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Remédio santo

por Teresa Power, em 29.10.15

- Mãe, podes vir connosco visitar o nosso castelo em Náturia?

A Lúcia e o David olham para mim com ar suplicante. São cinco horas da tarde, acabámos de chegar da escola e eu tenho uma montanha de coisas para fazer.

- Claro que posso - Respondo, pousando a minha mala cheia de testes por corrigir e lançando um olhar apressado à banca da cozinha, onde as cenouras, as batatas e os bróculos esperam pacientemente que alguém os enfie dentro da panela para a sopa do jantar.

- Eu sabia que ias dizer sim! - A Lúcia saltita de alegria. - Nem imaginas como o nosso castelo está lindo! Vais adorar! Anda, vem!

Dou a mão à minha filha e sigo-a para o descampado por detrás da nossa casa. As silvas já estão dobradas à nossa passagem, por força do hábito, e há flores silvestres a brotar nas margens deste caminho improvisado.

- É aqui. Olha só! Não é bonito?

Faço um olhar de espanto diante do monte de terra e canas que tenho diante de mim:

- Uau, um castelo magnífico! Posso entrar?

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A visita não leva mais de dez minutos, o tempo que demora a passar por debaixo das canas e das silvas. Mas ainda não acabei, quando a Sara me chama do jardim:

- Mamã, estou a fazer a sopa com ervinhas! Queres provar?

Deixo Náturia e regresso a casa. Sentada na rocha debaixo da oliveira, finjo provar a sopinha de ervas.

- Está mesmo boa, Sara! Quem te ensinou a fazer?

- A Clarinha!

A Lúcia e o David regressam também a casa e decidem fazer, não só sopa de ervas, como ensopado, empadão e tudo o mais. Depois despejam os restos para o galinheiro:

- Os pitinhos adoram os nossos cozinhados!

Entretanto, o António vem ter comigo com as mãos cheias de folhas de outono.

- Que lindas, António! Onde as encontraste?

- Debaixo da nespereira. Conta-nos lá outra vez o que tu fazias quando eras pequenina...

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Sorrio, pego na Sara ao colo e conto:

- Na casa dos meus avós havia um tanque. Eu pegava nas folhas de nespereira secas e colocava nelas as formigas que encontrava na terra. Depois punha-as a navegar no tanque.

- Ena, elas deviam gostar muito!

- Não tenho tanta certeza...

 

Santa Teresinha escreveu muitas coisas sobre os seus santos pais, Luis e Zélia. Ambos trabalhavam arduamente o dia inteiro, Luís como relojoeiro e Zélia como bordadeira. No entanto, ambos sabiam "perder tempo" brincando com as suas meninas, no fim da escola e durante os fins-de-semana. A brincadeira dos meus filhos no jardim, longe da televisão, dos telemóveis e de outros brinquedos eletrónicos parece-se bastante com a brincadeira na casa de santa Teresinha:

"Depois de fazer os trabalhos de casa, eu saltitava no jardim à volta do papá, porque não sabia brincar com as bonecas. Era uma grande alegria para mim preparar tisanas com grãozinhos e cascas de árvores que encontrava no chão; levava-as depois ao papá numa linda chavenazinha, e o pobre paizinho largava o trabalho e depois, sorrindo, fingia beber. Antes de me voltar a dar a chávena, perguntava-me se devia deitar o conteúdo fora..." (História de uma Alma, manuscrito A)

Bem, são horas dos TPC. O David e a Lúcia sentam-se nas suas secretárias, a Sara e o António vão fazer lego, e eu estou livre para ir cozinhar. São apenas cinco e meia... Afinal só perdi meia hora a brincar com os meus filhos! Olho para eles, tão felizes e tão calmos. Meia hora não faz assim tanta diferença na minha vida, mas faz a diferença toda na vida deles.

