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Trabalhar de graça?

por Teresa Power, em 20.01.16

Aula de Inglês. Turma de sétimo ano, muito simpática e participativa. Há vários anos que não tinha tanto prazer em dar aulas a uma turma.

- Meninos, amanhã quero este trabalho terminado - Digo, pouco antes do final da aula.

- Professora, não vou conseguir, porque hoje tenho catequese - Diz um rapazinho.

- Catequese? Quem é que ainda vai à catequese?! - Desafia um colega. Gargalhada geral, apenas quebrada pelo silêncio incomodado do colega.

- Foi um comentário pouco apropriado, João - Intervenho eu. - Certamente que não gostarias que eu, ou outro colega, falássemos assim nesse tom sarcástico sobre uma atividade de que tu gostes. Por exemplo, sobre o futebol...

- Mas pelo menos os futebolistas ganham dinheiro - Responde outro aluno, lá do fundo da sala.

- Ora, e os catequistas também! - Atalham logo dois ou três.

Grande burburinho. A campainha está quase a tocar, mas é preciso esclarecer este ponto. Bato na mesa para repor a ordem, e finalmente consigo que me escutem:

- Não há nenhum catequista que receba dinheiro por dar catequese. Todos o fazem gratuitamente.

- Como é que sabe? Claro que ganham dinheiro! Ninguém trabalha sem ser por dinheiro!

- Achas mesmo?

- Olha se calhar a professora é catequista! É?

- Sou.

- E não ganha dinheiro?! Então por que é que dá catequese?

A campainha toca, e todos se levantam para sair. Fico incomodada com o diálogo que acabo de ter... Já não é a primeira vez que refiro isto aqui no blogue. Aos doze anos, eu sonhava em ser muita coisa: cantora, missionária, escritora, assistente social, professora, pintora... Se pensava em ganhar dinheiro? Que detalhe tão sem graça quando se é criança! Ganhar a vida, ganhar dinheiro é muito pouco romântico nesta idade.

Talvez eu me tivesse interessado mais por dinheiro se tivesse sentido a sua falta, ao crescer. É compreensível que quem passe por graves necessidades na infância, equacione tudo em torno do dinheiro. Mas não é o caso na turma em questão, nem no aluno em questão.

De onde vem, pois, esta febre de ter, de ganhar, de gastar? Que vêem as crianças em casa, que preocupações escutam nas palavras e nos silêncios dos pais, que programas de televisão invadem os seus sonhos, que canções atacam o seu mundo interior? Como ocupam os nossos jovens os seus tempos livres? Estarão eles a brincar o suficiente? Não estarão os adultos a levar as crianças vezes demais aos centros comerciais, onde tudo custa dinheiro e nada se faz sem dinheiro? Não estará o tempo em família, dos fins-de-semana às férias, demasiadamente dependente do dinheiro? Que fizemos nós da criatividade, da alegria, da simplicidade, da inocência?...

Ah, tantas perguntas a que todos sabemos responder...

Não, os catequistas não ganham dinheiro. A hora de catequese semanal que oferecem é roubada ao seu tempo de lazer, ao seu direito ao descanso, às suas horas de sono. Compensa? Às vezes sim, outras não. Já vi catequistas encantados com o progresso das suas crianças, e já vi catequistas totalmente desmotivados com a falta de atenção, interesse e, até, educação dos meninos. Eu já me incluí em ambos os grupos...

Então, se não ganham dinheiro, se nem sempre compensa, por que raio é que são catequistas??? Os meus alunos têm a sua razão ao perguntar!

Na semana passada, lemos na nossa hora de oração familiar a história do chamamento de Levi. O momento, de um extraordinário dramatismo, capaz de transformar um simples publicano em Apóstolo Evangelista e Santo aclamado em toda a História da Igreja, está condensado num único versículo:

 

"Ao passar, viu Levi, filho de Alfeu, sentado no posto de cobrança e disse-lhe: «Segue-Me.» Ele, levantando-se, seguiu Jesus."

(Mc 2, 14)

 

Só quem alguma vez experimentou na sua vida o poder do chamamento de Jesus, o magnetismo do seu olhar, a força da sua voz, consegue entender passagens como esta. E consegue entender por que razão um catequista não desiste e não recua, semana após semana.

Não, querido aluno. Não é por dinheiro: é por amor...

DSC05073.JPG

 

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publicado às 06:00


9 comentários

De Bruxa Mimi a 20.01.2016 às 08:04

Fui catequista durante muitos anos (muitos será relativo, mas foram mais de 10) e a ideia de receber dinheiro até me faz confusão! Graças a Deus que nunca tal se equacionou.

