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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
- Eu também vou à catequese - Afirmou a Sara, muito séria, quando viu a Lúcia, o António e a Clarinha a trocarem de roupa e a lavarem a cara.
- Não, Sara, tu não vais porque só tens três anos - Explicavam-lhe os irmãos.
- Vou sim!
- Não vais.
- Vou, vou ficar na sala da Lúcia porque lá vêem filmes de Jesus e cantam canções e fazem desenhos e contam histórias.
- Mas a Lúcia está no segundo ano, e tu ainda nem entraste na escola. Não vais à catequese.
- VOU SIM! EU VOU À CATEQUESE!
E as palavras decididas transformaram-se em gritos histéricos, bater de pé no chão e uma cascata de lágrimas.
- Deixa-a ir, Niall - Intercedi eu, por fim.
Mas o Niall não se queria deixar convencer:
- Tu não achas que o João e a Isabel já têm que fazer, com vinte meninos da idade da Lúcia? Como podemos pedir-lhes que cuidem também da Sara?
Chegou a hora de entrar no carro, e a Sara entrou também. O Niall ficou desarmado.
- Pronto, anda lá!
Ao chegar ao Santuário, a Sara correu para junto da Isabel e do João, catequistas da Lúcia, que a acolheram com imensa alegria e o carinho habitual. Mais tarde, a Isabel enviou-me estas duas fotos, tiradas com o seu telemóvel:
- A Sara é a nossa catequisanda mais empenhada - Comentaram os catequistas no final, a rir. E tem convite feito para ir sempre que quiser!
Entretanto, o António e o David tiveram uma conversa séria entre os dois, que resultou nesta afirmação do António:
- Mamã, amanhã vou ser acólito.
- Ai sim? Não és ainda pequenino para tanta concentração?
- Não. Não sabes que já tenho seis anos?
Perante tanta convicção, não nos restou alternativa senão apoiar o nosso filho nesta sua grande decisão. Lindo, sereno, muito sério, muito compenetrado, o António serviu o altar do Senhor com imenso entusiasmo. No final da eucaristia, teve direito a uma salva de palmas...
Os filhos crescem, e como Jesus, crescem em todas as áreas da sua humanidade:
"Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens." (Lc 2, 52)
É um privilégio tão grande, este que o Senhor nos concede de os podermos acompanhar!
Também o nosso primogénito cresceu. Sexta-feira participará na missa dos finalistas do Colégio Nossa Senhora da Assunção, Colégio a que tanto, tanto deve, e que embora não tenha podido frequentar este ano letivo, o continua a considerar como aluno.
Será também no Colégio que, no próximo domingo às três da tarde, o Francisco fará um espetáculo de Ilusionismo. Querem vir? Temos bilhetes para vender, e só precisam de me escrever para o mail. O espetáculo foi a forma que o Francisco encontrou de reunir algum dinheiro para, no final de Julho, ir a Cracóvia, às Jornadas Mundiais da Juventude, inserido num grupo de jovens salesianos. Que grande graça! O Francisco terá oportunidade de ver o Papa, de conviver com milhões de outros jovens crentes, de escutar catequeses fantásticas, de participar em atividades divertidas e sérias, de visitar o Santuário da Misericórdia, de me trazer uma imagem de Jesus Misericordioso :)
Apareçam no domingo!
E hoje, Dia mundial da Criança, rezemos ao Senhor por todas as crianças do mundo, para que todas cresçam bem pertinho da Casa de Deus! Ámen.
- Sara, quantas vezes te disse que não se pode escrever na parede? E tu sempre a escrever! Ainda ontem limpei tudo, com tanto trabalho, e agora chego aqui e tenho a parede toda riscada!
A Sara não parece muito importada com a minha conversa. Aliás, fica até bastante ofendida, e reage de imediato:
- Já não te convido para a minha festa de anos!
Abafo uma gargalhada, mas decido entrar no jogo:
- Oh, Sara, que pena! E a tua festa de anos é em setembro, deixa lá ver, daqui a oito meses... Tens a certeza de que não me vais convidar?
