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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Durante todo o tempo que esteve na Alemanha - bem como, depois, na França - o Niall trabalhou duramente em restaurantes, lavando a louça e preparando as refeições da noite, para poder pagar o seu alojamento. Assim, os nossos encontros ao serão eram raros, e eu ficava sempre cheia de pena por não podermos aproveitar todos os minutos do dia para namorar.
Um belo dia, e apesar de a minha família nunca tal me ter sequer sugerido, decidi que também era capaz de trabalhar. Afinal, iria precisar de juntar algum dinheiro, se queria visitar o Niall na Irlanda, no verão! E foi assim que me dirigi ao mesmo restaurante onde o Niall lavava a louça.
O dono do restaurante foi muito simpático comigo. Apresentou-me o pessoal da casa e depois conduziu-me à sala de jantar. O meu trabalho não seria na cozinha, mas na sala, servindo refeições. Apressado, mostrou-me os armários dos pratos e as gavetas dos talheres, explicando tudo a uma velocidade relâmpago - em alemão; ensinou-me a segurar a bandeja e a fazer o pedido, e deu-me um bloco de notas para eu fazer os registos necessários - em alemão. Depois, lançou-me ao trabalho "como cordeiro no meio dos lobos": acabava de entrar um grupo barulhento de treze pessoas, que se sentaram, a rir, à volta de duas mesas. Era preciso ir servir!
Treze pessoas a fazer os seus pedidos, todos em alemão, a caneta a voar no bloco de notas, a cabeça a andar à roda... Cheguei ao bar para buscar as bebidas, e vi o olhar sério do patrão, que seguira todos os meus movimentos. Sem falar, ajudou-me a colocar tudo num tabuleiro. Depois dirigi-me à mesa, e com o meu melhor sorriso, coloquei o tabuleiro no centro, explicando em alemão:
- Não consigo lembrar-me de quem pediu o quê: façam favor de se servir!
Quando os clientes, bem dispostos, acabaram de se servir, e eu retirei o tabuleiro da mesa, reparei que todos os empregados do restaurante olhavam para mim com ar de caso e um sorriso disfarçado nos lábios. Então o patrão chamou-me, dirigiu-se ao balcão, pagou-me uma hora de trabalho e... despediu-me!
Saí do restaurante, onde o Niall continuou a lavar a louça, e corri à primeira cabine telefónica que encontrei, para telefonar à minha mãe. A chorar, contei-lhe que fora despedida do primeiro emprego da minha vida. Ela deu uma sonora gargalhada, enquanto respirava de alívio: as minhas lágrimas tinham-na feito pensar que algo de grave se passara mesmo!
(Reconhecem-nos, ao Niall e a mim, num dos muitos jantares numa residência com amigos Erasmus?)
Esta foi uma das histórias que partilhámos com a equipa de reportagem que nos entrevistou. Ainda hoje me sinto a corar quando penso que fui despedida por não saber servir a uma mesa... O Niall, pelo contrário, ganhou um treino muito jeitoso a lavar quantidades industriais de louça. Hoje, como devem imaginar, este treino dá imenso jeito na nossa casa! É quase sempre o Niall quem arruma a cozinha ao jantar, alternando com o Francisco e a Clarinha alguns dias por semana.
Trabalhar também tornou o Niall mais realista, mais consciente do valor do dinheiro e do preço das coisas, mais sóbrio nos gastos. E trabalhar não impediu o Niall de se divertir ou de arranjar namorada...
Já referi aqui a frase do psicólogo italiano Andrea Fiorenza, perito em educação:
"Oxalá o teu filho tenha uma dificuldade por dia para enfrentar. E se a não tem, oferece-lhe tu uma diariamente."
A Bíblia diz exactamente o mesmo:
"Aquele que ama o seu filho, corrige-o com frequência, para que se alegre com isso mais tarde. (...) Educa o teu filho, esforça-te por formá-lo, para que não te aborreças com a sua vida vergonhosa." (Sir 30, 1.13)
Eduquemos portanto homens e mulheres fortes e corajosos, capazes de enfrentar as agruras da vida com a cabeça erguida e as mangas arregaçadas. Eles agradecer-nos-ão mais tarde!
A grande reportagem da SIC deixou os mais novos muito desapontados:
- Porque é que não mostraram nós a jogar à bola?
- Porque é que não mostraram o António a apanhar os ovos no galinheiro?
- Porque é que não mostraram eu a andar de patins?
- Eles filmaram tanto, e não mostraram nada!
- Mas apanharam a Winnie, viste?
- E a Clarinha estava tão nervosa, que trocou as idades todas!
- Não faz mal.
- Também não mostraram a Sara no baloiço, nem o Canto de Oração...
- Não. Só mostraram um bocadinho da nossa conversa na sala!
- Não faz mal.
- Pois não.
O António já não ouviu o final desta nossa conversa, porque dormia profundamente no sofá. Para quem se costuma deitar às oito e meia...
