Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
No início do Advento, um grupo de pessoas amigas, empenhadas na sua paróquia, pediram-nos emprestado o "Sagrado Coração de Jesus" que costumamos colocar à porta de casa, por alturas do mês de junho, mês do Sagrado Coração. Queriam fazer uma representação de Natal para as crianças do seu movimento e este Coração ficava muito bonito na peça que iam construir. Emprestei com todo o carinho, claro.
Quando, dias mais tarde, mo devolveram, o Coração vinha diferente. Olhei-o com atenção:
- Tiraram as chamas?
- Chamas?
- Sim, as chamas do Sagrado Coração...
As minhas queridas amigas entreolharam-se, preocupadas. Naturalmente não se tinham apercebido que as flores amarelas representavam as chamas do Coração de Jesus, um Coração ardente de amor. Ri-me, para as descontrair, pois sabia que tinham as melhores intenções do mundo. A nossa arte não é muita, e as flores amarelas pareciam tudo menos chamas! Recuperei as flores e guardei-as num saquinho, para mais tarde reconstruir o Coração.
Mas depois reparei noutro pormenor:
- O Coração de Jesus tinha espinhos... Também tiraram os espinhos?
- Tirámos - Assentiram - Não fazia muito sentido por se tratar de uma representação do Natal. Deitámos os espinhos fora... Desculpa!
Quando cheguei a casa, entreguei o Coração de Jesus ao Francisco e à Clarinha:
- Meninos, toca a refazer o Coração! É preciso voltar a colocar as flores amarelas no sítio e procurar novos espinhos!
Eles resmungaram:
- Ora bolas! Os espinhos custam tanto a colocar! Picamo-nos todos!
Ri-me para comigo. Ainda bem que os espinhos custam a colocar! Se não custassem, não seriam espinhos... Agradeci interiormente aos meus amigos por nos permitirem meditar de novo no mistério imenso do Sagrado Coração de Jesus, por nos permitirem picarmo-nos novamente em cada um dos seus espinhos.
O Coração misericordioso de Jesus é um Coração atravessado de espinhos dolorosos. A misericórdia divina significa que a minha miséria toca o Coração de Deus, ao ponto de o despedaçar. Amor rima sempre, sempre com dor...
Mesmo no Natal? Os meus amigos, que transbordam de amor por Jesus e só Lhe querem agradar, estavam empenhados em não permitir que, pelo menos no Natal, o Coração de Jesus fosse dilacerado pelos espinhos.
Mesmo no Natal. No dia seguinte ao Natal, a Igreja celebra o martírio de S. Estêvão, apedrejado até à morte. Que horror! E dois dias depois, o martírio dos bebés de Belém, mortos por Herodes. Quanto sangue derramado nas ruas de Belém, apenas alguns dias depois do nascimento do Salvador! Ler e meditar nas leituras da missa do dia, no tempo de Natal, não é uma experiência muito... "natalícia"! Mártires, perigos de toda a espécie, a fuga para o Egito durante a noite, a perseguição...
Domingo à noite, ao regressar do grupo de oração com a Clarinha e o Francisco, encontrei o Niall sentado diante do televisor. As notícias mostravam uma criança de dois anos morta por afogamento, ainda com o corpinho dentro de água, numa praia na Grécia. Foi o primeiro náufrago de 2016. Vinha numa embarcação pequenina, fugindo à guerra em busca de um pouco de bem-estar. Que imagem chocante! Por que não nos deixam celebrar o Natal em paz?! Hoje, como há dois mil e quinze anos atrás, o Natal continua a ser tempo de contradição. Assim o predisse S. Simeão a Nossa Senhora, na Apresentação no Templo:
"Este Menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição. Uma espada trespassará a tua alma." (Lc 2, 34-35)
Escreveu o Cardeal Kasper no livro que inspirou o Papa Francisco, Misericórdia: "Esta não é a linguagem das sagas nem dos mitos: no início, o estábulo; no final, o cadafalso... Mas é precisamente por causa desta tenção e deste contraste entre o cântico celestial dos anjos e a brutal realidade histórica que todo o relato da Natividade irradia uma magia específica."
