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Somos uma família católica, abençoada com seis filhos na Terra e um no Céu. Procuramos viver a fé com simplicidade e generosidade. Queremos partilhar com outras famílias a alegria de sermos Igreja Doméstica na grande família da Igreja Católica.
- António, hoje vou buscar-te à escola antes do almoço porque temos de ir a Coimbra.
- Ao dentista?
- Sim, ao dentista.
O António tem um problema de ortodôncia que está a ser corrigido no Hospital de Coimbra. Assim, de mês a mês, o Niall ou eu levamo-lo à consulta.
- Que bom! Gosto tanto de ir ao dentista de Coimbra!
- E porquê? - Quis eu saber. Pensei que fosse pela simpatia da médica, ou pela ausência de qualquer dor nos tratamentos. Tudo isso ajuda, claro, mas a razão é outra:
- Por causa da viagem!
Fui buscá-lo às onze horas. O António entrou no carro, e de imediato sugeriu:
- Podemos começar pelo jogo das cores.
- Que jogo é esse?
- Eu jogo com o papá e ganho sempre! É assim: tu contas os carros de uma cor, eu conto de outra, e vemos quem ganha.
-Ah, e que cores é que o papá costuma escolher?
- Da última vez, ele escolheu cor-de-rosa, e da outra vez foi cor-de-laranja. Eu escolhi os carros azuis e ganhei!
- Pois, estou a ver... Então hoje eu fico com os verdes, e tu com os cinzentos, a ver quem ganha!
Dez minutos passados, e depois de uma estrondosa vitória para o António, ele voltou a sugerir:
- Agora podes contar uma história da Bíblia. Eu gostava que contasses aquela do homem que mergulhou sete vezes no rio cheio de lama. Pode ser?
Contei-lhe a história do Sírio Naamã. Ele pediu outra, e contei-lhe a do paralítico que Jesus curou.
- Estás a ficar cansada, mamã?
Estava mesmo. O António compreendera, e por isso continuou, antes que eu lhe respondesse:
- Podes ficar calada um bocadinho, enquanto eu fico a pensar nas histórias que contaste.
Assim fizemos. Cinco minutos depois desta meditação silenciosa, voltou a sugerir:
- Agora, que já descansaste, podemos fazer outro jogo. O jogo do "Adivinha o que estou a ver!"
- OK, eu começo: estou a ver uma coisa grande, verde e a abanar...
- São árvores!
- Exatamente. Agora és tu!
- Estou a ver uma coisa branca, fofa e alta...
- Núvens!
Chegámos a Coimbra. Depois de estacionar e de entrar no recinto, fomos informados que teríamos de esperar cerca de meia hora.
- Que bom! - Atalhou o António - Ainda tens tempo de me ler as histórias que trouxemos.
Sentei-o ao meu colo e li-lhe duas histórias da Bruxa Mimi, que o António adora. Depois da consulta, no carro de regresso ao infantário, o António fez uma curta sesta, e eu aproveitei para rezar o terço. Á noite, durante a oração familiar, o António agradeceu:
- Obrigado, Jesus, porque hoje fui a Coimbra, ouvi quatro histórias e joguei dois jogos no carro com a mamã!
Na mesma sala de espera onde o António e eu rimos à gargalhada com as aventuras da Bruxa Mimi, estava outra criança pequena com a mãe. Mãe e filho permaneceram num silêncio absoluto durante todo o tempo em que esperámos. Ambos tinham os olhos fixos nos ecrãs dos respetivos telemóveis, movendo os dedos sobre as teclas à velocidade da luz.
Não conheço aquela família, e Deus me livre de fazer qualquer tipo de julgamentos sobre eles em particular. Mas a verdade é que eu já assisti a inúmeras cenas parecidas, nas escolas como nos hospitais, nos consultórios médicos como nos restaurantes. São cada vez mais frequentes as famílias onde cada um vive no seu pequeno mundo, sem pontes nem janelas. Às vezes, as pessoas comentam:
- Tiveste muita sorte com os filhos!
E eu costumo responder:
- Pois é, mas olha que a sorte dá muito trabalho!
Fazer uma viagem de carro a brincar com uma criança ou ler-lhe histórias na sala de espera de um consultório é bastante mais cansativo do que oferecer-lhe um telemóvel para que se entretenha. A tentação do mais fácil é forte, mas o que está em jogo é muito mais poderoso... Diz-nos S. Paulo:
"Vede bem como procedeis: não como insensatos, mas como sensatos, aproveitando o tempo, pois os dias são maus."
(Ef 5, 15-16)
Há algo que, depois desta vida, nunca mais terei de volta: o tempo. Só tenho uma vida para aproveitar ou desperdiçar tempo. Talvez nos queixemos de que "os dias são maus" e que não temos tempo para o que é importante. Talvez não tenhamos um dia inteiro, nem umas férias dignas desse nome, nem fins-de-semana em casa. Mas não teremos cinco minutos disponíveis, no carro ou em casa, durante o jantar ou durante os banhos, num consultório ou na praia, para contar uma história, fazer uma oração familiar, fazer uma jogo ou escutar uma confidência? Cinco minutos roubados ao nosso direito ao descanso ou aos nossos outros mil afazeres? Cinco minutos cheios de esforço? Esses cinco minutos não voltarão... Mas se os empregarmos com sensatez, como sugere S. Paulo, ser-nos-ão devolvidos ainda nesta vida, em cada um dos nossos filhos, e na eternidade, em felicidade sem fim...