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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Grande agitação na minha turma do Curso Vocacional.
- Meninos, por favor, sentem-se! Mas que se passa? O que aconteceu?
- Foi a J. Ela colocou umas fotos no Facebook sobre uns assuntos que já se espalharam por todo o lado.
J. chora a um canto.
- Pronto, meninos, párem com essa conversa. De certeza de que J. já está arrependida do que fez. Vamos esquecer!
- Esquecer como, professora? Todo o mundo pode ver! A professora não sabe que já não dá para apagar? O que está online está online!
- Sim, e não adianta ela dizer que não é verdade, porque todos o podemos provar!
- E agora está cheia de problemas, e por isso é que está a chorar. Se desse para voltar atrás...
A conversa prolonga-se por toda a aula, sem que eu tenha a capacidade (ou o jeito) para a interromper e para ensinar algum Inglês. J. sai para apanhar um pouco de ar, e regressa com grande tristeza. Uns choram com ela, outros riem, outros encolhem os ombros, outros lançam mais achas para a fogueira.
J. precisa de aprender a lidar com a internet, e creio que o susto que apanhou lhe servirá de lição, a ela e aos colegas. Mas as novas gerações, que vivem no mundo real e no mundo virtual quase indistintamente, que assistem aos grandes "reality shows" modernos e que se comprazem na descoberta dos pecados alheios também precisam de aprender algo sobre o perdão.
Lembro-me da história do Evangelho, em que uma mulher, apanhada em flagrante delito de adultério, é conduzida à presença de Jesus. O evangelista recorda um pormenor curioso, aparentemente sem qualquer importância:
"Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra." (Jo 8, 6)
É difícil, hoje, um jovem recuperar de um pecado grave passado, pois a internet e os telemóveis não perdoam, e no espaço virtual não há absolvição. Deus, pelo contrário, não coloca os nossos pecados online, não os revela ao mundo inteiro num grande Big Brother televisivo, nem os escreve na pedra ou no bronze: inclinando-Se para o chão, Deus escreve os nossos pecados sobre a areia... E uma única onda do seu amor misericordioso apaga-os de uma vez.
Hora de oração familiar. Sentados no sofá da sala, o Canto de Oração iluminado, a Porta Santa chamando-nos à conversão. Leio em voz alta a primeira leitura, do Livro do Levítico.
- Que livro é esse, mãe?
- O Livro da Lei do povo de Deus. Os Primeiros cinco livros da Bíblia são também chamados os livros de Moisés, e formavam a Lei de Israel. Neste livro vamos encontrar muitas palavras de Deus, que nos ensinam como nos devemos comportar. Vamos ouvir?
"Assim fala o Senhor: «Sede santos porque Eu, o Senhor, sou santo. Que cada um de vós respeite a sua mãe e o seu pai, e guarde os meus sábados (...) Não te vingarás nem guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo.»"
(Lv 19, 1-18)
- O que é vingar-se? - Pergunta a Lúcia.
- É pagar com o mal, o mal que te fazem. Por exemplo, um menino empurra-te, e tu empurra-lo de volta. Um menino estraga-te uma caneta, e tu rasgas-lhe um desenho. Isso é vingança.
A Lúcia fica calada, assente com a cabeça, e continuamos a oração, com a leitura do salmo e do Evangelho e com a recitação do terço. E é precisamente durante o terço que eu reparo num brilho estranho nos seus olhos.
- Lúcia, estás bem? - Pergunto. Ela assente de novo com a cabeça, mas eu percebo que nada está bem, e as lágrimas começam a rolar pela sua face. No final da oração pego-lhe ao colo e, enquanto o pai deita os mais novos, converso com ela.
- O que se passa, Lúcia?
- Mãe, eu não sabia que a vingança era pecado. Eu já fiz isso muitas vezes com os manos, porque eu não sabia. Eu achava que podia fazer se eles me faziam também. E nunca me confessei disso... Achas que agora tenho o coração metade limpo e metade sujo?
- Não, Lúcia, não acho. Acho que tens o coração todo limpo, e sabes porquê? Precisamente por causa dessas tuas lágrimas marotas... Porque tu estás arrependida de teres feito esses pecados. E o que lava o coração é o arrependimento! No preciso instante em que tu ficas triste por teres feito uma coisa feia e pedes perdão a Deus, Ele perdoa-te de imediato.
- E como faço eu para pedir perdão a Deus?
- Queres rezar comigo o Ato de Contrição?
- Sim.
- Então vamos. Dá-me a mão... "Meu Deus, porque sois tão bom, tenho muita pena de Vos ter ofendido. Ajudai-me a não tornar a pecar!"