Natal é tempo de amor. Misteriosamente, este amor cresce no meio da dor, como as rosas no meio dos espinhos. O mundo está cheio de sofrimento, e a nossa vida também. Mas por uma razão que não conseguimos entender, é neste terreno regado com lágrimas que brotam as sementes da esperança. Sem sabermos como nem porquê, de Natal em Natal o Reino continua a crescer...
Esta manhã, a mãe-galinha estava a passear sozinha no jardim. Saíra do galinheiro e entretinha-se a comer as couves da horta. Mas onde estariam os seus pintaínhos? Eles costumam andar sempre atrás da mãe, para se esconderem sob as suas asas à mais leve ameaça... Soubemos instantaneamente que só podiam estar mortos. Em silêncio, entrámos no galinheiro, levantámos a casota... Lá estavam os dois pintaínhos, caídos na lama, mortos. Imaginámos a cena da tarde do dia anterior, os pintaínhos a escorregar na lama por causa do temporal, a galinha a tentar retirá-los de baixo da sua casota, em vão... Tinham certamente morrido de frio, longe do alcance das asas de sua mãe.
Para alegrar um pouco a mãe-galinha sem filhotes, deixámo-la passear no nosso jardim com as suas amigas:
Um pouco triste, decidi abrir o meu missal nas leituras do dia. E foi quando percebi que a Igreja celebra hoje os Santos Inocentes, ou seja, os bebés de Belém, que o rei Herodes mandou matar indiscriminadamente, com a intenção de matar também Jesus.
O Natal não é um conto de fadas ou uma historieta para crianças. O nascimento de Jesus esteve sempre rodeado de morte. A gruta onde Jesus nasceu não foi muito diferente da gruta onde depositaram o seu corpo morto, trinta anos mais tarde. O trajecto até Belém, o parto fora de portas, a fuga de Herodes deixaram no Natal um traço de sangue e de morte. Jesus incarnou na nossa vida real, concreta, de todos os dias. Jesus veio habitar todos os nossos abismos, conhecer todas as nossas dores. Assim, três dias depois do Natal, celebramos a morte dos bebés de Belém, que sem o saberem, deram a vida por Jesus.
A morte prematura dos meus pintaínhos e as leituras da missa de hoje deixaram-me a pensar no valor da vida...
A vida é frágil, frágil, frágil. Num momento estamos vivos, no momento seguinte podemos não estar. Nesta quadra de Natal, os noticiários já nos deram a conhecer tantas mortes acidentais de jovens e até de famílias completas! Se viemos no bico das cegonhas, então o pacote que nos embrulhava trazia o letreiro "Frágil" em letras bem marcadas. Diz o salmista:
"O homem não é mais do que um sopro!
Ele passa como simples sombra!" (Sl 39/38)
A vida é dom. Ninguém pede para nascer, todos recebemos a vida de outrém, e acima de tudo, de Deus:
"Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só dia à duração da sua vida?" (Mt 6, 27)
A vida é preciosa, a vida é um verdadeiro milagre. Se um pintaínho escondido nas asas da mãe é uma visão de ternura, quanto mais uma criança o é! Assim, a vida de cada ser humano é intocável, desde o ventre materno, e está nas mãos de Deus. Diz Jesus:
"Não vos preocupeis! Valeis muito mais do que os pássaros." (Mt 6, 26)
Talvez o amanhã nunca chegue. Só tenho o dia de hoje para viver, para disfrutar da companhia do meu marido e dos meus filhos, para os ajudar a crescer, para os ensinar a amar. Por isso, vou deixar a roupa por passar, vou deixar a casa por limpar, vou desligar este computador, e vou até ao parque brincar com a minha família!