- Não vou! - Continua ela, de mãos na cintura e a fazer beicinho.
- Bem, e se eu te preparar a festinha? Por exemplo, eu podia fazer o lanche, escrever os convites, pôr a mesa para os meninos, e até, imagina, arrumar tudo no fim...
Mas a decisão está tomada:
- Não convido!
Já não consigo evitar a gargalhada:
- Ainda tens tempo para mudar de ideias. E agora desaparece daqui, que tenho uma parede inteira para limpar!
A Sara vai então pregar para outra freguesia (e muito provavelmente pintar outras paredes):
Durante todo o dia diverti-me com esta ameaça da minha filha mais nova, tão segura do alto dos seus três anos. Mas à noite, já deitada, enquanto fazia o meu exame de consciência, assaltou-me um terrível pensamento: e se Deus não nos perdoasse os nossos pecados? E se, de cada vez que eu pecasse, eu fosse imediata e definitivamente excluída da festa eterna, essa festa em que espero viver daqui a muitos, muitos anos? E se de nada valesse oferecer-me para, ao menos, limpar os vestígios da festa, porque o meu pecado era imperdoável? Um pensamento destes é mais assustador que o pior dos pesadelos...
Será que já nos demos conta do que significa sermos perdoados? Num único instante, Deus apaga por completo o mal que fizémos e derruba o muro que construímos à nossa frente, abrindo-nos de par em par a Porta Santa da eternidade. E faz isto à custa do Sangue precioso de Jesus! Talvez estejamos tão habituados à ideia de que Deus perdoa, que nos esquecemos da imensa graça que significa essa simples afirmação. Diz S. Pedro:
"Fostes resgatados da vossa vã maneira de viver herdada dos vossos pais, não a preço de bens corruptíveis, como prata e ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo, qual cordeiro sem defeito nem mancha." (1Pe 1, 18-19)
O Cardeal Kasper explica o que significa "graça barata", essa falta de gratidão e de gestos correspondentes a que todos nós estamos sujeitos, se não meditarmos o suficiente neste mistério do perdão que Deus nos obteve na cruz:
"A palavra misericórdia pode ser mal entendida quando a misericórdia se confunde com uma débil indulgência e uma atitude de laissez faire. Surge então o perigo de fazer da graça divina - "comprada" e "merecida" por Deus na cruz a troco do seu próprio sangue - uma graça barata (...), isto é, o anúncio do perdão sem penitência, do batismo sem disciplina comunitária, da Ceia sem reconhecimento dos pecados, da absolvição sem confissão pessoal." (in: Misericórdia, Walter Kasper)
Que esta quaresma nos encha de gratidão perante o dom maravilhoso que o Senhor nos faz em cada dia, ao perdoar o nosso pecado, abrindo com o seu Sangue a Porta Santa que nos lança na festa eterna do céu! E que nenhuma penitência, nenhuma obra de misericórdia, nenhum sacrifício nos pareça excessivo perante este dom que supera todos os dons - este per dom, este perdão. Ámen!
Quatro meninos vestidos a preceito, sexta-feira de manhã, a caminho da escola:
- Eu sou a Heidi - Afirma a Sara, feliz.
- Não, Sara, a tua professora disse que os meninos da escolinha iam vestidos com roupa tradicional portuguesa, por isso tu és uma... bem, uma espécie de varina, misturada com minhota, com um estilo saloio de trazer por casa. Entendeste?
- Sim - Anui a Sara, muito séria - Sou a Heidi...
- OK, se calhar tens razão, com esse chapéu de palha amarrotado, o xaile barato e a saia costurada pela Clarinha com todo o amor do mundo... Sim, acho que és a Heidi!
