Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Hora de oração familiar. Sentados diante do Canto de Oração, lemos em voz alta as leituras da missa diária.
- Hoje a primeira leitura é de S. Paulo, da sua segunda carta aos cristãos de Corinto - Digo.
Dando uma rápida vista de olhos ao texto, apercebo-me da sua complexidade. Decido então usar uma das estratégias que costumam ajudar a manter a atenção dos meninos:
- Eu vou ler o texto, e cada um vai memorizar a frase que lhe parecer mais importante ou mais bonita. De acordo?
- Sim! Começa, estamos atentos.
"Irmãos: Lembrai-vos disto: quem semeia pouco também colherá pouco e quem semeia abundantemente também colherá abundantemente. Dê cada um segundo o impulso do seu coração, sem tristeza, porque Deus ama aquele que dá com alegria. E Deus é poderoso para vos cumular de todas as graças, de modo que, tendo sempre e em tudo o necessário, vos fique ainda muito para toda a espécie de boas obras, como está escrito..." (2Cor 9, 6-11)
- Mãe, já me perdi! - Interrompe o David. - Tinha uma frase tão boa, e agora já não me lembro.
- Nem eu - Confessa a Clarinha. - Acho que tens de começar outra vez.
- Então fazemos assim: eu volto a ler, e quando escutarem a frase que acharem mais importante, dizem "Stop!"
- Ok!
- Ok!
- Ok!
- Ok!
"Irmãos: lembrai-vos disto: quem semeia pouco também colherá pouco e quem semeia abundantemente também colherá abundantemente..."
- Stop!
- Sim, Lúcia?
- O que é "abundantemente"?
- É muito.
- Então temos de semear muito!
- É isso mesmo, precisamos de semear muito se queremos colher muito. E o que é que precisamos de semear?
- Isso é fácil - atalha o David - Semear é espalhar a Palavra de Jesus.
- E como espalhamos nós a Palavra de Jesus?
- Com palavras e com obras - Explica o Francisco - É preciso falar de Deus, mas é sobretudo preciso fazer as obras de Deus.
- Bem, vou continuar a ler:
"Dê cada um segundo o impulso do seu coração, sem tristeza, porque Deus ama aquele que dá com alegria..."
- Stop!
- Stop!
- Ena, dois stop, David e Clarinha: o que vos diz esta Palavra?
- Eu gosto daquela coisa do coração - Diz o David - Mas, mamã, o que significa dar segundo o impulso do coração?
- Estava mesmo a pensar nisso - Diz o Francisco.
- Bem, eu penso que muitas vezes nós sentimos o impulso para dar, para sermos generosos, mas a razão diz-nos que não podemos, porque se dermos demais ficamos pobres, ou porque os outros não merecem, ou por milhares de outras coisas... Se escutarmos a voz do coração, seremos bem melhores!
- Eu gostei da frase da alegria - Diz a Clarinha - Precisamos de dar sem resmungar, não é mesmo?
- Sim, é isso! A primeira coisa que damos é a alegria, o sorriso pronto.
Nesse momento, o pai entra em casa. Excecionalmente, não estivera connosco durante a oração familiar.
- Dad, terás de dizer stop quando a mamã ler o texto para ti - Explica-lhe o David. - Vais ler outra vez, não vais, mãe?
- Talvez não seja preciso - Respondo, sorrindo - Se cada um de vocês disser ao papá a frase que escolheu, ele vai ficar a conhecer a leitura, e depois podemos continuar a rezar o salmo e o Evangelho.
- A minha é sobre sementes...
- E a minha sobre o coração!
- A minha é sobre alegria...
- A minha sobre boas obras!
- Querem repeti-las comigo?
"Quem semeia muito colherá muito."
"Dá segundo o impulso do teu coração."
"Dá sem tristeza, porque Deus ama aquele que dá com alegria."
- Até já sabemos de cor!
- É verdade, vamos decorando as Escrituras quase sem darmos por isso, como faziam Jesus, Maria, José, e todos os seus amigos.