Lembro-me do sírio Naamã, do Segundo Livro dos Reis. Cheio de lepra, pediu ao profeta Eliseu que o curasse a troco de grandes somas de dinheiro, mas ficou escandalizado quando o profeta lhe ordenou simplesmente sete mergulhos (gratuitos) no rio Jordão. Já prestes a regressar a casa sem experimentar a cura, foi desafiado pelo seu criado:

 

"Meu pai, se o profeta te tivesse mandado fazer uma coisa difícil, não a farias? Quanto mais agora, ao dizer-te: 'Lava-te e ficarás curado'!" (2Rs 5, 13)

 

No dia 27 de outubro, o Papa Francisco deixou esta mensagem no Twitter:

"Pais, sabeis 'perder tempo' com os vossos filhos? É uma das coisas mais importantes que podeis fazer cada dia."

Brincar com os meus filhos, meia hora por dia... Os remédios que o Senhor nos propõe são escandalosamente simples, tão simples, que hesitamos em os experimentar. Mas depois lemos histórias como a de Luís e Zélia Martin, e descobrimos que afinal são os remédios dos santos...

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publicado às 06:00

Família Martin

por Teresa Power, em 20.03.15

- Niall, vem cá depressa ler o mail que recebi da Bruna!

- Da Bruna do Brasil?

- Sim. Ela enviou-me um link com uma grande novidade. Vem ver! Os pais de Santa Teresinha vão ser canonizados durante o Sínodo da Família!

- Uau! que maravilha! O primeiro casal canonizado em conjunto!

- Pois é. Zélia e Luís Martin foram beatificados pelo Papa Bento XVI em outubro de 2008, e agora vão ser canonizados, também em conjunto.

- E são um casal tão perto de nós no tempo! Casaram em em 1858, em França... Foi há cerca de 150 anos atrás! Tu não tens aí um livro sobre eles?

- Tenho. Quer dizer, emprestei-o à Olívia outro dia. Chama-se História de Uma Família. Mas não me faz grande falta, porque o conheço quase de cor!

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 A família de Zélia e Luís tem sido uma inspiração para nós desde o início do nosso casamento e continuou a ser quando as Famílias de Caná nasceram. Vamos assim, com toda a certeza, adotá-los como nossos santos padroeiros, no dia da sua canonização!

Zélia e Luís tinham defeitos e problemas, como toda a gente. Mas acima de tudo, tinham uma fé imensa no amor do Senhor, e uma vontade enorme de serem santos. Eles sabiam que a santidade é obra de Deus nas nossas vidas, e que basta abrirmo-nos à graça, empenhando nesta tarefa toda a nossa vontade, para que Deus no-la ofereça.

Num tempo em que se escreviam muitas cartas, Zélia deixou-nos um enorme tesouro escrito sobre a vida espiritual da sua família. Na sua casa - como na casa das Famílias de Caná - rezava-se o terço e meditava-se na Palavra de Deus todos os dias. Na sua casa - como na casa das Famílias de Caná - havia um lugar de oração, encimado pela imagem de Nossa Senhora das Vitórias, a mesma imagem que um dia sorriu à futura Santa Teresinha, curando-a miraculosamente. Na sua casa - como na casa das Famílias de Caná - contavam-se histórias da Bíblia e histórias das vidas dos santos, visitava-se o Santíssimo nas diversas igrejas da cidade, servia-se o próximo com amor.

Zélia e Luís tiveram nove filhos, mas quatro morreram na primeira infância. Eles conheceram bem a dor! Com uma fé imensa, aceitaram prova após prova, sem nunca se revoltarem, plenamente convencidos do amor absoluto e infinito de Deus por eles. Depois destas quatro mortes, Zélia engravidou novamente. Tinha quarenta anos. Estaria louca? Todos a criticaram... Nove meses depois, nascia Santa Teresinha. Imagino a festa que Deus terá feito a Zélia e a Luís quando eles chegaram ao céu... Imagino Jesus a agradecer-lhes não terem recusado o dom que Santa Teresinha representou para a Igreja!

Quatro mortes, pensamos nós, seriam uma cruz suficiente para qualquer família. Mas não foi: quando Teresinha tinha quatro anos, Zélia faleceu com cancro da mama. Viúvo, Luís mudou-se com a família para Lisieux, onde viviam os cunhados, para que as filhas crescessem na companhia dos tios e das primas. Em Lisieux, as meninas conheceram o Carmelo, onde quatro das cinco irmãs se consagrariam totalmente a Deus.

