Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Cheguei a casa apenas com os dois mais novos - A Sara e o António - e, como costume, abri a porta da cozinha para que ambos pudessem brincar alegremente no jardim. De repente, os cães começaram a ladrar aflitivamente. Deixei o que estava a fazer e corri para o jardim. Os cães estavam à porta da garagem, numa grande algazarra. Aproximei-me, curiosa. Que teria acontecido? Entrei na garagem, e no momento em que passei pela porta, um enorme e prolongado "zzzzzzzzzzzzzzzzz" fez-me gelar. Não havia dúvidas de que era uma cobra. Mas onde? Sem me mexer, fui procurando com os olhos, até que dei um salto para trás: a cobra estava mesmo ao meu lado, no cimo do escadote que está à entrada da garagem.
- O que se passa, mamã? - Perguntou então o António, entrando na garagem com a Sara. Com um grito, afastei-os e levei-os para a cozinha. Depois telefonei ao Niall.
- Estou quase a chegar a casa - Respondeu-me ele. - Por favor, não faças nada! Eu morria de pena se não chegasse a tempo de ver a cobra!
O Niall tem uma paixão por cobras. Em jovens, ambos fizemos expedições na natureza com um sacerdote jesuíta profundamente conhecedor de cobras, que aliás possuía várias no seu gabinete, o padre Carlos Azevedo Mendes. Uma das coisas que nos ensinou foi precisamente a não ter medo e a saber como lhes pegar.
- Niall, mas há os gatinhos e os pitinhos!
Mesmo que esta cobra fosse inofensiva para o ser humano, eu sabia que uma das funções que a natureza lhe atribui é manter controladas as ninhadas de ratos e afins. Os nossos quatro gatinhos e os quatro pintaínhos que entretanto também nasceram corriam sério risco.
- Tens razão. Retira imediatamente os gatinhos do armário e tranca a garagem.
Entrei na garagem com um salto. Rapidamente, abri o armário e reuni os quatro gatinhos num cestinho, que levei para dentro de casa, para deleite da Sara e do António. Depois tranquei a cobra na garagem, e suspirei de alívio.
O Niall chegou entretanto. Entusiasmado, dirigiu-se à garagem, onde foi recebido por um enorme "Zzzzzzzzzzz".
- Ena, que bonita! Mas está tão agressiva! Mantém as crianças longe. Vou baixar o escadote, para ser mais fácil apanhá-la. Depois levo-a para longe da nossa casa, fica descansada.
Assim que o Niall baixou o escadote, uma cena curiosa aconteceu: a Winnie e o Jack, os nossos dois rafeiros atiraram-se à cobra e agarraram-na com os dentes, à vez, chicoteando-a contra o chão com violência. Em menos de dez segundos - para frustração do Niall e para meu alívio - a cobra estava morta.
No galinheiro, os pintaínhos saíram debaixo das asas da sua mamã:
E os gatinhos regressaram ao seu armário, onde a mamã se apressou a lambê-los vigorosamente e a dar-lhes de mamar:
Quais as "cobras sibilantes" que pretendem roubar-nos as nossas "ninhadas"? Deveremos nós, pais, separar os nossos filhos dos contactos humanos "perigosos", impedindo que se relacionem com todo o tipo de pessoas, nomeadamente na escola e noutros lugares lícitos? Não o creio. Afinal, a Boa Notícia do Evangelho é que Jesus, o Filho de Deus, se senta à mesa com os publicanos e as prostitutas, recusando o medo farisaico do contágio. E o que está bem para Jesus, está bem para mim.
Mais perigosos são os canais abertos de "cobras" para o interior das nossas casas e dos corações dos nossos filhos, através dos livros, de várias redes sociais, dos programas de televisão e dos jogos de computador que são visionados sem qualquer discriminação e que nenhum pai ou mãe consegue acompanhar convenientemente. Na verdade, muito do que por aí se produz nos meios de comunicação social tem um objetivo claro ou oculto de destruir os valores da nossa civilização cristã.
