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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Há duas semanas atrás, quase todos os Power estiveram doentes. Os mais pequenos trouxeram para casa uma belíssima virose de vómitos, os mais velhos andaram enjoados e sem forças, e por fim, na noite de sábado para domingo (da outra semana), foi a minha vez.
- Meninos, despachem-se, vistam-se para a missa que hoje a mamã não vos pode ajudar - Disse o Niall, procurando orientar a manhã dos seis filhos.
- Porquê?
- Porque vomitou a noite toda e continua muito aflita - Explicou. - Quando viermos da missa já vai estar melhor. Agora vistam-se!
A Lúcia e o António entraram apressadamente no meu quarto.
- Mamã, que devemos vestir para a missa?
- O que quiserem - Respondi eu sem pensar, procurando controlar as dores de barriga - Vistam o que quiserem, mas deixem-me em paz!
Só na segunda-feira de manhã, quando finalmente saí da cama, é que me dei conta do erro que cometera com esta minha inocente resposta... Pelas camas e cadeiras estava espalhado todo o tipo de roupa, desde t-shirts a vestidos de verão.
- Clarinha, que aconteceu aqui? - Perguntei, desanimada.
- Ora, mãe, não lhes disseste para vestirem o que quisessem? Eles levaram à letra a tua resposta, e deram volta às roupas todas! Não tive como os controlar!
Bem, mas esta conversa foi na segunda-feira de manhã, porque durante todo o domingo eu lutei na cama contra a bela virose que me assaltou de surpresa. "Que perda de tempo!" Pensava, quando conseguia pensar. "Hoje que tencionava corrigir uma turma de testes... Hoje que escolhera cânticos tão bonitos para cantar e tocar na missa... Hoje que prometera à Sara construir um castelo de legos com ela... E em vez disso, estou na cama sem fazer nada!" Mas depois o meu pensamento foi buscar uma outra lógica, a lógica divina, que o Papa Francisco tão bem explicou em A Alegria do Evangelho: "Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode agradar mais a Deus que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar grandes dificuldades." (nº44) E logo exultei de alegria, tanto quanto pode exultar de alegria alguém doente na cama.
De facto, é muito mais fácil ser-se simpático, amável, misericordioso, quando se está saudável, quando se comeu bem e dormiu melhor, quando a vida não nos apresenta grandes dificuldades. Mas como é difícil sorrir quando sofremos! Então é altura de dar esse "pequeno passo", de oferecer ao Senhor um pequeno esforço. Talvez o sorriso seja um pouco "amarelo", mas é de certeza bem valioso! Um dia doente de cama é uma experiência extraordinária de humildade...
Que desculpa terei eu a dar a Deus por não ter sido santa, quando um dia O encontrar face a face, se tudo na minha vida me facilita o caminho? Sem qualquer mérito meu, nasci e cresci num país do primeiro mundo, longe da guerra, da fome, da violência, numa família onde sempre fui amada e muito bem tratada, numa casa praticamente ao lado de uma igreja... Nunca tive de percorrer quatro quilómetros a pé, debaixo de sol e de chuva, para ir à missa, nem tive de participar em celebrações clandestinas durante a noite sob ameaça de bombas, nem tive de atravessar o Mediterrâneo numa gincana, nem tenho de suportar um marido violento, nem tenho de enfrentar uma família avessa à religião, nem tenho de roubar para comer, nem... Ah, que seria de mim, se a minha vida fosse feita de doença, sofrimento, solidão...? Seria eu a mesma mulher de fé? Seria eu capaz de me esforçar por ser santa e por educar os meus filhos na Lei de Deus? Não seria antes tentada a baixar os braços e a responder "Façam como quiserem", como respondi aos meus filhos naquele único dia de mal-estar?