Claro que, em televisão, com tempo contado, não se pode mostrar tudo o que foi filmado. Mas esta reportagem foi, realmente, uma reportagem bastante coerente com os sinais dos tempos actuais, toda ela centrada nas rendas de casa, nas expectativas de emprego, na vida de "borga" de um estudante. Para utilizar uma expressão muito cara do Papa Francisco: uma reportagem mundana. Para trás ficaram as imagens, que certamente foram muitas, de crianças a brincar. Pelo menos cá em casa, as filmagens foram longas e divertidas, tratando aspectos culturais muito interessantes, como o contacto com a família que vive no estrangeiro e as diferenças de cultura de cada país. Imagino que assim tenha sido nas outras casas também. Mas Portugal está envelhecido, não tenhamos dúvidas. As imagens das brincadeiras infantis de todos estes "bebés Erasmus" teriam dado cor e alegria à reportagem, que ficou, como Portugal, demasiado séria.
Olhando para as imagens daqueles jovens estudantes Erasmus, ocorreram-me muitos pensamentos, mais do que irei registar aqui. Mas ficam alguns:
Hoje, a vida de um estudante Erasmus é feita de muitos confortos! Pelo que pude perceber, até há empresas que prestam serviços de cozinha e tratamento da roupa. Ser estudante num país estrangeiro é uma oportunidade tão boa para aprender a cuidar de uma casa e a tomar conta de si, que me parece uma perfeita estupidez não a aproveitar. Eu aprendi a cozinhar quando fui para a Alemanha e estou muito contente por isso! Parabéns à jovem que, na reportagem, também disse estar a aprender a cozinhar!
Durante todo o tempo que esteve na Alemanha, o Niall sempre trabalhou em restaurantes, lavando a louça, para pagar a sua estadia (como referiu nas filmagens, mas não foi publicado). Não, as bolsas não são suficientes, mas quem disse que tinham de ser? Os jovens precisam de se fazer à vida, o mais cedo possível...
Estar longe de casa ou do namorado, mas poder aceder ao Skype 24 sobre 24 horas é um luxo que não consigo imaginar. Continuo grata às cabines de telefone e ao correio, com tempos bem marcados, que nos ajudavam a aprender a arte de saber esperar. Lembram-se da Raposa e do Principezinho?
"Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, eu já começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito..."
Quando se namora, a arte de saber esperar é extremamente útil, pois é a espera que produz a constância e a fortaleza interior.
Ah, e talvez com menos Skype a jovem retratada na reportagem fosse obrigada, como eu fui, a sair de casa e a lançar-se na grande aventura de fazer amigos...
Finalmente, a questão final: segundo Umberto Eco, "Erasmus" é sinónimo de "orgasmus". Fiquei tão chocada com esta afirmação, que levei alguns segundos mais de reacção do que gostaria, ao ser entrevistada. Eu casei virgem e acredito profundamente no valor da virgindade, não apenas fisica, naturalmente, mas capaz de abarcar a pessoa inteira, com um corpo, uma alma, uma vida.
É muito fácil perder a virgindade e ter todos os orgasmos que se quiser ter quando se é Erasmus, claro: como um dos estudantes entrevistados disse: "Ninguém te conhece, estás por tua conta, os teus amigos e familiares não te podem ver, fazes o que te apetece."
Deixar-se ir na corrente - fazer o que é mais fácil e que, afinal, todos fazem - não tem absolutamente nada de radical; e qual é o jovem que não gosta de ser radical? Um jovem que, quando ninguém o está a ver, continua a agir de acordo com os seus valores e princípios, desses que não se vendem, esse sim, é um jovem radical.
Acredito que seja muito difícil, no actual ambiente universitário, manter-se fiel à doutrina cristã. E sinto a urgência de trabalhar as questões do namoro, da castidade (sim, a palavra ainda existe), da fidelidade, da fortaleza, com casais de namorados e de noivos. Penso que as Famílias de Caná também terão de partir para esse grande apostolado... Deus o dirá. E à medida que os meus filhos vão crescendo e se vão aproximando da descoberta do amor, também estes temas serão tratados aqui no blogue. Àquele jovem, apetecia-me apenas dizer com o salmo 139:
"Onde é que eu poderia ocultar-me do teu espírito?
Para onde poderia fugir, longe da tua presença?
Nem as trevas são escuras para Ti,
e a noite seria, para Ti, tão brilhante como o dia..."
Mesmo que ninguém te veja, caro jovem, Deus vê-te...
Estávamos em 1991. Eu estudava Inglês e Alemão em Coimbra e ouvira falar num programa novo de intercâmbio entre universidades europeias, o Programa Erasmus. Seria uma oportunidade fantástica de viajar e estudar ao mesmo tempo! Como o meu alemão era relativamente fraco, e eu estava decidida a melhorá-lo, concorri para uma universidade alemã. E foi assim que parti para Essen, no norte da Alemanha.