Se substituirmos o tempo gasto em visionamentos deste tipo por conversas familiares honestas e profundas em torno de valores, estaremos a equipar os nossos filhos com o necessário para saberem escolher as suas amizades e avaliar os comportamentos de quem os rodeia. Diz-nos S. Paulo:
"Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é respeitável, tudo o que possa ser virtude e mereça louvor, ocupe o vosso pensamento." (Fl 4, 8)
É o que nós procuramos fazer todos os dias, no tempo de oração familiar, quando confrontamos o dia de cada um com a Palavra de Deus! E para uma maior certeza da vitória, confiamos no auxílio daquela que esmagou a serpente com o calcanhar...
Hora do jantar. Porque é sábado, os mais novos tiveram direito a três quartos de hora de televisão, com o Jake e os Piratas da Terra do Nunca. A Sara adora balançar-se ao som da música, enquanto o David, a Lúcia e o António vão respondendo e acenando apropriadamente durante todo o programa. É para mim divertido observá-los diante do televisor!
- Mãe, por cada boa acção, o Jake recebe dobrões de ouro. Já viste a sorte dele? - Conta-me o David, entre duas garfadas de arroz.
- Mas tu também recebes dobrões de ouro por cada boa acção, David!
- Recebo? - O David abre os olhos de espanto.
- Sim, claro! Os teus dobrões de ouro estão no céu à tua espera.
- Pois é verdade! Até me esquecia. E recebo sempre, sempre?
- Recebes, desde que faças uma boa acção de verdade.
- Como assim?
- Se fizeres uma boa acção para te "armares", para te elogiarem, para que te façam o mesmo, ou por qualquer outra razão, não terás qualquer dobrão de ouro no céu. Mas se fizeres uma boa acção por amor, apenas porque sim, porque deve ser feita, porque Jesus fica contente, então verás quantos dobrões de ouro arranjas!
- E eu também?
- Tu também, António! Todos nós temos no céu um tesouro à nossa espera. Foi Jesus quem o disse!
"Não acumuleis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração." (Mt 6, 19-21)
- Eu vou ter muitos dobrões de ouro então!
- E eu também!
- E eu!
- E eu!
- E EEEEUUUUU! - Conclui a Sara, que levanta sempre o braço muito entusiasticamente quando percebe que é altura de o fazer.
Quem disse que os desenhos animados não são uma boa fonte de evangelização familiar?...
A grande reportagem da SIC deixou os mais novos muito desapontados:
- Porque é que não mostraram nós a jogar à bola?
- Porque é que não mostraram o António a apanhar os ovos no galinheiro?
- Porque é que não mostraram eu a andar de patins?
- Eles filmaram tanto, e não mostraram nada!
- Mas apanharam a Winnie, viste?
- E a Clarinha estava tão nervosa, que trocou as idades todas!
- Não faz mal.
- Também não mostraram a Sara no baloiço, nem o Canto de Oração...
- Não. Só mostraram um bocadinho da nossa conversa na sala!
- Não faz mal.
- Pois não.
O António já não ouviu o final desta nossa conversa, porque dormia profundamente no sofá. Para quem se costuma deitar às oito e meia...
Claro que, em televisão, com tempo contado, não se pode mostrar tudo o que foi filmado. Mas esta reportagem foi, realmente, uma reportagem bastante coerente com os sinais dos tempos actuais, toda ela centrada nas rendas de casa, nas expectativas de emprego, na vida de "borga" de um estudante. Para utilizar uma expressão muito cara do Papa Francisco: uma reportagem mundana. Para trás ficaram as imagens, que certamente foram muitas, de crianças a brincar. Pelo menos cá em casa, as filmagens foram longas e divertidas, tratando aspectos culturais muito interessantes, como o contacto com a família que vive no estrangeiro e as diferenças de cultura de cada país. Imagino que assim tenha sido nas outras casas também. Mas Portugal está envelhecido, não tenhamos dúvidas. As imagens das brincadeiras infantis de todos estes "bebés Erasmus" teriam dado cor e alegria à reportagem, que ficou, como Portugal, demasiado séria.
Olhando para as imagens daqueles jovens estudantes Erasmus, ocorreram-me muitos pensamentos, mais do que irei registar aqui. Mas ficam alguns:
Hoje, a vida de um estudante Erasmus é feita de muitos confortos! Pelo que pude perceber, até há empresas que prestam serviços de cozinha e tratamento da roupa. Ser estudante num país estrangeiro é uma oportunidade tão boa para aprender a cuidar de uma casa e a tomar conta de si, que me parece uma perfeita estupidez não a aproveitar. Eu aprendi a cozinhar quando fui para a Alemanha e estou muito contente por isso! Parabéns à jovem que, na reportagem, também disse estar a aprender a cozinhar!
