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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
- Mamã, temos de levar uma flor para Nossa Senhora, hoje na missa!
- Não é hoje, David, é no próximo sábado. Hoje será a bênção da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora em Saída, e no próximo sábado, na catequese, todos os meninos levarão uma flor. A procissão é só no outro domingo.
- Mas há uma rosa tão bonita no jardim... Tão bonita mesmo!
Sair para a missa ao domingo de manhã é sempre uma grande corrida contra o tempo, e não pude concluir este breve diálogo com o David. Mas durante a Eucaristia apercebi-me de uma curta troca de palavras entre o David, acólito, e o celebrante, o padre Aníbal, que veio expressamente de Lisboa para a ocasião. O padre Aníbal inclinava-se para o David e sorria-lhe. Já em casa, ao almoço, perguntei:
- David, que te disse o padre Aníbal na missa?
- Disse-me para não ficar triste, que no próximo domingo posso trazer a flor.
Engoli em seco.
- Então tu estavas triste?
- Não. Quer dizer, antes da missa eu disse ao senhor padre que queria ter trazido uma rosa muito bonita, mas não tivemos tempo...
- Queres mostrar-me qual é essa rosa?
- Vem cá!
O David levou-me ao jardim, onde uma única rosa vermelha erguia as suas pétalas, triunfante.
- Tens razão. É mesmo bonita! Olha, fazemos assim: mais logo colhemo-la e levamo-la ao santuário. Pode ser?
Os seus olhos brilharam.
- Sim!
Estava eu a deitar a Sara para a sesta, quando o António apareceu a correr junto de mim.
- Mamã, a Lúcia destruiu uma flor vermelha e escondeu as pétalas! E as pétalas eram para os dois!
Senti o coração aos pulos. Uma flor vermelha?
- António, que flor é que ela destruiu?
- Vem ver - E o António levou-me ao jardim. Procurei com o olhar o vermelho brilhante da rosa do David. Mas no lugar da rosa, havia apenas um caule triste.
- Lúuuuuucia! - Gritei, exasperada. Ela apareceu a correr.
- O que foi, mamã?
- Que fizeste à rosa vermelha? QUANTAS VEZES TE DISSE QUE NÃO SE PODEM ARRANCAR AS FLORES DO JARDIM?
Ela ficou muito calada. A minha brusquidão fez surgir duas grossas lágrimas nos seus olhos esverdeados.
- O David queria levar a rosa a Nossa Senhora, Lúcia. - Expliquei-lhe, sempre muito irritada.
- Eu não sabia... A sério, eu não sabia...
- Mas não podes arrancar flores. As flores não são para destruir, são para colher e colocar em jarras. Destruir, não!
- Eu não sabia...
Ficámos as duas em silêncio. Eu procurava acalmar-me, como convém a uma mãe cristã. Depois, abracei a minha filha e pedi-lhe perdão pelos gritos. Não tinham sido necessários. Aliás, raramente são necessários, e geralmente são detestáveis quando os vemos nos outros. A Lúcia sorriu, feliz, perdoando-me de coração - cá em casa, temos um grande treino nestes gestos de pedir e oferecer o perdão - e continuou a brincar.
Agora faltava contar ao David.
- David, tenho uma coisa a dizer-te... Acho que a tua rosa... Bem, acho que temos de levar outra flor a Nossa Senhora.
- Porquê?
- Porque a Lúcia arrancou todas as pétalas. Ela não fez por mal, estava só a brincar...
O David ficou calado, depois o seu rosto iluminou-se:
- Podemos apanhar as pétalas e levá-las a Nossa Senhora! Deitamo-las no chão junto à sua imagem, como se faz nas procissões!
E foi o que fizemos.
Enquanto observava a alegria do David, cobrindo de pétalas o chão em redor da imagem de Nossa Senhora, fiquei a pensar...
Também eu tenho um jardim interior, um jardim criado por Deus, lá nos primórdios da criação da minha vida. É nesse jardim onde, como diz o Livro do Génesis, o Senhor gosta de passear pela brisa da tarde:
"Então ouviram o som dos passos de Deus, que passeava no jardim pela brisa da tarde." (Gn 3, 8)
No meu jardim interior há muito poucas rosas vermelhas de que me possa orgulhar. Eu gostava de poder escrever aqui que nunca perco a paciência, que nunca ralho sem razão, que sou sempre justa, que nunca me engano, que nunca me distraio na oração, mas nada disso é verdade. Como me escreveu uma simpática leitora deste blogue: "Às vezes tenho dificuldade em me aturar!" Fico com a sensação de passar anos e anos a construir virtudes, como quem faz crescer rosas com cuidado, para depois, numa fração de segundo, o meu pecado arrancar todas as pétalas e deixar à vista de todos apenas um triste caule. Um grito totalmente desproporcionado, e lá cai mais uma rosa por terra... De que valeram anos de esforço, se o meu jardim está cheio de rosas desfolhadas?