O rosto da Lúcia abre-se num largo sorriso.
- Agora já estou limpa? Mas eu ainda não me confessei...
- Lúcia, o teu coração está todo limpo. Podes estar descansada. O teu arrependimento, a tua tristeza e o ato de contrição que acabaste de fazer são suficientes para apagar os pecados leves. Jesus abraçou-te de imediato cheio de alegria!
- O meu pecado era pequenino?
- Era porque tu não sabias que o estavas a fazer. A partir de agora já tens de ter mais cuidado, claro, porque já sabes. Tu estás a aprender, Lúcia, e Jesus está felicíssimo contigo esta noite porque aprendeste uma coisa nova. Mas quando fores à confissão da próxima vez, deves confessar-te deste pecado, porque Jesus fica contente quando somos capazes de confessar as nossas culpas sem receio ao sacerdote.
- Quantos anos é que tu tinhas quando descobriste que a vingança era pecado? Eras mais pequena do que eu?
- Oh, não, era bem mais crescida! Lembro-me de ficar sem falar com as minhas amigas durante alguns dias quando me zangava com elas, e olha que era mais velha do que tu. Pouco a pouco fui aprendendo e fui-me esforçando por ser melhor.
- Ah! Agora eu já sei e também vou ensinar às minhas amigas.
Levo-a ao colo para a cama e dou-lhe um beijo de boas noites. O seu rosto ilumina.
- Boa noite, mamã!
- Boa noite, querida!
A Lúcia já dormia há muito tempo, e eu continuava a meditar nesta nossa conversa. Embora pequenina, a Lúcia acabava de experimentar uma das mais duras realidades do pecado: a tomada de consciência de que somos capazes de o cometer, de que não somos as pessoas imaculadas que imaginávamos ser. Foi a descoberta de S. Pedro, naquela noite de lua cheia, em que o galo cantou a sua traição; a descoberta de S. Paulo, caindo do cavalo perante a revelação de que todo o seu zelo tinha sido orientado contra o alvo errado; a descoberta do Rei David, quando o profeta Natã lhe contou uma pequena história sobre a ovelhinha do pobre e David se apercebeu do gravíssimo e duplo pecado cometido contra Urias; e a descoberta de todos nós, que olhando para o nosso passado, nos damos conta da quantidade de erros que cometemos julgando estar a fazer algo sem gravidade.
Que fazer, nestes momentos de revelação? Primeiro, agradecer. É verdadeiramente uma graça imensa que Deus nos faz, sermos confrontados com a nossa miséria antes da hora da nossa morte! Não há caminho mais seguro para uma verdadeira humildade, e sem humildade não é possível ser santo.
Depois, pedir perdão e confessar-se com simplicidade e confiança, acreditando de verdade (e é difícil acreditar...) que não há nenhum pecado que o Senhor não possa lavar por completo.
E finalmente, agradecer de novo outra e outra vez, pois não há nada mais belo sobre a Terra do que experimentar a misericórdia de Deus como uma torrente de vida dentro de nós.
O Jubileu da Misericórdia é o tempo de graça que o Senhor nos oferece para uma profunda e completa revisão de vida. Então experimentaremos a verdadeira alegria, a alegria que nasce das lágrimas...
"Se o pecador renunciar a todos os pecados que cometeu, se observar todas as minhas leis e praticar o direito e a justiça, ele deve viver, não morrerá. Não serão lembradas as faltas que cometeu, e viverá..." (Ez 18, 21-22)
- Sara, quantas vezes te disse que não se pode escrever na parede? E tu sempre a escrever! Ainda ontem limpei tudo, com tanto trabalho, e agora chego aqui e tenho a parede toda riscada!
A Sara não parece muito importada com a minha conversa. Aliás, fica até bastante ofendida, e reage de imediato:
- Já não te convido para a minha festa de anos!
Abafo uma gargalhada, mas decido entrar no jogo:
- Oh, Sara, que pena! E a tua festa de anos é em setembro, deixa lá ver, daqui a oito meses... Tens a certeza de que não me vais convidar?
- Não vou! - Continua ela, de mãos na cintura e a fazer beicinho.
- Bem, e se eu te preparar a festinha? Por exemplo, eu podia fazer o lanche, escrever os convites, pôr a mesa para os meninos, e até, imagina, arrumar tudo no fim...
Mas a decisão está tomada:
- Não convido!
Já não consigo evitar a gargalhada:
- Ainda tens tempo para mudar de ideias. E agora desaparece daqui, que tenho uma parede inteira para limpar!