Zélia e Luís tiveram uma vida difícil. Luís era relojoeiro, Zélia era costureira. E embora Zélia trabalhasse em casa, onde tinha uma pequena oficina com trabalhadoras contratadas por ela, o seu horário de trabalho era longo, prolongando-se por vezes até à meia-noite. Mesmo assim, às cinco da manhã, o casal saía de casa e dirigia-se à igreja mais próxima para participar na Eucaristia.

A sua vida familiar conta com alguns episódios bem divertidos, relatados por Teresinha na sua autobiografia e por Zélia nas suas cartas. Foram uma família alegre, que gostava de festas, de rir, de cantar, de passear no campo e de ir à pesca. As suas portas estavam abertas a todos os mendigos que passavam na rua, e os avós foram acolhidos na casa de Alençon no final das suas vidas, cuidados por Zélia e Luís até partirem para o céu. No jardim havia um baloiço onde as pequeninas brincavam. Teresinha e Celina, como os meus filhos, faziam tisanas de brincar com as ervinhas do jardim, para servir às bonecas e aos papás, e sujavam os vestidos na terra. Uma família feliz!

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A santidade não é privilégio de alguns, mas vocação do ser humano. Disse Jesus:

 

"Sede perfeitos, como o vosso Pai que está nos Céus é perfeito."

(Mt 5, 48)

 

Que Luís e Zélia nos ajudem neste caminho de santidade familiar! Amen.

 

 

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publicado às 06:20

O frio e os nossos (des)confortos

por Teresa Power, em 15.01.15

Este inverno tem sido luminoso, azul, e gelado. Lembra-me os invernos da minha infância, em Castelo Branco, onde eu precisava de mergulhar as mãos em água quente antes de praticar as lições de piano...

Cá em casa está muito frio. Na sala, o lume arde lentamente na lareira, mas os quartos estão gelados. Contudo, ninguém parece importar-se muito: quando os meninos estão a estudar, acendem um pequeno aquecedor a óleo; quando estão a brincar, nem dão pelo frio, porque brincar como eles brincam aquece o corpo e a alma!

Entre uma casa aquecida como as casas "do estrangeiro", e uma casa fria como a da minha infância e a nossa actual, claro que qualquer um escolheria a primeira. Eu sofro bastante com o frio e adoraria poder passear-me de manga curta entre a cozinha e os quartos! Mas fico contente por não poder escolher, pois sei que a falta deste conforto extra me faz melhor ao espírito.  E porquê? Porque como já disse e repeti várias vezes neste blogue, um bocadinho de desconforto, um bocadinho de dificuldade, ajuda-nos a crescer!

 

- Este ano, pela primeira vez em muitos anos, o frio chegou na altura certa - dizia-nos o senhor Manel, dono da mercearia onde compramos fruta e vegetais - e isso significa que a fruta vai ser boa!

 

Santa Teresinha do Menino Jesus confessou, no final da sua vida de 24 anos, que o maior sofrimento físico da vida conventual fora... o frio. Imaginem a França do final do século XIX, um convento antigo, em pedra, uma única lareira no coro, onde as irmãs se reuniam, e depois o frio gelado das celas pobres e despidas, aonde se chegava atravessando os claustros descobertos... Santa Teresinha tinha uma única coberta remendada para se aquecer durante a noite, e nunca ouvira falar em aquecimento central, naturalmente. Confessou que muitas noites não era capaz de dormir, tal o frio que sentia! Hoje, a maior parte dos conventos estão bem aquecidos, mas nem por isso têm mais habitantes.

 

Claro que não vamos ficar nem deixar os nossos filhos ficar acordados de noite com o frio; mas também não precisamos de os tratar - a eles e a nós - como "coitadinhos", incapazes de sofrer algum tipo de desconforto! Façamos deles homens e mulheres fortes nos pequenos detalhes da vida, capazes de aceitar, com um descontraído encolher de ombros, pequenas contrariedades - como por exemplo, e no meu caso, o frio. Porque se o frio e as pequenas dificuldades da vida chegarem na altura certa, os frutos serão certamente muito bons no verão...

