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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Quatro e meia da tarde. À porta do Colégio, aguardo que os meus filhos saiam das salas de aula e entrem no carro. O António e a Sara, que frequentam a pré-escola, já estão a meu lado, de mãos dadas comigo. Como sempre, a Lúcia é a última a chegar. Segundo me explicou a Clarinha - responsável por recolher os irmãos dispersos... - a Lúcia esquece-se sistematicamente de se dirigir para o portão da escola no fim do dia, tão ocupada está a brincar com as suas amigas. Assim, hoje, antes de abraçar a minha "ovelha perdida", sou brindada com uma interessante conversa com uma sua amiga, também ela à espera do pai, ao portão da escola:
- És a mãe da Lúcia?
- Sou sim!
- Ah, és tão velhinha!
A amiga da Lúcia originou boas gargalhadas lá em casa, sentados à mesa, à hora de jantar.
- Mamã, não és nada velhinha - Defendia-me o David, sempre muito cuidadoso com os outros - A Leonor disse isso por causa dos teus cabelos brancos. Sabes, tens alguns cabelos brancos!
Eu sei, claro. Nunca me maquilhei nem nunca pintei o cabelo (não por qualquer razão específica, descansem, apenas por feitio), por isso é natural que ele esteja mais branco do que o da maioria das mamãs.
- E se calhar és mais velha do que a mãe dela - Atalhava o António - Na minha escola, as mamãs costumam ser mais novas do que tu!
Isso eu também sei: há quinze anos que vou buscar crianças à mesma pré-escola, dia após dia, ano após ano. Durante estes quinze anos, já vi passar pela pré-escola muitas gerações de pais, e de todos eles, apenas eu continuo, teimosa, fiel, no mesmo sítio, como uma aluna repetente. É o que faz ser mãe de uma família numerosa...
Mas o comentário da Leonor fez-me pensar neste grande dom que Deus nos faz ao oferecer-nos o tempo.
A vida na Terra passa muito depressa. Um ano, vinte anos, cem anos - que é isso, comparado com a eternidade? A cada um de nós é-nos concedido apenas algum tempo, sempre muito curto, para prepararmos a nossa eternidade. A Jacinta de Fátima tornou-se santa em dez curtos anos de vida, e Chiara Badano, em dezoito... Outros santos precisaram de muitos mais anos, convertendo o seu coração ao Senhor depois de uma juventude desbaratada, como Agostinho e Francisco de Assis, ou até num último momento, como o Bom Ladrão crucificado ao lado de Jesus. Penso ainda nos mártires dos nossos dias, prontos para celebrar as Bodas do Cordeiro a qualquer idade, de um momento para o outro, entrando solenemente no céu pela Porta Santa do Sangue de Jesus... Há santos que o Senhor leva para Casa assim que conquistam a santidade, como Domingos Sávio ou Pier Giorgio Frassatti; e santos que o Senhor deixa na Terra por longo tempo, a fim de cumprirem a sua missão, como a Madre Teresa de Calcutá ou a Irmã Lúcia. Alguns santos partem para a eternidade deixando uma obra completa atrás de si, como Chiara Lubich e João Paulo II; outros partem de coração apertado, porque sabem que vão fazer muita falta a quem fica: Joana Molla, Chiara Petrillo, Zélia Martin - mães de família que, pela sua morte prematura, deixam crianças pequeninas e maridos em sofrimento. Mas diante do Senhor, que nos julga somente pelo amor, também a sua obra foi completa. Oh, se foi!
Escreveu S. Paulo:
"Para mim, viver é Cristo e morrer, um lucro. Se, entretanto, eu viver corporalmente, isso permitirá que dê fruto a obra que realizo. Que escolher então? Não sei. Estou pressionado dos dois lados: tenho o desejo de partir e estar com Cristo, já que isso seria muitíssimo melhor; mas continuar a viver é mais necessário por causa de vós.(Fl 1, 21-24)
Também eu vivo nesta tensão entre a vontade imensa de chegar a Casa o quanto antes - tenho grandes expetativas em relação ao Céu! - e a vontade imensa de cumprir o meu dever aqui na Terra, junto da minha família e de todos os que ainda precisam de mim, completando a obra que o Senhor me entregou. Talvez eu não chegue ao fim do dia de hoje... Ou talvez eu ainda esteja apenas a metade da minha vida na Terra. Só Deus sabe. Que triste seria se, no momento da morte, não estivesse preparada, vestida com o traje nupcial! É urgente ser santo, aqui e agora, já. "Santo Subito", como diziam os cartazes no funeral de S. João Paulo II...