Deus ama tanto a brincadeira, que criou algumas criaturas só para com elas brincar:
"No mar passeiam os navios e ainda o Leviatã, monstro que Tu criaste, para ali brincar!" (Sl 104, 26)
Há alguns dias do ano que foram feitos para... brincar! E às vezes os adultos complicam tanto com uma seriedade desproporcionada na escolha da roupa mais perfeita, mais cara e mais elegante, que roubam às crianças o prazer simples da fantasia infantil... Quanta vaidade paternal a estragar a festa dos pequeninos! Penso na Heidi, a menina dessa belíssima história de Joana Spyri, que longe das montanhas, guardava no fundo do baú o seu chapéu amarrotado e o seu vestido vermelho, juntamente com a sua infância feliz. É tão bom ser criança...
PS - Despachem-se a inscrever-se no Retiro Famílias de Caná, em Coimbra, já no dia 14! Não tenham receio, que apesar de ser um "retiro", tem muita brincadeira à mistura!
A Sara olhou para mim com um sorriso triunfante.
- Está lindo, mãe? Olha!
Olhei. Querem ver também?
- Está lindo, Sara! - Respondi. E com uma série de exclamações, elogiei dignamente os rabiscos que me eram assim apresentados. Feliz, a Sara estendeu-me o desenho:
- Toma, é para ti!
Enquanto o colava na parede da cozinha, onde ficou a fazer companhia a quinhentos outros desenhos de várias épocas e de vários filhos, eu pensava...
Que "desenhos" ofereço eu a Deus? Certamente a minha vida não tem a qualidade artística dos santos... Talvez os meus desenhos não passem de rabiscos na folha branca que o Senhor me oferece em cada manhã, para eu encher de cor e de beleza. Que importa? Se eu sou capaz de sorrir perante os rabiscos da minha filha, não será o Senhor capaz de sorrir perante os meus rabiscos infantis? Certamente que lhe agradarão as minhas vãs tentativas de perfeição se, como a Sara, eu lhas oferecer com muito amor. Dizia a Madre Teresa de Calcutá: "Nós não fazemos grandes coisas: fazemos pequenas coisas com um grande amor." E S. Paulo explicava:
"Ainda que eu fale a lingua dos homens e dos anjos,
se não tiver amor,
sou como um címbalo que soa...
Ainda que eu tenha fé capaz de transportar montanhas,
se não tiver amor,
de nada me vale..." (1Cor 13)
Senhor, esta manhã quero agradecer-te pela folha em branco que me ofereces, pelas cores e pelas ideias que colocas à minha disposição, pelo tempo que me dás para eu fazer o meu desenho. Senhor, aceita os meus rabiscos, porque apesar de muito fracos, são feitos com um grande amor... Ámen!
A Sara fez ontem três anos, e a nossa casa está em festa!
Meu Deus, já foi há três anos atrás que ela nasceu... A minha prenda dos quarenta anos! Como cresceu depressa, enchendo a nossa casa de alegria e gargalhadas! Ontem, no fim da missa, teve direito à canção dos parabéns - e o David, claro, também!
Antes da Sara existir dentro de mim, a nossa vida familiar tinha atingindo um equilíbrio (quase) perfeito. Com cinco filhos, conseguíamos viajar todos no mesmo carro de sete lugares e chegávamos ao fim do mês sem dinheiro, mas também sem dívidas. Além do mais, tínhamos recuperado a tranquilidade do nosso quarto de casal, pois o António acabara de se mudar para o quarto dos rapazes. E que bem que sabia poder voltar a ler na cama sem medo de incomodar um bebé!
Tanta tranquilidade (relativa, claro, porque cinco filhos... não deixam de ser cinco filhos!) deixou-nos incomodados. O Niall e eu sabíamos que eramos capazes de dar um bocadinho mais ao Senhor. Não estaria Ele a bater à nossa porta, esperando de nós um sim alegre?
Foi por isso que nos abrimos conscientemente (embora nunca tivessemos estado fechados) a uma nova vida. E a recompensa do nosso pequeno sim foi esta bela prenda, a nossa querida Sara!