A Sara vai então pregar para outra freguesia (e muito provavelmente pintar outras paredes):
Durante todo o dia diverti-me com esta ameaça da minha filha mais nova, tão segura do alto dos seus três anos. Mas à noite, já deitada, enquanto fazia o meu exame de consciência, assaltou-me um terrível pensamento: e se Deus não nos perdoasse os nossos pecados? E se, de cada vez que eu pecasse, eu fosse imediata e definitivamente excluída da festa eterna, essa festa em que espero viver daqui a muitos, muitos anos? E se de nada valesse oferecer-me para, ao menos, limpar os vestígios da festa, porque o meu pecado era imperdoável? Um pensamento destes é mais assustador que o pior dos pesadelos...
Será que já nos demos conta do que significa sermos perdoados? Num único instante, Deus apaga por completo o mal que fizémos e derruba o muro que construímos à nossa frente, abrindo-nos de par em par a Porta Santa da eternidade. E faz isto à custa do Sangue precioso de Jesus! Talvez estejamos tão habituados à ideia de que Deus perdoa, que nos esquecemos da imensa graça que significa essa simples afirmação. Diz S. Pedro:
"Fostes resgatados da vossa vã maneira de viver herdada dos vossos pais, não a preço de bens corruptíveis, como prata e ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo, qual cordeiro sem defeito nem mancha." (1Pe 1, 18-19)
O Cardeal Kasper explica o que significa "graça barata", essa falta de gratidão e de gestos correspondentes a que todos nós estamos sujeitos, se não meditarmos o suficiente neste mistério do perdão que Deus nos obteve na cruz:
"A palavra misericórdia pode ser mal entendida quando a misericórdia se confunde com uma débil indulgência e uma atitude de laissez faire. Surge então o perigo de fazer da graça divina - "comprada" e "merecida" por Deus na cruz a troco do seu próprio sangue - uma graça barata (...), isto é, o anúncio do perdão sem penitência, do batismo sem disciplina comunitária, da Ceia sem reconhecimento dos pecados, da absolvição sem confissão pessoal." (in: Misericórdia, Walter Kasper)
Que esta quaresma nos encha de gratidão perante o dom maravilhoso que o Senhor nos faz em cada dia, ao perdoar o nosso pecado, abrindo com o seu Sangue a Porta Santa que nos lança na festa eterna do céu! E que nenhuma penitência, nenhuma obra de misericórdia, nenhum sacrifício nos pareça excessivo perante este dom que supera todos os dons - este per dom, este perdão. Ámen!
No domingo passado, de manhã cedo, o Niall encontrou os quatro filhos mais novos empoleirados no frágil portão que separa o jardim do pátio. Estavam divertidíssimos, rindo à gargalhada e fingindo que o portão era um baloiço.
- Meninos, que é isso? SALTEM IMEDIATAMENTE DAÍ! - A voz do Niall não deixava margem para dúvidas: estava mesmo, mesmo zangado.
Os meninos saltaram para o chão, com ar comprometido e cabeças baixas. Mas já era tarde: o portão estava partido.
- Quantas vezes vos avisei de que o portão não é um baloiço? E agora, o que faço?
Depois, o Niall olhou para o David:
- Tu és o mais velho dos quatro. Não sabias que não podias fazer esta brincadeira estúpida?
O David acenou com a cabeça, muito sério. Ele sabia. Sem proferir palavra, afastou-se para se arranjar para a missa, porque estávamos quase na hora de sairmos para o santuário.
Alguns minutos mais tarde, entrei no carro com o Francisco, a Clarinha, o David e a Lúcia. O Niall, como costume, iria mais perto da hora da missa com a Sara e o António, que ainda não fazem parte do coro. Quando, portanto, o Niall chegou ao santuário, já o David estava na sacristia, para se preparar para servir o altar como acólito. O Niall engoliu em seco: como iria concentrar-se na Eucaristia sem fazer as pazes com o David? Como lhe iria comunicar o seu perdão e fazê-lo sentir-se amado? A missa estava quase, quase a começar...
Cântico de entrada. O David entrou no santuário ao lado do senhor padre e ocupou o seu lugar junto do altar. "Talvez ele olhe para mim, e com um só olhar farei com que perceba que está tudo bem", pensou o Niall, cheio de esperança. Ao longo de toda a Eucaristia, o Niall tentou, em vão, cruzar o seu olhar com o David. Mas o David é um rapazinho muito sério e muito compenetrado, que durante a missa apenas olha para os outros acólitos para tentar perceber se está a fazer tudo corretamente.
