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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
- Meninos, estão a bater à porta! Alguém que abra, por favor!
- Mãe, é para ti. É um senhor, e não parece muito simpático.
Enxugo as mãos, pois estou a fazer o jantar, e apresso-me a chegar à porta. O senhor que me aguarda não está, realmente, com ar de grandes amigos.
- Não quero ter problemas com a senhora - Diz-me. Mentalmente e no espaço de dois segundos, revejo a minha vida nos últimos quarenta e três anos à procura de algum crime esquecido.
- Desculpe, não estou a entender...
- Este cão aqui é seu?
Já estou a entender.
- Sim, é. Jack, vem cá!
- Pois há dois minutos atrás, e como acontece todos os dias, ele estava na minha casa. Tal como estava às seis da manhã.
- Seis da manhã? Mas nós só o soltamos quando nos levantamos, pelas seis e meia...
- Então eram seis e meia.
- Na sua casa? A fazer o quê? Nós só o soltamos para eles esticarem as pernas e fazerem as suas necessidades no descampado aqui atrás da nossa casa. Depois eles entram em casa e ficam aqui connosco...
- Não, eles não fazem as necessidades no descampado; eles fazem-nas no meu jardim, que fica duas ruas atrás desta.
- Ah! Desculpe! Não sabia! Como eles não mordem a ninguém, nem se atravessam diante dos carros, costumamos tê-los soltos, à nossa volta... Nunca demos conta de irem para longe!
- Prenda os cães e não vamos ter problemas.
- Pois... Assim farei.
- Muito boa tarde então.
- Boa tarde!
Fecho a porta, volto-me e deparo-me com seis pares de olhos, fixos em mim.
- Que vais fazer agora, mãe?
- Eu? Vocês é que vão fazer! A partir de hoje, meus meninos, começam a levar os cães a passear com trela, como o resto do mundo faz.
- Mas nós só chegamos da escola às cinco horas!
- Bem, vamos fazer uma escala. O pai passeia-os de manhã, ao acordar, eu passeio os cães à hora de almoço, e vocês ao fim da tarde. Combinado?
Chegamos a um acordo, e mais relaxados, deixamo-nos cair no sofá a rir à gargalhada, imaginando um pouco a situação que deu origem às queixas do vizinho. Depois, suspiro. Não sei como vou conseguir encaixar mais esta atividade no meu horário...
Diz a Escritura:
"Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus." (Rm 8, 28)
Nem sempre me recordo deste versículo, ao longo do meu dia. Quantas vezes uma pequena contrariedade é suficiente para me entristecer ou oprimir? Se, pelo contrário, me recordar da Escritura, deixo-me tomar por um sentimento de "santa" curiosidade: que quererá Deus que eu aprenda desta vez? Que planos terá Ele para mim? Tenho procurado fazer assim com tudo, absolutamente tudo - como diz S. Paulo - que me acontece, especialmente os contratempos, sejam eles no trabalho, na escola, na paróquia, com as Famílias de Caná, com os meus filhos... e, claro, com os meus cães.
A Palavra de Deus não mente. Graças a este vizinho pouco simpático mas cheio de razão, teve início, há cerca de dois meses atrás, um dos meus rituais preferidos: levar os cães a passear pelas ruas da minha terra. Quase todas as tardes encontro vinte a trinta minutos para a nossa bela passeata. Há muito tempo que eu sentia a necessidade de fazer caminhadas ou outra forma de exercício físico que não apenas aspirar e arrumar a casa, sem nunca conseguir tempo para tal. Eis que um vizinho rabugento me oferece precisamente a oportunidade procurada!
Juntos, os cães e eu, demos as boas vindas à Primavera, nos campos em redor - eu com os olhos postos nas flores, nas ervas e nas nuvens, eles com os olhos postos nas lagartixas... Juntos, os cães e eu, descobrimos que as ovelhas tinham parido, e que os cordeirinhos se divertiam a saltitar nas quintas... E o engraçado é que continuo a ter tempo para arrumar a casa, tempo para preparar as minhas aulas e tempo (pouco, muito pouco) para escrever neste blogue.
Vinte a trinta minutos de contemplação são naturalmente vinte a trinta minutos de oração. Sozinha com os cães, pelos campos ao redor da minha casa, eu vou conversando com o Senhor, partilhando tudo com Ele - "Nós, Jesus"... Como já referi várias vezes, gosto especialmente de rezar em voz alta, louvando, cantando, rindo ou chorando, suplicando, agradecendo... As ovelhas, as lagartixas, os passarinhos e os cães não parecem achar que seja maluca ao falar assim "sozinha", e por isso aproveito o passeio para dar asas ao meu coração. Regresso a casa saciada, em profunda comunhão com Deus e toda a sua Criação.
Ao fim do dia e ao fim-de-semana, os passeios são feitos em família. Os cães trouxeram-nos novas oportunidades para passearmos juntos, para observar a natureza, para nos divertirmos em conjunto. Que bom!
E até a avó parece ter tomado o gosto pela passeata! Ora digam lá se não lhe fica bem?!