"Ah, és tão velhinha!" Sim, Leonor, já passaram quarenta e três anos desde que me foi oferecido o dom da vida. Quando se é pequenino como tu, quarenta e três anos é muito, muito tempo... Mas ainda não foi tempo suficiente para me converter e me santificar, acreditas? Por isso, hoje, do alto dos meus cabelos brancos, quero agradecer ao Senhor cada nova manhã, cada nova graça, neste caminho tão curto que separa o meu nascimento na Terra do meu nascimento no Céu... Ámen!
- Meninos, tenho uma notícia para vos dar.
- Sim? Qual é?
- É sobre a vovó-mamã? - Os meus filhos tratam a minha avó, não por bisavó, mas por vovó-mamã, talvez por escutarem a avó a tratá-la por mãe.
- Sim, é sobre a vovó-mamã...
- Ela já está boa? Podemos ir visitá-la?
- Não vês que ela já não vai ficar boa, António? A vovó-mamã está quase a morrer, não é, mãe?
- A vovó-mamã já está com Jesus... Era isso que eu vos queria dizer.
- Já morreu? - O David quer ter a certeza.
- Sim, já morreu. Já está no céu!
- Então já está boa! Viva! Ah, deve ser tão bom estar no céu! - A Lúcia não esconde a sua alegria. Ela sabe o quanto a bisavó sofria nos últimos anos da sua vida, e também sabe, com uma certeza infantil, inocente e pura, que o céu é a maior felicidade que podemos experimentar.
- Quem me dera estar no céu agora, a brincar! Achas que a vovó-mamã já viu o Tomás?
- E vai poder pegar nele ao colo! Que sorte! Ena...
- E vai ver Jesus! E Nossa Senhora! Ah, ela deve estar tão feliz!
A conversa depressa se centra neste mistério imenso que é o céu, e que cá em casa é frequentemente motivo de belos sonhos. Há muito que a morte deixou de nos meter medo, e falamos sempre dela como da verdadeira Porta Santa, a Porta que nos lança na Vida.
- Bem, amanhã, dia 1 de março, vamos ao funeral - Interrompo.
- Funeral? Funeral? - A Sara quer saber do que falamos nós.
- Sim, Sara. Vamos fazer a última festa à vovó-mamã. Vamos rezar por ela, na missa, e depois acompanhá-la ao cemitério. Sabes, como o Tomás... Lembras-te do túmulo do Tomás, onde ficou guardado o seu corpo? A vovó-mamã também vai ter um túmulo assim. O corpo das pessoas é demasiado pesado para subir ao céu, por isso, Deus só leva a alma, e no céu dá-lhes um corpo novinho em folha, sem doenças, sem velhice, sem dores. O corpo da terra volta para a terra, aonde pertence.
- Ah, por isso é que não vemos os corpos por aí a voar!
- Claro. Seria uma grande confusão! Deus só leva as almas, e no céu tudo se arranja.
Os meninos não têm dificuldade em entender isto. Não custa, imaginar o espírito a elevar-se alto no céu, leve como as nuvens, alegre como os pássaros, azul como o horizonte... e voar até ao Coração de Deus.
Nessa noite, no terço, recordámos a vovó-mamã, pedimos ao Senhor que a acolhesse no seu Coração e agradecemos o dom que ela foi sempre na nossa vida. No dia seguinte, fui buscar os meninos à escola logo depois do almoço, e seguimos até Aveiro, rezando o terço no carro e preparando os cânticos para o funeral.
O dia estava luminoso, sereno e belo. Na missa, todos cantámos e tocámos, porque se havia coisa que a avó gostava, era da nossa música. Atentos, os meninos seguiram a belíssima homilia do Cónego António Assunção (o sacerdote da minha infância, testemunha do meu casamento, padrinho do Francisco, o mesmo sacerdote que sepultou o Tomás...), feita especialmente para que as crianças penetrassem um pouco no imenso mistério da eternidade.
Depois, serenos, dirigimo-nos ao cemitério. O azul do céu e o branco das lajes, o silêncio e a paz...
