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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
Sexta-feira, oito de abril. O Niall está em viagem de trabalho há já dois dias, e hoje deverá fazer escala na Irlanda, para visitar os pais e os irmãos durante um fim-de-semana prolongado. Mas mesmo longe, nós precisamos de conversar. Aliás, conversas à distância não são nada de estranho para nós... Sentada ao computador, depois de deitar os mais novos, vou trocando mails com o meu marido.
- Já passaste os olhos pela exortação pastoral A Alegria do Amor? - Pergunto.
- Não. Já saiu?
- Hoje. Olha, vou enviar-ta em anexo. Descarreguei em Inglês e em Português do site do vaticano. Aqui vai!
Afasto-me do computador para fazer as minhas últimas tarefas do dia, e meia hora depois estou de volta - ao computador e ao diálogo com o Niall, que entretanto já adiantou a sua leitura.
- Leste o capítulo quatro? - Pergunta-me ele. - É fantástico! Um verdadeiro hino ao amor!
- Sim, li um bocadinho.
- Tão terno! Parece um avô carinhoso, e ao mesmo tempo, o mais exigente dos mestres...
- Preciso de ter o livro nas mãos. Quero poder lê-lo e relê-lo em todo o lugar, sublinhá-lo, marcá-lo...
- Assim que chegar a Portugal vou comprar-to em Aveiro, na livraria católica. Vamos vê-lo em conjunto.
- O capítulo quatro merece ser lido à hora de jantar, à volta da mesa, um número de cada vez.
- Vai dar muita conversa!
- Sim, vai certamente.
O Papa alerta, logo na introdução, para a dificuldade que terão na leitura aqueles que tiverem pressa, por isso decido ler devagar, número a número. O texto é tão atraente, que me deito tardíssimo, sem conseguir interromper a leitura... Do outro lado do computador, num hotel no aeroporto de Dublin, o Niall também fica a ler pela noite dentro. Despedimo-nos por entre parágrafos e citações.
O Niall passou três magníficos dias com a sua família de origem, na Irlanda. Os pais não cabiam em si de felizes, e todos os irmãos se reuniram para festejar este reencontro numa celebração tipicamente irlandesa, cheia de histórias e gargalhadas.
Segunda-feira à noite, sentados à volta da mesa da cozinha, iniciando a nossa refeição, aguardávamos ansiosos o regresso do Niall. Por fim, a porta abriu-se e ele entrou de rompante, causando a confusão de beijos, abraços, sopa entornada, presentes e fotografias dos primos, tios e avós guardadas no telemóvel. Perante tanta alegria, lembrei-me do início da Exortação Pastoral do Santo Padre:
"Agora entremos numa dessas casas, guiados pelo Salmista, através dum canto que ainda hoje se proclama nas liturgias nupciais quer judaica quer cristã:
« Felizes os que obedecem ao Senhor
e andam nos seus caminhos.
Comerás do fruto do teu próprio trabalho:
assim serás feliz e viverás contente.
A tua esposa será como videira fecunda
na intimidade do teu lar;
os teus filhos serão como rebentos de oliveira
ao redor da tua mesa.
Assim vai ser abençoado o homem que obedece ao Senhor.»
(Sl 127/128)
Cruzemos então o limiar desta casa serena, com a sua família sentada ao redor da mesa em dia de festa. No centro, encontramos o casal formado pelo pai e a mãe com toda a sua história de amor." (nºs 8 e 9)
- É tão bom regressar a casa! - Dizia-me o Niall, à noite, já deitados nos braços um do outro. - Não importa o quão belas são as nossas viagens, não há nada mais belo que regressar.
Ficámos uns momentos em silêncio, depois ele continuou:
- Deve ser tão triste não se ser amado no seio da sua família! Marido e mulher que discutem com violência, palavras ofensivas, filhos que tratam os pais com desprezo, pais sem tempo para os filhos... Deve ser muito triste...
- Nós não nos damos conta do tesouro que guardamos em nossa casa - Respondi-lhe.
- Não há nada mais central para o ser humano que a família. De que adianta ter um emprego fantástico, um salário de luxo, uma mansão, férias e carros e tudo o que possamos imaginar, se não experimentarmos esta alegria e este amor ao fim do dia?
Suspirei, profundamente reconfortada nos braços do meu marido, e fiz mentalmente uma breve prece por todos os que não experimentam esta alegria. A Alegria do Amor... Sim, falar de família é acima de tudo falar da alegria do amor...
Há cerca de três anos atrás, fizemos uma viagem de carro que ainda hoje nos faz a todos dar uma grande gargalhada. O destino era bastante simples, e até tenho vergonha de o dizer, vivendo eu aqui em Mogofores: era a Praia de Mira. Mas nós conseguimos perder-nos completamente nas ruas paralelas e perpendiculares que circundam toda a área das praias da zona de Aveiro. Finalmente, o Francisco decidiu ligar o GPS no telemóvel do pai, e começou a dar indicações ao Niall:
- Virar à direita a duzentos metros...
- Não pode ser! - Insistia o Niall. - Eu conheço o caminho, não é à direita!