Senhor, Deus das surpresas, Deus que até do mal és capaz de retirar o bem, ensina-me a arte de tudo agradecer, bom e mau, na minha vida! Hoje, pequenos detalhes de falta de tempo ou de excesso de trabalho; amanhã, um problema mesmo a sério... Tudo, tudo concorre para o meu bem, como disse a jovem Chiara Badano: "Tu queres, Jesus? Então eu também quero!" Ámen.
Primeiro dia de aulas. Estamos numa escola nova, moderna, bonita e muito, muito grande. Vou conhecer uma nova turma do Vocacional. São vinte e poucos alunos com um percurso escolar feito de fracassos, repetências, ordens de saída da sala de aula, recados na caderneta, faltas. Em casa, a grande maioria encontra ruinas em vez de castelos, gritos em vez de palavras de amor.
"Nós, Jesus", rezo, antes de entrar na sala de aula. Não tenho tempo para muito mais: enquanto abro a porta, sou empurrada por uma avalanche humana sem delicadeza, que tenta passar.
- Bom dia, meninos! - Cumprimento.
- Espero que seja para si, professora! Para mim já é mau. Escola, rrrrrrr!
- Isto é o quê, malta? Inglês? Ah, está ali a teacher! Olá teacher!
- No ano passado vim para a rua em todas as aulas de Inglês, sabia?
- E eu nem chegava a entrar! - Gargalhadas.
- Bem, sentem-se nos lugares destinados pelo Diretor de Turma. Tu és o...
- João!
- João, senta-te aqui.
Gargalhadas - Professora, ele não é nada o João! Está a brincar consigo!
- E tu, por favor, és o...?
- Ah, tem de adivinhar que também não vou dizer!
- OK. Têm caderno, caneta...?
- Para quê, teacher? Eu nunca aprendi inglês e não é agora que vou aprender!
- Professora, mande-os para a rua! Tanto barulho! Eu quero aprender!
Gargalhadas - Ele quer aprender, teacher! Podemos ir embora nós? Pode dar-lhe a aula só a ele?
Enquanto escuto, sinto nascer dentro de mim uma enorme empatia. Também a mim me apetece sair da sala antes mesmo de entrar, ser expulsa da turma, fingir que não vou conseguir ser professora destes meninos, desistir ainda antes de tentar, trocar de nome para que não desconfiem que sou cristã. Como eu os compreendo! Involuntariamente, começo a sorrir.
Noventa minutos e muito cansaço mais tarde, toca para saída. A escola nova tem as portas da sala todas envidraçadas, o que vai tornar difícil, ao longo do ano, um gesto que eu costumava fazer no final de muitas aulas do Vocacional: fechar a porta, deitar a cabeça nos braços sobre a mesa, e chorar. Terei de controlar melhor as minhas emoções no final destas aulas... "Nós, Jesus!" Repito.
Mas hoje não tenho vontade de chorar. Hoje não consigo deixar de pensar no trabalho que também eu dou a Deus... Chego a casa, abro o Livro do Profeta Oseias:
"Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o, e chamei do Egito o meu filho. Mas quanto mais os chamei, mais eles se afastaram; ofereceram sacrifícios aos ídolos de Baal e queimaram oferendas a estátuas. Entretanto, Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços, mas não reconheceram que era Eu quem cuidava deles. Segurava-os com laços humanos, com laços de amor, fui para eles como o que levanta uma criancinha contra o seu rosto (...) O meu povo é inclinado a afastar-se de Mim; quando se convida a subir ao que está no alto, ninguém procura elevar-se. Como poderia abandonar-te, ó Efraim? Como poderia entregar-te, ó Israel?" " (Os 11, 1-8)
Senhor, que eu não desista de elevar, chamar, trazer nos braços, cuidar, amar cada um dos meus alunos, por mais rebeldes que eles sejam... tal como Tu nunca desistes de me convidar a subir ao que está alto - e sou bem mais rebelde do que eles...
Há cerca de duas semanas, a Clarinha caiu mal durante um exercício de ginástica (em casa...), ficando com uma dor persistente no joelho. Durante vários dias, a Clarinha continuou a sua vida normal, embora com dor. Mas como não melhorasse, antes se sentisse cada vez pior, teve de ir a uma consulta de fisiatria. A resposta foi clara: a Clarinha tinha uma rotura de ligamentos e não podia fazer ginástica durante, pelo menos, três semanas. Estávamos em vésperas do grande espetáculo de final de ano, que há meses a fazia sonhar...
Na noite em que chegou a casa, depois da primeira avaliação do seu problema, a Clarinha chorou, e nós sentimos o coração partido. Sabíamos que ela precisava de deitar cá para fora toda a frustração de não poder participar no espetáculo da Menina do Mar, onde iria dançar como uma alga agitando-se nas ondas azuis.
