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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Numa casa cheia de filhos, o chão está sempre cheio de lixo. Assim, uma das actividades que mais tempo me consome é o acto de me debruçar, apanhar algo do chão, voltar a endireitar-me, enfiar esse algo no bolso e fazer mentalmente um apontamento sobre o local exacto onde esse algo pertence, que tanto pode ser o cesto da roupa suja, como a caixa dos legos, a caixa de costura, a gaveta dos lápis de cor, a gaveta das roupas das bonecas, a biblioteca, o saco dos brinquedos, ou simplesmente - e maioritariamente - o lixo.
Um destes dias, a minha mãe veio cá e, com frio, vestiu o meu casaco de fato de treino, que costumo usar quando estou por casa. De repente, os meus filhos viram-na levar as mãos aos bolsos e tirar de lá botões, pedaços de papel, aparas de lápis, umas cuecas de nenuco e mais alguns objectos não identificados. Mais tarde, ri-me com ela: sim, o meu casaco funciona frequentemente como um caixote de lixo! Lembrei-me então de um pensamento de Santa Teresinha:
"Tudo é tão grande em religião... apanhar um alfinete por amor pode converter uma alma. Que mistério!... Só Jesus pode dar um tal valor às nossas acções." (Carta 164, à sua irmã Leónia)
Na verdade, já S. Paulo o dissera:
"Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus." (1Cor 10, 31)
Eu apanho todos os dias bem mais do que um alfinete do chão. A questão é: será que o faço por amor? Estou consciente de que o meu mais pequeno gesto pode ser oferecido a Jesus pela conversão do mundo? Ou faço-o com indiferença, com irritação, porque tem de ser?
Como Santa Teresinha, também eu não tenho grandes oportunidades de mostrar a Jesus o meu amor (a triste "moda" de matar cristãos ainda não chegou a Portugal), pelo que me restam as pequenas oportunidades... Não as quero desperdiçar!
Hoje, quando me debruçar pela milésima vez para apanhar lixo do chão, vou dizer no meu coração: "Jesus, aceita este gesto pequenino pela felicidade de quem Tu quiseres." Ámen!
- Quando fores à loja trazes-me uma coisa, papá?
- O quê, António?
- Sei lá, o que tu quiseres! Uma coisa!
- Pode ser pasta de dentes? Eu vou à loja porque se acabou a pasta de dentes.
- Não! Uma coisa para brincar!
- Mas na loja só há coisas para comer ou pasta de dentes. Queres pão então?
- Não! Já te disse que quero uma coisa para brincar!
- Não é o teu dia de anos, não é Natal... Não entendo!
- Por favor, papá! Por favor! Uma coisa para brincar!!!!!!!
Esta conversa acontece várias vezes cá em casa, e geralmente termina com muitas lágrimas. É que "coisas para brincar" só se compram nos aniversários, no Natal, ou então quando o pai viaja, o que é cada vez mais frequente. Quando o pai foi à Índia, trazia para cada um um brinquedo muito pequeno, que se partiu naquele mesmo dia, o que causou muitas lágrimas. O Niall explicou-nos que na Índia não encontrou sequer lojas dignas desse nome! Lá viu crianças a dormir na rua, bebés a chorar ao colo de mães a pedir esmola, vacas e cães a passear na autoestrada, mas não encontrou lojas. Os meninos entenderam e durante uns tempos o António comentava:
- Coitados dos meninos na Índia! Não têm lojas!
Um mês depois, o pai foi à Dinamarca, onde encontrou o problema oposto: na Dinamarca há muitas lojas, só que nós não temos dinheiro para comprar o que por lá se vende! E de novo, o pai regressou de mãos (quase) vazias. O António suspirou durante uma semana:
- Coitados dos meninos da Dinamarca! Há lá muitas lojas, mas não se podem comprar coisas, porque custam muitas moedas!
Agora o pai vai voltar a viajar. O António quer saber se, lá para onde ele vai, há ou não há lojas, e se nós somos ou não somos ricos o suficiente para entrar nelas.
Confesso que fico contente quando vejo os meus filhos desapontados com as "coisas" que se compram nas lojas; porque se partem, porque não têm a cor certa, porque se perdem, porque não fazem o que deviam fazer, porque a pilha se gasta depressa demais, porque... porque as "coisas" não podem preencher a nossa sede de Absoluto e de Eternidade! E quanto mais cedo nós percebermos isto, melhor! Como disse noutro post, citando S. Paulo:
"Por causa de Cristo, tudo considero como esterco" (Fl 3, 8).