A oração continua, e a semente da Palavra vai caindo, sulcando, ganhando raizes, dando flor e dando fruto...
Um dos passatempos do Francisco é resolver o Rubik's Cube (cubo mágico). Recebeu o seu primeiro cubo num aniversário, ainda em criança. Durante alguns anos, pouco lhe tocou. Um dia, encontrou na net um PDF com dicas de resolução, imprimiu-o e decidiu experimentar. Primeiro com as indicações à frente, depois já sem papel, aprendeu a resolver o cubo todo, e a fazê-lo cada vez mais depressa. De alguns minutos, foi diminuindo o tempo de resolução, até conseguir fazer o cubo em cinquenta segundos.
No verão passado, um dos projetos do Francisco foi aprender a resolver o cubo em menos de vinte segundos. Para o conseguir, precisou de memorizar vinte algoritmos diferentes. A cada dia, o Francisco memorizava dois ou três.
Num destes fins de tarde, em que eu pensava que o Francisco estava calmamente no quarto a estudar, vi o meu filho aos saltos de alegria.
- Que se passa, Francisco?
O Francisco tinha o cubo numa mão e, na outra, o relógio de pulso, com cronómetro:
- Consegui bater o meu record pessoal! Resolvi o cubo em quinze segundos!
Outro dia, no grupo de oração, a Clarinha viu-se bastante aflita para encontrar na sua Bíblia a passagem enunciada. Ela escutara as palavras: Carta aos Filipenses, capítulo 3, versículo 1 a 12. Mas depois... Como traduzir estas indicações em Palavra? A seu lado, ajudei-a a procurar. Lembrei-me então do cubo mágico...
Dá jeito conhecer os "algoritmos" que nos permitem procurar na Bíblia a Palavra de Deus. E quanto maior a nossa prática, mais depressa encontramos as passagens que nos falam ao coração. Há algumas que é bom conhecer "de cor", "de coração", para estarem mais acessíveis na memória quando delas precisamos. No meio de uma aula complicada, ou de um engarrafamento de trânsito, ou numa cama de hospital, sabe tão bem deixar a Palavra de Deus descer à nossa memória para nos apaziguar! Eu gosto de repetir baixinho o salmo do Bom Pastor (Sl 22/23) antes de entrar em algumas aulas ou reuniões, ou o Hino da Caridade (1Cor 13) quando estou prestes a perder a paciência, por exemplo.
Por onde começar? O ideal seria por um curso bíblico, mas na sua falta (e eu nunca fiz nenhum) podemos sempre começar por ler o índice da Bíblia, perceber um pouco como estão agrupados os livros, ler as introduções, que nos situam no tempo e no espaço. Depois, podemos seguir a sugestão de Bento XVI e ler, do princípio ao fim, um livro inteiro da Bíblia. Podemos repetir este gesto até termos lido por inteiro todos os livros da Bíblia, mesmo sem compreender tudo. Os cartões bíblicos vão-nos oferecendo pequenos versículos para memorizar, meditar, viver. Finalmente, há imensos jogos que podemos fazer em família: "Quem encontra mais depressa uma passagem na Bíblia sobre pastores?" "Quem é o primeiro a abrir em Ex 2, 10?" "Quem sabe em que livro vem a história do Rei David?"
Tal como o cubo mágico, a Palavra só é enigmática para quem não tem tempo ou vontade de praticar e memorizar algumas coisas... Chamemos-lhe "os algoritmos da Palavra"!
Se tiverem sugestões para que todos possamos aprender os "algoritmos da Palavra", venham elas daí :)
"Trarás no teu coração todas estas palavras que hoje te ordeno. Tu as repetirás muitas vezes e delas falarás, quando estiveres sentado em casa ou a caminhar, quando estiveres deitado ou andando pelos caminhos..." (Deut 6, 6-7)
PS - Já recebi algumas fotografias de alguns Cantos de Oração quaresmais. Querem enviar-me as vossas, para depois eu as mostrar num post?