Mas algumas horas depois, quando se foi deitar, as lágrimas já tinham dado lugar a um sorriso. Não terá sido um sorriso espontâneo, antes o sorriso treinado de quem está habituado a sofrer alguma dor para conseguir os resultados de beleza e ritmo de cada exercício. O sorriso que nasce na dor é certamente bem mais precioso do que o que nasce na alegria... Como Chiara Badano, em situação bem mais grave, também a nossa Clarinha precisava de aprender a dizer: "Tu queres, Jesus? Então eu também quero."
A ginástica foi substituída pela fisioterapia, os treinos por consultas de fisiatria e, para a semana, ortopedia. As férias da Clarinha prometem ser bem mais calmas do que esperávamos, ou pelo menos, com menos saltos e piruetas! A "bilha" do "Nós, Jesus" vai sendo cheia da água dos seus pequenos sacrifícios.
A vida, como o desporto, oferece-nos oportunidades contínuas de lidar com a frustração. Podemos desperdiçá-las, queixando-nos da sorte e resmungando de tudo e de todos; ou podemos agarrá-las com ambas as mãos, forçando um sorriso, oferecendo a Jesus a nossa dor e avançando, com humildade nova, no caminho que se nos abre.
Nestes dias, temos vindo a escutar, na primeira leitura da missa diária, a história de José, filho de Jacob, traído pelos irmãos e vendido como escravo para o Egito, e finalmente tornado poderoso administrador do faraó. Perdoando de coração aos seus irmãos, José faz esta afirmação:
"Vós planeastes fazer o mal contra mim. Deus, porém, teve em mente com isso um bem." (Gn 50, 20)
Na tarde do espetáculo, em vez de dançar no palco, a Clarinha tocou guitarra sentada no sofá da sala, enquanto os irmãos mais novos dançavam e batiam palmas. Escutando a sua voz alegre e forte, capaz de afastar para longe todos os fantasmas, eu pensava...
Educar os filhos é também ajudá-los a gerir o seu desapontamento e a sua frustração, acreditando que não há mal que Deus não possa transformar em bem, se lho entregarmos com confiança e humildade. Na vida, nem sempre os ventos nos são favoráveis - e ainda bem, pois o que faríamos nós com ventos favoráveis o tempo todo? Os aviões descolam sempre contra o vento...
- Mamã, gostaste do meu teatro da catequese?
- Adorei, Lúcia! Estavas muito bonita, a segurar a letra do nome de Jesus.
- Eu gosto tanto da catequese!
- Tens amigos no teu grupo?
- Tenho. Todos somos amigos! E os meus catequistas são muito bons. Sabem muitas histórias da Bíblia, mamã, assim como tu!
Os catequistas - evangelizadores, como aqui na paróquia preferimos chamar - da Lúcia são pais de uma Família de Caná muito simpática. Este ano foi a sua estreia como evangelizadores, e a experiência foi magnífica, tanto para as crianças, como para eles. No sábado passado, na hora de louvor com que terminamos sempre a catequese, fizeram com as crianças uma breve apresentação, que a todos encantou. O João começou por ler este texto, onde exprime bem aquilo que viveram ao longo do ano:
"Está quase no final este nosso primeiro ano de evangelização.
Foi uma estreia para todos. Para as nossas pequeninas e pequeninos, mas também para mim e para a Isabel…
Para muitos de nós este foi o primeiro contato, mais ou menos elaborado, com a religião e com a fé.
Nem sempre conseguimos, mas estivemos sempre todos com a noção de que não queríamos falhar, o que quer que fosse, nesta grande experiência e nesta responsabilidade de iniciar, mais formalmente, uma caminhada importante. Caminhada esta que esperemos seja longa e não se esvazie com o tempo. Que Deus nos Ajude para que esta fé não deixe de ser alimentada.
Durante esta nossa jornada pedimos ajuda a Nossa Senhora que nos auxiliasse, rezámos, rimos, brincámos, conversámos… e ganhámos todos novos amigos.
Fizemos uma tenda gigante no meio de uma sala de aula no nosso “deserto” e subimos ao monte para rezar, provámos um delicioso e suculento maná, sentimos o espírito santo de uma forma diferente e como ele pode tornar-se efervescente na nossa vida. A ressurreição de Jesus foi explosiva aos nossos olhos fazendo brotar pétalas perfumadas e corações por todos.
Ouvimos, muitos de nós pela primeira vez, nomes como Abraão, Tobias, Moisés, Tobite, Sara, Isabel, Elias e Jeremias, João, Maria, Pedro ou Simão e tantos outros… e até conhecemos de perto um anjo, que carinhosamente foi chamado de Anjo Rafa…. Imaginem! Que como Gabriel protagonizou algumas das nossas “aventuras”.
São pedaços de uma história magnífica e que acreditamos ser verdadeira, que relata muitos dos feitos também de um super-herói, um super-homem, com a vantagem que Este existe e não é ficção. E que é o nosso verdadeiro protector… JESUS
É sobre esse nosso grande amigo que vamos falar hoje.
Em muitas tarefas, pinturas, dinâmicas, musicas e vídeos, houve alguns que momentos que nos marcaram… este que vamos ver é um deles… Quem é Ele Afinal?"