- A vovó-mamã vai ficar dentro daquela cova?
- Não, António. Já te esqueceste? É só o corpo que fica ali, até se desfazer em terra, em pó... Essa terra vai alimentar as plantas, fazer crescer as árvores, fazer brotar as flores, e o ciclo da vida continua. Entretanto, a alma da vovó-mamã já não está aqui, já está no céu, e Deus já lhe deu um corpo novo, sem rugas, sem fome, sem sede, sem doença, sem morte.
- Ah...
É preciso que os meninos vejam o caixão, é preciso que vejam a cova, a terra, a pedra fria. É preciso que vejam e que não desviem o olhar, e que não se distraiam com fábulas, e que não esqueçam... O mistério da morte é o mistério da vida. É preciso perder o medo à morte para perder o medo à vida.
Um a um, deitam uma última flor sobre a urna, e logo os coveiros a cobrem de terra.
Diante daquela urna imensa, vieram-me ao pensamento memórias de um tempo antigo... A minha infância, a minha juventude, os meus primeiros anos de casada, e a minha avó sempre presente, acompanhando cada alegria e cada dor com a sua ternura infinita e uma capacidade imensa de se esquecer de si. Recordei-me de cada cheiro e de cada sabor das refeições deliciosas com que sempre nos recebia, nas longas férias que passávamos juntos; e das camisolinhas de lã tricotadas com todo o carinho do mundo, primeiro para nós, as netas, depois para cada um dos bisnetos que iam chegando... Os anos passaram, e pouco a pouco, a minha avó foi perdendo a memória, a capacidade de se deslocar sozinha, as forças. Mas nunca perdeu o essencial: o seu imenso amor, o seu imenso respeito e a sua imensa gratidão por quem dela cuidava. A todos, mesmo sem os reconhecer, respondia com um "obrigada" educado e bem disposto. E nas suas mãos, as contas do terço iam passando lentamente...
Diante daquela cova e daquela terra, lamentei que os meus filhos não tenham conhecido a minha avó quando ela era nova e cheia de energia. Depois apercebi-me que a geração dos filhos dos meus filhos nem sequer recordará o seu nome. Que mistério! Como diz o salmista:
"Os dias dos seres humanos são como a erva;
brota como a flor do campo,
mas, quando sopra o vento sobre ela,
deixa de existir e não se conhece mais o seu lugar."
(Sl 102/103, 15-16)
Mas o mesmo salmo acrescenta:
"Mas o amor do Senhor é eterno para os que o temem,
para os que guardam a sua aliança
e se lembram de cumprir os seus preceitos."
(Sl 102/103, 17-18)
Diante de Deus, cada um de nós é sempre, sempre Presente. Os homens podem esquecer, mas o Senhor nunca esquece, porque nunca, por um instante sequer, existimos longe do seu olhar. Uma imensa alegria invade o meu coração, quando penso neste grande mistério. Sei que nenhum gesto de amor da minha avozinha ficará sem recompensa, mesmo aqueles gestos - especialmente aqueles gestos - que nunca lhe consegui agradecer.
No eterno Presente que é o Céu, só o amor é recompensado... E como diz S. João, falando de todos os cristãos que o são verdadeiramente, falando - também - da minha avó:
"Sabemos que passámos da morte à Vida porque amamos os irmãos." (1Jo 3, 14)
Ámen!
Na cozinha, a Clarinha aproveita a tarde livre para fazer queques de chocolate...
... que ao jantar serviu num... prato também de chocolate, e também feito por ela! Vejam lá quem é artista?
Os queques e o prato desapareceram num instante...
Parabéns, Tomás!
- Quem gosta dos bolinhos em honra do Tomás?
- Eu!
- Eu!
- Eu!
Depois da refeição, a oração familiar. A vela do Tomás ilumina o Canto de Oração, e todos lhe querem pegar...
