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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Até ao ano passado, a D. Isaura ajudava-nos com a lida da casa duas ou três vezes por semana. Este ano letivo já não tivemos esta grande ajuda, mas a D. Isaura continua a visitar-nos regularmente, cada vez que passa de bicicleta diante da nossa casa. Às vezes, levamo-lhe uma galinha para ela fazer o favor de matar e preparar (que nós não gostamos de fazer esse serviço), e pedimos-lhe conselhos sobre a melhor forma de cuidar da nossa horta, que a D. Isaura é muito mais sábia do que nós nessas matérias. Mas acima de tudo, acarinhamos a sua amizade bondosa.
Assim, no sábado, os meninos gritaram de alegria e os cães saltaram de satisfação, e todos - crianças e cães - correram para o portão: era a D. Isaura!
- Bom dia, meninos! Que lindos, a brincar no jardim!
A Sara saltou-lhe para o colo, e o António deu-lhe a mão. Depois, a D. Isaura deu uma volta ao nosso jardim, onde o Niall trabalhava afincadamente.
- Que bonita que está a horta! - Disse-nos.
O Niall sorriu: - Estaria muito mais bonita se não tivéssemos cães, gatos ou crianças. Estes três grupos de seres vivos destroem tudo o que eu tento construir, e pisam onde eu acabo de plantar. Enfim, D. Isaura, cada um tem o que merece!
A D. Isaura deu uma gargalhada e dirigiu-se ao galinheiro. Tal como eu, também ela adora ver as galinhas a esgravatar e escutar o seu cacarejar contínuo.
- Já repararam que têm um pessegueiro a crescer no galinheiro? - Disse-nos a D. Isaura, depois de breves segundos de inspeção.
- Um pessegueiro? - O Niall não conteve o espanto. - Está a falar desta erva daninha?
- Erva daninha qual quê! Um pessegueiro, sim senhor. A terra dos galinheiros costuma ser muito fértil, pois por um lado, atiramos para lá todo o tipo de restos de alimentos, caroços de fruta, etc., e por outro lado, está bem regada de estrume...
Bem, a D. Isaura estava a falar disto:
E o galinheiro em questão é este:
- Ai, D. Isaura, quantas vezes eu me estafo a comprar e a plantar belas árvores, que depois não consigo que floresçam! E este pessegueiro brotou no meio do estrume. Que ironia! - O Niall estava divertidíssimo com o achado - A D. Isaura tem de ir passando por aqui para me dar estas boas notícias!
Todos nos rimos. Ficou combinado transplantarmos o pessegueiro daqui a algum tempo, quando estiver suficientemente forte para aguentar a mudança. Foi também assim que, no ano passado, colhemos os melhores tomates alguma vez produzidos no nosso quintal! A D. Isaura descobriu a dita erva no galinheiro e o Niall transplantou-a para a horta, onde veio a dar muito fruto. Esperemos que o mesmo aconteça agora.
Ao fim do dia, muito depois da nossa simpática visita ter ido embora, fui fotografar o pessegueiro e escutar o cacarejar das minhas queridas galinhas. Enquanto observava a natureza, lembrei-me da descrição que o profeta Isaías faz do Messias Doloroso, do Servo de Deus:
"O Servo cresceu diante do Senhor como um rebento,
como raiz em terra árida,
sem figura nem beleza.
Vimo-lo sem aspeto atraente,
desprezado e abandonado pelos homens,
como alguém cheio de dores,
habituado ao sofrimento,
diante do qual se tapa o rosto..."
(Is 53, 2-3)
Perdoem-me a expressão: na estrumeira deste mundo, Deus plantou a Árvore da Cruz do seu próprio Filho, para que crescesse sem beleza nem esplendor, mas capaz de dar muito fruto... Quanto amor!