E à pergunta do João, as crianças foram respondendo, uma a uma, com uma palavra: Amor, Paz, Alegria...
Por fim, cada uma segurou bem alta uma letra que apanhou do chão, e juntos formaram a frase:
"Somos todos Jesus".
Lembrei-me da afirmação de S. Paulo:
"Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim." (Gl 2, 20)
E lembrei-me do nosso lema de Famílias de Caná, expresso na primeira "bilha": Nós, Jesus. Ao longo deste mês, as Famílias de Caná foram desafiadas a meditar sobre esta união intensa com Jesus, procurada e vivida em cada circunstância, boa ou má, da nossa vida.
Cá em casa, durante o mês de junho - e hoje é o dia do Sagrado Coração de Jesus - repetimos muitas vezes a oração:
"Jesus, manso e humilde de Coração, tornai o meu coração semelhante ao Vosso."
O João e a Lúcia, catequista e catequisanda, estão convencidos da necessidade de conhecer a Palavra de Deus e todas as histórias da nossa salvação para aprender a ser como Jesus. Ao longo do ano, como o texto do João exprimiu, fizeram destas histórias vida e movimento, encheram-nas de cor, recrearam-nas, representaram-nas, recontaram-nas e trabalharam-nas até que a Palavra descesse da mente ao coração. A vida encarregar-se-á de mostrar se conseguiram...
E nós? Passamos tempo suficiente com Jesus, em oração e meditação, escutando as batidas do seu Sagrado Coração, para aprendermos a ser como Ele?...
Um dia destes, deparei-me com este texto de autor desconhecido (acho eu), circulando pela Internet:
Queres saber quanto vale…
Um ano? Pergunta a um estudante que falhou nos exames finais.
Nove meses? Pergunta a uma mulher grávida.
Um mês? Pergunta a uma mãe que deu à luz um bebé prematuro.
Um dia? Pergunta ao editor de um jornal diário.
Uma hora? Pergunta ao casal apaixonado que espera para se encontrar.
Um minuto? Pergunta a alguém que acaba de perder um comboio.
Um segundo? Pergunta a uma pessoa que conseguiu evitar um acidente.
Um milésimo? Pergunta a alguém que ganhou uma medalha de prata nos 100 metros rasos nas Olimpíadas.
Como é verdade! Cada milésimo de segundo do nosso dia é importante, e é-nos oferecido por Deus como oportunidade para o amor.
Estava eu absorvida a pensar neste texto, enquanto lavava a louça, quando deparei com a carita da Sara esborrachada contra o vidro da janela da cozinha, do lado de fora, a olhar para mim e a rir-se. Ela sobe para o parapeito da janela puxando uma cadeira do jardim. Basta um segundo, pensei eu, e ela cai redonda no chão... Devagar, para não a assustar, saí da cozinha e agarrei-a com ambas as mãos, colocando-a no chão. Nesse mesmo instante, o António entrou a gritar na cozinha, com o joelho a sangrar, depois de uma brincadeira no jardim. E ainda eu desinfetava o seu joelho, quando o David veio ter comigo com o livro de Estudo do Meio e duas perguntas por responder.
Queres saber o valor de um segundo? Pensava eu... Vem a minha casa naquela a que eu chamo a "hora de ponta"! E de novo, a possibilidade de escolha: posso desperdiçar esta oportunidade, como faço tantas vezes, desatando a gritar que esperem, que não posso atender a todos ao mesmo tempo; ou posso aproveitar esta oportunidade que Deus me oferece para crescer em paciência e eficiência. "Nós, Jesus!" A santidade joga-se em cada segundo da nossa vida, e quem sabe disso, tem o segredo da sabedoria. Diz-nos o Salmo 90/89:
"Ensina-nos a contar os nossos dias,
Para podermos chegar ao coração da sabedoria."
Ámen!
A Sara é quem mais gosta de ajudar cá em casa. Quando repara que estamos ocupados com algum serviço interessante, como descascar legumes para fazer sopa, dobrar meias ou estender roupa, logo se decide ajudar. Como devem imaginar, as coisas tornam-se muito mais rápidas e eficientes quando a Sara nos ajuda... ou não!
Imaginem tentar descascar legumes para uma sopa com a Sara ao lado, os deditos sempre a querer tocar nos legumes que estou a cortar, a faca a evitar não cortar senão legumes... Ou então, pendurar roupa no estendal, esperando pacientemente, para cada peça, que a Sara decida que mola me vai oferecer... Ou tentar fazer uma cama, puxando os lençóis de um lado e vendo a Sara a puxar do outro, voltando ao outro lado para refazer o trabalho e ver a Sara a desfazer do outro. Enfim, ossos de ofício!
Ás vezes, falta-me a paciência, e para não gritar com a Sara, que não tem culpa nenhuma do meu mau feitio, tranco-me na cozinha a fazer a sopa, ou escondo-me muito bem escondida no jardim a pendurar a roupa, enquanto peço aos mais velhos que vigiem a Sara o tempo suficiente para eu acabar a minha tarefa. Então faço tudo rapida e eficazmente, como gosto, e o trabalho fica realmente bem feito.