- Mas, pai, já tentaste à esquerda e falhou! Porque não segues as indicações do GPS? - Insistia por sua vez o Francisco.
Mas o Niall virava à esquerda. Então o GPS, com muita calma, lá refazia a rota:
- Virar à esquerda a trezentos metros...
- Não viro! - Continuava o Niall, convicto. - Esse GPS não vale nada. Nem deve estar atualizado.
- Pai, por favor, vira à esquerda!
E o Niall virava à direita. O GPS ia corrigindo a rota, sem se impacientar. A cada recusa do Niall, o GPS refazia as suas indicações, para que pudessemos chegar ao nosso destino. Finalmente, lá encontrámos a tabuleta a indicar: "Praia de Mira". Vitória!
- Se tivesses acreditado no GPS, já cá estávamos há muito tempo - Resmungava o Francisco. E continua a resmungar, até hoje! Porque o Niall continua a desconfiar do GPS e a "seguir o seu instinto", mesmo quando este está claramente errado.
Outro dia, na catequese, servi-me da história do GPS para explicar aos meus catequisandos a forma como Deus nos conduz pela vida. Deus tem um sonho para cada um de nós. A cada "curva", Deus vai-nos dando indicações precisas sobre os passos que precisamos de dar para chegar à paragem seguinte da nossa viagem. Nem sempre escutamos com atenção... Nem sempre o nosso GPS interior está bem sintonizado com o satélite do Senhor! Ou então acontece como aconteceu com o Niall na nossa célebre viagem: recusamos determinadamente as indicações que o Senhor nos dá através, por exemplo, da sua Igreja, da doutrina católica, dos mandamentos, da Palavra da Bíblia, e preferimos o nosso "instinto" que, geralmente, é mais agradável aos sentidos.
Que faz Deus? Deixa-nos entregues a nós mesmos, perdidos no lamaçal deste mundo e vítimas dos nossos próprios erros? Diz-nos "Bem te avisei" e encolhe os ombros? De modo nenhum: tal como o GPS do carro, o Senhor aceita as nossas escolhas, respeita os passos que queremos dar sem se impacientar, e se quisermos, apaga todo o nosso passado com uma só Palavra de perdão. Depois, a partir do ponto em que nos encontramos, refaz a nossa rota, aquela que nos irá levar à meta final, o Céu...
"Irmãos, não me julgo como se já o tivesse alcançado. Mas uma coisa faço: esquecendo-me do que está para trás e lançando-me para o que vem à frente, corro em direção à meta, para o prémio a que Deus, lá do alto, nos chama em Cristo Jesus." (Fl 3, 11-14)
Assim que comecei a trabalhar como professora, comecei a fazer longas viagens de carro a caminho das mais diversas escolas, dispersas por montes e vales no distrito de Aveiro. Neste momento, a distância mais longa que tenho de percorrer demora apenas quinze minutos. Com excepção de um ou outro tractor, não encontro trânsito, e delicio-me a contemplar as vinhas a perder de vista, o recorte do Caramulo no azul da distância, a torre do meu querido Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora. São assim quinze minutos tranquilos, que me permitem fazer a ponte entre a casa e a escola, deixando para trás no meu espírito uma ou outra, conforme a direcção da minha viagem.
Já me dei conta de que estes quinze minutos podem ser um perfeito desperdício se eu deixar a minha mente seguir atrás de qualquer borboleta imaginária e dispersar-se no nevoeiro das ideias. S. Paulo escreveu ao seu querido discípulo Timóteo:
"Evita as vãs conversas profanas" (1Tm 2, 16)
E eu sou bem capaz de ter "vãs conversas profanas" comigo própria durante quinze minutos de viagem! Por isso, e porque o meu tempo vale mesmo muito mais do que ouro, faço um esforço para me manter atenta ao essencial, transformando estes quinze minutos de estrada em quinze minutos de oração. E para que estes quinze minutos sejam mesmo de oração, e a minha mente "hiperactiva" não tente escapar, eu rezo em voz alta. O som das palavras nos meus próprios ouvidos não me dá espaço para as tais "vãs conversas profanas"!
Primeiro canto e louvo ao Senhor, agradecendo-Lhe por ser quem é, por me amar, por me dar a vida, pela natureza em redor, pela minha família e pelos meus alunos e amigos. Depois, peço a bênção do Senhor para aqueles com quem me vou encontrar durante o dia - em especial se me espera uma turma problemática ou barulhenta! Rezo também pela minha família, por todas as Famílias de Caná, todos os meus amigos, conhecidos ou não, e todos os que sofrem no mundo.
Finalmente, rezo um mistério do terço, entregando a Nossa Senhora os meus problemas e todos os problemas do mundo. Rezando o terço em voz alta, saboreio com o coração cada palavra, e deixo que a alegria do Evangelho - "Alegra-te, ó Cheia de Graça!" (Lc 1, 28) desça até ao mais profundo do meu ser. O terço é, por excelência, a oração dos caminhantes, e cada conta, um passo dado em direcção ao Céu. Medindo as distâncias em Avé-Marias, tudo em mim se vai aquietando e pacificando, até nada mais restar que a vontade de Deus. Geralmente, é então que chego ao meu destino...