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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
No dia 13 de outubro fui ao Hospital Universitário de Coimbra para a consulta de pós-operatório, onde me seria comunicado o resultado final da análise do tumor retirado. Nesta consulta eu iria saber se o tumor era, como se supunha, benigno, ou se, pelo contrário, seriam necessários mais tratamentos.
Cheguei ao hospital, subi ao nono andar, onde tinha estado internada, e dirigi-me à consulta. A médica que me recebeu tinha um enorme sorriso na cara: confirmava-se a benignidade do tumor, e confirmava-se também a pertinência da sua exérese, pois a análise tinha revelado características que podiam vir a degenerar em cancro dentro de alguns anos. Resumindo: o tumor tinha sido retirado a tempo, e este capítulo da minha vida podia ser encerrado.
Desci novamente ao rés-do-chão e apressei-me a entrar na capela, a mesma capela onde passara algumas horas daquela longa tarde de domingo, na véspera da operação... Os meus quinze minutos diários de oração diante do sacrário foram passados ali, em perfeita ação de graças.
Saí do hospital também eu com um enorme sorriso na cara. O sol brilhava muito forte, o céu estava muito azul, os pássaros cantavam, e um futuro novinho em folha estendia-se diante de mim: tinha sido aberto pelas palavras da médica, assegurando-me de que estava curada do meu mal.
No carro, de regresso a casa, meditei naquela magnífica história do Evangelho, em que quatro amigos levam um paralítico a Jesus e o fazem descer pelo telhado:
"Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: «Filho, os teus pecados estão perdoados.» Ora estavam lá uns doutores da Lei que discorriam em seus corações: «Porque fala ele assim? Blasfema! Quem pode perdoar os pecados senão Deus?» Jesus percebeu logo, em seu íntimo, que eles assim discorriam; e disse-lhes: «Que é mais fácil? Dizer ao paralítico: 'Os teus pecados estão perdoados' ou dizer: 'Levanta-te, toma o teu catre e anda'? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, Eu te ordeno - disse ao paralítico: levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa.» Ele levantou-se e, pegando logo no catre, saiu à vista de todos, de modo que todos se maravilhavam e glorificavam a Deus, dizendo: «Nunca vimos coisa assim!»" (Mc 2, 1-12)
A doença bloqueia o futuro do ser humano, impedindo-o de sonhar, de projetar, de experimentar todas as suas potencialidades; mas o pecado bloqueia um futuro muito mais longo: a eternidade. Estar paralítico no corpo é muito menos sério do que estar paralítico na alma... Talvez o paralítico do Evangelho só tenha percebido o alcance do perdão que Jesus lhe ofereceu depois de experimentar o regresso à vida do seu corpo paralisado.
Se um médico se dirigir a um amigo e lhe disser: "Alegra-te, amigo, porque não tens cancro!" O amigo certamente sorrirá, meio distraído; mas se o médico disser essas mesmas palavras a um seu paciente que, depois de longos tratamentos de quimioterapia, regressa ao consultório para um exame final, esse paciente dará saltos de alegria. Quem nunca esteve doente não conhece a alegria de se saber curado.
"Vai em paz, os teus pecados estão perdoados." É assim que terminam as nossas confissões, junto de um sacerdote. Será que alguma vez nos demos conta do alcance desta afirmação? Alguma vez teremos saltado de alegria perante o futuro que o perdão nos oferece?
Enquanto não experimentarmos, no mais profundo da nossa vida, a certeza de que somos terrivelmente pecadores; que, sem Deus, nada de bom podemos fazer; que, se não caímos em pecado grave, é porque a graça de Deus não nos deixa cair; enquanto não nos sentirmos como doentes que precisam de médico, segundo as palavras de Jesus; enquanto não percebermos que, sem o perdão de Deus, o nosso futuro acaba aqui mesmo, nunca experimentaremos a profunda alegria do Evangelho...