Pouco a pouco, o Niall deixou-se invadir por um outro pensamento; e do olhar do David passou para o seu próprio olhar. Quantas vezes desviamos o nosso olhar do Senhor, ocupados com tantas outras coisas, ou envergonhados das nossas ações? Não andará o Senhor desesperadamente à procura do nosso olhar, como o Niall à procura do olhar do David? Que gestos, que sinais nos fará Ele, procurando, em vão, que cruzemos o nosso olhar com o seu?
Ah... Tudo o que Deus nos quer dizer é que sim, que já fomos perdoados, que Ele não guarda ressentimento, que há muito esqueceu o nosso pecado... tudo o que Deus nos quer dizer é que podemos regressar a Casa.
Afinal, na história que Jesus contou, não foi isso mesmo o que o pai do filho pródigo fez o tempo todo que o seu filho se ausentou? A cada entardecer, o pai subia a colina e prescrutava a distância, esperando cruzar o seu olhar com o de seu filho. Foi assim que...
"Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos..." (Lc 15, 20)
No dia 13 de outubro fui ao Hospital Universitário de Coimbra para a consulta de pós-operatório, onde me seria comunicado o resultado final da análise do tumor retirado. Nesta consulta eu iria saber se o tumor era, como se supunha, benigno, ou se, pelo contrário, seriam necessários mais tratamentos.
Cheguei ao hospital, subi ao nono andar, onde tinha estado internada, e dirigi-me à consulta. A médica que me recebeu tinha um enorme sorriso na cara: confirmava-se a benignidade do tumor, e confirmava-se também a pertinência da sua exérese, pois a análise tinha revelado características que podiam vir a degenerar em cancro dentro de alguns anos. Resumindo: o tumor tinha sido retirado a tempo, e este capítulo da minha vida podia ser encerrado.
Desci novamente ao rés-do-chão e apressei-me a entrar na capela, a mesma capela onde passara algumas horas daquela longa tarde de domingo, na véspera da operação... Os meus quinze minutos diários de oração diante do sacrário foram passados ali, em perfeita ação de graças.
Saí do hospital também eu com um enorme sorriso na cara. O sol brilhava muito forte, o céu estava muito azul, os pássaros cantavam, e um futuro novinho em folha estendia-se diante de mim: tinha sido aberto pelas palavras da médica, assegurando-me de que estava curada do meu mal.
No carro, de regresso a casa, meditei naquela magnífica história do Evangelho, em que quatro amigos levam um paralítico a Jesus e o fazem descer pelo telhado:
"Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: «Filho, os teus pecados estão perdoados.» Ora estavam lá uns doutores da Lei que discorriam em seus corações: «Porque fala ele assim? Blasfema! Quem pode perdoar os pecados senão Deus?» Jesus percebeu logo, em seu íntimo, que eles assim discorriam; e disse-lhes: «Que é mais fácil? Dizer ao paralítico: 'Os teus pecados estão perdoados' ou dizer: 'Levanta-te, toma o teu catre e anda'? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, Eu te ordeno - disse ao paralítico: levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa.» Ele levantou-se e, pegando logo no catre, saiu à vista de todos, de modo que todos se maravilhavam e glorificavam a Deus, dizendo: «Nunca vimos coisa assim!»" (Mc 2, 1-12)
A doença bloqueia o futuro do ser humano, impedindo-o de sonhar, de projetar, de experimentar todas as suas potencialidades; mas o pecado bloqueia um futuro muito mais longo: a eternidade. Estar paralítico no corpo é muito menos sério do que estar paralítico na alma... Talvez o paralítico do Evangelho só tenha percebido o alcance do perdão que Jesus lhe ofereceu depois de experimentar o regresso à vida do seu corpo paralisado.
Se um médico se dirigir a um amigo e lhe disser: "Alegra-te, amigo, porque não tens cancro!" O amigo certamente sorrirá, meio distraído; mas se o médico disser essas mesmas palavras a um seu paciente que, depois de longos tratamentos de quimioterapia, regressa ao consultório para um exame final, esse paciente dará saltos de alegria. Quem nunca esteve doente não conhece a alegria de se saber curado.
"Vai em paz, os teus pecados estão perdoados." É assim que terminam as nossas confissões, junto de um sacerdote. Será que alguma vez nos demos conta do alcance desta afirmação? Alguma vez teremos saltado de alegria perante o futuro que o perdão nos oferece?