Com o nascimento da Sara, deixámos de caber todos no mesmo carro; já não chegamos ao fim do mês sem dívidas; o cesto da roupa para passar ficou um bocadinho maior; voltámos a ter, por mais um ano, um bebé no quarto e a deitarmo-nos às escuras... Mas em contrapartida, temos mais ocasiões para dar gargalhadas; voltei a passear um bebé no "pano", bem juntinho ao meu coração, que é das melhores coisas da vida; a casa voltou a encher-se daquele delicioso cheirinho a bebé; e voltámos a viver os momentos únicos e absolutamente extraordinários do primeiro passo, da primeira palavra, do primeiro beijo. A Sara foi um bocadinho mais de esforço oferecido ao Senhor; mas foi sobretudo um bocadinho mais de bênçãos que o Senhor nos ofereceu!
Quando alguém me diz: "Agora a nossa vida está perfeita: temos o número certo de filhos, e outro que viesse seria a mais", fico sempre a pensar, num misto de brincadeira e seriedade que, se calhar, é o momento perfeito para... mandar vir outro bebé! É que um sinal claro da passagem de Deus é precisamente uma doce perturbação. Não é isso o que o Evangelho nos diz? Quando o Anjo do Senhor anunciou a Maria a Boa Notícia do Evangelho, diz-nos Lucas que
"Maria ficou perturbada, pensando no que poderia significar tal saudação." (Lc 1, 29)
Contudo, como o Papa Francisco disse já repetidas vezes, alguns cristãos têm na porta do coração um letreiro a dizer: "Não perturbar"...
Senhor, vem hoje de novo, com o teu sopro, desarrumar a minha vida, despentear os meus cabelos, perturbar a minha falsa paz!
Senhor, que eu não tenha receio das tuas visitas - em qualquer área da minha vida - mesmo as mais inesperadas! Ajuda-me a dar-te sempre "um bocadinho mais", porque qualquer um de nós, teus filhos, é capaz de muito mais do que imagina...
E graças, mil graças pelo dom da Sara, que é mil vezes melhor do que eu o sonhei!
Ámen.
- Hoje é praia ou missa, mamã?
- Hoje é missa, Sara. Tu gostas da missa?
- Gosto. Mas olha, diz ao senhor padre que eu não quero que ele me lave o cabelo!
- ?????
Levei alguns segundos a compreender o problema da Sara: durante todos os domingos de agosto, no Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora, a missa paroquial inclui a celebração de um ou mais batismos. E o batismo significa, - como é que eu nunca pensara nisto? - lavar a cabeça aos mais novos, claro! A Sara, que detesta lavar o cabelo, deve ter sofrido um pouco nas últimas missas, à espera que o tormento diário da água a escorrer sobre a sua cabeça pudesse também acontecer na igreja, onde julgava estar em segurança. Ai como é difícil ter-se quase três anos!
- Sara - continuei eu - Não tenhas medo, porque o senhor padre já lavou o teu cabelo uma vez, e não vai lavar mais nenhuma!
- Ai já?
- Já. Queres ver? - Fui buscar um album de fotografias - Olha, vês? O senhor padre lavou-te o cabelo com esta conchinha da praia, que os manos encontraram enquanto tu estavas na minha barriga e guardaram especialmente para a ocasião!
- Sabes, Sara, o senhor padre não lava o cabelo com shampô... Não! Não entra nada nos olhos. O senhor padre não está a tentar tirar a terra do jardim ou a areia da praia ou os restos de comida ou os bocados de cola do teu cabelo... Está a lavar o teu coração!
- O coração?
- Sim, o coração...
Enquanto eu explicava à Sara, com palavras muito simples, o sacramento do batismo, fiquei a pensar... Será que os pais que, aproveitando este mês de férias e encontro familiar, levam os seus filhos a ser batizados, experimentam dentro de si a urgência do sacramento? Ou será que simplesmente aproveitam a ocasião do batismo para festejar com a família e os amigos o nascimento do seu filho?