Mas dos braços de Maria, Jesus pareceu sorrir-me. E eu pensei escutar...
"Só há pétalas espalhadas pelo chão onde antes houve rosas. O que a Mim importa é que continues, todos os dias, a cultivar as tuas rosas, esforçando-te por praticar a Minha Palavra. O teu esforço cativa o meu Coração! Se depois, num segundo, o teu pecado arrancar todas as pétalas, não te aflijas. Quando não tiveres rosas para Me oferecer, ajoelha-te na poeira do teu chão e recolhe as tuas pobres pétalas, como o David fez. São-me mais agradáveis as pétalas recolhidas com a humildade de quem se sabe pecador do que as rosas oferecidas com o orgulho de quem se julga irrepreensível..."
Senhor, ensina-me a praticar o bem sem vaidade, recomeçando cada dia; e que o meu pecado nunca seja ocasião de desânimo na minha vida, mas antes fonte de humildade. Senhor, são para Ti todas as minhas pétalas...
O nosso jardim tem sofrido muito ao longo dos anos. Coitado dele! Este pedaço de terra à volta da nossa casa é alvo das mais acérrimas lutas entre flores e bolas de futebol, relva a crescer e sopas para bonecas em panelinhas de plástico, couves verdinhas e galinhas que se soltam do galinheiro. No outro dia de manhã, à hora do pequeno-almoço, os nossos filhos assistiram, boquiabertos, a esta discussão entre o Niall e eu:
- Niall, há galinhas à solta no jardim, olha só pela janela!
- O quê???? Depois de eu ter passado o fim-de-semana curvado a plantar a horta? Será possível? É desta que acabamos com o galinheiro.
- Nem penses! Eu adoro escutar o cacarejar das galinhas logo de manhã!
- Mas eu adoro ver uma horta bonita, e olha só para a desgraça da nossa horta! E esta primavera vou ter de vedar parte do jardim para a relva poder recuperar.
- Não vedas não, que os meninos precisam de espaço para jogar à bola.
- E como queres que tenham relva para jogar à bola se eu nunca lhe der uma oportunidade para recuperar?
- Mãe, pai, está na hora de irmos para a escola - Interrompeu a Clarinha, trocando olhares divertidos com o Francisco.
- OK, falamos de galinhas e crianças mais tarde - Concluí.
Pela hora de almoço, como costume, telefonei ao Niall.
- Niall, desculpa esta manhã. Se achas melhor destruir o galinheiro, eu aceito - Disse-lhe. - E se quiseres, vedamos parte do jardim também.
- Oh, não, eu queria mesmo telefonar-te para te pedir desculpa - Respondeu-me ele - Eu sei que tu gostas das tuas galinhas e que as achas fofinhas. No sábado vou arranjar o galinheiro e refazer a horta. E a relva há-de crescer, deixa lá!
- Não, destruímos o galinheiro.
- Não, não é preciso. As tuas galinhas são umas queridas...
- Mas eu aceito!
- Mas eu não aceito!
E lá discutimos nós novamente... Desta vez, para decidir quem era o primeiro no amor!
O jardim, as bolas de futebol, as sopas de ervinhas para as bonecas, as galinhas e a horta lá continuam a conviver, e nós vamos gerindo tudo isto com muita paciência e, sobretudo, muito amor.
Ontem de manhã acordei com um perfume delicioso, vindo do jardim. Um perfume tão forte, que atravessava as janelas fechadas. Abri as cortinas e as portadas, e deparei-me com o jasmim todo em flor:
Lembrem-me então de um dos meus livros preferidos na Bíblia, o Cântico dos Cânticos. Diz o Amado:
"Levanta-te! Anda, vem daí, ó minha Amada!
Eis que o inverno já passou,
a chuva parou e foi-se embora;
despontam as flores na terra,
chegou o tempo das canções,
e a voz da rola já se ouve na nossa terra;
a figueira faz brotar os seus figos
e as vinhas floridas exalam perfume.
Levanta-te! Anda, vem daí, ó minha Amada!"