Recebo muitos e-mails de leitoras deste blogue, confidenciando-me como a sua vida é difícil, e como procuram manter a sanidade mental, a fé, ou simplesmente o seu casamento, no meio de grandes adversidades. Como eu admiro estas pessoas! Algumas partilham comigo terem conseguido, finalmente, levar os filhos à missa, ou rezar em família à hora das refeições. Tenho a certeza de que esta missa esforçada ou esta oração rápida e meio envergonhada tem, diante do Senhor, mais valor que a minha missa confortável e a nossa longa oração diária... Um pequeno passo no meio de grandes limitações vale mais que todo o ouro do mundo. Lembro-me da viúva do evangelho:
"Levantando os olhos, Jesus viu os ricos deitarem no cofre do tesouro as suas ofertas. Viu também uma viúva pobre deitar lá duas moedinhas e disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou mais do que todos os outros; pois eles deitaram no tesouro do que lhes sobejava, enquanto ela, da sua indigência, deitou tudo o que tinha para viver.»" (Lc 21, 1-4)
Animada com este espírito, procurei aproveitar muito bem o meu dia de sorte, naquele domingo passado na cama, não desperdiçando nenhuma oportunidade para sorrir no meio da dor, ser amável quando apetecia responder torto, calar-me quando apetecia queixar-me. Não consegui corrigir testes, não consegui trabalhar neste blogue durante uma semana inteira (graças a Deus tinha o post sobre o retiro preparado nos rascunhos), mas certamente que os meus pequenos sofrimentos foram mais valiosos que muitos textos aqui escritos, e certamente que Deus sorriu ao ver o meu (vão) esforço.
Já passou... Foram apenas algumas horas oferecidas - pobremente oferecidas - ao Senhor. Agora vem aí a Quaresma, e com ela, o grande convite à mortificação, à renúncia, ao jejum, ao silêncio. Serei capaz de a aproveitar?...
PS - Prometo compensar esta semana a falta de posts da semana passada!
Como já contei, a Clarinha praticou ginástica artística no Colégio, como desporto escolar, até ao ano passado, altura em que finalmente abriu um clube de ginástica rítmica perto de nós, no Velódromo Nacional de Sangalhos. A Clarinha pôde assim concretizar o seu sonho e iniciar a competição em ginástica rítmica. Desde então, de aula em aula, de competição em competição, a Clarinha tem crescido como atleta e como pessoa. E com ela, todos temos crescido também!
Quando entrou para a ginástica rítmica, a Clarinha já fazia a espargata com muita facilidade. No entanto, um ângulo de 180º é pouco na ginástica rítmica. Assim, a professora ensinou a Clarinha a treinar a espargata apoiada num banquinho primeiro, depois em duas cadeiras. O treino é duro, mas eficaz: um bocadinho mais de cada vez, durante cinco ou dez minutos, aguentando alguma dor ou até limpando alguma lágrima fortuita, enquanto se põe a conversa em dia com as amigas, e a espargata vai abrindo...
- Eu nunca seria capaz de fazer a espargata - Digo-lhe eu muitas vezes.
- Eras, se treinasses - Responde-me a Clarinha. - Na ginástica estão algumas meninas que não conseguiam fazer espargata alguma, e agora já treinam com um banquinho. Um bocadinho mais de cada vez!
Um bocadinho mais de cada vez. Não apenas na ginástica, claro... "Um bocadinho mais" tornou-se o nosso lema no treino da santidade. É preciso treinar a generosidade, a oração, a renúncia, a vontade, a gratidão...? Um bocadinho mais de cada vez:
Hoje, fazemos quinze minutos de oração; amanhã, podemos fazer dezoito, e depois de amanhã, já conseguiremos fazer vinte minutos...
Hoje, rezamos um mistério do terço em família; amanhã, podemos rezar dois; em breve rezaremos o terço inteiro...
Hoje, levantamos a mesa sem que nos peçam; amanhã, levantamos a mesa e colocamos a louça na máquina; em poucos dias, somos capazes de arrumar a cozinha sozinhos...
Hoje, mordemos o lábio quando queremos responder a alguém que nos insulta; amanhã, um suspiro será suficiente; em breve seremos capazes de sorrir de volta a quem nos insultar...
Hoje, gerimos com facilidade dois filhos; amanhã seremos capazes de arriscar um terceiro; em breve deixaremos de ter medo de uma família numerosa...
Doi? Um bocadinho. Como a espargata. Nada que não se aguente...