Apercebo-me de que, mesmo entre os católicos mais empenhados, existe uma vaga ideia de que o batismo é um símbolo, um gesto belo, mas incapaz de causar uma alteração profunda na natureza do ser humano. "Todos somos filhos de Deus", ouve-se dizer. Para quê a pressa então? Por que não esperar por uma reunião familiar, por uma situação financeira mais estável ou por umas férias para batizar os nossos filhos?
É verdade que todos os seres humanos são amados por Deus com amor infinito, antes ainda de serem concebidos; e que Deus tem milhares de formas diferentes de oferecer a sua salvação, a cristãos, a budistas, a ateus, pois como diz o Catecismo da Igreja Católica, "Deus não está prisioneiro dos seus sacramentos" (CIC nº1257). Mas também é verdade que o Evangelho diz:
"Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus." (Jo 3, 5)
Se o batismo não nos traz nada de novo; se não altera em nada a nossa própria natureza humana; se não tem poder para nos abrir o Céu, então não vale a pena perdermos tempo.
Mas se o batismo opera em nós um milagre - um milagre imenso, infinito e impossível de abarcar com a nossa pobre inteligência; se o batismo faz de nós participantes da vida do próprio Deus, realmente filhos no único Filho; se o batismo apaga em nós, definitivamente, a marca herdada do pecado; se o batismo faz jorrar para dentro de nós uma abundância de graça nunca antes vista, completamente absurda e totalmente gratuita - então eu vou ter imensa pressa em batizar os meus filhos. Diz o Catecismo da Igreja Católica: "A Igreja e os pais privariam a criança da graça inestimável de se tornar filho de Deus, se não lhe conferissem o batismo pouco depois do seu nascimento." (CIC nº 1250)
Cá em casa, batizei todos os meus filhos com um, dois ou três meses de vida. Se hoje tivesse outro bebé, batiza-lo-ia na semana seguinte a sair da maternidade...
- O senhor padre não vai lavar-me o cabelo!
"« Senhor, Tu não vais lavar-me os pés!» Disse-lhe Jesus: «Se não te lavar os pés, não terás parte comigo.» Disse-Lhe então Simão Pedro: «Nesse caso, Senhor, não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!»" (Jo 13, 6-10)
Hora de oração familiar.
- António! Sara! David! Depressa, vamos rezar!
Passos apressados no corredor.
- Francisco! Clara! Lúcia!
- Já vou!
- Já vou!
- Não é já vou, é vir mesmo! São horas!
Mais passos apressados no corredor.
- Dá-me o Barrica! - Grita de repente a Sara, procurando agarrar o pequeno boneco da mão do António.
- Não dou! É meu! Meu!
- Eu quero o Barrica! EU QUERO O BARRICA!
- É MEU!
Gritos. Mais gritos. Empurrões. A Sara está a chorar.
- Acabou-se! São horas de rezar!
A Sara sai da sala, a soluçar. Perante um ataque tão grande de mau génio, decidimos avançar com a oração, e começamos a cantar e a dançar o nosso louvor. Irritadíssima, reaparece:
- NÃO REZAM SEM A SARA!
Eu sabia que a Sara não perderia este momento por nada deste mundo. A hora de oração costuma ser uma das horas preferidas dos mais pequeninos por causa dos cantos e das danças, e certamente também por causa do carinho e da presença uns dos outros.
Decido então pegar-lhe ao colo, e a Sara acalma com a cabeça no meu ombro. Podemos continuar a oração. Depois de partilharmos em voz alta a nossa ação de graças, sentamo-nos para escutar o Evangelho, que nos conta a inquietante história do Jovem Rico:
"Aproximou-se de Jesus um jovem e disse-lhe: «Mestre, que hei de fazer de bom para alcançar a vida eterna?» Jesus respondeu-lhe: «Cumpre os mandamentos!» Disse-lhe o jovem: «Tenho cumprido todos os mandamentos; que me falta ainda?» Jesus respondeu: «Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.» Ao ouvir isto, o jovem retirou-se entristecido, porque possuía muitos bens." (Mt 19, 16-22)
- Que precisava o jovem rico de fazer para ser feliz? - Pergunto, perante o silêncio geral.