Dentro de cada um de nós há certamente "estrume" suficiente para que o amor cresça e frutifique. O sofrimento de cada dia, as dificuldades, os obstáculos, a nossa insuficiência de tudo, a nossa imensa pobreza, e até o nosso pecado assumido e chorado - tudo pode ser terreno fértil! Precisamos de treinar o nosso olhar, para não confundirmos a Cruz que o Senhor nos oferece com qualquer erva daninha...
PS - Hoje vamos começar a rezar a Novena à Divina Misericórdia, como expliquei neste post do ano passado. Alinham?
- Quem me vem ajudar a tratar da horta?
- Eu!
- Eu!
- Eu!
- Eu!
Rodeado de quatro crianças, o Niall calça as galochas, pega na enxada e dirige-se para a horta. O trabalho que se segue promete ser árduo, pois a nossa horta tem estado um pouco abandonada, entre tantos trabalhos que todos os dias se nos oferecem.
- Já percebi que a minha tarde vai ser trabalhosa - Diz-me, a sorrir - Quando tenho quatro ajudantes, demoro também quatro vezes mais!
Mas o Niall sabe que o importante não é a qualidade da nossa horta. Felizmente, ela é apenas uma experiência pedagógica e não precisamos dela para comer! O importante é a qualidade do amor que os nossos filhos experimentam na sua tarde de trabalho na horta...
Mas se os mais novos adoram ajudar - desajudando -, os mais velhos já não insistem para que os deixemos trabalhar.
- Francisco, não vens comigo?
-...
- Francisco, preciso que retires todas as ervas daninhas.
- Todas, pai?
- Sim. É preciso limpar tudo para depois começar a plantar. Tens ali tudo o que é preciso, e o carrinho de mão está no pátio. Vens ou não vens?
Um suspiro quase imperceptível, o computador que se fecha, e o Francisco vai ajudar o pai.
O Niall sorri, contente. De novo, o que está em jogo é muito mais do que uma horta experimental... Importa ensinar aos nossos filhos o valor do trabalho e oferecer-lhes oportunidades para, também eles, aprenderem a amar, servindo.
Ao pôr do sol, encontro o Francisco na horta, três baldes de ervas daninhas a seu lado.
- Estás a fazer um belo trabalho! - Digo-lhe.
- Eu sei. Mas estou estafado! Hoje acordei com dores de costas por ter saltado tanto ontem com os cavalos.
- Todos nós estamos cansados. É natural! Agora importa não desperdiçares o teu trabalho desta tarde.
- Como assim, desperdiçar?
- Fizeste o que tinha de ser feito, porque o teu pai te pediu. Como filho obediente que és, não te passava pela cabeça não o fazer. Para o trabalho ficar feito, é indiferente estares de boa ou de má vontade... Mas para Deus, isso faz toda a diferença! Para Deus, só conta o que for feito por amor. O resto é pura perda de tempo.
- Eu sei. E é por isso que tenho estado a tarde inteira a oferecer a Jesus este trabalho!
Oferecer a Jesus o trabalho, por amor. Não é preciso que o trabalho nos faça sentir bem, nem que nos apeteça: basta dirigir a nossa intenção e, como o Niall e o Francisco, oferecer a Jesus o que tem de ser feito, unindo cada gesto à sua entrega na cruz. E de repente, tudo ganha sentido!
Desperdiçamos tantas oportunidades na vida, fazendo o que tem de ser feito por obrigação, contrariados, resmungando, para parecer bem, para não falarem de nós, por vaidade, por orgulho, por submissão... Dizia a Madre Teresa:
"Na nossa vida, não somos chamadas a fazer grandes coisas,
mas antes a fazer pequenas coisas com um grande amor."
E S. Paulo explica, no belíssimo capítulo 13 da sua primeira carta aos Coríntios:
"Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos
mas não tiver amor,
sou como bronze que soa ou tímpano que retine.
E se eu possuir o dom da profecia,
conhecer todos os mistérios e toda a ciência
e tiver tanta fé que chegue a transportar montanhas,
mas não tiver amor,
nada sou.