No sábado, enquanto brincava com a Sara debaixo da figueira, como contei aqui, vi passar vários comboios, pois o Santuário fica ao lado da estação ferroviária. A cada comboio que passava, os meninos paravam de comer figos e ficavam a olhar, fascinados com o barulho, a cor e o movimento. Então, na minha mente, recordei-me dos meus tempos de infância, adolescência e juventude...
Por diversas razões, fiz muitas vezes o percurso de comboio entre o Porto e Lisboa. Os meus avós viviam em Aveiro, nós vivíamos em Castelo Branco, mais tarde fui estudar para Coimbra, e a linha do norte acompanhou-me sempre. De tanto fazer a viagem, memorizei as estações e apeadeiros entre Aveiro e Coimbra, bem como o recorte da paisagem. A torre branca e a imagem de Nossa Senhora surgiam mais ou menos a meio, e eu lembro-me perfeitamente de sempre rezar uma Ave-Maria quando por elas passava. E sempre me perguntava: O que farão uma torre tão bonita e uma imagem tão bonita no meio deste descampado? Que igreja tão especial existirá aqui, nesta estação pequenina chamada Mogofores?
Os anos passaram. Nunca descobri o que fazia a torre branca junto à linha do norte, mas pensava nela muitas vezes. Casei, vivi alguns anos em Aveiro, depois mudámo-nos para a Gafanha, nos arredores de Aveiro, e finalmente comprámos a casa que hoje temos, na pequena aldeia de Mogofores. E foi só então que reparei... Estava a viver à sombra da torre branca, com a sua belíssima imagem de Maria! Finalmente iria poder visitar a igreja que me acompanhava desde pequenina e que me fazia rezar uma Ave-Maria nas minhas viagens de comboio. E finalmente iria saber o porquê desta igreja tão bonita junto à linha!
Contei aqui como foi a minha primeira visita ao Santuário. Levei mais algum tempo a conhecer a sua história e a descobrir a devoção do povo e dos salesianos a Nossa Senhora Auxiliadora. Hoje, a Senhora Auxiliadora da torre branca da minha infância é também a Mãe de Caná. A Ela nos consagramos todas as manhãs:
Nossa Senhora Auxiliadora, Mãe de Caná,
Consagramos-te hoje e sempre a nossa família.
Confiamos na tua intercessão de Mãe,
para que o vinho da fé, da esperança e do amor
nunca acabe em nossa casa.
Faz de nós servos do Senhor, como tu,
e ensina-nos a fazer tudo o que Jesus nos disser!
Amen.
O Livro do Deuteronómio repete muitas e muitas vezes uma pequena palavra: "Lembra-te":
"Lembra-te de todos os caminhos que o Senhor teu Deus te fez andar nestes quarenta anos pelo deserto..." (Deut 8, 2)
O Papa Francisco, ao falar da sua oração pessoal, referiu que grande parte dela é feita de memória, no sentido bíblico: recordação das maravilhas de Deus, da forma como Deus conduziu o fio da nossa vida até ao bordado presente:
"A oração para mim é também sempre memoriosa, cheia de memórias, recordações, memória da minha história ou daquilo que o Senhor fez na sua Igreja..." (Entrevista à Revista Broteria, Agosto 2013)
A torre branca e a imagem de Nossa Senhora junto à linha de comboio são para mim hoje sinal da presença amorosa de Deus ao longo de toda a minha vida. Imagino o seu sorriso maroto quando eu rezava uma Ave-Maria dentro do comboio, aos dez, aos quinze, aos vinte anos. Imagino o seu olhar pousado sobre mim e o seu pensamento: "Espera e verás... Um dia entrarás nessa igreja, vais ver... As maravilhas que então Eu farei..."
Há alguns anos atrás, a minha família subiu à torre branca, para de lá contemplar a linha de comboio da minha vida, e a imagem da Senhora dos meus sonhos: