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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
- Meninos, podem ligar a televisão! - Aviso, ao fim da tarde de sábado. Como já todos os leitores devem saber, sábado é dia de televisão para os Power mais novos, que durante a semana nem se lembram dela.
- Ena, que bom! Está a dar Jake e os Piratas! - Anuncia a Lúcia, a primeira a chegar à sala.
- Falta o David! - Reparo, quando a Sara e o António se instalam no sofá. - Quem o vai chamar?
- Hoje eu não vou ver televisão - Diz o David, entrando na sala. - Vou já tomar banho e depois vou ler para o quarto.
- E porquê? Tu adoras Jake e os Piratas!
- Para fazer um sacrifício. Hoje quero fazer um sacrifício dos grandes...
- Mãe, quero uma fatia de bolo!
- Já comeste ao lanche, António. Agora esperas pelo jantar. Só depois de jantar é que comes bolo outra vez.
- Mas eu quero agora.
- Já te disse que não. Depois de jantar.
- Agora!
- Não vale a pena, António.
Lágrimas. Parece que as birras ainda não acabaram de todo...
- António, vou explicar-te: não vais comer bolo agora, quer faças birra, quer não. Isso é certo. Mas restam-te duas escolhas: podes não comer bolo e ficar de mau humor, a chorar, zangado, e eu grito contigo e perco a paciência, e só temos tristeza para dar a Jesus; ou podes não comer bolo e sorrir, oferecendo a Jesus o teu sacrifício, e logo à noite pões uma flor no Canto de Oração. A escolha é tua!
O António suspira, e limpa as lágrimas. A escolha está feita.
Hora de oração familiar. Sentados no sofá da sala, rezamos o terço como todos os dias. Geralmente, antes de começarmos, precisamos de repetir muitas e muitas vezes: "Meninos, sentados como deve ser!" "Meninos, não se reza de qualquer maneira, é preciso respeito!" "Meninos, costas direitas no sofá!" Mas hoje não parece ser necessário. Antes de começarmos, o Niall ajoelha-se no chão. Duas avé-marias mais tarde, também a Clarinha se ajoelha. Mais duas avé-marias, e é a minha vez... E logo em seguida, o Francisco. Olhamos uns para os outros e rimo-nos: quando um decide oferecer um bocadinho mais a Jesus, ninguém quer ficar atrás! Sem que seja essa a nossa intenção, acabamos por nos desafiar uns aos outros todos os dias neste belo e difícil caminho da santidade.
- Mãe, explica-me outra vez o que faz Jesus com todos os nossos sacrifícios!
- Então eu explico: cada vez que tu fazes um sacrifício, Jesus recebe-o nas suas mãos, com todo o carinho. Depois transforma-o numa graça especial para alguém também especial, que só Ele conhece... Assim, talvez Jesus tenha aproveitado o teu sacrifício de não ver televisão para derramar felicidade sobre um menino da tua idade, que estava a chorar no meio da guerra na Síria. Quem sabe? Talvez...
- Mas no céu vou saber, não vou, mãe?
- Sim, no céu vais poder brincar com todos os meninos que receberam graças através de ti. E também vais conhecer todos os meninos que, com os seus sacrifícios, obtiveram graças para ti!
- Nem posso esperar...
Estas conversas surreais acontecem muitas vezes em nossa casa. Podem conter uma ou duas imprecisões teológicas em termos de linguagem, eu sei, mas não encontro melhor forma de explicar às crianças esta maravilha que é a comunhão dos santos, em que nós, católicos, afirmamos acreditar. É deste imenso tesouro dos sacrifícios e sofrimentos de todos os santos, conhecidos e desconhecidos, vivos na Terra e vivos no céu, que cada um de nós recebe graça sobre graça. Como diz S. Paulo, as nossas vidas individuais são preciosas quando unidas ao sofrimento pascal de Jesus:
"Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, pelo seu corpo que é a Igreja." (Col 1, 24)
Porque no único Corpo formado por Jesus e pela sua Igreja, circulam de uns para os outros todas as graças, todas as bênçãos, todas as alegrias, todas as dores, como o sangue que percorre todos os membros:
"Os muitos que somos formamos um só corpo em Cristo, mas individualmente, somos membros que pertencem uns aos outros." (Rm 12, 5)
E de sacrifício em sacrifício, no Canto de Oração é quase primavera...
