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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
O António estava a comer com imenso prazer. Entre garfadas, ia conversando com os irmãos e connosco, muito animado.
- Quero mais!
- Se faz favor.
- Quero mais se faz favor!
Coloquei um pouco mais de massa e de carne estufada no seu pequeno prato.
- Mais! - O António manteve o prato estendido.
- Come primeiro essa, depois se ainda tiveres espaço, dou-te mais - Respondi-lhe.
E foi então que a birra começou:
- TANTA POUCA!
- O quê?
- TAAAAANTA POUUUUUUCA!
- António, se quiseres mais eu dou, mas primeiro comes o que tens no prato.
Agora as lágrimas corriam a alta velocidade, e o prato continuava intocado diante do meu filho de quatro anos. Já não havia nada a fazer: era mesmo hora de birra... Os irmãos encolheram os ombros, nós também, e continuámos a tentar conversar por entre os gritos do António, enquanto eu escondia um sorriso diante da sua gramática atabalhoada:
- TAAAAANTA POUUUUUUCA!
Por fim, vendo que ninguém cedia - e porque a carne estava mesmo apetitosa - o António lá limpou as lágrimas e assoou o nariz, e continuou a comer. Afinal o que tinha no prato parece ter sido suficiente, porque não tornou a repetir.
Enquanto escutava os gritos do meu pequeno filho, fui pensando em como tantas e tantas vezes, também nós ficamos com o prato estendido diante do Senhor, fazendo birra:
- Tanta Pouca!
Temos diante de nós um prato, que o Senhor preparou com carinho especialmente para nós, mas raramente estamos satisfeitos: temos filhos a mais, ou filhos a menos; temos trabalho a mais, ou trabalho a menos; temos dinheiro a mais, ou dinheiro ao menos; temos chuva a mais, ou frio a mais, ou calor a menos, ou amigos a menos, ou saúde a menos, ou... Porque não estamos nunca satisfeitos?
Recordo aqui a oração constante da jovem Beata Chiara Badano, que nasceu no mesmo ano que eu e morreu aos dezoito anos de idade. Já falei desta oração várias vezes, e hei-de continuar a falar, porque nela está contido o segredo da verdadeira alegria, essa alegria que nada nem ninguém nem circunstância alguma da vida pode roubar:
"Tu queres, Jesus? Então eu também quero."
Ou como disse Jesus ao longo de toda a sua vida:
"Faça-se a Tua vontade, ó Pai, na Terra como no Céu." (Mt 6, 10)
Ámen!
Sentar uma família numerosa à volta de uma mesa não é fácil. Primeiro, claro, está o problema da mesa. Este ano achámos que estava na altura de mandar fazer uma mesa bastante maior, para os meninos se poderem sentar sem refilar. Ultimamente, na verdade, as refeições tinham alguns refrães incomodativos: "Chega-te para aí!" "Baixa as asas!" "Não me dês pontapés!" "Como é que queres que corte a carne com os braços tão juntos do corpo?" "Não entornes o meu copo!" Acabámos por nos convencer que uma mesa grande não é um luxo, quando se tem seis filhos em crescimento. Agora, até temos espaço para colocar no centro a coroa de Advento, nos domingos:
Mas o tamanho da mesa não diminuiu o tamanho das birras, pelo menos de algumas. Para nosso grande desapontamento, apercebemo-nos que o refrão mudou, mas continua a existir... Às vezes é a sopa que está quente, outra, o mano que mesmo antes de vir para a mesa tirou um brinquedo. Já chegámos a ter os quatro mais novos a chorar ao mesmo tempo, todos por razões diferentes, o que fez os dois mais velhos dar uma gargalhada e comentar: "A família Power está particularmente bem disposta hoje!" Com receio que vocês não acreditem nas minhas palavras, apanhei o David em flagrante delito de choro à mesa, mesmo com uma magnífica "Apple crumble" diante dele:
Um outro problema natural das nossas refeições é a quantidade de vezes em que precisamos de nos levantar. Felizmente agora já partilhamos essa tarefa com o Francisco e a Clarinha! O Niall costuma cantarolar um pequeno refrão do filme clássico do Winnie the Pooh, em inglês: "Up, down, turn around..." ("Levanta, senta, dá uma voltinha...") Um dia, li o dito divertido de uma humorista: "Desde que me tornei mãe, passei a comer tudo frio, excepto os gelados." Como eu a entendo!
Porque insistimos, então, em comer todos juntos? Porque não facilitamos e sentamos os meninos diante da televisão, ou cada um em frente do seu computador, ou porque não comemos separadamente? Porque somos cristãos. E o cristianismo nasceu e celebra-se à volta da mesa - a mesa da Eucaristia! Aliás, o cristianismo é a única religião onde podemos comer de tudo e com todos. "Comei tudo o que vos for servido" (1Cor 10, 27), disse S. Paulo. Jesus ficou bem conhecido por se sentar à mesa com publicanos e pecadores.
As nossas refeições têm muito choro, mas também muitas gargalhadas. Enquanto jantamos, e mesmo com a música de fundo das birras, conversamos. À volta da mesa, aprendemos a comer de tudo o que nos é servido, sem esquisitices e sem fundamentalismos; aprendemos a escutar o outro, e aprendemos a esperar a nossa vez de falar. Às vezes, são os mais velhos que dominam a conversa, e os pequenos escutam sem entender muito bem; outras, são os pequeninos que nos presenteiam com as suas brincadeiras, enquanto os mais velhos engolem a vontade de os interromper; outras ainda, é o pai que relata os acontecimentos do mundo, ou a mãe que conta o que aconteceu na escola. A conversa é só uma.
Esta insistência nossa na partilha da vida em família parece dar frutos! Ontem, durante a refeição, o António decidiu que não comia a sopa, fazendo como de costume um grande espalhafato, com lágrimas e tudo. Nós, como de costume também, ignorámos a cena e continuámos a comer. Mas houve alguém que não ignorou: a Sara. Cansada de ver o irmão chorar, a Sara pegou-lhe no braço e fez com ele o gesto de levar a colher à boca, enquanto repetia:
- Papa, Tóno! Papa, Tóno!
Fui imediatamente buscar a máquina fotográfica, para partilhar convosco a cena...
À volta da mesa, tornamo-nos família; e tornamo-nos família de Deus! Quando deixamos a mesa, cheios de alegria e felizes por termos conseguido ultrapassar todos os obstáculos, experimentamos a generosidade do Senhor, como nos diz o Evangelho:
"Todos comeram e ficaram saciados; e do que lhes tinha sobrado, ainda recolheram doze cestos cheios." (Lc 9, 17)