Ontem, enquanto a Sara me ajudava a descascar batatas, dei comigo a pensar na paciência de Deus. Desde o início da humanidade, Deus decidiu fazer tudo com a nossa ajuda! Em vez de se "trancar" e fazer o trabalho de limpeza e arrumação deste planeta com rapidez e eficiência, Deus decidiu convidar-nos, um a um, para o ajudarmos, e nada faz sem a nossa ajuda. Que paciência infinita!
Quantas vezes escuto comentários como este: "Porque não pára o Senhor de vez com as guerras? Porque não mata a fome a tantos inocentes?" A resposta está aqui: Deus quer precisar de nós para parar as guerras, matar a fome, fazer a paz, curar as feridas, abrir as prisões, levar o amor a todas as periferias da vida. Sim, Ele podia fazer tudo sozinho - mas não o fará. Como Pai, e Pai muito mais amante e paciente do que eu, Deus nada faz sem nós.
Sim, às vezes atrapalhamos a obra de Deus, sobretudo com o nosso orgulho e a nossa teimosia; mas outras vezes, fazemos Deus sorrir, feliz, diante dos nossos esforços sinceros, ainda que pouco eficazes. Então, diante da nossa boa vontade, Deus capacita-nos, dando-nos de graça os dons de que precisamos para a realizar a sua obra. Diz Isaías, e podemos todos dizer:
"O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, curar os desesperados, levar a libertação aos prisioneiros..." (Is 61, 1)
Todos os dias, diante da obra da minha família a crescer, diante da obra das Famílias de Caná a crescer, diante do meu trabalho como professora e catequista, eu peço ao Senhor: "Senhor, Tu que caíste na asneira de quereres precisar de mim, não deixes, por favor, que eu atrapalhe a tua obra!" E para não correr o risco de só fazer disparates, como uma certa pessoazinha que eu cá sei, repito muitas e muitas vezes esta invocação: "Nós, Jesus"...
No sábado, os crismandos estiveram grande parte da tarde no santuário, a preparar-se para receber o crisma. O senhor bispo D. António Moiteiro veio para estar com eles e suas famílias pelas cinco horas, e falou-lhes com simplicidade e alegria do sacramento que iam receber. Aproveitei a sua estada entre nós para lhe apresentar as "bilhas" das Famílias de Caná.
Não sei se estão lembrados: no Retiro de Quaresma, o senhor bispo sugeriu-nos a mudança do tema das "Cinco Pedrinhas" para as "Seis talhas de Caná", para que as Famílias de Caná se centrassem verdadeiramente no mistério das Bodas de Caná. Como a palavra do nosso Pastor é, para nós, interpretação viva da Palavra do Senhor, nós aceitámos a sugestão como vinda de Jesus. Hoje, não temos qualquer dúvida de que foi o Senhor a inspirar o nosso Pastor, porque imediatamente se abriram para nós as torrentes de Água Viva presentes no mistério de Caná, e de repente, o nosso singelo movimento foi inundado de Espírito.
Pensámos longamente na palavra a utilizar. As talhas parecem-nos demasiado grandes para a simplicidade das nossas famílias. Sobretudo, não podem ser transportadas por crianças muito pequeninas, e o nosso movimento pretende desafiar todos à santidade, incluindo as crianças muito pequeninas. Pensámos então em bilhas, aquelas bilhas de barro que os nossos avós tinham nas aldeias cheias de água fresquinha.
A sexta bilha, a bilha em falta, surgiu magnífica e luminosa diante dos nossos olhos, num breve momento de oração: como não tínhamos pensado nela antes? Hoje sabemos que ela sempre ali esteve, central na vida de cada Família de Caná.
O senhor bispo escutou-me com imensa alegria e atenção. Disse-me que já falara a outros bispos do movimento, e que todos esperavam agora pelos frutos, para que sejam os frutos a dar testemunho. Fiquei feliz: se a aprovação do movimento está dependente dos frutos, então ela acontecerá brevemente, porque os frutos são doces, belos e abundantes, e estão espalhados um pouco por todo o país!
Tenho estado ansiosa por vos apresentar a "bilha" em falta, mas não o queria fazer sem antes a apresentar ao nosso bispo, que no sábado me encorajou a avançar com confiança e determinação. Ora aqui vai:
As Bodas de Caná foram celebradas entre dois noivos, provavelmente amigos de Jesus e de Maria, visto terem-nos convidado para a festa. Mas S. João, autor do quarto Evangelho, das Cartas e do Apocalipse, não falava apenas nestas bodas singelas: na sua mente e no seu coração estavam outras Bodas, as Bodas anunciadas e preparadas ao longo de toda a Bíblia, da primeira à última página: as Bodas do Cordeiro. Diz o Apocalipse:
"Alegremo-nos e exultemos, demos glória a Deus, porque estão para realizar-se as Bodas do Cordeiro, e a sua esposa já está pronta: concederam-lhe vestir-se com linho puro, resplandecente. Felizes os convidados para as Bodas do Cordeiro!" (Ap 19, 7-9)
Assim, o mistério de Caná é também o mistério profundo da nossa comunhão com o Senhor, que quer ser para cada um de nós o Amado, o Esposo, Aquele que se deixou apaixonar profunda e eternamente por cada um de nós. É connosco que o Senhor quer viver uma história de amor, bela, verdadeira, mesmo que acidentada e cheia de aventura como a história do seu povo, narrada ao longo de toda a Bíblia.