- Precisava de deixar tudo o que tinha.
- E ele foi capaz de tanto?
- Não, porque tinha muitas, muitas coisas!
- Pois era, o jovem rico tinha muitas coisas. Quando temos muitas coisas, é mais difícil deixá-las para trás!
- Mas ele ficou triste.
- Claro: é preciso coragem para se ser feliz! A coragem de fazer a vontade de Deus, ou seja, de realizar o sonho que Deus sonhou para cada um de nós. Deus só nos pede o que nos faz felizes!
- Mesmo quando custa?
- Custa sempre um bocadinho, mas a recompensa é a felicidade.
Silêncio. Depois, calmamente, o António levanta-se e diz:
- Vou buscar o Barrica para dar à Sara.
A isto eu chamo: escutar a Palavra e colocá-la em prática...
No domingo, com a casa cheia de amigos, a Sara caiu no jardim, batendo com toda a força com o cotovelo na esquina da tijoleira. O choro foi intenso, e o cotovelo precisou de um beijinho. No entanto, passado algum tempo, a Sara deixou de mexer o braço. Ficou com o braço rígido ao longo do corpo, imóvel, e choramingava baixinho.
- Sara, o que se passa? Consegues levantar o braço?
Choro cada vez mais forte, acompanhado de lágrimas cada vez mais abundantes. Teria partido o braço? Imaginei a Sara de gesso durante o verão, a areia da praia a fazer comichão... Como o Francisco já foi engessado duas vezes, uma delas durante um mês de verão inteiro, sei bem como é.
- Talvez seja melhor levá-la ao Pediátrico fazer um raio-x - Sugeriu o Niall. Olhámos uns para os outros, os nossos amigos sentados à sombra, no jardim, as crianças a brincar... Que dia para isto acontecer! Mas a Sara continuava a choramingar e o braço continuava bem quieto, encostado ao corpo. Decidiu-se que era preciso tirar a dúvida, e lá foi o Niall com a Sara para o hospital. Entretanto, nós e os nossos amigos fomos até ao Parque da Mealhada brincar e patinar, antes de nos despedirmos.
- Estamos à espera do raio-x - Escreveu-me o Niall em sms. - A Sara continua com o braço imóvel e muito chorosa. Vamos ver!
O que aconteceu depois foi, no mínimo, cómico. Segundo me contou o Niall, a Sara escutou o médico com muita atenção e deixou que lhe fizessem o raio-x, sem refilar. Com o raio-x na mão, o médico concluiu que não havia nada partido. O Niall voltou-se para a Sara e deu-lhe a boa notícia, sorridente:
- Sara, estás boa, não tens doi-dói!
Nesse preciso momento, a Sara abriu um sorriso, esticou o braço como quem se espreguiça, levantou-o bem alto, voltou a dobrá-lo e a esticá-lo, e concluiu em alta voz:
- A Sara não tem doi-dói! A Sara não tem doi-dói!
O Niall e o médico entreolharam-se, divertidos.
- Bem, ela está muito melhor! - Concluíram, a rir.
E foi uma menina risonha e muito feliz que apareceu no Parque da Mealhada, meia hora mais tarde, aos gritos de alegria, a correr para mim de braços abertos e a atirar-se para o meu colo:
- Mamã, mamã, a Sara não tem doi-dói!
A Sara perfeitamente convencida de que não conseguia mexer o seu bracinho fez-me pensar... Conheço várias pessoas perfeitamente convencidas de que nunca serão capazes de ser católicas, porque a Igreja, vista de fora, assusta um bocadinho; ou de rezar em família, porque o tempo não chega; ou de levar os seus bebés à missa, porque vão incomodar... Pessoas perfeitamente convencidas de que não poderão ser Famílias de Caná, porque as "Seis Bilhas" parecem grandes demais; ou de que ser santo está completamente fora do seu alcance... Pessoas perfeitamente convencidas de que nunca conseguirão evangelizar os seus filhos, contar-lhes histórias da Bíblia ou rezar com eles, porque tiveram uma catequese muito rudimentar, e a Bíblia, antes de nela pegarmos, parece um livro imenso e quase codificado...