Na verdade, quantos mais presentes oferecemos ao António - ou a qualquer outra criança - mais presentes ele exige; e nunca está satisfeito, nem pode estar: é que, como diz Santo Agostinho:
"Criaste-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós!"
O jejum quaresmal foi um bom treino de libertação do domínio das "coisas" na nossa vida. Agora é preciso continuar vigilantes, para que a abundância de presentes e doces na Páscoa não mate em nós a sede de Deus...
Já que não podem ir à loja comprar coisas, o António e a Lúcia decidiram montar uma loja cá em casa. Ontem "fui às compras" no meu escritório:
A Família Duggar tem um lema:
J.O.Y.: JESUS first, OTHERS second, YOU last, that is the secret of joy!
O acrónimo funciona muito bem em inglês: JESUS em primeiro lugar, OS OUTROS em segundo, TU em terceiro, eis o segredo da ALEGRIA. Como a nossa família é bilingue, nós decidimos adoptar este lema também na nossa casa. Alguém nos sugere um acrónimo que funcione em português, mantendo a mesma mensagem?
Cá em casa, quando duas crianças lutam por um brinquedo, pelo banquinho vermelho à mesa, pelo primeiro lugar nas cavalitas do pai ou por qualquer outra coisa, nós lembramos: Jesus first, others second, you last... Nem sempre resulta, e na maior parte das vezes, a única solução é mesmo um berro. Mas o lema vai entrando e vai fazendo o seu caminho.
A prova disso são os mais velhos.
Às vezes, a Clarinha precisa de ajuda com os trabalhos de casa de Matemática e vai ter com o Francisco, o único que lhe pode valer. Sentado ao computador, de auscultadores nos ouvidos, o Francisco está a praticar os seus truques de ilusionismo. A Clarinha pede uma, duas vezes, depois dá um grito, atira com os livros para o chão e diz que assim nunca vai conseguir e que assim não vale a pena ter irmãos e que... Decido que tenho de intervir. Entro na sala e retiro os auscultadores da cabeça do Francisco:
- Não ouviste a tua irmã?
- Sim, mas ela não sabe que eu agora estou ocupado? E sempre com dúvidas tão parvas!
- Francisco, quem está em primeiro lugar na tua vida?
O Francisco suspira. Longe de se revoltar, o Francisco quer fazer o que está certo, e só precisa de ser recordado disso quando está um pouco distraído. Carregando na "pausa" do vídeo, levanta-se e vai ter com a Clarinha. E de repente, é todo atenção, e só regressa ao computador quando a irmã tem o trabalho feito. De volta ao ilusionismo, o Francisco vem mais feliz, pois sabe que, uma vez mais, Deus ganhou na sua vida.
A Clarinha gosta muito de dançar e fazer ginástica no seu quarto, ao som da música, de porta fechada. Vendo o seu prazer, procuro afastar os irmãos para que não a incomodem. Mas às vezes, a Lúcia, a Sara e o António entram no quarto e recusam-se a sair. Eu estou preparada para enfrentar as birras e obrigá-los a sair, mas a Clarinha é generosa e não mo deixa fazer. Baixando a música, decide incluir os irmãos nas danças e na ginástica, passando de bailarina a professora. Depois, com a mesma autoridade, manda-me embora:
- Vai descansada fazer o que tens a fazer, que eu tomo conta deles!
À noite, quando rezamos, não me esqueço de mencionar os gestos generosos do Francisco e da Clarinha, agradecendo ao Senhor por eles. Quero que saibam o quanto Deus se alegra por os ver crescer no amor. E o quanto eu me alegro por os ver nos caminhos de Deus.
Educar segundo o evangelho não é fácil. Mas se somos cristãos, não temos alternativa! É preciso que a Palavra de Jesus atravesse todos os aspectos da nossa vida e modele a nossa forma de agir, de falar e de pensar. É preciso que os nossos filhos aprendam a amar, a servir e a dar, e descubram a alegria profunda que os ensinamentos de Jesus provocam na alma.
Como mãe, fico muito feliz quando os meus filhos têm bons resultados escolares. Mas fico muito mais feliz quando os vejo a praticar o Evangelho. E eles sabem disso. O Niall e eu não os estamos a educar para terem o primeiro lugar no mundo, mas no céu. Não queremos que recebam recompensas dos homens, mas de Deus. Não queremos que recebam muito dinheiro, queremos que recebam muitas graças. E que sejam santos, isto é, profundamente felizes. Tudo o resto, como já disse noutro post, é esterco.