 

"Servo bom e fiel, porque foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei." (Mt 25, 21)

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publicado às 06:32

Um artista, um pincel e uma tela

por Teresa Power, em 19.12.14

No santuário do Loreto na Moita, aqui bem perto de nós, que visitámos no domingo, está uma pintura magnífica da Virgem da Visitação - Nossa Senhora grávida, descendo à pressa as escadas de sua casa para partir ao encontro da sua prima Isabel, como nos diz a Bíblia:

 

"Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho e foi apressadamente às montanhas para uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel." (Lc 1, 39-40)

 

Este quadro foi encomendado pelo pároco, o padre Vitor Espadilha, a uma pintora local, Natália Reis. Durante a pintura, as sombras sob os pés da Virgem não estavam a ficar como a pintora desejava, e por cinco vezes, ela procurou modificar a pintura, em vão. Por fim, desolada, desistiu. Foi então que olhou mais atentamente para a mancha escura que o seu pincel criara e que ela tentara eliminar:

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Sim, é um esboço do perfil de Jesus, coroado de espinhos! Que presente magnífico o Senhor nos fez, através de um pincel singelo nas mãos de uma pintora!

Na verdade, o Cristo que Maria levava dentro de si, cheia de alegria, é o mesmo Cristo que Ela aprenderá também a oferecer ao mundo, trinta e três anos mais tarde, numa dor imensa... Os passos apressados e alegres de Maria, descendo as escadarias de Nazaré, já nos falam de outros passos, passos mais lentos, mais dolorosos, mas igualmente alegres, de Jesus subindo as escadarias de Jerusalém... A salvação que Jesus nos oferecerá na cruz, coroado de espinhos e sangrando, já está operante no seio da Virgem da Visitação.

 

Enquanto contemplava aquele magnífico quadro, veio-me ao pensamento um texto de Santa Teresinha, que conheço de cor desde pequena e que me tem servido de inspiração ao longo da vida:

"Se a tela pintada por um artista pudesse pensar e falar, certamente não se queixaria por ser retocada sempre por um pincel e não teria inveja da sorte desse instrumento, pois saberia que não é ao pincel, mas ao pintor que o dirige, que ela deve a beleza que a cobre. Por seu lado, o pincel não poderia glorificar-se com a obra-prima feita por ele, sabe que os artistas não se apertam, que zombam das dificuldades, que gostam, às vezes, de usar instrumentos vis e defeituosos... Madre querida, sou um pincelzinho que Jesus escolheu para pintar sua imagem nas almas que me confiastes." História de Uma Alma - Manuscrito C

Sejamos dóceis pincéis, completamente abandonados à vontade de Deus! Deixemos que Ele Se sirva do nada que somos para pintar o seu rosto no mundo que nos rodeia... Ámen!

 

 

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publicado às 06:24

Vovó Mamã

por Teresa Power, em 21.11.14

Numa destas tardes de domingo fomos a Aveiro visitar a minha avó, a quem os meus filhos chamam carinhosamente "Vovó Mamã", talvez por ela ser a mamã da sua vovó. A minha avó, mulher forte, generosa, atenta aos outros, a quem eu devo tanto desde menina e até bem depois de casar, está ainda na sua casa, mas já não pode estar sozinha, visto não conseguir deslocar-se e sofrer de uma grave demência. Assim, a minha mãe passa quase todo o seu tempo com ela, tendo ainda a ajuda de funcionárias dedicadas e trabalhadoras.

A Palavra de Deus é muito clara:

 

"Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes durante a sua vida; mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na plenitude das tuas forças. A caridade que exerceres com o teu pai não será esquecida, e ser-te-á considerada, em reparação de teus pecados." (Sir 3, 12-14)

 

Que palavra tão bonita! Deus está disposto a esquecer os nossos pecados por um acto de amor para com os nossos pais, algo que devia ser tão natural em nós...

Cuidar do pai e da mãe idosos aprende-se em família. Eu estou acostumada a ver a minha mãe cuidando incansavelmente da minha avó. E embora a minha avó nunca deixe de dizer "obrigada" e "por favor", já não reconhece a filha. Não é fácil acompanhar os seus delírios, ajudá-la a fazer a sua higiene quando ela quase não se mexe, partilhar o seu sofrimento todos os dias. Mas a minha mãe fá-lo de todo o coração. Terei eu, um dia, esta capacidade de entrega e esquecimento de mim mesma?

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Recordo aqui um texto de Santa Teresinha, que sempre me comoveu, em que ela relata a forma como cuidava de uma irmã muito idosa do convento:

"Custava-me muito oferecer-me para acompanhar a Irmã S. Pedro ao refeitório, porque sabia que não era fácil contentar a pobrezinha, que sofria tanto e que não gostava de mudar de acompanhante. Contudo, eu não queria deixar de aproveitar uma tão bela ocasião para praticar a caridade. Todas as tardes, quando via a Irmã S. Pedro sacudir a ampulheta, sabia que isso queria dizer: "Vamos!" É incrível como me custava sair, mas fazia-o imediatamente. Depois começava todo um cerimonial. Era preciso retirar e levar o banco de um modo especial, e sobretudo, não se apressar; a seguir, iniciava-se o passeio. Se ela dava um passo em falso, logo lhe parecia que eu a segurava mal; se procurava andar ainda mais devagarinho - "Logo vi que era nova demais para me acompanhar!" Quando chegávamos ao refeitório, era preciso arregaçar-lhe as mangas de um modo também especial...

Uma noite de inverno, em que cumpria, como de costume, o meu pequeno ofício, ouvi ao longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei um salão bem iluminado, todo resplandecente de dourados, de donzelas elegantemente vestidas. A seguir, o meu olhar pousou na pobre doente que amparava; em vez de uma melodia, ouvia de vez em quando os seus gemidos queixosos; em vez de dourados, via os tijolos do nosso claustro austero, mal iluminado. Não consigo exprimir o que se passou na minha alma, o que sei é que o Senhor a iluminou com os reflexos da verdade, que ultrapassavam de tal maneira o brilho tenebroso das festas da terra, que não podia acreditar na minha felicidade! Ah, para gozar mil anos de festas mundanas, não teria dado os dez minutos gastos no cumprimento do meu humilde ofício de caridade!" (História de Uma Alma, Manuscrito C)

 

Que o Senhor nos ensine, como a Santa Teresinha, a escolher o mais importante, e a perceber que a felicidade do Céu vale bem um pequeno ou um grande esforço de caridade na Terra. Ámen!

 

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publicado às 06:56

Achas na fogueira

por Teresa Power, em 06.11.14

Todos os outonos, o dia da chegada da camioneta com lenha é uma verdadeira alegria! Este ano não foi excepção, e à volta da lenha, as crianças brincaram e saltaram a tarde inteira.

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Depois, naturalmente, o trabalho maior sobrou para o pai e para o Francisco, que com rapidez e eficiência empilharam toda a lenha, por detrás das bicicletas, skates, trotinetas e patins:

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 Ontem à tarde, pela primeira vez este ano, acendemos a lareira. Que bem que soube!

 

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Enquanto contemplava o lume a crepitar, lembrei-me do Evangelho:

 

"Vim lançar o fogo à Terra, e que quero Eu senão que ele se ateie?" (Lc 12, 49)

 

Para o lume se atear, foram precisos várias pinhas e vários fósforos. Mas depois de ateado, bastava ir lançando pequenas achas de vez em quando... Recordei-me então das sábias palavras de Santa Teresinha:

 

"Eu sei que é preciso alimentar o fogo do amor. A lenha não se encontra ao nosso alcance quando estamos nas trevas, mas não estaremos ao menos obrigadas a lançar nele algumas palhinhas? Tenho experimentado, quando nada sinto e estou incapaz de orar e de praticar a virtude, que é então o momento de procurar pequenas ocasiões, uns nadas, que dão mais alegria a Jesus que todo o império do mundo, ou até o martírio sofrido generosamente. Por exemplo, um sorriso, uma palavra amável, quando tinha vontade de não dizer nada, de me mostrar aborrecida, etc. Assim entretenho o fogo de amor que me parece extinto, e basta lançar nele qualquer coisa, porque Jesus bem sabe reacendê-lo." (Carta a Celina, 18 de julho de 1893)

 

O fogo de Deus já foi ateado em nós pelo batismo. Mas não basta ateá-lo: é preciso "lançar achas na fogueira" continuamente, para que não se apague!