- Mãe, faz um sacrifício e deixa-nos fazer tintas!
Estou quase a responder que não, quando me dou conta de que é mesmo um sacrifício deixá-los trabalhar com tintas, brilhantes, pinceis, papeis, colas e afins, tudo espalhado na toalha de plástico sobre a mesa da cozinha, sobre o chão, sobre as paredes, sobre o teto; e finalmente, quando se cansam e se vão embora, depois de distribuirem os desenhos molhados por todas as superfícies planas para que sequem, sobra para mim...
- Bem, eu deixo, porque está a chover lá fora e há poucas alternativas... Mas depois arrumam tudo!
Arrumam, claro, embora não "tudo", nem sequer "quase tudo". Suspiro e tento um sorriso. Tenho direito a oferecer uma flor no Canto de Oração. E eles sabem disso.
Com o início da Quaresma, duplicam os nossos esforços por oferecer ao Senhor pequenos sacrifícios, pequenos gestos de generosidade e, neste ano especialmente, pequenas obras de misericórdia.
- Mãe, eu consolei a Sara que estava a chorar - Diz-me o António, triunfante, com uma Sara sorridente pela mão.
- Mãe, eu barrei o pão da Sara porque ela não conseguia. Dei de comer a quem tinha fome! - Afirma a Lúcia.
- Eu deixei o António escolher o jogo, e fiquei a contar em vez de me esconder, como preferia - Proclama o David.
- E eu cortei as flores todas em papel para vocês oferecerem - Diz a Clarinha, assertiva.
- Eu, bem, eu evitei entrar na cozinha durante toda a tarde em que a Clarinha fez os bolos para a festa do António, para não cair na tentação da gulodice em quarta-feira de cinzas - Sorri o Francisco, piscando o olho à irmã.
Todos multiplicam "coisas bonitas para Deus" (something beautiful for God), como a Madre Teresa gostava de dizer. Depois, ao serão, durante a nossa oração familiar, os mais novos colam no Canto de Oração uma pequena flor de papel de lustro. Quando chegar a Páscoa, os nossos desertos estarão plenamente floridos.
"Então o deserto e a terra árida alegrar-se-ão. A estepe vai alegrar-se e florir. Como o lírio, ela florirá, exultará de júbilo e gritará de alegria. A glória do Líbano ser-lhe-á dada, o esplendor do Carmelo e de Saron..." (Is 35, 1-2)
Ah, a primavera depois do inverno, a alegria depois do sacrifício, a felicidade depois do sofrimento, a Ressurreição depois da Cruz... Que belo final para o caminho de renúncia, generosidade e penitência que a Quaresma nos oferece!
- David, vem brincar comigo!
- Agora não, António, deixa-me ler.
- Vá lá!
- Já te disse que quero ler. Vai-te embora.
- Faz um sacrifício!
- ... Está bem, vou brincar contigo. Ainda não ofereci nenhuma flor a Jesus hoje...
- Mamã, vem ver o escritório!
- Acho melhor não ir, Lúcia. Fico mal disposta só de olhar para a desarrumação!
- Mas eu fiz uma surpresa. Queres vir? Anda, dá-me a mão.
- Meu Deus, Lúcia! Arrumaste tudo sozinha?
- Sim, é uma flor para Jesus!
- Mamã, hoje já sei qual é a flor que vou dar a Jesus.
- Que bom, António! E qual é?
- Não vou fazer birra ao jantar!
Fazer o Canto de Oração quaresmal é divertido. Mas o maior desafio é cobri-lo de flores! A primavera está aí, e não há tempo a perder. Escreveu Santa Teresinha numa carta à sua irmã Leónia:
"Não tenho outro meio de te provar o meu amor, diz a Jesus, a não ser atirar flores, isto é, não deixar escapar nenhum sacrificiozinho, nenhum olhar, nenhuma palavra, aproveitar todas as mais pequenas coisas e fazê-las por amor... Quero sofrer por amor e até mesmo gozar por amor, assim atirarei flores diante do teu trono; não deixarei uma sem desfolhar por Ti."