Enquanto não experimentarmos, no mais profundo da nossa vida, a certeza de que somos terrivelmente pecadores; que, sem Deus, nada de bom podemos fazer; que, se não caímos em pecado grave, é porque a graça de Deus não nos deixa cair; enquanto não nos sentirmos como doentes que precisam de médico, segundo as palavras de Jesus; enquanto não percebermos que, sem o perdão de Deus, o nosso futuro acaba aqui mesmo, nunca experimentaremos a profunda alegria do Evangelho...
Enquanto faço a minha cama, pela manhã, dou-me conta de uma enorme mancha de cola na colcha.
- David! António! Lúcia! - Chamo, bem alto.
Os meninos aparecem a correr.
- O que foi, mamã?
Aponto para a colcha:
- Quem fez isto?
Silêncio. Olhares cúmplices. Depois, a costumada resposta:
- Eu não!
- Eu não!
- Eu não!
Finjo que não me importo e encolho os ombros.
- Bem, tínhamos combinado ir juntos à loja. Enquanto não souber a verdade, não vamos sair. Claro que, se demorar muito, eu saio sozinha. Agora vão pensar no assunto, e avisem-me quando souberem alguma coisa.
Os meninos afastam-se em silêncio. Alguns minutos mais tarde, a Sara aparece a correr junto de mim.
- Fui eu! Fui eu! Fui eu! - Cantarola ela, aos saltinhos.
- Foste tu o quê, Sara?
- Não sei! Não sei! Não sei! - Responde, sempre muito feliz.
Disfarço um sorriso e ponho o meu ar mais sério. Lá terei de chamar novamente os três meninos... Aparecem a correr:
- Então, mamã, já descobriste quem foi?
- Não, mas já descobri quem NÃO foi. Não foi a Sara, meus amigos. Por favor pensem melhor e decidam-se, que são horas de sair!
Silêncio. Alguns minutos que parecem uma eternidade. Então o António, sempre muito sério, dá um passo em frente:
- Sabes, mamã, eu estive a pensar... Sabes, parece, acho, bem, acho que se calhar, se calhar mesmo, fui eu... Mas olha, não me consigo lembrar!
A confissão atabalhoada do meu filho de cinco anos fez-me pensar na quantidade de vezes que encontramos desculpas e procuramos bodes expiatórios para os nossos pecados. É por isso que é tão, mas tão importante a instituição da confissão individual. E não são apenas os católicos que o afirmam: Martinho Lutero nunca deixou de a fazer durante toda a sua vida, e inúmeros psiquiatras, crentes e não crentes, já atestaram o seu poder.
"Por minha culpa, minha tão grande culpa...", rezamos todos os dias na missa, batendo com a mão no peito. Na verdade, assumirmo-nos culpados dos nossos pecados é o primeiro e mais importante passo para acolhermos a misericórdia infinita de Deus. O Rei David, que foi um grande santo, foi também um grande pecador. A ele devemos o magnífico salmo 50, onde David confessa publicamente a sua culpa e, arrependido, pede perdão:
"Lava-me completamente da minha iniquidade,
e purifica-me do meu pecado.
Porque eu conheço as minhas transgressões,
e o meu pecado está sempre diante de mim.
Contra Ti, contra Ti somente pequei,
e fiz o que é mal à Tua vista..."
(Salmo 51/50, 2-4)
Querido António, hoje a tua confissão foi suficiente. Mas crescer vai significar também seres capaz de assumir a tua culpa e enfrentar o teu pecado sem hesitações... Que o Senhor e eu te ajudemos neste caminho de perdão!
- Está, senhor padre? Sim, é o Niall... Tudo bem? Senhor padre, aqui em casa vive uma família de pecadores! Sim... Estávamos aqui a ver se o senhor padre tinha um buraquinho no seu horário para nós, esta tarde! Queríamos confessar-nos antes do retiro de amanhã... Que bom! Vamos já para o carro, assim eu os consiga encontrar a todos nos próximos cinco minutos. Até já!
Logo que o Niall desligou o telefone, corri para o jardim:
- Meninos, vamos confessar-nos! Depressa, para o carro!
- Vamos todos?
- Sim, Francisco, temos de levar todos, claro! Não temos com quem deixar o António e a Sara. Eles ficam por lá a brincar enquanto nos confessamos.
- Mas eu também me quero conversar!
- Tu, António?
- Sim! Eu também me vou conversar!
- Tu ainda és pequenino, António. Já tens pecados?
- Então não tenho? Não te lembras das minhas birras? Nem das vezes em que eu bato na Sara?
- Ah... Lembrar, lembro muito bem! Então anda daí, que também te podes confessar!