 

É tão mais fácil "lançar achas à fogueira" de uma discussão, de um mal-dizer... Quantas "achas" sou eu capaz de lançar! Santa Teresinha recorda-nos que é preciso "lançar achas", sim, mas na fogueira do amor! É preciso "morder a língua" muitas e muitas vezes, sorrir contra vontade, calar um berro, levantar do sofá para ir buscar um copo de água ao marido ou à mulher, deixar que o irmão fique com o iogurte de morango e contentar-se com o de ananás, sorrir em vez de chorar diante do brinquedo partido...

Vamos pôr mãos à obra, e não desperdiçar a mais pequenina oportunidade!

 

 

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publicado às 06:50

O lixo e o amor

por Teresa Power, em 16.10.14

Numa casa cheia de filhos, o chão está sempre cheio de lixo. Assim, uma das actividades que mais tempo me consome é o acto de me debruçar, apanhar algo do chão, voltar a endireitar-me, enfiar esse algo no bolso e fazer mentalmente um apontamento sobre o local exacto onde esse algo pertence, que tanto pode ser o cesto da roupa suja, como a caixa dos legos, a caixa de costura, a gaveta dos lápis de cor, a gaveta das roupas das bonecas, a biblioteca, o saco dos brinquedos, ou simplesmente - e maioritariamente - o lixo.

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Um destes dias, a minha mãe veio cá e, com frio, vestiu o meu casaco de fato de treino, que costumo usar quando estou por casa. De repente, os meus filhos viram-na levar as mãos aos bolsos e tirar de lá botões, pedaços de papel, aparas de lápis, umas cuecas de nenuco e mais alguns objectos não identificados. Mais tarde, ri-me com ela: sim, o meu casaco funciona frequentemente como um caixote de lixo! Lembrei-me então de um pensamento de Santa Teresinha:

 

"Tudo é tão grande em religião... apanhar um alfinete por amor pode converter uma alma. Que mistério!... Só Jesus pode dar um tal valor às nossas acções." (Carta 164, à sua irmã Leónia)

 

Na verdade, já S. Paulo o dissera:

 

"Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus." (1Cor 10, 31)

 

Eu apanho todos os dias bem mais do que um alfinete do chão. A questão é: será que o faço por amor? Estou consciente de que o meu mais pequeno gesto pode ser oferecido a Jesus pela conversão do mundo? Ou faço-o com indiferença, com irritação, porque tem de ser?

Como Santa Teresinha, também eu não tenho grandes oportunidades de mostrar a Jesus o meu amor (a triste "moda" de matar cristãos ainda não chegou a Portugal), pelo que me restam as pequenas oportunidades... Não as quero desperdiçar!

Hoje, quando me debruçar pela milésima vez para apanhar lixo do chão, vou dizer no meu coração: "Jesus, aceita este gesto pequenino pela felicidade de quem Tu quiseres." Ámen!

 

 

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publicado às 06:56

História de uma Alma

por Teresa Power, em 01.10.14

Hoje é dia de Santa Teresinha do Menino Jesus, a minha padroeira. O Canto de Oração está mais florido, com as "rosas de Santa Teresinha", que crescem no nosso jardim em sua honra e estão sempre cobertas de flores nesta altura!

Conheci santa Teresinha com dez anos, através do livro Amor sem Fronteiras, de Januário dos Santos, e desde então a nossa amizade não parou de crescer. Um pouco mais tarde li pela primeira vez a História de Uma Alma, que depois reli vezes sem conta, e continuo a reler. Sorri quando o Papa Francisco, na viagem ao Rio de Janeiro, disse diante das câmaras que levava entre os seus objectos pessoais também um livro sobre Santa Teresinha. Quem não ama esta santa tão jovem, tão pura, tão bela e tão grande?