O meu primeiro dia no hospital foi fantástico: pediram-me para estar lá domingo pelas dez da manhã, a fim de, durante todo o dia, me serem feitos os exames necessários à operação, que ocorreria no dia seguinte. Eu passei, portanto, um dia inteiro de completo descanso, longe das inúmeras tarefas domésticas que acompanham os meus dias, longe do rebuliço simpático da minha casa, e sentindo-me perfeitamente saudável e forte, pois o tumor de 3 por 4 cm na mama nunca me causou qualquer incómodo, e nem sequer era palpável.
Assim, depois de fazer todos os exames, pedi licença às enfermeiras para descer até à capela do hospital, onde passei algumas horas em oração profunda e serena. A capela é muito bonita, e sobre o altar estava escrita a Palavra desse domingo: "Abre-te!" Na verdade, o evangelho relatava a cura do surdo-mudo:
"E trouxeram-lhe um surdo, que falava dificilmente; e rogaram-lhe que pusesse a mão sobre ele.
E, tirando-o à parte, de entre a multidão, pôs-lhe os dedos nos ouvidos; e, cuspindo, tocou-lhe na língua. E, levantando os olhos ao céu, suspirou, e disse: Efatá; isto é, Abre-te.
E logo se abriram os seus ouvidos, e a prisão da língua se desfez, e falava perfeitamente." (Mc 7, 32-35)
Sozinha em oração, eu contemplei a cena daquela tarde, há dois mil anos atrás. Imaginei a confusão e a solidão do surdo-mudo, perdido numa multidão que não compreendia, chamado por Alguém que não conhecia... Que pavor, que vertigem se terá apoderado dele, ao sentir o toque de Jesus? O que teria sido dele, se como um bicho-de-conta assustado, se tivesse fechado ao toque que o curou? E depois - ah, depois - o milagre, o renascer, o renovar da alegria, da beleza, da vida...
Nessa noite, deitei-me serena e levemente curiosa sobre o dia seguinte. Segunda-feira, em jejum, fiz novos exames, desta vez bem mais invasivos, e experimentei uma dor de cabeça crescente, que culminou na sala de operações e só terminou quando adormeci, anestesiada, sob as luzes acesas.
"Abre-te", repetia-me Jesus, arrastando-me para longe da multidão pelas mãos dos médicos e dos enfermeiros; "Abre-te", repetia-me Jesus, magoando-me com o seu toque; "Abre-te", repetia-me Jesus, pedindo-me que me abandonasse, que me deixasse adormecer, que não tivesse medo.
"Nós, Jesus!" Repetia eu, deixando-me arrastar, afastar, tocar, magoar. Como o surdo-mudo, também eu me deixei levar pela vertigem do mistério, percebendo vagamente que, se me deixasse conduzir, se não me enrolasse sobre mim mesma como um bicho-de-conta assustado, se abrisse o meu coração, um milagre iria acontecer...
A minha oração de domingo foi feita com grande bem estar e cheia de pensamentos elaborados. A minha oração de segunda-feira foi feita sem beleza nem meditações de que me possa orgulhar... Domingo, ofereci a Jesus palavras sentidas; segunda, ofereci-lhe simplesmente a minha dor.
A minha vida de mulher europeia, de classe média, de vida familiar feliz, tem poucas oportunidades de sofrimento verdadeiro, quando comparada com a vida de tanta gente neste mundo que enche os nossos noticiários. Assim - e porque acredito profundamente no poder da Cruz - procuro estar sempre muito atenta, para não deixar escapar nenhuma oportunidade de dizer a Jesus, não com palavras, mas com a vida, que O amo.