O Catecismo da Igreja Católica diz que se pode confessar "todo o fiel que tenha atingido a idade da discrição" (CIC 1457). Se por "discrição" entendermos a consciência de pecado, então o António já tem a maior idade... Aos cinco anos já somos capazes de avaliar as nossas ações e de perceber quando praticamos o mal.
Pacientemente, o António esperou pela sua vez para se confessar, e fê-lo com uma enorme felicidade. Ao sair do confessionário, sorridente, abraçou-me e disse:
- Agora vou rezar um bocadinho no meu coração. Sabes, tenho o coração limpinho, sem nenhum pecado! Vais ver: quando chegar a casa vou portar-me sempre bem!
Com a cabeça no meu ombro, rezou a Jesus, enquanto os irmãos se confessavam. Depois, no pátio do Santuário, correu e brincou cheio de alegria, e cheio de Deus.
Olhando para ele a transbordar felicidade, lembrei-me das palavras de Jesus:
"Deixai vir as Mim as criancinhas, não as impeçais, porque é delas o Reino dos Céus." (Mt 19, 14)
Os sacramentos são poderosos encontros com Jesus, o Salvador. Confessar os nossos pecados, um a um, e escutar as palavras de perdão e salvação é uma das maiores graças que o Senhor nos faz a todos, pequenos e grandes, enquanto caminhamos nesta Terra...
Não sei se todos os leitores deste blogue sabem ou recordam o que é viver com uma criança de dois anos em casa. Para os mais esquecidos, aqui ficam algumas pistas...
Num destes dias, a Sara veio do jardim muito contente, acompanhada do António e da Lúcia. Na mão, segurava isto:
Aproximei-me para ver mais de perto o curioso objeto. A Clarinha entrou nesse momento na sala e os gritos que deu fez a nossa casa parecer um filme de terror. Querem ver mais de perto também?
Sim, é um rato morto, certamente pelos nossos gatos...
Outro dia, deixei a Sara sentada na sanita. Passados alguns minutos, ela correu para junto de mim, muito satisfeita, a dizer: "Mamã, disparate! Mamã, disparate!" Dirigi-me à casa de banho para ver o disparate... E deparei-me com isto:
Já não é a primeira vez que a Sara se entretem a desenrolar o papel higiénico, claro!
De outra vez, o telemóvel tocou, tocou, e eu não o conseguia encontrar. Sempre atrás do toque, fui levada até ao jardim, e no jardim, até à oliveira. O som vinha abafado e contínuo. Poderia o telemóvel estar... dentro da oliveira? De repente, vi isto:
Aproximei-me... E encontrei o que tão desejado telemóvel!
Nessa mesma tarde, o Niall tinha recebido uma mensagem supostamente minha, a dizer: "aoytm,m ghrmme yeertidm"... Bem... Tive sorte a mensagem ter ido ter ao Niall e a mais ninguém!
Mas ontem passou das marcas. A Sara apareceu junto de mim sem sapatos, sem meias, sem calças e sem cuecas. "Sara, onde tens a roupa?" Perguntei. "Não sei!" Foi a resposta. Corri a casa toda à procura, mas sem sucesso. Decidi vesti-la com outra roupa, e não pensei mais no assunto. Até que horas depois, no pátio, tive esta visão:
Sim, são as casotas dos cães e os seus pratinhos... Mas há mais alguma coisa no recipiente da água. Querem ver mais de perto?
- Deve ter aprendido contigo, Teresa - Disse-me o Niall a rir, quando o chamei para ver - Passas a vida a lavar roupa! A Sara só te quis imitar!
As crianças de dois anos são verdadeiros artistas na arte de esgotar a nossa paciência. Nem sempre reajo pegando na máquina fotográfica... Às vezes, reajo com uma palmadita no rabo e um raspanete. Em dias de maiores disparates, quando a oração familiar é complicada e agitada, ao fazermos a invocação dos nossos santos protetores - Santa Clara, rogai por nós! Irmã Lúcia, rogai por nós! Etc - alguém acrescenta, brincalhão: "Santa Paciência!" e todos respondemos a rir, "Rogai por nós!"
Os disparates da Sara fazem-me sempre, sempre meditar no amor de Deus - embora nem sempre na hora...
Diz o Senhor através do profeta Oseias:
"Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o, e chamei do Egito o meu filho. Mas quanto mais o chamei, mais ele se afastou. Entretanto, Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços, mas não reconhecia que era Eu quem cuidava dele. Segurava-o com laços humanos, com laços de amor, fui para ele como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto, inclinei-me para ele para lhe dar de comer..." (Os 11, 1-4)
Os disparates da Sara, que às vezes me fazem rir, e outras vezes me fazem perder a paciência, em nada beliscam o imenso amor que tenho por ela. Por ela, eu sou capaz de dar a minha vida. E de cada vez que ela corre para mim, dizendo com simplicidade e confiança: "Disparate!" Eu aperto-a contra o peito e parece-me amá-la ainda mais.