Mas não foi "apenas" a história de Santa Teresinha que conquistou o meu coração; foi também, e muito especialmente, a história dos seus pais e da sua família. Ainda antes de casar, comprei o livro História de Uma Família, sobre a família de Santa Teresinha, e tenho-o todo sublinhado e anotado, como se faz com um livro de estudo. A grande preocupação destes pais era a santidade dos seus filhos e um do outro. Nada no seu dia, nas suas decisões, nas suas escolhas - desde a escola das meninas à casa onde viver - foi deixado ao acaso! Zélia e Luís Guérin procuravam em tudo, mesmo tudo, a santificação da sua família. Sofreram muito, pois viram morrer quatro filhos, Zélia morreu de cancro da mama aos quarenta e cinco anos, e Luís sofreu de grave demência no final da sua vida. Mas nada os separou do amor de Deus. A esta família santa aplicam-se com justiça as palavras de Jesus:

 

"Todo aquele que escuta as minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; mas não caiu, porque estava fundada sobre a rocha." (Mt 7, 24-25)

 

Santa Teresinha aprendeu pois a ser santa ao colo do pai e da mãe, que entretanto foram beatificados por Bento XVI a 19 de outubro de 2008. As relíquias deste casal de santos serão expostas à veneração dos fiéis durante o sínodo da família, como forte sinal de que as famílias cristãs são chamadas à santidade. Já é tempo de colocar sobre o candelabro a vida de santidade das famílias verdadeiramente cristãs, para poderem iluminar as nossas dificuldades na educação dos nossos filhos, as nossas escolhas diárias, as nossas lutas e as nossas vitórias.

O sínodo irá trazer-nos algumas respostas pastorais sobre vários assuntos relacionados com as famílias modernas, segundo espero; mas eu desejo que, acima de tudo, nos aponte caminhos de santidade, nunca baixando a fasquia que nos faz pular alto e alcançar a verdadeira felicidade do Céu!

 

 

 

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publicado às 06:46

A história do passarinho e a assunção de Nossa Senhora

por Teresa Power, em 15.08.14

"O passarinho quereria voar para o Sol brilhante que lhe fascina o olhar. Pobre dele! tudo quanto pode fazer é agitar as suas pequenas asas; mas levantar voo, isso não está no seu pequeno poder! Que será dele? Morrerá de desgosto, ao ver-se impotente?... Oh, não! o passarinho nem sequer se vai afligir. Com um audacioso abandono, quer ficar a fixar o seu divino Sol. Nada seria capaz de o assustar, nem o vento nem a chuva; e se nuvens sombrias chegam a esconder o Astro do Amor, o passarinho não muda de lugar, pois sabe que para além das nuvens o seu Sol brilha sempre, e que o seu brilho não se poderia eclipsar nem por um instante sequer.
É verdade que às vezes  o coração do passarinho se vê acometido pela tempestade; parece-lhe não acreditar que existe outra coisa, a não ser as nuvens que o envolvem. É então o momento da alegria perfeita para a pobre e débil criaturinha. Que felicidade para ela, permanecer ali, apesar de tudo, e fixar a luz invisível que se esconde à sua fé!..." (História de uma Alma, Ms B 5rº-vº)

 

A História de uma Alma, a autobiografia de Santa Teresinha, acompanhou-me durante toda a minha adolescência e idade adulta, e continua a inspirar a minha oração. A pequena história do passarinho, que permanece fiel mesmo quando não consegue ver o sol, sempre me fascinou. Quantas vezes me sinto como este passarinho e me pergunto: "E se não existir mesmo mais nada depois desta vida?" Mais frequentemente, a dúvida é esta: "E se Deus não cuidar mesmo de mim com amor absoluto? E se eu estiver mesmo sozinha nas dificuldades da vida? E se em vez de Providência, só existir o acaso?"