E se eu repartir todos os meus bens entre os pobres
e entregar o meu corpo ao fogo,
mas não tiver amor,
nada disso me aproveita." (1Cor 13, 1-3)
1 de maio. O sol brilha lá fora com suavidade. Na horta, as favas estão prontas. É hora da colheita! O David, o António, a Lúcia e a Sara lançam de bom gosto mãos à obra:
Claro que, com a ajuda preciosa da Sara, tudo é mais rápido:
E assim que se enche um alguidar, logo se entorna outra vez:
Depois é preciso descascá-las uma a uma:
Finalmente, o trabalho dos meninos é recompensado. E da cozinha vem um cheirinho muito bom: favas guisadas com bacon, o jantar preferido do papá!
Entretanto, o Niall chama-me ao jardim.
- Já viste o que agora sobrou para nós fazermos?
Eu já tinha visto...
De mão dada, enquanto as favas acabam de guisar, passeamos à volta da nossa casa, contemplando os "estragos" com que as crianças vão marcando o seu território e o seu crescimento. Rimo-nos juntos, enquanto reunimos alguma energia para dar início ao trabalho de limpeza (de preferência sem a ajuda dos mais novos, claro...)
- Este jardim simboliza bem a nossa vida - Comenta o Niall.
- Sim, o caos total!
- Não só isso. Repara bem: eu adoraria ter um jardim magnífico, como tantos dos nossos vizinhos têm, a relva aparada, a horta cheia de legumes, as paredes pintadas. Mas porquê? Para satisfazer a minha vaidade, claro! E a verdade é que, se eu quisesse, teria um jardim assim. Mas em contrapartida, teria de deixar de ser catequista, pois iria precisar de todo o meu tempo livre; deixaria de ter horas para ir ao parque com as crianças, e deixaria de trabalhar tanto na lida da casa como trabalho, e serias tu apenas a cuidar de tudo. É um preço alto a pagar para satisfazer a minha vaidade, não te parece?
- Já percebi o que queres dizer: não é só em relação ao jardim! O mesmo é verdade para cada um dos nossos projectos pessoais, profissionais, monetários... Podíamos ser muito mais ricos, por exemplo, se acumulássemos um emprego extra. Teríamos dinheiro para fazer férias fora, para comprar mais roupa ou mais objectos inúteis... Mas a que preço! O tempo que estaríamos a roubar a nós mesmos e à nossa família!
- E podíamos gastar todo o nosso tempo connosco, com os nossos hobbies, e até com a nossa família, sem dedicar tempo nenhum aos de fora. Deixaríamos de trabalhar na Igreja e de gastar tempo a ajudar os que precisam de nós. Mas que mensagem estaríamos a passar aos nossos filhos?
- Não quero que eles me recordem como alguém preocupada com as aparências e desleixada do que realmente importa!
- Como é mesmo aquele versículo sobre a vaidade?
"Vaidade das vaidades, tudo é vaidade" (Eclesiastes 1, 2)
Continuamos a caminhar. Enquanto caminhamos, apanhamos alguns brinquedos, encontramos uma meia molhada e arrumamos uma bicicleta. Há um chapéu dentro do galinheiro - não me perguntem porquê - e lápis de cor misturados na comida dos cães.
- O importante é descobrir, em cada momento, aquilo que Deus nos pede para fazer - Continua o Niall.
- Sim! A nós, nesta fase da nossa vida, Deus pede-nos que nos dediquemos de alma e coração a fazer crescer uma família numerosa e a fazer crescer as Famílias de Caná.
- Olha só para os meus pais! Criaram nove filhos com muitos sacrifícios, e agora têm nove casas para visitar, viajam de avião, até fazem férias em Portugal graças a mim...
- Há um tempo para tudo! Aqui e agora, estamos a fazer o que devíamos fazer.