Agora, a minha oportunidade, que procurei não desperdiçar, já passou... Foi tão pequenina, afinal! Em vez de sofrimento, tenho os meus dias cheios de mimos: como não posso fazer esforços, todos trabalham a dobrar; a minha mãe passou alguns dias connosco, para ajudar com as crianças e me encher de carinhos; a Clarinha tornou-se uma autêntica dona de casa:
O Francisco assumiu uma série de tarefas que antes me cabiam, como por exemplo, cortar o cabelo aos irmãos:
E os vizinhos e amigos não se cansam de nos visitar e encher a casa de bolos, de tal forma, que vou ter de implementar uma semana de dieta intensiva quando tudo isto estiver passado :) Vejam só o lanche que a Cláudia e a sua família nos trouxeram, quando nos vieram ver... E isto foi já depois de dias e dias de tartes de pastel de nata, bolos de chocolate, bolos de maçã, fruta caseira, marmelada biológica, e muito mais!
Senhor Jesus, quero dar-te graças pela irmã dor, pelo irmão tumor, pela família, pelos amigos, pelos mimos, pela vida, pela alegria! Não me deixes ser como o bicho-de-conta, que se enrola sobre si mesmo quando lhe tocamos ao de leve, mas permite-me que imite o surdo-mudo do evangelho, capaz de me abrir ao teu toque na minha vida, seja ele agradável ou doloroso, suave ou brusco, mas sempre, sempre um toque de amor salvador...
EFATÁ!
Ámen!
No domingo, com a casa cheia de amigos, a Sara caiu no jardim, batendo com toda a força com o cotovelo na esquina da tijoleira. O choro foi intenso, e o cotovelo precisou de um beijinho. No entanto, passado algum tempo, a Sara deixou de mexer o braço. Ficou com o braço rígido ao longo do corpo, imóvel, e choramingava baixinho.
- Sara, o que se passa? Consegues levantar o braço?
Choro cada vez mais forte, acompanhado de lágrimas cada vez mais abundantes. Teria partido o braço? Imaginei a Sara de gesso durante o verão, a areia da praia a fazer comichão... Como o Francisco já foi engessado duas vezes, uma delas durante um mês de verão inteiro, sei bem como é.
- Talvez seja melhor levá-la ao Pediátrico fazer um raio-x - Sugeriu o Niall. Olhámos uns para os outros, os nossos amigos sentados à sombra, no jardim, as crianças a brincar... Que dia para isto acontecer! Mas a Sara continuava a choramingar e o braço continuava bem quieto, encostado ao corpo. Decidiu-se que era preciso tirar a dúvida, e lá foi o Niall com a Sara para o hospital. Entretanto, nós e os nossos amigos fomos até ao Parque da Mealhada brincar e patinar, antes de nos despedirmos.
- Estamos à espera do raio-x - Escreveu-me o Niall em sms. - A Sara continua com o braço imóvel e muito chorosa. Vamos ver!
O que aconteceu depois foi, no mínimo, cómico. Segundo me contou o Niall, a Sara escutou o médico com muita atenção e deixou que lhe fizessem o raio-x, sem refilar. Com o raio-x na mão, o médico concluiu que não havia nada partido. O Niall voltou-se para a Sara e deu-lhe a boa notícia, sorridente:
- Sara, estás boa, não tens doi-dói!
Nesse preciso momento, a Sara abriu um sorriso, esticou o braço como quem se espreguiça, levantou-o bem alto, voltou a dobrá-lo e a esticá-lo, e concluiu em alta voz:
- A Sara não tem doi-dói! A Sara não tem doi-dói!
O Niall e o médico entreolharam-se, divertidos.
- Bem, ela está muito melhor! - Concluíram, a rir.
E foi uma menina risonha e muito feliz que apareceu no Parque da Mealhada, meia hora mais tarde, aos gritos de alegria, a correr para mim de braços abertos e a atirar-se para o meu colo:
- Mamã, mamã, a Sara não tem doi-dói!