Santa Teresinha também teve estes ataques à sua fé.  Então recorro à história do passarinho, e lembro-me de que o sol brilha sempre, quer eu o veja, quer não. As nuvens escuras que tapam o sol não o fazem desaparecer, e não é porque eu não o vejo que ele deixa de brilhar. Assim também com o Senhor e o seu amor infinito e absoluto por mim... Nossa Senhora experimentou a tempestade mais dura de todas - a morte violenta de um filho - sempre de pé... As palavras de Teresinha parecem escritas para a Mãe do Céu: "Que felicidade para ela, permanecer ali, apesar de tudo, e fixar a luz invisível que se esconde à sua fé!"

 

Querem saber porque me lembrei hoje da história do passarinho? Bem, no avião, no voo de regresso, contemplei esta paisagem:

 

O sol da manhã brilhava no céu, iluminando todo o espaço e reflectindo os seus raios quentes nas nuvens alvíssimas. Mas quando passámos através das nuvens, perto da aterragem, a terra estava escura e triste... Os mais pequeninos não cabiam em si de espanto! 

 

"Se o teu coração te acusar, não desanimes, pois Deus é maior do que o teu coração." (1Jo 3, 20)

 

A solenidade da Assunção de Nossa Senhora diz-nos que sim, que para lá de todas nuvens, o sol brilha sem cessar. O seu "voo já alcançou a luz sem ocaso. O nosso também a alcançará...

 

(A terna Mãe de Caná, feita em feltro pela Clarinha)

 

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publicado às 06:35

Presentes pouco agradáveis

por Teresa Power, em 23.02.14

Falei ontem nos presentes de Deus... Nem a propósito: gritando de entusiasmo, o António entrou hoje na cozinha a correr:

- Mamã, olha uma prenda para ti!

Deixei o que estava a fazer e abri a caixinha que ele me oferecia. Depois contive um pequeno grito: lá dentro, uma minhoca retorcia-se desajeitadamente.

 

Estou acostumada aos presentes magníficos que todos os meus filhos gostam de me dar quando têm entre três e seis anos. E já aprendi a reagir com um apropriado "Uau!" a todos eles, sejam desenhos, flores murchas, pedaços de terra, cacos de objectos, pedras brilhantes, pedras escuras, pedras sujas, e naturalmente, minhocas. Sei que a oferta vem revestida de amor, e portanto, nada mais me importa.

 

Mas quando é Deus o ofertante, tenho muita dificuldade em Lhe oferecer o dito "Uau!" É fácil reagir com alegria aos seus presentes mais agradáveis, como uma palavra simpática de um desconhecido, o sorriso de um aluno, o telefonema de um amigo, um dia de sol, o ordenado ao fim do mês, a cura de uma constipação, o beijo de um filho. Mas não é nada fácil reagir com o mesmo entusiasmo quando o presente é... um dia de chuva, uma doença, a falta de dinheiro para chegar ao fim do mês, uma turma barulhenta, um filho birrento.

E no entanto, o ofertante é o mesmo, e o amor com que o faz é infinito!

Não é Deus quem nos envia os males, claro; mas se os permite, é porque eles nos trazem algo de muito, muito melhor. Diz S. Paulo:

 

"Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a a Deus!" (Rm 8, 28)

 

Santa Teresinha registou um episódio maravilhoso de aceitação destes "presentes" pouco agradáveis do Senhor:

 

"Estava a lavar a roupa em frente de uma irmã que me deitava água suja para o rosto cada vez que erguia os lenços no lavadouro; o meu primeiro movimento foi recuar, limpando o rosto, para mostrar à irmã que me aspergia que me faria um grande favor se estivesse quieta, mas logo pensei que era bem tola ao recusar tesouros que me eram dados tão generosamente, e tive todo o cuidado em não deixar transparecer o meu combate. Fiz todo o esforço por desejar receber muita água suja, a tal ponto que no fim tinha verdadeiramente tomado o gosto a este novo género de aspersão, e prometi a mim mesma voltar outra vez a este feliz lugar onde se recebiam tantos tesouros." (História de Uma Alma, Manuscrito C)

 

Aprender a receber tudo das mãos de Deus, os bens e os males, e por tudo Lhe agradecer... Eis o segredo da felicidade!

 

 

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publicado às 09:17



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