Durante todo o tempo que esteve na Alemanha, o Niall sempre trabalhou em restaurantes, lavando a louça, para pagar a sua estadia (como referiu nas filmagens, mas não foi publicado). Não, as bolsas não são suficientes, mas quem disse que tinham de ser? Os jovens precisam de se fazer à vida, o mais cedo possível...
Estar longe de casa ou do namorado, mas poder aceder ao Skype 24 sobre 24 horas é um luxo que não consigo imaginar. Continuo grata às cabines de telefone e ao correio, com tempos bem marcados, que nos ajudavam a aprender a arte de saber esperar. Lembram-se da Raposa e do Principezinho?
"Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, eu já começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito..."
Quando se namora, a arte de saber esperar é extremamente útil, pois é a espera que produz a constância e a fortaleza interior.
Ah, e talvez com menos Skype a jovem retratada na reportagem fosse obrigada, como eu fui, a sair de casa e a lançar-se na grande aventura de fazer amigos...
Finalmente, a questão final: segundo Umberto Eco, "Erasmus" é sinónimo de "orgasmus". Fiquei tão chocada com esta afirmação, que levei alguns segundos mais de reacção do que gostaria, ao ser entrevistada. Eu casei virgem e acredito profundamente no valor da virgindade, não apenas fisica, naturalmente, mas capaz de abarcar a pessoa inteira, com um corpo, uma alma, uma vida.
É muito fácil perder a virgindade e ter todos os orgasmos que se quiser ter quando se é Erasmus, claro: como um dos estudantes entrevistados disse: "Ninguém te conhece, estás por tua conta, os teus amigos e familiares não te podem ver, fazes o que te apetece."
Deixar-se ir na corrente - fazer o que é mais fácil e que, afinal, todos fazem - não tem absolutamente nada de radical; e qual é o jovem que não gosta de ser radical? Um jovem que, quando ninguém o está a ver, continua a agir de acordo com os seus valores e princípios, desses que não se vendem, esse sim, é um jovem radical.
Acredito que seja muito difícil, no actual ambiente universitário, manter-se fiel à doutrina cristã. E sinto a urgência de trabalhar as questões do namoro, da castidade (sim, a palavra ainda existe), da fidelidade, da fortaleza, com casais de namorados e de noivos. Penso que as Famílias de Caná também terão de partir para esse grande apostolado... Deus o dirá. E à medida que os meus filhos vão crescendo e se vão aproximando da descoberta do amor, também estes temas serão tratados aqui no blogue. Àquele jovem, apetecia-me apenas dizer com o salmo 139:
"Onde é que eu poderia ocultar-me do teu espírito?
Para onde poderia fugir, longe da tua presença?
Nem as trevas são escuras para Ti,
e a noite seria, para Ti, tão brilhante como o dia..."
Mesmo que ninguém te veja, caro jovem, Deus vê-te...
Estávamos em 1991. Eu estudava Inglês e Alemão em Coimbra e ouvira falar num programa novo de intercâmbio entre universidades europeias, o Programa Erasmus. Seria uma oportunidade fantástica de viajar e estudar ao mesmo tempo! Como o meu alemão era relativamente fraco, e eu estava decidida a melhorá-lo, concorri para uma universidade alemã. E foi assim que parti para Essen, no norte da Alemanha.
Quinze dias depois de chegar a Essen, ainda em Setembro, começou um curso intensivo de língua alemã para alunos Erasmus. Na primeira aula, poucos minutos depois de entrar na sala, a minha amiga Rita, que viera comigo de Coimbra, apontou para um rapaz a algumas carteiras de distância:
- Olha, Teresa, aquele rapaz é irlandês e também adora James Joyce, como tu!
Olhei para quem a Rita me indicava e sorri gentilmente. O tal rapaz irlandês contaria mais tarde que lhe parecera reconhecer aquele sorriso de algum lugar - algum lugar no futuro, provavelmente...
