trata pelo nome - nesse dia seremos felizes...

 

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publicado às 06:30



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