É este o sentido do nosso sacrifício quaresmal: oferecer a Jesus pequenas flores de amor, pequenos gestos de bondade e de renúncia, de generosidade e de auto-domínio, para que a nossa quaresma, pouco a pouco, nos conduza à primavera pascal...
"Portanto, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus."
(1Co 10, 31)
No sábado, a Clarinha teve a sua segunda competição de ginástica rítmica (a primeira, com vídeo, está aqui).
- Desta vez, adorava que tu me pudesses ver! - Disse-me. - O papá já viu, agora adorava que visses tu!
- Bem, eu também adorava ir. Onde é?
- Em Cacia. Achas que o papá pode dar a tua catequese e tomar conta dos manos durante a tarde?
- Claro que sim. Eu falo com ele!
Mas não foi preciso. O Niall já tinha decidido isso mesmo! Assim, no sábado, a Clarinha e eu almoçámos às onze da manhã, e ao meio-dia estávamos no pavilhão desportivo de Cacia.
Fazia muito, muito frio. O termómetro do carro marcava seis graus, e chovia. Dentro do pavilhão estava ainda mais frio; e também chovia em alguns lugares...Todos os pais comentavam a falta de condições, mas as atletas não pareciam minimamente preocupadas: com caras felizes, saltavam e repetiam os exercícios da prova. Eu regressei ao carro, onde pude ligar o ar condicionado e aquecer um pouco os pés, e fiquei a corrigir testes até à uma e meia, hora do desfile inicial. Depois regressei ao pavilhão, para me emocionar diante do milagre que estava diante de mim: a minha filha estava novamente a pisar o chão dos seus sonhos, indiferente ao frio que se fazia sentir, indiferente à certeza que tinha de não conseguir obter uma classificação muito alta (afinal ia competir com meninas que faziam ginástica há anos e anos...), indiferente ao júri sentado diante dela. Quando chamaram o seu nome e ela fez o movimento de resposta apropriado, senti as lágrimas a toldar-me a vista:
Depois do desfile, começou a competição. As meninas mais novas foram as primeiras a actuar. Uma a uma, música a música, deslizavam sobre o praticável, com sorrisos felizes. Olhei para o relógio: três horas... A tremer de frio, procurei encontrar um espacinho na bancada para colocar os meus testes, e continuei a corrigir. Uma turma de testes terminada, e a Clarinha continuava aos saltos no praticável de treino. Arrumei a turma de testes e retirei outra da minha mala. Sempre a tremer de frio, corrigi a segunda turma por completo, enquanto no praticável as meninas se sucediam, ao ritmo da música. Bolas, arcos, fitas, e muita beleza. Suspirei. Quando seria a vez da Clarinha? Duas turmas arrumadas, horas de abrir o computador e começar a escrever retiros, ensinamentos... E a Clarinha sem actuar. Seis horas...
De repente, alguém me faz um gesto: é preciso preparar a máquina fotográfica! A Clarinha já está a tirar a camisola, mostrando o seu fatinho azul... Levanto-me. É agora! Com um sorriso, a minha filha faz a sua prova com corda, e meia hora e muitas meninas mais tarde, fará novamente a prova de maças (uma espécie de pinos usados em ginástica). Para mim, pareceu-me perfeito, claro; para o júri, teve falhas; para a Clarinha, foi um momento de pura magia.
Quando terminou as provas, pensei que ia sentar-se um bocadinho e descansar: qual quê! "Vai treinar os exercícios que falhaste, Clarinha" Disse-lhe a professora, sorridente. E a Clarinha regressou ao praticável de treino para repetir, repetir, repetir... Olho para o relógio: será possível? Sete horas da tarde! Sinto os pés, as mãos e até o pensamento congelados.
Por fim, o dia termina. Há bolos e croissants para o lanche. A Clarinha suspira, feliz. Fez novas amigas, reviu caras já conhecidas da primeira competição, conversou, trocou ideias e descobriu novos movimentos. Eu também aprendi algumas coisas: conversando com as outras mães, já depois da actuação da Clarinha, descobri que há uma forma de saber a que horas as nossas filhas vão competir; e essa forma é... consultar o site! Viva, Teresa, descobriste o óbvio, mas mais vale tarde do que nunca!