A festa na Terra terminou, mas no céu nunca terminará! No terceiro domingo do Advento, Domingo da Alegria, o Papa Francisco lembrou-nos que, aos cristãos, não é consentida a tristeza, pois já fomos salvos por Jesus, como anunciou o profeta Sofonias:
"Não desfaleçam as tuas mãos, Jerusalém: o Senhor teu Deus está no meio de ti, como poderoso salvador. Por causa de ti, Ele alegra-se, renova-te com o seu amor, exulta de alegria como nos dias de festa." (Sof 3, 14-18)
Um dia não haverá mais choro, nem mais tristeza, nem mais dor, nem mais morte. Um dia... Mas esse dia já começou, há dois mil e quinze anos atrás! E o nosso menino do Natal aponta-nos para um outro Menino, de um Natal que nunca terá fim. Afinal foi esse mesmo Menino que nos inspirou a dar ao Tomás o segundo nome de Emanuel, que quer dizer Deus-Connosco... Nem nós imaginávamos o quanto!...
Alegremo-nos e façamos festa, porque o Senhor está connosco! Ámen.
Terias hoje onze anos. Como será fazer anos no céu? Haverá uma festa especial? O teu anjo da guarda saltará de alegria à tua volta? Jesus tomar-te-á nos braços com carinho a duplicar? Será que o bolo de anos de Maria é melhor que o meu?... São perguntas assim que os teus irmãos me fazem neste dia, quando acendemos a tua vela e te cantamos os parabéns, à mesa do jantar.
E no entanto, nada do que possamos responder se assemelha sequer à festa que tu vives... S. Paulo, que teve visões e êxtases sem fim, e que subiu, segundo contou, ao sétimo céu, reconhecia contudo que o céu verdadeiro, aquele que só conhece quem já não vive na Terra, esse céu é infinitamente melhor que a nossa mais bela imaginação. Escreveu ele:
"Nem olho viu, nem ouvido ouviu, as maravilhas que Deus tem preparadas para aqueles que ama..." (1Cor 2, 9)
Eu sei que, se pudesses escolher, não quererias regressar a esta Terra de sombras. Eu sei que, aí onde estás, a tua capacidade de amar se aprofunda a cada instante de eternidade que passa, e hoje me amas mais do que qualquer um dos teus irmãos. Eu sei, com a sabedoria que só a fé pode dar, que és feliz, plenamente feliz, e que a tua alegria é completa. Há muito que deixei de me demorar em pensamentos estéreis, desejando uma realidade diferente da que é nossa... Hoje, quando vejo no colégio os meninos que deveriam ser os teus colegas de turma - sim, eu sei bem quem eles são, porque nunca os perdi de vista... - já não me deixo tomar pela nostalgia do que podia ter sido, mas não é. Tudo isso, querido filho, passou, porque Deus me concedeu a graça de querer apenas o que Ele quer. Deus, Tomás, só Deus nos basta...
Obrigada, meu Deus, porque criaste o Tomás!
A grande festa de Todos os Santos é para nós também a grande festa do Tomás. Na verdade, o Tomás é santo e festeja no céu a alegria dos Filhos de Deus. Que grande honra para nós, termos um filho que já alcançou a felicidade eterna! Tão pequenino, e já na posse do Reino... É um mistério que nos enche de espanto.
O túmulo do Tomás não está em Mogofores, mas na Gafanha da Encarnação, onde nós vivíamos na altura. De vez em quando, o Niall visita-o à hora de almoço, pois a Gafanha fica entre Aveiro e a praia, e a brisa suave por entre os pinheiros é um ótimo antídoto para o stress diário do Niall no seu local de trabalho. Mas eu raramente tenho oportunidade de ir ao cemitério.
Num dia do verão passado, a caminho da praia, visitei com os meninos o túmulo do Tomás. Não havia ninguém, cheirava a maresia e nós estávamos muito felizes. Esta fotografia foi tirada então:
Nestes dias santos não sinto necessidade de visitar o túmulo do Tomás. A festa de Todos os Santos faz-me mergulhar de tal forma na felicidade do Céu, na alegria dos santos, na festa dançante do Reino, que me custa olhar para a pedra fria e imaginar o caixãozinho branco que vi descer numa grande cova, naquele dia longínquo de 2006. Geralmente, é a minha mãe que visita o túmulo nesta altura para o adornar de flores frescas e para colocar nele uma velinha.