Alguns dias depois, numa das grandes "festas Erasmus" na casa onde a Rita e eu estávamos alojadas, o Niall - o tal rapaz irlandês, como já devem ter percebido - abordou-me, falando inglês:
- Reparei que tens um terço no teu quarto! És católica?
- Sou.
Ele pareceu triunfante:
- Que bom, uma católica no meio desta gente toda! Pensei que aqui não havia religião, ou se havia, era evangélica! Podemos ir juntos à missa!
À missa, à cafeteria, às aulas de dança de salão, às aulas da universidade, às festas, aos passeios, ao parque, e a todo o lado. O meu fraco alemão, fraco ficou, e o meu inglês começou a melhorar repentinamente...
No entanto, nem tudo eram rosas: eu tinha um namorado em Portugal, e o Niall tinha uma namorada na Irlanda! Sem nada combinarmos, nas férias de Natal terminámos os nossos namoros. De regresso à Alemanha, esta foi a primeira notícia que partilhámos. Penso que foi nesse mesmo dia que começámos a namorar.
No dia 1 de Abril, o Niall regressou à Irlanda. A sua bolsa Erasmus contemplava apenas um semestre, ao contrário da minha, que era anual. A despedida foi naturalmente difícil, e os comentários dos nossos amigos Erasmus não facilitaram as coisas:
- Achas mesmo que ele ainda se vai lembrar de ti, na Irlanda?
- Não te parece que estás a ser ingénua, sofrendo por alguém que está tão longe?
- Teresa, convence-te, não é possível acontecer mais nada entre vocês!
- Cai na real, Teresa! Acorda!
Mas eu não estava disposta a desistir do Niall. Nós já sabíamos que queríamos casar um com o outro, e uma vez tomada uma decisão, o resto é simples.
Quem não viveu no século passado, não sabe o que são cabines telefónicas, esses paralelepípedos com um telefone fixo e uma ranhura onde vão caindo moedas atrás de moedas... Quem não viveu no século passado não sabe o que são cartas que se enviam pelo correio, diariamente, com um selo e muitas folhas lá dentro... Os dias contavam-se de telefonema a telefonema, da chegada do correio à chegada do correio; e nada mais parecia importar!
Bem, o resto vocês já sabem: depois de dois anos de namoro à distância, o Niall conseguiu finalmente emprego em Portugal, na universidade de Aveiro, e no ano seguinte casámo-nos.
Segundo parece, uma televisão portuguesa ouviu falar da nossa história e decidiu incluir a nossa família na grande reportagem que vai apresentar amanhã, quinta-feira, pelas 20h30, sobre o Programa Erasmus. Não é, portanto, uma reportagem sobre a família Power! A família Power não terá nenhum destaque especial, creio eu, pois será uma das várias famílias apresentadas que devem o seu início a este belo programa de intercâmbio europeu.
Foi com bastante relutância que aceitámos participar na reportagem. O Francisco dizia-me:
- Acho que as pessoas vão pensar que andamos a chamar as televisões para nos filmarem... E contudo, nós nunca fizemos nada para as atrair!
Esta sensação de desconforto por aparecermos na televisão levou-me ontem a apagar o simpático comentário da Marisa, logo de manhã, publicitando o acontecimento. A Marisa que me desculpe! Quis evitar atrair as atenções para algo que é bastante secundário neste blogue, ou seja, a nossa família. Porque a nossa família só surge no blogue como uma forma de falarmos de Deus. De outra forma, o blogue chamar-se-ia "Família Power", não é verdade?
Depois pensei... Afinal, foi para falarmos de Deus que aceitámos participar na reportagem! Não com palavras, mas com a nossa alegria, a nossa partilha, a nossa união, a nossa disponiblidade para termos filhos e para os educarmos com cuidado. A televisão precisa de famílias cristãs que dêem a cara nas mais variadas situações do quotidiano, e não apenas em assuntos da fé! Diz-nos o Evangelho:
"Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal perder o sabor, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens!" (Mt 5, 13)
Espero que a reportagem seja fiel à nossa vida em família, no pouco ou muito que dela mostrar.