Jesus deixou-nos este conselho no Evangelho:
"Se alguém te tirar a túnica, dá-lhe também a capa; e se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas." (Mt 5, 40-41)
No domingo, a Clarinha competiu nas distritais. A sua alegria, às seis da manhã, antes de sair de casa, era imensa! As distritais foram o culminar de um treino longo e intensivo, e a recompensa do seu esforço. Também nós vivemos um tempo de treino intensivo: a quaresma. Um bocadinho mais cada dia, e a Páscoa despontará finalmente, bela e luminosa, na nossa vida...
No sábado, a Clarinha teve a sua segunda competição de ginástica rítmica (a primeira, com vídeo, está aqui).
- Desta vez, adorava que tu me pudesses ver! - Disse-me. - O papá já viu, agora adorava que visses tu!
- Bem, eu também adorava ir. Onde é?
- Em Cacia. Achas que o papá pode dar a tua catequese e tomar conta dos manos durante a tarde?
- Claro que sim. Eu falo com ele!
Mas não foi preciso. O Niall já tinha decidido isso mesmo! Assim, no sábado, a Clarinha e eu almoçámos às onze da manhã, e ao meio-dia estávamos no pavilhão desportivo de Cacia.
Fazia muito, muito frio. O termómetro do carro marcava seis graus, e chovia. Dentro do pavilhão estava ainda mais frio; e também chovia em alguns lugares...Todos os pais comentavam a falta de condições, mas as atletas não pareciam minimamente preocupadas: com caras felizes, saltavam e repetiam os exercícios da prova. Eu regressei ao carro, onde pude ligar o ar condicionado e aquecer um pouco os pés, e fiquei a corrigir testes até à uma e meia, hora do desfile inicial. Depois regressei ao pavilhão, para me emocionar diante do milagre que estava diante de mim: a minha filha estava novamente a pisar o chão dos seus sonhos, indiferente ao frio que se fazia sentir, indiferente à certeza que tinha de não conseguir obter uma classificação muito alta (afinal ia competir com meninas que faziam ginástica há anos e anos...), indiferente ao júri sentado diante dela. Quando chamaram o seu nome e ela fez o movimento de resposta apropriado, senti as lágrimas a toldar-me a vista:
Depois do desfile, começou a competição. As meninas mais novas foram as primeiras a actuar. Uma a uma, música a música, deslizavam sobre o praticável, com sorrisos felizes. Olhei para o relógio: três horas... A tremer de frio, procurei encontrar um espacinho na bancada para colocar os meus testes, e continuei a corrigir. Uma turma de testes terminada, e a Clarinha continuava aos saltos no praticável de treino. Arrumei a turma de testes e retirei outra da minha mala. Sempre a tremer de frio, corrigi a segunda turma por completo, enquanto no praticável as meninas se sucediam, ao ritmo da música. Bolas, arcos, fitas, e muita beleza. Suspirei. Quando seria a vez da Clarinha? Duas turmas arrumadas, horas de abrir o computador e começar a escrever retiros, ensinamentos... E a Clarinha sem actuar. Seis horas...
De repente, alguém me faz um gesto: é preciso preparar a máquina fotográfica! A Clarinha já está a tirar a camisola, mostrando o seu fatinho azul... Levanto-me. É agora! Com um sorriso, a minha filha faz a sua prova com corda, e meia hora e muitas meninas mais tarde, fará novamente a prova de maças (uma espécie de pinos usados em ginástica). Para mim, pareceu-me perfeito, claro; para o júri, teve falhas; para a Clarinha, foi um momento de pura magia.
Quando terminou as provas, pensei que ia sentar-se um bocadinho e descansar: qual quê! "Vai treinar os exercícios que falhaste, Clarinha" Disse-lhe a professora, sorridente. E a Clarinha regressou ao praticável de treino para repetir, repetir, repetir... Olho para o relógio: será possível? Sete horas da tarde! Sinto os pés, as mãos e até o pensamento congelados.
Por fim, o dia termina. Há bolos e croissants para o lanche. A Clarinha suspira, feliz. Fez novas amigas, reviu caras já conhecidas da primeira competição, conversou, trocou ideias e descobriu novos movimentos. Eu também aprendi algumas coisas: conversando com as outras mães, já depois da actuação da Clarinha, descobri que há uma forma de saber a que horas as nossas filhas vão competir; e essa forma é... consultar o site! Viva, Teresa, descobriste o óbvio, mas mais vale tarde do que nunca!