Este ano, como já tem acontecido nos últimos anos, a minha mãe chegou ao túmulo e viu-o perfeitamente limpo e arranjado, com flores lindíssimas. Telefonou-me e imediato. Quem será que, ano após ano, toma a seu cargo esta doce e nobre tarefa, sem ninguém lhe pedir? Antigos vizinhos? Velhos amigos? Não sabemos. Mas já hoje pedi ao Senhor a sua bênção sobre esta pessoa generosa, que no silêncio nos dá tão doce alegria. Ela vive a bem-aventurança do Evangelho:
"Quando deres esmola, não saiba a tua mão direita o que fez a esquerda, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e o teu Pai, que vê o que está escondido, não te deixará sem recompensa." (Mt 6, 3-4)
Quanto a mim, festejei a vida e a santidade do meu filho da forma habitual: durante a Eucaristia, quando o sacerdote iniciou a grande oração eucarística, eu soube com toda a certeza que o Tomás estava ali, diante do altar, com o seu olhar azul e o seu sorriso límpido, louvando e adorando comigo Jesus-Eucaristia. E quando o senhor padre rezou: "com todos os anjos e santos, cantamos a uma só voz..." eu cantei a uma só voz com ele. É o maravilhoso mistério da comunhão dos santos, que faz de todos nós, vivos e defuntos, uma única família. Nós pensamos que o céu fica lá longe, e ele está tão próximo... Não foi Jesus quem o disse?
"O Reino de Deus está próximo!" (Mc 1, 15)
Scott-Hahn, autor americano que vivamente recomendo, interpreta assim esta frase, no seu magnífico livro The Lamb's Supper: "Sim, o Reino de Deus está próximo: tão próximo quanto a igreja paroquial mais perto de ti." E continua: "Nós vamos ao céu - não só quando morremos, mas sempre que vamos à missa."
Tomás, que todos os domingos te juntas a nós diante do altar, reza pela tua família! Ámen.
Faz hoje nove anos que tu partiste para o céu, meu pequeno Tomás. Nesse dia, eu só conseguia pensar na alegria imensa que devias estar a experimentar, liberto do teu corpinho doente como uma borboleta a voar para longe do seu casulo opressor... E a certeza de que estavas bem melhor suavizou a minha dor.
No dia seguinte, na missa, fizemos-te uma festa. Não queríamos, de forma alguma, que a celebração da tua vida eterna fosse uma cerimónia triste. O teu pai e eu escolhemos, com cuidado, os teus cânticos preferidos, e tocámo-los na viola, cantando com quanta força tínhamos. Lembras-te? Cantámos cânticos pequeninos como tu, e que nos falavam do amor com que o Senhor cuida de nós:
"Eis-me aqui, sou criança que procura a mão!
Eis-me aqui, pequenino, nos teus braços!
Dá-me hoje teu amor, teu perdão, Senhor!
Guarda-me pequenino, para Ti!"
Às vezes, mães que perdem os seus filhos ou que os vêem muito doentes perguntam-me se é possível voltar a ser feliz. É, Tomás, não é verdade? Eu pensei que não, e durante algum tempo convenci-me que não, mas é. O tempo cura tudo? Não, o tempo não cura nada: o que cura é o amor. A tua morte escavou em mim um abismo imenso, e eu deixei que o amor o preenchesse. A felicidade que agora experimento é diferente da que conhecia antes da tua partida, porque é mais profunda, como mais profundo é o abismo da minha vida. Agora, Tomás, não sou feliz porque tenho saúde, porque tenho filhos, porque tenho trabalho, porque tenho sucesso ou por qualquer outra razão... Deixei de ter medo de perder tudo isso, sabes? Que libertação, quando perdemos o medo! Agora, Tomás, sou feliz porque amo e sou amada, infinitamente amada por Deus. Como tu!
Afinal, o que é o Céu senão este tsunami de amor que, de repente, invade o imenso abismo que somos?...
"Se subir aos céus, Tu lá estás;
se descer ao abismo, ali Te encontras também.
Se voar nas asas da aurora
ou for morar nos confins do mar,
mesmo aí a tua mão há-de guiar-me
e a tua direita sustentar-me-á.
Se disser: «Talvez as trevas me possam esconder,
ou a luz se transforme em noite à minha volta»,
nem as trevas me ocultariam de Ti
e a noite seria, para Ti, brilhante como o dia..."
(Sl 139/138)
Tomás, reza por nós!
No céu, onde tu habitas, e cá em casa, há hoje uma grande festa: faz dez anos que nasceste! Nesse dia, pensei que eras meu. Eras tão lindo! Tinhas uns olhos azuis grandes e quase nunca choravas. Mamavas bem, dormias sem chupeta, eras o bebé perfeito...