A caminho de casa, no carro quentinho, a Clarinha a dormitar a meu lado, vou pensando... Estar ao frio durante sete horas, para ver duas actuações de um minuto e meio cada, foi o preço a pagar pelo imenso amor que tenho à minha menina. Foi difícil? Foi... Voltava a fazê-lo? Claro! É normal fazer isto por um filho? Normalíssimo! Não tem nada de mais...
Por sua vez, a Clarinha também teve um preço a pagar pelo seu imenso amor à ginástica: trabalhou durante sete horas no duro, repetindo e repetindo, e tornando a repetir os mesmos gestos. Foi difícil? Foi... Voltava a fazê-lo? Claro! Foi a única? Não: todas treinavam com o mesmo afinco. Não tem nada de mais...
E quando chega a hora de trabalhar pelo Senhor? Custa, levantar cedo para ir à missa ou para rezar? Custa, perder uma tarde de sábado para visitar os velhinhos ou os doentes, ou ir à catequese? Custa, enfrentar o confessionário? Custa, dar um pouco de tempo para servir os outros, na paróquia ou no bairro? Claro que sim! É normal fazer isto pelo Senhor a quem amamos? Normalíssimo! Não tem nada de mais...
Diz-nos o Senhor no Evangelho:
"Quando fizerdes tudo o que vos foi mandado, dizei:
'Somos servos inúteis. Fizemos apenas o que tínhamos de fazer.'"
(Lc 17, 10)
Pequenos gestos de amor, em férias, quando para além dos filhos também se têm três sobrinhos pequeninos em casa:
Apanhar as peças todas do "quatro em linha", espalhadas no tapete da sala.
Apanhar as molas da roupa espalhadas pela relva, para depois pendurar roupa capaz de encher um estendal inteiro.
Fazer novamente uma panela de doze litros de sopa, apesar de ontem também ter feito uma panela de doze litros de sopa, e sabendo que amanhã voltarei a ter de fazer uma panela de doze litros de sopa.
Apanhar lenços de papel sujos do chão da cozinha, do chão do quarto, do chão da sala, do chão do quarto de banho, da garagem e do jardim.
Procurar o par da meia em falta, no meio de um alguidar com cerca de trezentas meias diferentes.
Tirar as botas à Sara para limpar o cocó de cão agarrado à sola - e fazer isto três vezes no mesmo dia, sempre sem refilar.
Vestir casaco, cachecol e gorro aos meus sobrinhos para irem lá fora brincar, ainda não ter acabado de vestir o último, e já ter de despir o primeiro, que entretanto mudou de ideias.
Começar a fazer o jantar quando se acaba de lavar a louça do almoço.
Competir com o Niall para ver quem limpa mais rabos num dia.
Fazer uma horinha de sauna (de graça!) enquanto se vigiam ou dão banhos atrás de banhos.
...
Afinal, Deus dá-me tantas ocasiões de amar, durante as vinte e quatro horas de cada dia! Só preciso de estar atenta. Porque só o amor será recompensado!
Tenho um livrinho precioso, que para mim é uma escola de santidade. Chama-se "O Manuscrito do Purgatório" (vejam na net em que consiste...). Na página 66 diz assim:
"O bom Deus olha menos às grandes acções, aos actos heróicos, que às acções simples, aos pequenos sacrifícios feitos por amor. Por vezes um pequeno sacrifício, que só Deus e a alma conhecem, é mais meritório que outro grande que tenha sido aplaudido."
Que alegria, saber isto!
"O amor jamais passará. As profecias terão o seu fim, o dom das línguas terminará e a ciência vai ser inútil..." (1Cor 13, 8)
Na semana passada, quando cheguei ao Centro Social S. José de Cluny para buscar os três mais novos, a educadora do António tinha uma história para contar:
Nessa tarde, no refeitório à hora do lanche, a Sara demorara um pouco mais de tempo a comer o pão, e consequentemente, ficara sentadinha na sua cadeira já depois dos seus pequenos amigos terem ido brincar. Da sua mesa, o António observava a irmã, e ao vê-la sozinha na "mesa dos bebés", a inquietação começou a crescer dentro dele. Quando a educadora levou os meninos da sala do António para o recreio, o António recusou-se a brincar, pois a sua maninha estava sozinha a lanchar! E, sentado num canto, ali ficou muito triste. Passaram-se uns dez minutos, e por fim, a educadora lembrou-se de pedir à educadora da Sara que viesse por favor mostrar ao António a sua mana. A Sara, sorridente, já tinha acabado o lanche há algum tempo e estava bem mais feliz do que o António! Só então ele se decidiu ir brincar.