A sexta bilha das Famílias de Caná - que passa a ser a primeira - é, portanto, a bilha que nos permite viver a alegria das Bodas do Cordeiro no concreto das nossas vidas, construindo a comunhão entre marido e mulher, pais e filhos, irmãos entre si, família e Igreja, Jesus e cada um de nós. Várias vezes por dia, para aprofundar este mistério de comunhão, a Família de Caná reza esta curta oração: “Nós, Jesus!”.
Eis então a bilha que nos faltava, e que o Senhor já fizera nascer no nosso coração há tanto tempo: "Nós, Jesus!"
Tenho a certeza de que o vinho novo derramado nesta bilha será verdadeiramente fecundo nas Famílias de Caná... À medida que provarem deste vinho e tiverem histórias para contar, escrevam-me para o mail!
Há poucos dias mais belos na vida que o dia da primeira comunhão...
A manhã que desponta serena, luminosa e bela.
O jasmim florido e perfumado.
Os meninos transbordando entusiasmo.
A corrida contra o tempo, vestindo crianças e fazendo penteados, voltando a vestir e voltando a pentear, lavando a cara da Sara e do António e evitando as nódoas do leite com chocolate na roupa de festa, tudo isto ao som do salmo, que a Clarinha treina ininterruptamente.
Chegar ao santuário antes das nove e meia da manhã, suspirar de alívio, acalmar.
Levar o David junto da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora:
- David, antes de ires ter com os teus amigos, vamos rezar juntos, sim?
- A consagração?
- A consagração...
Assim que tenha as fotografias da missa, falar-vos-ei da Primeira Comunhão do David. Hoje falo-vos da serenidade do seu dia, da alegria com que, toda a tarde, brincou, interrompendo de vez em quando para, discretamente, contemplar o seu novo crucifixo, ler umas palavras nos livrinhos de orações recebidos, beijar a imagem do rosto de Jesus, na pagela que lhe oferecemos.
Almoçámos em casa, na companhia dos padrinhos e da sua linda Família de Caná, da avó, dos tios e dos primos de Coimbra.
Durante a tarde, o sol brilhou, os adultos puseram a conversa em dia, e os mais novos não pararam de correr e saltar:
- Uma joaninha, mamã! E não quer voar! Quer ficar na minha mão!
A meio da tarde, o senhor padre veio visitar-nos. Já tinha percorrido todas as casas e restaurantes onde havia festa, e a casa dos Power devia concluir as suas visitas de Pastor - de verdadeiro e bom Pastor! O David ficou cheio de alegria com a visita. Apressou-se a pedir a bênção para os terços e crucifixos recebidos, e a tirar uma fotografia para recordação:
Antes do jantar, depois de todos irem embora, os meninos viram o DVD "David e Golias", em desenho animado, que oferecemos ao David. A Sara adormeceu no sofá...
- Mamã, acho que Jesus já está a trabalhar no meu coração - Disse-me o David, durante o jantar.
- Ai sim? E como sabes isso?
- Hoje, a jogar futebol no jardim, perdi contra o Martim. Sabes como costumo ficar irritado quando perco... Pois olha: hoje não fiquei irritado, e continuei alegre! Achas que vou ficar cada vez mais alegre, quando fizer a segunda, a terceira, a quarta, a quinta comunhão?
- Acho que sim, David...
À noite, depois de todos estarem deitados, enquanto o Niall e eu esvaziávamos e enchíamos a vigésima quinta máquina da louça (acho que estou a exagerar, mas só um bocadinho...), conversámos sobre a tranquilidade deste dia.
- No blogue temos muitos comentários, e no mail e telemóvel também, de amigos a enviar um abraço ao David - Disse ao Niall.
- Tantos amigos que Deus nos deu!
- Sinto-me a transbordar de gratidão... Gratidão para com tanta gente, gratidão, acima de tudo, para com o Senhor! Que dia tranquilo e belo passámos...
- Sabes, Teresa, neste mesmo dia em que Jesus entrou no coração do David, setecentas pessoas morreram ao largo de Itália. Refugiados, emigrantes, pobres...
- A sério?
- Ouvi na rádio. Setecentas!
Ficámos em silêncio uns instantes. O Jesus que o David recebera em seu coração puro era o mesmo Jesus que morrera nas águas do Mediterrâneo, disfarçado de emigrante; o Jesus ressuscitado e glorioso do Apocalipse é o mesmo Jesus crucificado e abandonado do Calvário.