Que o Senhor nos ajude, famílias cristãs, a sermos sal no mundo, seja no Programa Erasmus, seja na fábrica, ou na empresa, ou na escola, ou no bairro! Possamos nós temperar com bom tempero a nossa comunidade, a nossa televisão, a nossa internet... Ámen!
Hora de jantar. Aproveito o meio segundo de silêncio que de repente percorre a mesa para contar:
- Sabem o que li hoje no blogue da Bruxa Mimi? Imaginem que, para fazerem o seu Canto de Oração, tiveram de arrastar um piano!
- E isso custa assim tanto?
- Sabes quanto pesa o piano? Trezentos quilos! Sim, trezentos quilos!
- A trabalheira que deve ter sido!
- Parece que ainda lascaram a parede e tudo...
- Bem, tanta coisa por causa do Canto de Oração... Achas que Deus ficou contente, mãe?
- Acho que ficou contentíssimo! Imagino-O a piscar o olho, feliz, a Nossa Senhora... Ver uma família arrastando trezentos quilos para O poder louvar! Quem não ficaria contente?
(Imagem do post do blogue Alheia a tudo... ou talvez não!")
Depois de nos rirmos com simpatia desta bela aventura da família da "Bruxa Mimi" (os meus filhos não me perdoam eu não lhes ter mostrado quem é a verdadeira "Bruxa Mimi" no Retiro de Almada), fiquei a pensar...
Quantos trezentos quilos muitos de nós não temos de arrastar, para encontrarmos tempo de oração pessoal e familiar?
Alguns têm de arrastar trezentos quilos de actividades extra-curriculares... Todas as actividades extra-curriculares são boas, claro, mas os que querem seguir Jesus não deixam apenas as coisas más para trás. Deixam também as boas, por outras melhores... Lembram-se do que diz o Evangelho? Diz assim:
"Atracando em terra os barcos, eles deixaram tudo e seguiram Jesus." (Lc 5, 11)
Deixem-me recordar-vos a história do chamamento de Pedro, o pescador, que termina exactamente com o versículo citado: às ordens de Jesus, Pedro acabara de pescar o maior número de peixes da sua vida! As redes quase se rompiam de tanto peixe... Completamente atordoado com o milagre, Pedro atracou então o barco e, como diz o Evangelho, deixou tudo e seguiu Jesus. Tudo? Sim, Pedro deixou sobre a areia todo o peixe que pescara - e o peixe é uma coisa muito boa! Terão sido... trezentos quilos de peixe?...
Uma das dificuldades que as famílias apontam para encontrarem tempo de oração e de evangelização familiar é precisamente a correria do seu dia. Porque as actividades extra-curriculares não enchem apenas as vidas dos filhos: enchem também as dos pais, transformados em motoristas, gerando na família níveis de stress e cansaço incompatíveis com a oração. Assim, para termos tempo de rezar, precisamos de arrastar para o lado algumas destas actividades, reduzindo-as a um nível que nos permita encontrar o tempo essencial da vida de oração. Cá em casa somos muito exigentes neste ponto!
Outras famílias têm de arrastar um objecto aparentemente bastante mais leve do que um piano, mas talvez lá no fundo seja bastante mais pesado. São trezentos quilos de... televisão! Ou de computador, ou de consolas, ou de telemóveis... Quanto tempo desperdiçado diante das imagens que o mundo nos quer impingir! Quantas horas mal empregues!
Um dos comentários mais frequentes entre pais é este: "Vou inscrever o meu filho em mais uma actividade extra-curricular, para que ele passe menos horas em frente do televisor". Será que a televisão e afins são a única alternativa? Cá em casa temos muito pouco de cada uma destas coisas (refiro-me naturalmente a actividades fora do horário escolar normal), mas um milhão de alternativas! Precisamos de as descobrir com os nossos filhos e de explorar com eles um admirável mundo novo de actividades extra-curriculares que se podem realizar... em casa, com a família ou com os amigos! O "homeschooling" (ensino doméstico) neste campo é fantástico...
Enfim, cada família sabe quais os trezentos quilos que tem de arrastar, se quiser encontrar tempo para o Senhor. A verdade é que - e vou usar as palavras com que a Bruxa Mimi concluiu o seu post - vale a pena. Vale mesmo a pena!...