Escutando aquela história do António, pensei na imagem do Corpo Místico que S. Paulo nos dá:
"Pois como o corpo é só um e tem muitos membros, assim também Cristo.
Se o pé dissesse: "Uma vez que não sou mão, não faço parte do corpo", nem por isso deixaria de pertencer ao corpo. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Há, pois, muitos membros, mas um só corpo. Não pode o olho dizer à mão: "Não tenho necessidade de ti"..." (1Cor 12)
Seguindo esta mesma imagem, quando qualquer parte do nosso corpo está magoada, é o corpo inteiro que sofre. Um só espinho cravado no dedo mindinho é suficiente para que o mal-estar seja geral!
Se a Sara está triste, a alegria do António não pode ser completa, pois são membros de um mesmo corpo: a família.
No início do mês, as estradas de Portugal encheram-se de gente que caminhava até Fátima, cantando, rezando - e fazendo bolhas e feridas nos pés e nas pernas. Para quê tanto sacrifício, perguntam alguns. Deus não exige o sofrimento! Que razões apontam os cristãos para a dor desnecessária, isto é, aquela que não advém da doença, da vida, da morte, mas que é escolhida propositadamente para ser oferecida?
Em Fátima, o Anjo de Portugal falou assim aos pastorinhos:
"Orai, orai muito. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.
- Como nos havemos de sacrificar?
- De tudo o que puderdes, oferecei a Deus sacrifício em acto de reparação pelos pecados e súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim, sobre a vossa pátria, a paz. Sobretudo, aceitai o sofrimento que o Senhor vos enviar."
(Memórias da Irmã Lúcia I, p. 57)
A partir desse dia, conta-nos a Lúcia, os pastorinhos aproveitavam todas as ocasiões para oferecer uma linda prenda ao Senhor: privavam-se de alimento, adiavam a água nos dias de calor, ajoelhavam nas pedras duras.
Somos membros do mesmo corpo: a família humana, a família de Deus. E se o meu irmão sofre de fome, ou está doente, ou é agredido, ou vive no meio da guerra, ou é escravo do vício e de toda a espécie de maldade, então eu preciso de partilhar um pouquinho da sua dor. Como o António em relação à Sara, preciso de experimentar um pouquinho de desconforto para que me possa sentir solidário com quem quero amar.
Mas o mais belo disto tudo é a imensa generosidade de Deus: nada do que eu Lhe oferecer, nada do que eu sofrer, é em vão. Se eu entregar a Deus a dor dos meus pés caminhantes; se eu Lhe oferecer o chocolate que não comi; se eu Lhe der o copo de água que adiei, se Lhe entregar a minha dor de cabeça, a minha desilusão, o meu fracasso, a minha falta de dinheiro, a minha doença, Deus pegará carinhosamente nestas pequenas prendas e, com elas, aliviará a dor de algum irmão que não conheço. A minha pequena renúncia converter-se-á para ele em salvação. A oração e o sacrifício de três crianças pode atraír a paz sobre um país? O Anjo de Portugal assegurou-nos que sim. O que não fará a oração e o sacrifício de todo o povo cristão!
Que mistério imenso esconde Deus, para assim querer necessitar da nossa solidariedade espiritual? Esse mistério chama-se gratidão: como um bom pai de família, Deus quer que os seus filhos estejam ligados por laços de gratidão uns para com os outros, para assim se amarem de verdade. No céu, vou encontrar-me com todos aqueles que, pela sua oração e sacrifício - sem disso terem consciência - me permitiram conhecer e amar Jesus. Que surpresas iremos ter, ao descobrir a quem devemos a nossa felicidade! E que grande festa faremos então!