As favas estavam deliciosas. Até os mais esquisitos decidiram provar - e gostaram! Valeu a pena plantá-las, regá-las, vê-las crescer e apanhá-las, deixando as cascas pelo chão...
Chegou a primavera. Continua a chover, continua a fazer frio, mas para lá das aparências de inverno, tudo está diferente: os campos transbordam de cor, a brisa espalha aromas pelo ar, o dia e a noite enchem-se de sons, os corações estão mais leves.
Diz o Eclesiastes que há um tempo para tudo...
"Tempo para nascer e tempo para morrer
Tempo para plantar e tempo para colher
Tempo para matar e tempo para curar
Tempo para destruir e tempo para construir
Tempo para chorar e tempo para rir
Tempo para abraçar e tempo para separar
Tempo para guardar e tempo para deitar fora
Tempo para rasgar e tempo para costurar
Tempo para calar e tempo para falar..." (Ecl 3, 1-8)
Pois bem, agora é tempo para plantar!
Primeiro é preciso convencer as galinhas a regressar de vez ao galinheiro, que já não está inundado. Enquanto passearem pelo jardim como se tudo lhes pertencesse, não há horta que resista!
Depois é preciso trabalhar a terra. E isso faz-se com a enxada na mão e com força muscular! Há que suar, há que perder tempo, há que dar o litro para que a terra fique macia e pronta a acolher a semente...
- Que flores tão lindas estas, Niall!
- Flores? Então não sabes que são ervas daninhas?
- Ervas daninhas? Mas são tão bonitas! Não as arranques!
- Se as não arrancar, elas vão alastrar por toda a horta, e não terás uma única couve. O que é que tu queres afinal?
A Sara é a melhor ajudante do Niall, claro. Enquanto houver terra para cavar, ei-la disponível! A Lúcia prefere a bicicleta, e o António já se cansou de cavar. É divertido durante um bocadinho, mas depois dói nos braços...
O Francisco vai a Náturia (se alguém por acaso ainda não sabe onde fica Náturia, pode ler este post) buscar canas para plantar o tomate. Também ele tem de trabalhar, cortando e limpando as canas!
Finalmente, a terra está preparada. Agora sim, podemos começar a semear e a plantar! Ao longo de todo o inverno, o Niall e eu conversámos e tomámos decisões sobre a disposição e o conteúdo da nossa horta este ano. Está na hora de pôr em prática o que decidimos fazer.
Vejam como está bonito o primeiro carreirinho da nossa horta primaveril!
Quaresma. É a primavera da Igreja que regressa! No nosso Canto de Oração, multiplicam-se as flores. A cada novo dia, novos gestos de amor brotam no deserto...
Quaresma. Tempo para cavar, suar, trabalhar com coragem e determinação a "terra" do nosso coração. É preciso revolvê-la sem medo da "enxada", trabalhar com persistência sem medo que doa, até ela ficar macia. Diz o Senhor através do profeta Ezequiel:
"Eu extrairei do seu corpo o coração de pedra e lhes darei um coração de carne, de modo que andem segundo as minhas leis..." (Ez 11, 19-20)
As "ervas daninhas" são atraentes, fáceis, cómodas, mas perigosas. Com que rapidez e eficiência elas alastram na "horta" da nossa vida e da nossa família! Se as colhermos apenas superficialmente, em breve regressarão, e com mais força ainda. É preciso ir ao fundo, cavar a terra com as mãos e arrancar a raíz.
Finalmente, podemos plantar.
Quantas conversas em família sobre os frutos que desejamos para este ano! Quantos sonhos, quantas ambições! A quaresma chegou e a Páscoa está quase aí. É preciso pôr em prática tudo o que decidimos mudar, semear, fazer crescer cá em casa...
Diz S. Paulo:
"Não vos enganeis. O que uma pessoa semear, também há-de colher. Não nos cansemos de fazer o bem, pois no momento certo havemos de colher, se não desanimarmos." (Gl 6, 7.9)
A primavera chegou também para nós. Mãos à obra!