Quinze dias depois de chegar a Essen, ainda em Setembro, começou um curso intensivo de língua alemã para alunos Erasmus. Na primeira aula, poucos minutos depois de entrar na sala, a minha amiga Rita, que viera comigo de Coimbra, apontou para um rapaz a algumas carteiras de distância:
- Olha, Teresa, aquele rapaz é irlandês e também adora James Joyce, como tu!
Olhei para quem a Rita me indicava e sorri gentilmente. O tal rapaz irlandês contaria mais tarde que lhe parecera reconhecer aquele sorriso de algum lugar - algum lugar no futuro, provavelmente...
Alguns dias depois, numa das grandes "festas Erasmus" na casa onde a Rita e eu estávamos alojadas, o Niall - o tal rapaz irlandês, como já devem ter percebido - abordou-me, falando inglês:
- Reparei que tens um terço no teu quarto! És católica?
- Sou.
Ele pareceu triunfante:
- Que bom, uma católica no meio desta gente toda! Pensei que aqui não havia religião, ou se havia, era evangélica! Podemos ir juntos à missa!
À missa, à cafeteria, às aulas de dança de salão, às aulas da universidade, às festas, aos passeios, ao parque, e a todo o lado. O meu fraco alemão, fraco ficou, e o meu inglês começou a melhorar repentinamente...
No entanto, nem tudo eram rosas: eu tinha um namorado em Portugal, e o Niall tinha uma namorada na Irlanda! Sem nada combinarmos, nas férias de Natal terminámos os nossos namoros. De regresso à Alemanha, esta foi a primeira notícia que partilhámos. Penso que foi nesse mesmo dia que começámos a namorar.
No dia 1 de Abril, o Niall regressou à Irlanda. A sua bolsa Erasmus contemplava apenas um semestre, ao contrário da minha, que era anual. A despedida foi naturalmente difícil, e os comentários dos nossos amigos Erasmus não facilitaram as coisas:
- Achas mesmo que ele ainda se vai lembrar de ti, na Irlanda?
- Não te parece que estás a ser ingénua, sofrendo por alguém que está tão longe?
- Teresa, convence-te, não é possível acontecer mais nada entre vocês!
- Cai na real, Teresa! Acorda!
Mas eu não estava disposta a desistir do Niall. Nós já sabíamos que queríamos casar um com o outro, e uma vez tomada uma decisão, o resto é simples.
Quem não viveu no século passado, não sabe o que são cabines telefónicas, esses paralelepípedos com um telefone fixo e uma ranhura onde vão caindo moedas atrás de moedas... Quem não viveu no século passado não sabe o que são cartas que se enviam pelo correio, diariamente, com um selo e muitas folhas lá dentro... Os dias contavam-se de telefonema a telefonema, da chegada do correio à chegada do correio; e nada mais parecia importar!
Bem, o resto vocês já sabem: depois de dois anos de namoro à distância, o Niall conseguiu finalmente emprego em Portugal, na universidade de Aveiro, e no ano seguinte casámo-nos.
Segundo parece, uma televisão portuguesa ouviu falar da nossa história e decidiu incluir a nossa família na grande reportagem que vai apresentar amanhã, quinta-feira, pelas 20h30, sobre o Programa Erasmus. Não é, portanto, uma reportagem sobre a família Power! A família Power não terá nenhum destaque especial, creio eu, pois será uma das várias famílias apresentadas que devem o seu início a este belo programa de intercâmbio europeu.
Foi com bastante relutância que aceitámos participar na reportagem. O Francisco dizia-me:
- Acho que as pessoas vão pensar que andamos a chamar as televisões para nos filmarem... E contudo, nós nunca fizemos nada para as atrair!
Esta sensação de desconforto por aparecermos na televisão levou-me ontem a apagar o simpático comentário da Marisa, logo de manhã, publicitando o acontecimento. A Marisa que me desculpe! Quis evitar atrair as atenções para algo que é bastante secundário neste blogue, ou seja, a nossa família. Porque a nossa família só surge no blogue como uma forma de falarmos de Deus. De outra forma, o blogue chamar-se-ia "Família Power", não é verdade?
Depois pensei... Afinal, foi para falarmos de Deus que aceitámos participar na reportagem! Não com palavras, mas com a nossa alegria, a nossa partilha, a nossa união, a nossa disponiblidade para termos filhos e para os educarmos com cuidado. A televisão precisa de famílias cristãs que dêem a cara nas mais variadas situações do quotidiano, e não apenas em assuntos da fé! Diz-nos o Evangelho:
"Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal perder o sabor, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens!" (Mt 5, 13)
Espero que a reportagem seja fiel à nossa vida em família, no pouco ou muito que dela mostrar.
Que o Senhor nos ajude, famílias cristãs, a sermos sal no mundo, seja no Programa Erasmus, seja na fábrica, ou na empresa, ou na escola, ou no bairro! Possamos nós temperar com bom tempero a nossa comunidade, a nossa televisão, a nossa internet... Ámen!