Um ano e meio depois, compreendi a verdade: afinal, tu não eras meu. Tu pertences a Deus, Tomás, como eu também pertenço. Foste-me confiado por Deus por pouco tempo, para me ensinares muitas coisas, e para me ajudares a crescer.
A tua passagem pela Terra foi curta, mas aos olhos de Deus, foi completa. E sabes porquê? Porque na tua simplicidade de criança, tu não fizeste senão a vontade de Deus. E o tempo é-nos oferecido para isso mesmo! Diz o salmista:
"Mil anos a teus olhos são como o dia de ontem, que já passou,
e como uma vigília da noite." (Sl 90)
Cada vez que o meu pensamento se demora em ti, sou de novo obrigada a devolver-te ao Senhor e a renunciar à alegria humana de te ver crescer, como vejo os teus irmãos. E é por isso que também te quero agradecer: tu desafias-me a viver na verdade, tomando consciência de que nada do que tenho é meu. Tu desafias-me a perder o medo, especialmente o medo do sofrimento e o medo da morte, pois agora eu sei que "dor" rima com "amor", e que a morte não passa de uma leve cortina oscilando ao vento entre duas realidades.
Que liberdade interior, quando vivemos sem medo de sofrer! Que felicidade, quando percebemos que esta vida é a madrugada da eternidade! Também eu, Tomás, caminho em direcção a Casa, essa Casa onde um dia nos encontraremos em Deus, e então seremos tão felizes!
Reza por esta família que tens aqui na Terra. Pede ao Senhor que, como tu, também cada um de nós seja santo. Parabéns pelo que és, Tomás Emanuel!
Há dois anos, recebi um mail com a notícia de um funeral festivo, que atraíra multidões em Itália: o funeral de uma jovem mãe de vinte e oito anos, vítima de cancro. E porque fora o funeral uma festa? Porque Chiara vivera e morrera como testemunha do amor de Deus, deixando na Terra um rasto de santidade.
Chiara espalhava a alegria, a paz e a confiança em Deus por onde passava. Casada com Enrico, vivia a sua fé intensamente. Nos primeiros anos de casada, Chiara dera à luz dois bebés que tinham morrido poucos minutos depois do parto, e fizera-o sempre com uma serenidade invulgar. Em ambos os casos, recusara o aborto proposto pelos médicos, ao tomar consciência das mal-formações dos bebés.
A terceira gravidez fora finalmente de uma criança saudável, mas ao quinto mês de gestação, o cancro atacou Chiara. Caramba, não teria ela já tido uma dose suficiente de dor? Não. Da dor, nasce o amor, e Chiara é a prova disso mesmo: recusando a quimioterapia que a podia salvar, mas que mataria o bebé, Chiara assumiu a sua doença em favor da vida do seu filho. Quando finalmente pôde fazer os tratamentos, depois do bebé nascer, já não foi a tempo. Morreu um ano depois.
A história que, há dois anos, me foi contada por mail, podemos agora lê-la em livro. Melhor: quem vive em Lisboa ou no Porto poderá assistir ao lançamento do livro em português, com a presença do marido e do filho de Chiara! Aqui fica o cartaz que publicita este maravilhoso evento, em Lisboa e no Porto, nos dias 28 e 30, respectivamente: CARTAZ_Chiara.jpg
Vivemos tempos difíceis de relativismo, onde tudo parece depender dos nossos sentimentos e onde as atitudes radicais são apelidadas de fundamentalistas. Chiara parece ter vivido com uma missão: mostrar ao nosso mundo de hoje que é possível ser cristão até ao mais profundo de cada decisão; que podemos acreditar na Palavra de Jesus, quando Ele nos diz: "Não tenhais medo!" E que a verdadeira felicidade só se encontra no cumprimento perfeito da vontade de Deus.
"Quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la." (Lc 9, 24)
Neste dia de Cristo Rei, deixo-vos com um vídeo pequenino sobre a vida e a morte de Chiara. Que ela nos ajude a ver a verdade e a seguir o nosso Rei até ao fim!
- Mamã, quem está nesta foto aqui na parede?
- Sou eu, António. É a mamã, quando a mamã era pequenina.