Mas a grande maravilha do amor de Deus é esta: cada criança que acolhe Jesus em seu coração, aproxima o mundo um bocadinho mais da Luz; cada criança que se santifica, santifica um bocadinho mais o mundo inteiro... O "Nós" da Comunhão, que nos une a Jesus, é a fonte primeira do "Nós" da humanidade, que nos une uns aos outros como filhos do mesmo "Pai Nosso, que está nos Céus"...
"Se dissermos que estamos em comunhão com Deus e andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Mas se caminhamos na luz como Ele está na luz, estamos em comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo o pecado." (1Jo 1, 6-7)
Que cada Eucaristia e cada Comunhão nos aproximem mais uns dos outros, e todos de Deus. Ámen! Aleluia!
Há cerca de um mês, fui fazer dois ensinamentos num retiro para pais de meninos da catequese, no seminário de Santa Joana, em Aveiro. O convite veio de um casal de leitores do blogue, catequistas na paróquia de Nossa Senhora de Fátima, no Mamodeiro, uma terra perto de Aveiro. Aceitei com gosto, e regressei ainda mais feliz, ao ver o trabalho lindo de evangelização que a Jacinta e o Luís têm feito. Nesse dia, prometi-lhes que em breve entraria na sua igreja paroquial, situada à beira da estrada nacional entre Aveiro e Mogofores. Há anos que passo por ela sem nunca lá ter entrado!
Na quinta-feira passada aproveitei a tarde sem trabalho na escola e fui a Aveiro, visitar a minha avó. De regresso, no carro, vinha a pensar em qual seria a melhor citação bíblica para escrever nos postalinhos da primeira comunhão do David e do Crisma do Francisco. Tinha para cada um deles uma imagem do Cristo Jovem, e queria que a citação fosse apropriada. Ocorreu-me uma das minhas frases favoritas de S. Paulo:
"Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim." (Gl 2, 20)
E ainda outra, tão apropriada a este encontro profundo com Jesus nos sacramentos:
"Todos nós, com a face descoberta, refletimos a glória do Senhor como um espelho, e somos transformados nessa mesma imagem, cada vez mais gloriosa, por ação do mesmo Senhor, que é Espírito." (2Cor 3, 18)
Vinha eu assim a meditar, quando vi que passava junto da Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Num impulso, e recordada da minha promessa, parei no estacionamento, decidida a rezar cinco minutos diante do Santíssimo. Ao sair do carro, tirei esta fotografia:
Qual não foi o meu desânimo ao ver que a porta estava trancada... Preparava-me para regressar ao carro, quando alguém se me dirigiu:
- Queria entrar?
- Sim, gostaria de rezar cinco breves minutos diante do Senhor - Expliquei à simpática senhora.
- Então venha, que eu sou catequista e tenho a chave! Também posso gastar cinco minutos a deixá-la rezar - Respondeu-me, enquanto abria a porta. - É a primeira vez que aqui vem? Ah, então vou mostrar-lhe a nossa igreja, que é tão bonita!
E é mesmo! Fiquei profundamente encantada. Mas mais belo que tudo, é o crucifixo sobre o altar. Nunca tinha visto nada igual! Ora reparem:
Sim, o Corpo de Jesus, suspenso na Cruz, é feito de múltiplos espelhos, e a luz nele refletida é a luz que entra a jorros pelas janelas superiores da igreja.
- Se caminhar pela coxia central, ver-se-á refletida no Cristo Crucificado - Explicava-me a catequista, enquanto na minha mente se misturavam as duas citações bíblicas em que eu refletia pelo caminho.
Diante da Cruz, na coxia central da igreja, tirei esta foto. Conseguem ver-me, refletida no Corpo do Senhor?
- Quando entramos na igreja, vamo-nos vendo refletidos no Corpo de Jesus - Continuava a catequista - Depois, durante a missa, todos nos podemos ver uns aos outros, refletidos na Cruz. Eu posso ver o meu irmão que está sentado no banco mais distante através do espelho de Jesus.
Quando a catequista me deixou só, para os meus cinco minutos - já bastante encurtados - de oração, caí de joelhos numa explosão de alegria. Meu Deus, acabava de encontrar o símbolo perfeito para a minha oração contínua: "Nós, Jesus!"
"Uma vez que há um só pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão." (1Cor 10, 17)
Comungar o Corpo de Cristo, na Eucaristia, e receber o Espírito da Unidade, no crisma, faz de nós participantes da vida de Jesus.
Pouco a pouco, cristificamo-nos, adquirindo os mesmos traços de Jesus, sorrindo como Ele sorria, amando como Ele amava, sofrendo como Ele sofria. A nossa vida, como o véu de Verónica ou o espelho de Paulo, torna-se reflexo do nosso Amado, que em nós vive, ama e sofre. Nós, Jesus!
Pouco a pouco, a Palavra de Deus, feita carne no Amor até ao fim da Cruz de Jesus, torna-se o espelho que nos permite contemplar a nossa própria vida. Cada um dos nossos gestos precisa de ser confrontado com a Cruz do Senhor. Nós Jesus!