(Ct 2, 10-13)
Abracei o Niall. O jasmim florido era a prova de que necessitávamos para acreditar que mesmo os terrenos mais sofridos se podem deixar trabalhar e cobrir de perfume. O mundo, o outro, os meus defeitos e os problemas que se abatem sobre nós ameaçam destruir o pouco que vamos conseguindo construir? O poder de Deus é muito maior! Os jardins da nossa vida e do nosso sucesso teimam em murchar? O importante é que o nosso jardim interior esteja coberto de flores, e o Senhor se agrade passeando nele...
Há uns meses atrás, plantámos semente de girassol no nosso jardim. Eram tão pequeninas! Um dia, um caule verdinho furou a terra, e logo cresceu, até se tornar numa enorme planta. Ontem, o primeiro girassol floriu!
- Ele está sempre a olhar para o sol, mamã? - Queriam saber os meninos.
- Sim, está... Já repararam que estão todos a abrir para este lado, onde passa o sol no céu? Os girassóis sabem o que procuram! Procuram o sol, e seguem-no com muita atenção. É assim também que nós devemos fazer!
- Virarmo-nos para o sol?
- Sim, virarmo-nos para o sol, mas um sol diferente, o sol da alma. Alguém sabe qual é o nosso sol?
- Jesus!
- Jesus!
- Jesus!
O mundo pede-nos continuamente para nos voltarmos sobre nós mesmos, para nos "centrarmos", isto é, olharmos para o nosso umbigo, fazermos de nós o centro do universo. Que tristeza! A humanidade levou tanto tempo a entender que a Terra gira em volta do Sol, e não o Sol em volta da Terra... Quando entenderemos que a "terra" que somos deve girar em volta do "Sol" que é Deus? Não queiramos ser deuses, como Adão e Eva! Imitemos antes o girassol, de cabeça erguida em busca da luz que o mantém vivo - e feliz!
Temo uma admiração e um carinho enormes por Moisés, e quanto mais leio sobre ele na Bíblia, mais me atrai. Moisés falava com o Senhor "como um amigo com o seu amigo" (Ex 33, 11). Diz o Livro do Êxodo:
"Quando Moisés desceu da montanha do Sinai, trazendo na mão as duas placas da Aliança, não sabia que a pele da sua face resplandecia por ter falado com o Senhor." (Ex 34, 29)
A partir de então, todos os dias Moisés entrava na Tenda da Reunião e conversava a sós com Deus. Ao sair, o seu rosto brilhava como o sol, de tal forma, que Moisés tinha de o cobrir com um véu.
No verão, na praia, a nossa pele também resplandece porque estamos voltados para o sol - como o girassol!
Manter o rosto voltado para o Senhor é um trabalho árduo, de todos os dias e de todas as horas. Como Moisés, precisamos de "subir à montanha" ou de passar algum tempo a sós na sua "tenda", escutando atentamente os seus ensinamentos e meditando na sua Lei. Mas depois, que felicidade!
Ensina-me, Senhor, a sabedoria do girassol...
Nos dias quentes de verão, os meninos adoram uma pequena brincadeira refrescante: de fatos-de-banho vestidos, correm pela relva fora enquanto ligamos os aspersores de rega. À falta da piscina, esta é a melhor maneira de baixar a temperatura corporal quando se quer estar no jardim mas o sol não deixa.
Pois bem, ontem, 16 de dezembro, o António decidiu fazer uma birra daquelas bem fortes. E sabem qual foi o conteúdo da birra?
- Quero tomar banho na rega! QUERO TOMAR BANHO NA REGA AGORA! QUERO TOMAR BAAAAANHO NA REEEEEGA AGOOOOOORA!
Ao fim de um tempo a ouvir isto, senti vontade de o atirar para o meio da relva e ligar o aspersor... Mas fiquei-me apenas por uma boa gargalhada, que o assustou e acalmou de uma vez. Depois conversei com ele:
- António, vamos esperar um bocadinho e ver se ficam 30 graus lá fora em vez de apenas 3. Se ficarem, deixo-te tomar banho na rega, combinado?
Para meu alívio, o António aceitou.
Fiquei a pensar na birra do meu filho de três anos, e quão ridícula me pareceu. Depois imaginei o sorriso de Deus perante as minhas birras, que afinal não são assim tão diferentes das de uma criança. Quantas vezes eu quero agora o que Deus só me quer dar amanhã? Felizmente para mim, Deus tem o bom senso de não me "atirar para a relva" quando eu lho peço. Queixo-me de que Ele não escuta a minha oração... Ah!