Cá em casa vemos muito pouca televisão, como já referi diversas vezes. O televisor está sempre desligado, pois já temos ruído que chegue na vida de todos os dias, e liga-se quando desejamos ver algum programa. Foi o que aconteceu nestas férias, no dia em que chegou a nossa encomenda da Amazon: para além de uma colecção de livros sobre os sacramentos, de Scott Hahn, que há muito desejava ter e que a todos recomendo vivamente, mandámos vir uma colecção de filmes das nossas memórias de adolescentes. É engraçado como os filmes que marcaram o Niall, na longínqua Irlanda, marcaram também a minha geração portuguesa!
Começámos por Home Alone (Sozinho em Casa). Lembrei-me várias vezes deste filme durante a nossa viagem apressada para a Irlanda, pois passei o tempo a contar os meus filhos. Apercebendo-se do meu gesto ao entrar no avião, uma hospedeira de ar sorriu-me e murmurou divertida: "Home Alone!" Foi quando decidimos encomendar o filme.
O Niall e eu divertimo-nos imenso não tanto com o filme, mas com as gargalhadas hilariantes do David, da Clarinha e do Francisco (os mais novos já estavam deitados) perante as diabruras do pequeno Kevin. Um serão delicioso!
No dia seguinte, ocorreu-me a ideia: que foi feito de Macaulay Culkin, o pequeno actor? Era na altura uma criança cheia de talento, viva, divertida, bonita, enfim, continha em si uma promessa de futuro... Não me recordo de ver o seu nome em nenhum outro filme! Uma rápida pesquisa no Google trouxe-me a resposta: Macaulay tornou-se milionário aos doze anos, aos quinze já era senhor do seu próprio dinheiro porque os pais se divorciaram e, depois de lutarem em tribunal pelo dinheiro do filho, perderam; alguns anos mais tarde, Macaulay encontrou refúgio no mundo da droga. Hoje, aos 34 anos, as imagens de Macaulay são reveladoras de uma vida desperdiçada...
Terá sido o dinheiro a causa da infelicidade de Macaulay? O divórcio dos pais? Nem um, nem outro conduzem fatalmente à morte da alma. Há gente muito rica que é profundamente feliz, e filhos de pais divorciados plenamente realizados. O que correu mal então para Macaulay? Na sua biografia, não se diz em ponto algum que os pais, ao se divorciarem, lutaram pelo filho; o que está escrito é que ambos lutaram pela fortuna do filho; e diz-se também que, a partir desse dia, o pai deixou de ver o filho...Aos quinze anos, Macaulay recebeu nas mãos uma fortuna, ao mesmo tempo que lhe roubavam brutalmente o bem a que ele tinha direito: o amor.
Um dos ingredientes do amor é a ternura, que Macaulay não teve; outro, é a disciplina, que também lhe faltou, pois só disciplinamos quem amamos. Quem não ama não se dá ao trabalho (porque a disciplina é muito trabalhosa), substituindo antes disciplina por violência ou negligência. Sem disciplina, nenhum adolescente aprende a gerir o seu dinheiro, os seus talentos e, por fim, a sua vida! Cabe-nos a nós, pais, orientar as suas escolhas, colocando setas no caminho, sinais de proibição, sinais de obrigatoriedade, sinais de velocidade aconselhada, sinais luminosos. Um dia, ser-nos-ão pedidas contas da forma como disciplinámos os nossos filhos e os orientámos na vida...
No início de mais um ano lectivo, penso muitas vezes se estou oa dar aos meus filhos aquilo a que eles têm direito: muito amor, com doses extra de ternura; e disciplina q.b., para que o caminho que vão trilhar seja caminho de felicidade. O resto virá por acréscimo...
Continuando a citar S. Paulo, que leio sempre com muito agrado:
"Filhos, obedecei a vossos pais, no Senhor, pois é isso que é justo. Honra teu pai e tua mãe, tal é o mandamento, com uma promessa: para que sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra. E vós, pais, não exaspereis os vossos filhos, mas criai-os com a educação e correcção que vêm do Senhor." (Ef 6, 1-4)
Por detrás da nossa casa há um terreno baldio, cheio de silvas, canas, paus, pedras, montes de terra, árvores e lixo. Portanto, um terreno perfeito para brincar. Todos os nossos filhos adoram passar as tardes de sábado e domingo ou os longos dias de férias a "explorar" por ali, e chegam ao fim do dia sujos, mal cheirosos, exaustos - e felizes.
