Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]



Thalita kum

por Teresa Power, em 30.06.15

No domingo, com a casa cheia de amigos, a Sara caiu no jardim, batendo com toda a força com o cotovelo na esquina da tijoleira. O choro foi intenso, e o cotovelo precisou de um beijinho. No entanto, passado algum tempo, a Sara deixou de mexer o braço. Ficou com o braço rígido ao longo do corpo, imóvel, e choramingava baixinho.

- Sara, o que se passa? Consegues levantar o braço?

Choro cada vez mais forte, acompanhado de lágrimas cada vez mais abundantes. Teria partido o braço? Imaginei a Sara de gesso durante o verão, a areia da praia a fazer comichão... Como o Francisco já foi engessado duas vezes, uma delas durante um mês de verão inteiro, sei bem como é.

- Talvez seja melhor levá-la ao Pediátrico fazer um raio-x - Sugeriu o Niall. Olhámos uns para os outros, os nossos amigos sentados à sombra, no jardim, as crianças a brincar... Que dia para isto acontecer! Mas a Sara continuava a choramingar e o braço continuava bem quieto, encostado ao corpo. Decidiu-se que era preciso tirar a dúvida, e lá foi o Niall com a Sara para o hospital. Entretanto, nós e os nossos amigos fomos até ao Parque da Mealhada brincar e patinar, antes de nos despedirmos.

- Estamos à espera do raio-x - Escreveu-me o Niall em sms. - A Sara continua com o braço imóvel e muito chorosa. Vamos ver!

O que aconteceu depois foi, no mínimo, cómico. Segundo me contou o Niall, a Sara escutou o médico com muita atenção e deixou que lhe fizessem o raio-x, sem refilar. Com o raio-x na mão, o médico concluiu que não havia nada partido. O Niall voltou-se para a Sara e deu-lhe a boa notícia, sorridente:

- Sara, estás boa, não tens doi-dói!

Nesse preciso momento, a Sara abriu um sorriso, esticou o braço como quem se espreguiça, levantou-o bem alto, voltou a dobrá-lo e a esticá-lo, e concluiu em alta voz:

- A Sara não tem doi-dói! A Sara não tem doi-dói!

O Niall e o médico entreolharam-se, divertidos.

- Bem, ela está muito melhor! - Concluíram, a rir.

E foi uma menina risonha e muito feliz que apareceu no Parque da Mealhada, meia hora mais tarde, aos gritos de alegria, a correr para mim de braços abertos e a atirar-se para o meu colo:

- Mamã, mamã, a Sara não tem doi-dói!

DSC03316.JPG

A Sara perfeitamente convencida de que não conseguia mexer o seu bracinho fez-me pensar... Conheço várias pessoas perfeitamente convencidas de que nunca serão capazes de ser católicas, porque a Igreja, vista de fora, assusta um bocadinho; ou de rezar em família, porque o tempo não chega; ou de levar os seus bebés à missa, porque vão incomodar... Pessoas perfeitamente convencidas de que não poderão ser Famílias de Caná, porque as "Seis Bilhas" parecem grandes demais; ou de que ser santo está completamente fora do seu alcance... Pessoas perfeitamente convencidas de que nunca conseguirão evangelizar os seus filhos, contar-lhes histórias da Bíblia ou rezar com eles, porque tiveram uma catequese muito rudimentar, e a Bíblia, antes de nela pegarmos, parece um livro imenso e quase codificado...

Conheço muitas pessoas - algumas só através dos comentários deste blogue ou dos mails que recebo - com o "braço" imobilizado ao longo do "corpo", sem coragem para verificar se, de facto, o conseguem "mexer".

No domingo passado, no Evangelho, escutámos como Jesus foi a casa de Jairo, o chefe da sinagoga, e ressuscitou a sua filha de doze anos, acabada de falecer:

 

"Jesus pegou-lhe na mão e disse: «Thalita kum!» Que significa: «Menina, eu te ordeno, levanta-te!» Imediatamente a menina se levantou e se pôs a caminhar." (Mc 5, 41)

 

Talvez todos afinal precisemos de um "médico" que nos mostre do que somos capazes, e que nos revele que podemos muito mais do que imaginamos. Talvez todos afinal precisemos de escutar a ordem de Jesus e de nos levantar corajosamente, para ousar o que antes não acreditávamos possível.

Então correremos ao encontro do Senhor, de braços abertos e felicidade estampada no rosto, como a Sara a correr ao meu encontro naquele parque...

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:12


10 comentários

De Bruxa Mimi a 30.06.2015 às 08:10

Ficamos "perfeitamente convencidos" de muitas coisas, muito depressa... Como gostei deste post! :-)

De Bruxa Mimi a 30.06.2015 às 08:14

Só mais uma coisa, um bocadinho cómica: quando li o título, "Thalita Kum", pareceu-me familiar, mas não sabia de onde. Então, pensei que era o nome de mais algum ou alguma "valente de Deus" que nos ias apresentar (ou que já terias apresentado, daí o parecer-me familiar...)!

De Olívia a 30.06.2015 às 11:36

Como quem diz a verdade não merece castigo, quando li o título pensei exatamente o mesmo que tu!!!!

De Teresa Power a 30.06.2015 às 13:03

As maiúsculas devem ter causado algum problema e facilitado a confusão :) Já alterei para minúsculas!!!

De Patrícia C. a 30.06.2015 às 11:13

Olha eu num post da Teresa ;)

Há um aforismo budista (penso eu) que diz algo como: "quando o discípulo está pronto, o mestre aparece". Talvez aqui seja o mesmo...

De Teresa Power a 30.06.2015 às 13:36

Vamos a "esticar esse braço", Patrícia! Acho que o aforismo budista vem mesmo a propósito da Patrícia :)

De Carla a 30.06.2015 às 18:24

Que post tão bom... valente susto esse da Sara....

De Manuela a 30.06.2015 às 23:21

Obrigada... "Doutora" Teresa! :-)

De Anónimo a 01.07.2015 às 22:46

Acho que ainda não estou preparado para o Thalita kum. Rezam por nós aqueles que já estão à nossa frente?

Comentar post




subscrever feeds


livros escritos pela mãe

Os Mistérios da Fé
NOVO - Volume III

Volumes I e II



Pesquisa

Pesquisar no Blog  


Arquivos

  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2015
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2014
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2013
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D