E quanto mais nos unimos a Cristo, comungando o seu Corpo e recebendo o seu Espírito, mais nos unimos aos irmãos - ao marido ou à mulher, à família, à paróquia, aos amigos, ao mundo inteiro. Na Cruz de Jesus podemos encontrar todos os irmãos em Cristo, por muito distantes que vivam, no tempo ou no espaço, em qualquer periferia da vida, como gosta de dizer o nosso querido Papa Francisco. O Corpo de Jesus somos todos nós. Nós, Jesus!
Nós, Jesus: Tu e eu, eu e a minha família, a minha família e a Igreja, Tu e o mundo inteiro: a verdadeira comunhão, aquela pela qual Tu rezaste ao Pai antes de partires, só pode acontecer quando todos nos refletirmos na tua Cruz, e a tua Cruz se refletir em todos nós. Ámen. Aleluia!
Hora de oração familiar. Na sala, diante do Canto de Oração, rezamos o salmo da missa do dia. Um dos versículos diz assim:
"Saboreai e vede como o Senhor é bom!" (Sl 34/33)
- David, que te lembra este versículo? - Pergunto.
O David fica confuso, depois reage com alegria e surpresa:
- A hóstia! Saborear o Senhor! Ver como Ele é bom...
- Claro! Vais fazer a tua primeira comunhão. Vais pela primeira vez saborear e ver como o Senhor é bom!
- Mas eu já sei que Ele é bom.
- Agora falta saborear o Pão que Ele te dá, o Pão que é a sua carne, o seu próprio corpo entregue por ti.
- Como é saborear? Tenho de deixar a hóstia na boca muito tempo?
- Não. Jesus vai entrar na tua boca, mas Ele quer chegar ao teu coração. Saborear um alimento significa comer com gosto, pensando no que estamos a fazer, não é? Saborear o Senhor significa tomar gosto no seu amor, pensar na sua Palavra, estar consciente da sua presença. Quando Jesus entrar no teu coração, podes dizer com toda a verdade: "Nós, Jesus." Porque a partir desse momento, Jesus e tu estarão para sempre unidos.
O David deitou-se cheio de alegria, a pensar na sua primeira comunhão, tão próxima. Eu fui para a sala e procurei na estante um livro magnífico: O Preço a Pagar por me tornar Cristão, de Joseph Fadelle. Já referi várias vezes este livro. Conta a história verídica e atual de um muçulmano que se converteu ao cristianismo, e as torturas e os tormentos por que teve de passar a partir de então, até finalmente conseguir ser batizado e refugiar-se em França, onde vive com a mulher e os filhos. Na base da sua conversão esteve um sonho, e foi esse sonho que me fez procurar de novo o livro na estante. Passo a citar:
"Este sonho - e lembro-me dele muito nitidamente - coloca-me na margem de um rio, não muito largo. Na outra margem, uma personagem com cerca de quarenta anos, talvez mais velha, vestida com uma roupa bege de uma só peça, à oriental, sem gola. E sinto-me irresistivelmente impelido para aquele homem, desejando passar para o outro lado, para me encontrar com ele.
Quando começo a atravessar o regato, fico suspenso no ar, durante alguns minutos que me parecem uma eternidade. E receio até com algum horror não poder descer à terra.
Como tinha sentido que o meu mal-estar aumentava, o homem da outra margem estende-me a mão, para me ajudar a atravessar o curso de água e aterrar ao seu lado. Nesse instante, posso facilmente observar o seu rosto: olhos azuis acizentados, uma barba rala e cabelos meio longos. Fiquei impressionado com a sua beleza.
Pousando sobre mim um olhar de uma doçura infinita, o homem dirigiu-me suavemente uma única frase, enigmática, com um timbre de voz tranquilizador e convidativo: «Para atravessares o ribeiro, precisas de comer o pão da vida.»"
Nesse mesmo dia, este jovem muçulmano tem pela primeira vez na mão o Novo Testamento (terão de ler o livro para perceber como teve acesso a ele!). Sem saber por onde começar, decidiu-se pelo último evangelho, o de João:
"Quando chego ao capítulo seis, paro repentinamente a minha leitura, atordoado, no meio de uma frase. Tenho o cérebro em ebulição: "Eu sou o Pão da Vida", leio. Então passa-se em mim algo extraordinário, como se repentinamente, uma luz deslumbrante iluminasse a minha vida de maneira inteiramente nova e lhe desse todo o seu sentido. No mesmo instante, compreendo que o meu sonho da noite anterior era mais do que um sonho: sinto, muito nitidamente, que havia nele como que um chamamento ou uma mensagem pessoal que me era dirigida através daquelas palavras..."
Saborear e ver como o Senhor é bom... Comer o Pão da Vida para podermos passar para a outra margem, a margem da eternidade e da perfeita felicidade... É já amanhã, a primeira comunhão do David!
(David e Lúcia ontem de manhã na Gruta de Lourdes, no seu Colégio)