A caminho de casa, no carro quentinho, a Clarinha a dormitar a meu lado, vou pensando... Estar ao frio durante sete horas, para ver duas actuações de um minuto e meio cada, foi o preço a pagar pelo imenso amor que tenho à minha menina. Foi difícil? Foi... Voltava a fazê-lo? Claro! É normal fazer isto por um filho? Normalíssimo! Não tem nada de mais...
Por sua vez, a Clarinha também teve um preço a pagar pelo seu imenso amor à ginástica: trabalhou durante sete horas no duro, repetindo e repetindo, e tornando a repetir os mesmos gestos. Foi difícil? Foi... Voltava a fazê-lo? Claro! Foi a única? Não: todas treinavam com o mesmo afinco. Não tem nada de mais...
E quando chega a hora de trabalhar pelo Senhor? Custa, levantar cedo para ir à missa ou para rezar? Custa, perder uma tarde de sábado para visitar os velhinhos ou os doentes, ou ir à catequese? Custa, enfrentar o confessionário? Custa, dar um pouco de tempo para servir os outros, na paróquia ou no bairro? Claro que sim! É normal fazer isto pelo Senhor a quem amamos? Normalíssimo! Não tem nada de mais...
Diz-nos o Senhor no Evangelho:
"Quando fizerdes tudo o que vos foi mandado, dizei:
'Somos servos inúteis. Fizemos apenas o que tínhamos de fazer.'"
(Lc 17, 10)
A Sara tem andado muito atarefada a aprender uma coisa muito importante: fazer chichi e cocó no bacio e deixar a fralda de vez! Esta aprendizagem tem consumido toda a sua concentração e toda a sua energia, e a Sara tem chegado da escola cansada e birrenta. Conscientes da luta que ela tem travado, temos aumentado as doses de paciência e de carinho, aguentando em silêncio os choros intermináveis acompanhados de pontapés e murros no chão, e caminhando pela casa e pelo pátio de esfregona em punho para limpar os vários "acidentes" de percurso.
Mas ontem foi dia de cantar vitória: de repente, a meio da tarde, a Sara foi a correr para a casa de banho, e saiu de lá meia despida, a correr também. Pegando-me na mão, a Sara conduziu-me à casa de banho e apontou para o bacio, com um sorriso triunfante. Ali dentro, transparente, amarelo, mal cheiroso, estava o líquido precioso tão aguardado, fruto de tantos esforços e razão de ser de tanto trabalho: chichi! Chamei os manos, que vieram a correr:
- Mostra, mostra!
- Não despejes sem eu ver!
- Eu também quero ver!
- Boa, Sara!
- Parabéns!
E naquela casa de banho, a Família Power fez uma festa à volta de um bacio!
O Papa Francisco escreveu na sua Carta Encíclica A Alegria do Evangelho, número 44:
"Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correcta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades."
Uma das famílias que fez o último retiro Famílias de Caná escreveu-me para o mail, dizendo que desejava de todo o coração ser Família de Caná, mas que estava consciente de ainda estar muito, muito longe do nosso ideal.
Hoje, a Sara aprendeu a fazer chichi no bacio; amanhã, aprenderá a andar de bicicleta; depois, descobrirá que consegue ler e escrever. As vitórias de hoje são muito pequeninas, mas muito importantes, porque sem elas, não alcançamos as seguintes. Se eu, que sou apenas uma mãe terrena e imperfeita, sou capaz de verdadeiramente saltar de alegria diante do chichi no bacio da Sara, quanto mais Deus, o nosso Pai e Criador, não saltará de alegria diante das nossas mais pequeninas conquistas?
Caminhar na direcção do ideal de santidade que desejamos é cansativo e exige toda a nossa concentração, como aprender a fazer chichi no bacio exigiu da Sara. Vamos fazer birras, vamos ter vontade de nos atirarmos ao chão com muitos pontapés e murros, vamos chorar, vamos sentir a tentação de desistir. Mas um dia, de repente, descobrimos que somos capazes. Diz o salmo 125/126:
"Aqueles que semeiam com lágrimas,
vão recolher com alegria.
À ida vão a chorar,
carregando e lançando as sementes.
No regresso cantam de alegria,
transportando os feixes de espigas."
Ah, que festa faremos então...