Os meus disparates, que às vezes fazem sorrir, outras vezes entristecem o Senhor, em nada beliscam o imenso amor que me tem. Por mim, o Senhor é capaz de dar a vida. Por mim, aliás, Jesus já deu a sua Vida... E de cada vez que corro para os seus braços, dizendo com simplicidade e confiança: "Perdoa-me!" Ele aperta-me contra o peito e ama-me ainda mais...
Durante as férias, quando me dirigia ao jardim para estender um cesto de roupa, um passarinho caiu no chão mesmo diante dos meus pés. Baixei-me para o apanhar. Não ofereceu resistência, tão pequenino era. Chamei os meninos, que correram a ver:
- Oh, tão pequenino!
- Coitadinho!
- Tem os olhinhos tão abertos! Não está nada aflito!
- Parece estar muito contente na tua mão! Posso fazer uma festinha?
- Claro. Com mais jeitinho, Sara, que esmagas o pobrezinho!
- E agora?
Ficámos um pouco indecisos. Não sabíamos de que ninho tinha ele caído, pois não conseguíamos ver nenhum, e não sabíamos o que fazer. Por fim, lembrámo-nos da casinha para passarinhos que os meninos tinham construído nas férias grandes.
- Vão buscá-la, para o passarinho ficar protegido lá dentro. - Sugeri.
- Eu ponho lá ervinha!
- E eu, um pratinho com água.
- David, vai buscar um bocadinho de ração das galinhas.
- Vou a correr!
A casinha ficou pronta, e colocámos lá dentro o passarinho. Eu não tinha esperança que sobrevivesse, tão fraco ele estava, mas não queria vê-lo nas garras dos gatos, pelo que a casinha era a melhor solução.
O passarinho sobreviveu mais algumas horas, bem vigiado pelos quatro pequeninos, com uma espreitadela de vez em quando dos dois mais velhos. Ninguém se foi deitar nessa noite sem verificar que o passarinho estava vivo e feliz na sua nova casinha.
Mas na manhã seguinte, confirmou-se a sua morte. Era na verdade muito pequenino! O David e a Lúcia ficaram particularmente tristes.
- A mamã e o papá do passarinho devem estar aflitos - Dizia-me o David.
- Tenho tanta pena dele! Agora que a primavera está a chegar, tinha de morrer!
- Pelo menos não foi brinquedo para gato.
Poucas horas depois, chegaram os primos. E no meio das alegres brincadeiras que inventaram todos juntos, decidiram também fazer um funeral digno de passarinho, em Náturia:
Cantaram, cavaram um buraco, embrulharam o passarinho em folhas e depositaram-no no seu túmulo. Horas mais tarde, a Lúcia chegou a casa eufórica:
- Mamã, mamã, o passarinho já está no céu! O passarinho já ressuscitou!
- Como sabes?
- Fui ao seu túmulo e ele já lá não está!
- Ah...
A história do passarinho acaba aqui. Mas pela minha mente passou uma outra história, a história de Jonas. Sim, aquele que esteve três dias no ventre de uma baleia e que foi vomitado numa praia branca, em Nínive, para pregar o arrependimento a um povo de pecadores... O que nem todos sabem é que, no final do Livro de Jonas, surge um episódio muito pitoresco, não com um passarinho, mas com uma planta que desconheço e se chama rícino. Diz a história que
"O Senhor Deus fez crescer um rícino, que se levantou acima de Jonas, para fazer sombra à sua cabeça e o proteger do Sol. Jonas alegrou-se grandemente por aquele rícino. Ao outro dia, porém, ao romper da manhã, enviou Deus um verme que roeu as raízes do rícino, e este secou." (Jn 4, 6-7)
Jonas ficou tristíssimo com a morte do rícino. Deus então disse-lhe:
"Sentes pena de um rícino que não te custou trabalho algum para o fazeres crescer, que nasceu numa noite, e numa noite pereceu! E não hei-de Eu compadecer-me da grande cidade de Nínive, onde há mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem distinguir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda, e um grande número de animais?" (Jn 4, 10-11)
Jonas, na verdade, estava irritado porque Deus perdoara ao povo de Nínive, povo que, segundo Jonas, não merecia o perdão divino. Somos tão parecidos com Jonas! É tão fácil para nós encontrar quem não mereça o perdão divino! Desde o vizinho do lado ao piloto do avião que se despenhou... No entanto, todos foram criados por Deus e amados antes mesmo de existirem. Como não há de o Senhor compadecer-se dos pecadores?