Conheço muitas pessoas - algumas só através dos comentários deste blogue ou dos mails que recebo - com o "braço" imobilizado ao longo do "corpo", sem coragem para verificar se, de facto, o conseguem "mexer".
No domingo passado, no Evangelho, escutámos como Jesus foi a casa de Jairo, o chefe da sinagoga, e ressuscitou a sua filha de doze anos, acabada de falecer:
"Jesus pegou-lhe na mão e disse: «Thalita kum!» Que significa: «Menina, eu te ordeno, levanta-te!» Imediatamente a menina se levantou e se pôs a caminhar." (Mc 5, 41)
Talvez todos afinal precisemos de um "médico" que nos mostre do que somos capazes, e que nos revele que podemos muito mais do que imaginamos. Talvez todos afinal precisemos de escutar a ordem de Jesus e de nos levantar corajosamente, para ousar o que antes não acreditávamos possível.
Então correremos ao encontro do Senhor, de braços abertos e felicidade estampada no rosto, como a Sara a correr ao meu encontro naquele parque...
Com o fim do ano, chegam as festas. Cá em casa, é talvez a época mais ocupada do ano inteiro, com a multiplicação de festas do colégio, da pré-escola, da catequese, da ginástica rítmica e de mil e uma outras coisas. Passamos os fins-de-semana em festa, e confesso que estou a precisar de... férias!
No sábado, depois da festa da catequese, foi a vez do Centro Social S. José de Cluny. O António e a Sara deviam estar no centro pelas cinco e meia da tarde, e às seis horas iriam dançar as marchas populares. E assim foi.
O dia estava de calor intenso, e foi com bastante esforço que nos deslocámos ao colégio. O António e a Sara estavam excitadíssimos:
- Mamã, tu vais ver, eu sei dançar muito bem! - Dizia o António.
- Muito bem, muito bem! - Repetia a Sara, entre gargalhadas.
Sob o calor do sol, assistimos então à atuação dos nossos pequeninos. O António e a Sara dançaram marchas diferentes. Mas ambos entraram em cena com a mesma atitude: bem dispostos, atentos, compenetrados.
- Põe-te de pé, mamã, para ele te ver - Dizia-me o David.
- Oh, a Sara está à nossa procura com o olhar, mas não nos consegue identificar - Suspirou a Clarinha - Aqui, Sara! Aqui!
- Olha, ela já nos viu! Vê como está feliz! Adeus, Sara!
- E o António também! Adeus, António! Adeus!
- Ena, que bom, o António está a rir-se para nós! Cuidado, não o distraias! Já sabe que estamos aqui.
Gesticulando o mais possível, lá nos conseguimos fazer mostrar aos nossos filhos. Como todos os outros pais, também nós sabíamos que as crianças em palco não estavam a atuar para absolutamente mais nada nem ninguém, senão para aquele olhar... Aquele olhar de amor do pai e da mãe.
Conseguem identificá-los? Bem, eles estão mesmo a olhar para nós...
Crescer significa também procurar no público outros olhares diferentes, e descobrir na vida outras motivações para os nossos gestos. Talvez esta seja mais uma razão pela qual Jesus compara os verdadeiros discípulos às crianças pequeninas... Só elas estão totalmente focadas em trabalhar para fazer sorrir os olhos do pai e da mãe.
E eu?... No meu trabalho, na minha família, junto dos amigos e dos colegas, dos vizinhos e dos clientes, dos pais e dos filhos - e eu? Quem procuro eu com o meu olhar?