Uma das tarefas obrigatórias em tempo de férias cá em casa é o que nós chamamos de "despejo do entulho". Consiste simplesmente em três coisas:
- Deitar no lixo os objectos partidos ou estragados, sejam brinquedos, louça, roupas, sapatos, recordações, quadros ou livros.
- Dar a alguém necessitado os objectos que, embora em bom estado, não estão a uso - incluindo novamente roupas, brinquedos e calçado.
- Organizar o que resta.
Há um ditado africano que diz o seguinte: cresce a família, diminui a mobília. Isto porque é preciso fazer espaço para as pessoas que vão chegando.
Precisámos de reorganizar a nossa casa a cada novo bebé. Como só temos três quartos, fomos mudando de quarto à medida das necessidades, até chegar ao equilíbrio actual: três meninas num quarto, três meninos no outro, os papás no terceiro. E de cada vez que foi preciso mudar as camas de quarto para quarto, tivemos de o fazer pelo exterior, pois as camas não contornam as curvas do corredor. A rir, imaginávamos os comentários dos vizinhos: "Lá estão os Power a passear as camas..."
A família vai crescendo, e os objectos vão diminuindo. Há mais espaço para brincar e o pó limpa-se mais facilmente!
Há um conceito implícito de reciclagem na nossa rua que é mais ou menos assim: quem não quer um objecto, coloca-o cuidadosamente ao lado do caixote do lixo, e em cerca de duas horas ele desaparece. Foi assim que, por exemplo, o Reino de Náturia ganhou um trono...
... e foi assim também que nos livrámos de muita mobília com pouco uso. A cadeira da papa já deu para dez crianças - sete filhos e três sobrinhos - e parece ter chegado ao fim da vida? Estamos enganados: depois de meia hora em frente do caixote do lixo, misteriosamente desaparece!
Uma das maravilhas de ser família numerosa é que a roupa e o calçado circulam de irmão para irmão. Quando os mais novos precisam de sapatos, vamos até à garagem e abrimos uma caixa de plástico enorme que se transforma de repente numa sapataria fantástica. Com que alegria eles experimentam os sapatos dos irmãos! E o mesmo acontece com os casacos, as saias e as camisolas.
Mas o conceito de reciclagem da nossa terra vai ainda mais longe. Parece que por aqui, antes de levarem as roupas que deixam de servir ao roupão público, as pessoas tentam a casa dos Power. Com tantas crianças, alguma coisa há-de fazer jeito! E é assim que praticamente em todas as mudanças de estação os amigos nos batem à porta com um saco de roupa belíssima para ser distribuída pelos Powers. Que festa, quando a roupa "nova" chega cá a casa! A generosidade dos amigos tem sido uma verdadeira bênção para nós e já nos fez poupar uma pequena fortuna em roupa.
E não é só roupa. As hortas por cá também são bastante produtivas. Vejam esta foto da véspera de Natal de há dois anos, quando o vizinho da frente nos bateu à porta... e tivemos de pedir ajuda aos meninos:
Durante todo o ano temos fruta e legumes frescos da mais alta qualidade, que fazem as delícias de todos e nos enchem de gratidão.
Ser família numerosa significa que as crianças aprendem a partilhar à nascença. Mas não pensem que é fácil! Demasiadas vezes, os brinquedos de um aparecem brutalmente assassinados nas mãos de outro, e as prateleiras mais altas do Francisco e da Clarinha são assaltadas por mãos curiosas...
O evangelho ensina-nos a partilhar. Quem tem demais, tem o que não lhe pertence, pois esse "demais" que eu tenho faz falta ao meu irmão. Partilhar é, pois, um gesto da mais elementar justiça. E de vez em quando é preciso arejar a nossa casa, fazendo espaço para as pessoas e dando uso às coisas, "reciclando-as" junto de quem precisa. O começo de um novo ano pode ser uma belíssima altura para esta "higiene material"!
Disse S. Paulo:
"A fim de ganhar a Cristo, tudo perdi e tudo considero como esterco." (Fl 3, 8)
Precisamos de ensinar às crianças o real valor das coisas: "esterco". Valor, têm as pessoas, e o Evangelho de Jesus, nosso Salvador...