E os passarinhos caem do céu, e Deus dá-nos um coração compassivo...
Senhor, que eu saiba compadecer-me! Ensina-me a experimentar um bocadinho da tua grande misericórdia para com cada passarinho, cada rícino, mas acima de tudo, cada ser humano, que criaste com tanto amor. Ámen!
Domingo de manhã. O Niall saiu para ir buscar pão (não, não houve tempo para panquecas!) e regressou muito feliz:
- Teresa, encontrei a resposta para a minha dúvida do outro dia!
- Que dúvida? - Perguntei-lhe, enquanto vestia a Sara, a única criança acordada. O Niall estava cheio de entusiasmo:
- Aquela dúvida sobre o perdão de Deus. Deus perdoa, mas será que esquece?
- Ah, já me lembro! Estávamos a falar na omnisciência de Deus, e como é possível para Deus, que sabe tudo, perdoar e esquecer mesmo a sério. E então, podes explicar-me como é que chegaste à resposta enquanto foste comprar pão? Terá sido o padeiro a tirar-te a dúvida?
- Não, foi a própria Palavra de Deus. Enquanto fui ao pão, liguei a Renascença e acertei mesmo em cheio: estavam a ler as leituras deste domingo. A primeira leitura é tão bela, tão bela, que senti arrepios ao escutá-la. Foi ela que me trouxe a resposta.
- E?
- Ora escuta... Prepara-te, porque é mesmo muito bonito. Vou tentar lembrar-me das palavras exatas:
"Dias virão, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e a casa de Judá uma aliança nova. Hei-de imprimir a minha Lei no íntimo da sua alma e gravá-la-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Todos eles Me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno, diz o Senhor. Porque vou perdoar os seus pecados e não mais recordarei as suas faltas." (Jer 31, 31-34)
- Que maravilha, esta Palavra! Tens razão, Niall. Deus fala muito claramente aqui!
- Sim. Ele diz que o nosso pecado não só é totalmente perdoado, mas também que não mais será recordado. Deus esquece as nossas faltas, e não mais se lembra delas, depois de nos perdoar! Não devemos voltar a confessar faltas antigas já confessadas por medo de não termos sido perdoados, porque isso é uma ofensa ao perdão absoluto que o Senhor nos dá.
- Pois é. O amor de Deus supera a sua omnisciência... Espero não estar a dizer nenhum disparate teológico!
- Não estás. Todas as qualidades de Deus estão inseridas naquilo que Ele é: Amor. Fora do Amor absoluto que Ele é, Deus não é mais nada.
- Mas não é possível fazer uma confissão geral da nossa vida, em determinadas alturas, como por exemplo no Ano Santo?
- Claro que sim, por desejo profundo de colocar tudo diante da luz do Senhor. Dizia o Rei David: "Tenho sempre diante de mim o meu pecado..." (Sl 50) Mas não o devemos fazer por medo de não termos sido perdoados, isso nunca!
Os mais velhos acordaram entretanto, e todos juntos fomos tomar o pequeno-almoço.
- Meninos, tenho um desafio para vos fazer. - Disse o Niall, enquanto comíamos - Hoje, na missa, quero que estejam muito atentos à primeira leitura, porque ela vai trazer a resposta para uma pergunta que tinhamos feito uns aos outros no outro dia, durante a oração familiar.
- E qual é essa pergunta? Nós fazemos sempre tantas!
- Também vos desafio a descobrir a pergunta, Francisco.
Depois da missa, à hora do almoço, o Niall quis saber se todos tinham encontrado a resposta.
- Sim, encontrámos - Adiantou-se a Clarinha. - A pergunta era: Deus perdoa sempre, mas será que esquece? E a resposta é: sim, Deus esquece.
- Muito bem! O Papa Francisco tem toda a razão ao propor um Jubileu da Misericórdia para o ano que vem. Nós ainda entendemos muito mal o perdão de Deus!
- Vai ser maravilhoso viver um Ano Santo, experimentando na nossa vida este perdão absoluto, e redescobrindo o amor absoluto do Senhor!
- O Papa quer as igrejas abertas e muitas, muitas confissões. Vamos ver a misericórdia do Senhor a correr como um rio na sua Igreja, e uma nova primavera a desabrochar. Ah, que alegria...