Quantas vezes faço o que tem de ser feito e dou o meu melhor para obter a aprovação dos olhares errados... Ajo para que falem de mim, para que não falem de mim, para que não me incomodem, para que fique feito, para despachar, para agradar ao patrão, para desagradar ao colega, para que ninguém tenha nada a dizer, para que todos tenham algo a dizer, para...
"O Senhor olha do céu e vê toda a humanidade.
Do lugar da sua morada Ele observa
todos os habitantes da terra
e está atento a tudo o que fazem.
Eis que o Senhor pousa o seu olhar sobre os que O temem..."
(Sl 33)
Senhor, que em cada momento da minha vida, eu trabalhe apenas para Ti. Senhor, que no palco da minha vida, todos os meus gestos sejam por causa do Teu olhar. Senhor, que eu não descanse enquanto não cruzar com o Teu o meu olhar... Ámen!
A Sara é quem mais gosta de ajudar cá em casa. Quando repara que estamos ocupados com algum serviço interessante, como descascar legumes para fazer sopa, dobrar meias ou estender roupa, logo se decide ajudar. Como devem imaginar, as coisas tornam-se muito mais rápidas e eficientes quando a Sara nos ajuda... ou não!
Imaginem tentar descascar legumes para uma sopa com a Sara ao lado, os deditos sempre a querer tocar nos legumes que estou a cortar, a faca a evitar não cortar senão legumes... Ou então, pendurar roupa no estendal, esperando pacientemente, para cada peça, que a Sara decida que mola me vai oferecer... Ou tentar fazer uma cama, puxando os lençóis de um lado e vendo a Sara a puxar do outro, voltando ao outro lado para refazer o trabalho e ver a Sara a desfazer do outro. Enfim, ossos de ofício!
Ás vezes, falta-me a paciência, e para não gritar com a Sara, que não tem culpa nenhuma do meu mau feitio, tranco-me na cozinha a fazer a sopa, ou escondo-me muito bem escondida no jardim a pendurar a roupa, enquanto peço aos mais velhos que vigiem a Sara o tempo suficiente para eu acabar a minha tarefa. Então faço tudo rapida e eficazmente, como gosto, e o trabalho fica realmente bem feito.
Ontem, enquanto a Sara me ajudava a descascar batatas, dei comigo a pensar na paciência de Deus. Desde o início da humanidade, Deus decidiu fazer tudo com a nossa ajuda! Em vez de se "trancar" e fazer o trabalho de limpeza e arrumação deste planeta com rapidez e eficiência, Deus decidiu convidar-nos, um a um, para o ajudarmos, e nada faz sem a nossa ajuda. Que paciência infinita!
Quantas vezes escuto comentários como este: "Porque não pára o Senhor de vez com as guerras? Porque não mata a fome a tantos inocentes?" A resposta está aqui: Deus quer precisar de nós para parar as guerras, matar a fome, fazer a paz, curar as feridas, abrir as prisões, levar o amor a todas as periferias da vida. Sim, Ele podia fazer tudo sozinho - mas não o fará. Como Pai, e Pai muito mais amante e paciente do que eu, Deus nada faz sem nós.
Sim, às vezes atrapalhamos a obra de Deus, sobretudo com o nosso orgulho e a nossa teimosia; mas outras vezes, fazemos Deus sorrir, feliz, diante dos nossos esforços sinceros, ainda que pouco eficazes. Então, diante da nossa boa vontade, Deus capacita-nos, dando-nos de graça os dons de que precisamos para a realizar a sua obra. Diz Isaías, e podemos todos dizer:
"O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, curar os desesperados, levar a libertação aos prisioneiros..." (Is 61, 1)
Todos os dias, diante da obra da minha família a crescer, diante da obra das Famílias de Caná a crescer, diante do meu trabalho como professora e catequista, eu peço ao Senhor: "Senhor, Tu que caíste na asneira de quereres precisar de mim, não deixes, por favor, que eu atrapalhe a tua obra!" E para não correr o risco de só fazer disparates, como uma certa pessoazinha que eu cá sei, repito muitas e muitas vezes esta invocação: "Nós, Jesus"...