- Tu já foste pequenina?
- Já, claro!
Silêncio...
- E quem tomava conta de nós quando tu eras pequenina?
- ???????????
As crianças não conseguem imaginar que houve um tempo em que elas não existiam. E ainda conseguem menos imaginar que haverá um tempo em que deixarão de existir... A verdade é que elas têm razão: existimos desde sempre no pensamento de Deus, como diz S. Paulo:
"Ele nos escolheu, em Cristo, antes da fundação do mundo, para sermos santos..." (Ef 1, 4)
E existimos para sempre, não na Terra, mas no Coração do próprio Deus:
"Nem olho viu, nem ouvido ouviu, nem o coração do homem pressentiu, isso que Deus preparou para aqueles que O amam." (1Cor 2, 9)
Ontem, dia dos Fiéis Defuntos, foi dia de profunda oração na Igreja, e todos fomos convidados a unir os nossos corações aos dos nossos familiares e amigos que existiram antes de nós e continuam a existir no abraço de Deus. Na missa, escutámos:
"Job respondeu, dizendo: «Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, ou ficassem gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre! Eu sei que o meu Redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; e depois de a minha pele se desprender da carne, na minha própria carne verei a Deus. Eu mesmo O verei, os meus olhos e não outros O hão-de contemplar!»" (Jb 19, 23-27)
Nos túmulos dos nossos familiares já falecidos, junto dos quais muitos celebraram a Eucaristia, encontramos palavras gravadas a estilete de ferro ou esculpidas na pedra. Nos nossos corações, ecoam palavras também... Que palavras são essas? São palavras que afirmam a nossa fé na ressurreição, como as palavras de Job? Ou são palavras de desespero e tristeza, palavras pagãs de quem está preso ao pó, à terra, à pele que se desprende da carne?
Nos túmulos brancos dos nossos familiares, restam apenas uma pedra e um tributo. Porque a grande verdade é que os seus olhos - e não outros - contemplam já as maravilhas de Deus...
O Tomás, acreditamos, contempla a glória do Senhor deste o instante da sua morte. No seu túmulo branco está gravada uma oração de acção de graças. É a mesma oração que rezámos no dia do nosso casamento e no baptismo de cada um dos nossos filhos. É a mesma oração que está gravada nas nossas almas e nas nossas vidas, no mais profundo da nossa família, para sempre. É a oração que Santa Clara rezou momentos antes de morrer:
"Obrigado, meu Deus, porque me criaste!"
Ámen!
Hoje é dia de festa a triplicar: Festa da Exaltação da Santa Cruz, primeiro aniversário das Famílias de Caná e... 8º ANIVERSÁRIO DO DAVID!
Faz hoje oito anos que o nosso menino nasceu, com pouco mais de dois quilos e sobrolho franzido, depois de uma gravidez muito atribulada! Era muito pequenino, muito magrinho, mas extremamente amado e desejado. O seu nascimento, entre risos e lágrimas, foi um dos momentos mais marcantes da nossa família...
Hoje, o David é uma criança segura, calma, discreta, que gosta de estar sozinho com um livro ou com a sua colecção de animais, que já foi a colecção de animais do Francisco. O David tem um coração grande e uma vontade forte, e detesta zangar-se seja com quem for. Por enquanto acha que vai ser surfista (embora nunca tenha estado numa prancha de surf), ciclista e padre, se for possível ser tudo isso ao mesmo tempo. Se não for possível, o David diz que ainda tem tempo para escolher. Sim, David, tens muito tempo!
Com o nascimento do David, quatro meses depois da morte do Tomás, cumpriu-se em nós a Palavra da Escritura que diz:
"Eu mudarei o teu luto em alegria! Eu te consolarei!" (Jr 31, 13)
O David nasceu na Festa da Exaltação da Santa Cruz. A primeira leitura desta belíssima festa, que hoje escutamos, diz-nos que
"Moisés fez uma serpente de bronze e colocou-a num poste. Quando alguém era mordido por uma serpente venenosa, olhava para a serpente de bronze e ficava curado." (Nm 21, 9)
Quando o David nasceu, a Cruz de Jesus libertou-nos, como ao Bom Ladrão, do peso da nossa própria cruz, curando-nos do veneno da tristeza. Ah, os mistérios do amor de Deus...
Parabéns, querido David!