Quando a Vassoura entrou para o 1º volume, ofereci-me para dar catequese na minha atual paróquia, mas a oferta foi declinada. Em vez disso, propuseram-me assistir a umas "sessões para mães" que decorriam ao mesmo tempo do que a catequese. Experimentei e tenho ido a (quase todas) estas sessões ao longo destes anos (a Vassoura está no 4º ano). Deus lá decidiu que agora eu precisava mais de receber do que de dar...

De Joana a 20.01.2016 às 09:46

Muito bonita esta publicação. Fiquei emocionada, pois durante muitos anos fui catequista... e foi por amor... Beijinho

De Anónimo a 20.01.2016 às 10:29

Fiquei muito emocionada com este post . Sou catequista há mais de 20 anos, sempre por amor, muitas vezes chegando a prejudicar a vida familiar, algo que não faria hoje.
Já agora só uma curiosidade: na nossa paróquia, os acólitos (com idades entre os 11 e os 19 anos) recebem dinheiro (não muito, penso eu)! Quando soube fiquei abismada. Questionei o pároco, ele disse-me que se não fosse assim, não tinha ninguém! O que estamos a fazer da Igreja de Cristo?


De Teresa Power a 20.01.2016 às 10:57

Quem ficou admirada fui eu... O Papa Francisco tem passado o tempo a mostrar a total impossibilidade de servir a dois senhores, ou seja, a Deus e ao dinheiro. Ele tem usado palavras muito fortes para falar do dinheiro, como "caca do diabo", e acho que tem toda a razão. Quando misturamos dinheiro e Igreja, abrimos a porta a Satanás, sem sombra de dúvida.

De Teresa A. a 20.01.2016 às 12:03

A sério? Eu fui acólita durante o meu tempo de escuteira e nunca ouvi falar nisso. Mas isto já foi há umas décadas..
Tive catequistas excelentes, que me marcaram bastante, e nunca me passaria pela ideia que eles pudessem ganhar dinheiro com isso.
Para mim, que sempre participei activamente na eucaristia (cantando no coro, lendo leituras, cantando o salmo, o que fosse preciso), o que fazemos na Igreja é um serviço à comunidade, que somos todos nós. Voluntariado é, para mim, per se não remunerado.
Mas, se calhar sou é muito ingénua.
Pelo menos a minha filhota de 6 anos ainda não chegou à fase materialista, ela quer ser educadora (suponho que é devido ao facto de gostar imenso do infantário e, portanto, das educadoras).

Devo dizer que, como a Teresa Power, no sétimo ano queria ser freira, missionária, escritora, hospedeira do ar... E nada disto tinha a ver com o dinheiro que poderia ganhar.

Fiquei triste :-(

Ainda bem que a Teresa acabou com a passagem fantástica de Mc 2, 14. Sejamos nós capazes de fazer as coisas por amor!

De Anónimo a 20.01.2016 às 14:19

Eu penso que isto apenas se verifica na minha paróquia e os valores não devem ser muito significativos. De qualquer modo, está errado. O padre pensa que é uma maneira de os "prender".

De Teresa A. a 20.01.2016 às 12:14

Tenho de dar uma achega à expressão "de graça": em alemão existem duas palavras com este significado, uma é umsonst e a outra é kostenlos. Aquilo que os catequistas fazem é kostenlos (no sentido de gratuito) mas não é umsonst (no sentido de em vão)!

De Sofia a 20.01.2016 às 15:24

Conheço as duas palavras alemãs e a sua diferença, mas a expressão portuguesa "de graça" tem muito mais "pinta". Um acto de graça é um acto que nada retribui e não visa obter retribuição. É um acto de pura generosidade. Nem sempre fazemos as coisas verdadeiramente "de graça" (que tem um significado que vai muito para além da gratuitidade económica). Pessoalmente, acho que só aquelas coisas que faço em silêncio e sem que ninguém veja são verdadeiros actos de graça e, mesmo nesses, às vezes, pisco o olho a Deus - não vá ele estar distraído...

De Anónimo a 05.02.2016 às 01:05

hum! Não a conheço pessoalmente e já gosto tanto de si :)
Sempre vivi desapegada. Humanamente não me foi dado muito, mais tarde tive esse privilégio de alguém me aceitar, amar como sou. Para dizer que quando não temos o essencial deturpa-se o amor e mesmo Deus torna-se muito muito deturpado. Então o vazio precisa de ser compensado com algo - ou se encontram outras inquietações fora do meio mais conhecido (e aí ainda bem que existe a Igreja, a cultura e o desporto) ou o material assume uma função de compensação.
Entendo pouco de Deus mas percebo o valor do conceito família e a força que a Igreja pode assumir como suporte, porto seguro, como fonte de laços fraternos.
Estas são duas boas razões que me fazem ir passando por aqui, por isso obrigado por ser família feliz. É bom ver assim famílias felizes e com ideais tão profundos na simplicidade.

Um beijinho e um abraço :)

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