Foi numa dessas tardes animadas que, há uns anos atrás, dei com o jipe da PSP a subir e descer a minha rua, vezes sem conta. Aproximei-me do portão do jardim para perceber o que se passava. O jipe parou então à minha porta e o agente perguntou-me:
- Minha senhora, parece-nos que andam ciganos a tentar acampar atrás da sua casa. Se tiver algum problema com eles, contacte-nos.
Dei uma sonora gargalhada e respondi:
- Tem toda a razão, senhor guarda, há um bando de ciganitos a montar acampamento aí atrás. Mas não se preocupe, que à noite vêm todos dormir cá a casa!
Os agentes da PSP sorriram, pediram desculpa pela confusão e foram embora mais descansados. E eu decidi fazer uma visita guiada ao "acampamento" dos meus filhos para tirar dúvidas. Comecei por conhecer a "oficina":
E depois caminhei em direcção ao "castelo", guiada pela bandeira...
No "castelo" dei com este trono:
Percorri também passagens secretas...
... e escadarias misteriosas:
Falei ao telefone com alguns dos cavaleiros mais afastados:
Acreditem que funcionou!!!
Por fim, encontrei os meus "ciganitos" todos juntos, gritando em coro:
- Um por todos, e todos por Náturia!
_Náturia? Que nome é esse? - Perguntei.
_ Não te lembras das Crónicas de Nárnia, que o pai nos lê todas as noites? Então...
Os agentes da PSP tinham razão. Que será que os nossos vizinhos pensam deste bando de crianças a brincar na rua? Não deviam antes estar seguras dentro de casa, diante do televisor ou do computador, vivendo aventuras virtuais para não partirem nenhuma perna nem serem raptadas? Ou então estar ocupadas com mil e uma atividades extra-curriculares?...
O "Rei de Náturia" cresceu. Tem quinze anos. Continua a brincar no terreno baldio, onde gosta de praticar tiro ao alvo e fazer experiências científicas, explorando princípios de engenharia. Os seus amigos perguntam-lhe às vezes se não sente falta de jogos de computadores, visto que nunca tivémos consolas ou playstations. O Francisco responde-lhes com a sua autoridade natural:
- Vocês e eu brincamos da mesma maneira. A única diferença é que as vossas aventuras são virtuais, e as minhas são reais. E não as trocava por nada deste mundo.
Náturia tem agora um novo rei. É o David. Ora vejam:
A foto, não se preocupem, é tirada a partir do meu jardim. O Reino de Náturia está sob vigilância contínua de adultos. E por isso, até os mais pequenos lá podem brincar:
De vez em quando, aos fins-de-semana, os mais pequenos pedem para ver televisão. E fazem-no durante cerca de meia hora. Depois retomam as suas brincadeiras. Os mais velhos já são capazes de decidir o que vale ou não a pena ver, e têm as suas preferências. Gostam do National Geographic e de tudo o que tenha a ver com natureza, desporto e, no caso do Francisco, engenharia e ciência. Não vêem novelas nem concursos, e muito menos programas tipo Big Brother. Não desejam vê-los, nem teriam permissão para tal. De vez em quando, vemos filmes em família, depois de deitarmos os mais novos.
Como educadores, temos a obrigação de manter o controlo-remoto do televisor na nossa mão. E não é porque "todos fazem" e "todos vêem" que nós temos de fazer ou de ver. Jesus nunca nos pediu para nos compararmos com o mundo. Ele quer que nós nos comparemos com Deus:
"Sede perfeitos, como o vosso Pai que está nos céus é perfeito" (Mt 5, 48)
Brincar numa qualquer "Náturia" no meio do campo ou em plena cidade é tão vital para o crescimento de uma criança como respirar. Se as deixarmos sozinhas num pedaço de natureza, sem horários, sem atividades desenhadas por nós, sem necessidade de apresentar resultados, sem necessidade de competir, sem televisores a pensar por elas, iremos ficar fascinados com os mundos imaginários que elas são capazes de construir. Elas têm direito a esfolar os joelhos e a serem confundidas com pequenos ciganos traquinas...