A Sara perfeitamente convencida de que não conseguia mexer o seu bracinho fez-me pensar... Conheço várias pessoas perfeitamente convencidas de que nunca serão capazes de ser católicas, porque a Igreja, vista de fora, assusta um bocadinho; ou de rezar em família, porque o tempo não chega; ou de levar os seus bebés à missa, porque vão incomodar... Pessoas perfeitamente convencidas de que não poderão ser Famílias de Caná, porque as "Seis Bilhas" parecem grandes demais; ou de que ser santo está completamente fora do seu alcance... Pessoas perfeitamente convencidas de que nunca conseguirão evangelizar os seus filhos, contar-lhes histórias da Bíblia ou rezar com eles, porque tiveram uma catequese muito rudimentar, e a Bíblia, antes de nela pegarmos, parece um livro imenso e quase codificado...
Conheço muitas pessoas - algumas só através dos comentários deste blogue ou dos mails que recebo - com o "braço" imobilizado ao longo do "corpo", sem coragem para verificar se, de facto, o conseguem "mexer".
No domingo passado, no Evangelho, escutámos como Jesus foi a casa de Jairo, o chefe da sinagoga, e ressuscitou a sua filha de doze anos, acabada de falecer:
"Jesus pegou-lhe na mão e disse: «Thalita kum!» Que significa: «Menina, eu te ordeno, levanta-te!» Imediatamente a menina se levantou e se pôs a caminhar." (Mc 5, 41)
Talvez todos afinal precisemos de um "médico" que nos mostre do que somos capazes, e que nos revele que podemos muito mais do que imaginamos. Talvez todos afinal precisemos de escutar a ordem de Jesus e de nos levantar corajosamente, para ousar o que antes não acreditávamos possível.
Então correremos ao encontro do Senhor, de braços abertos e felicidade estampada no rosto, como a Sara a correr ao meu encontro naquele parque...
Num dos cruzamentos da estrada nacional, que todos os dias percorro, esteve durante toda a semana passada esta bela tenda branca:
Há quatro décadas que os peregrinos de Fátima encontram aqui uma sombra fresca, água abundante e os primeiros socorros necessários, especialmente todo o cuidado dos pés e das pernas. Os bombeiros de Anadia e outras pessoas de boa vontade disponibilizam-se todos os anos para este trabalho tão bonito e necessário de serviço aos peregrinos, e a tenda branca levanta-se na estrada como símbolo concreto e real do amor cristão. Na verdade, ao ver os peregrinos descalços, com os pés dentro de bacias de água, e os voluntários ajoelhados a seu lado, tratando as bolhas dos seus pés, não pude senão lembrar-me das palavras de Jesus:
"Se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros."
(Jo 13, 14)
Pensei também na parábola do Bom Samaritano:
"Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele." (Lc 10, 33-34)
Foram estas imagens do verdadeiro amor cristão que inspiraram naturalmente o Papa Francisco e oferecer-nos uma imagem da Igreja - uma imagem nova, mas antiga, tão antiga quanto o Evangelho:
«Vejo com clareza que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas. Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas... E é necessário começar de baixo».(Entrevista à Revista Brotéria, Setembro 2013)
“Essa é a missão da Igreja, que cura e cuida. Algumas vezes, eu falei da Igreja como um hospital de campanha. É verdade: quantas feridas há, quantas feridas! Quanta gente que tem necessidade de que suas feridas sejam curadas! Essa é a missão da Igreja: curar as feridas do coração, abrir portas, libertar e dizer que Deus é bom, que perdoa tudo, que é Pai, é terno e nos espera sempre”. (Homilia de 5-2-15)
A tenda branca à beira da estrada, os peregrinos a caminho de Fátima...
A Igreja à beira da estrada da vida, e cada um de nós, peregrino a caminho da verdadeira Pátria...
Não tenhamos receio de nos aproximar da Igreja, de descalçar os sapatos e de deixar que nos cuidem das feridas. Não hesitemos em estender a mão para receber o alimento, beber da Água da Vida, recuperar as nossas forças! Os sacramentos que Jesus nos deixou são os remédios mais eficazes para quem peregrina pelas estradas da vida.
Depois, assim curados e alimentados, sejamos também nós capazes de nos ajoelhar diante do irmão e de lhe lavar os pés...