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Um pequeno passo...

por Teresa Power, em 08.02.16

Há duas semanas atrás, quase todos os Power estiveram doentes. Os mais pequenos trouxeram para casa uma belíssima virose de vómitos, os mais velhos andaram enjoados e sem forças, e por fim, na noite de sábado para domingo (da outra semana), foi a minha vez.

- Meninos, despachem-se, vistam-se para a missa que hoje a mamã não vos pode ajudar - Disse o Niall, procurando orientar a manhã dos seis filhos.

- Porquê?

- Porque vomitou a noite toda e continua muito aflita - Explicou. - Quando viermos da missa já vai estar melhor. Agora vistam-se!

A Lúcia e o António entraram apressadamente no meu quarto.

- Mamã, que devemos vestir para a missa?

- O que quiserem - Respondi eu sem pensar, procurando controlar as dores de barriga - Vistam o que quiserem, mas deixem-me em paz!

Só na segunda-feira de manhã, quando finalmente saí da cama, é que me dei conta do erro que cometera com esta minha inocente resposta... Pelas camas e cadeiras estava espalhado todo o tipo de roupa, desde t-shirts a vestidos de verão.

- Clarinha, que aconteceu aqui? - Perguntei, desanimada.

- Ora, mãe, não lhes disseste para vestirem o que quisessem? Eles levaram à letra a tua resposta, e deram volta às roupas todas! Não tive como os controlar!

Bem, mas esta conversa foi na segunda-feira de manhã, porque durante todo o domingo eu lutei na cama contra a bela virose que me assaltou de surpresa. "Que perda de tempo!" Pensava, quando conseguia pensar. "Hoje que tencionava corrigir uma turma de testes... Hoje que escolhera cânticos tão bonitos para cantar e tocar na missa... Hoje que prometera à Sara construir um castelo de legos com ela... E em vez disso, estou na cama sem fazer nada!" Mas depois o meu pensamento foi buscar uma outra lógica, a lógica divina, que o Papa Francisco tão bem explicou em A Alegria do Evangelho: "Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode agradar mais a Deus que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar grandes dificuldades." (nº44) E logo exultei de alegria, tanto quanto pode exultar de alegria alguém doente na cama.

De facto, é muito mais fácil ser-se simpático, amável, misericordioso, quando se está saudável, quando se comeu bem e dormiu melhor, quando a vida não nos apresenta grandes dificuldades. Mas como é difícil sorrir quando sofremos! Então é altura de dar esse "pequeno passo", de oferecer ao Senhor um pequeno esforço. Talvez o sorriso seja um pouco "amarelo", mas é de certeza bem valioso! Um dia doente de cama é uma experiência extraordinária de humildade...

DSC04918.JPG

Que desculpa terei eu a dar a Deus por não ter sido santa, quando um dia O encontrar face a face, se tudo na minha vida me facilita o caminho? Sem qualquer mérito meu, nasci e cresci num país do primeiro mundo, longe da guerra, da fome, da violência, numa família onde sempre fui amada e muito bem tratada, numa casa praticamente ao lado de uma igreja... Nunca tive de percorrer quatro quilómetros a pé, debaixo de sol e de chuva, para ir à missa, nem tive de participar em celebrações clandestinas durante a noite sob ameaça de bombas, nem tive de atravessar o Mediterrâneo numa gincana, nem tenho de suportar um marido violento, nem tenho de enfrentar uma família avessa à religião, nem tenho de roubar para comer, nem... Ah, que seria de mim, se a minha vida fosse feita de doença, sofrimento, solidão...? Seria eu a mesma mulher de fé? Seria eu capaz de me esforçar por ser santa e por educar os meus filhos na Lei de Deus? Não seria antes tentada a baixar os braços e a responder "Façam como quiserem", como respondi aos meus filhos naquele único dia de mal-estar?

Recebo muitos e-mails de leitoras deste blogue, confidenciando-me como a sua vida é difícil, e como procuram manter a sanidade mental, a fé, ou simplesmente o seu casamento, no meio de grandes adversidades. Como eu admiro estas pessoas! Algumas partilham comigo terem conseguido, finalmente, levar os filhos à missa, ou rezar em família à hora das refeições. Tenho a certeza de que esta missa esforçada ou esta oração rápida e meio envergonhada tem, diante do Senhor, mais valor que a minha missa confortável e a nossa longa oração diária... Um pequeno passo no meio de grandes limitações vale mais que todo o ouro do mundo. Lembro-me da viúva do evangelho:

 

"Levantando os olhos, Jesus viu os ricos deitarem no cofre do tesouro as suas ofertas. Viu também uma viúva pobre deitar lá duas moedinhas e disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou mais do que todos os outros; pois eles deitaram no tesouro do que lhes sobejava, enquanto ela, da sua indigência, deitou tudo o que tinha para viver.»" (Lc 21, 1-4)

 

Animada com este espírito, procurei aproveitar muito bem o meu dia de sorte, naquele domingo passado na cama, não desperdiçando nenhuma oportunidade para sorrir no meio da dor, ser amável quando apetecia responder torto, calar-me quando apetecia queixar-me. Não consegui corrigir testes, não consegui trabalhar neste blogue durante uma semana inteira (graças a Deus tinha o post sobre o retiro preparado nos rascunhos), mas certamente que os meus pequenos sofrimentos foram mais valiosos que muitos textos aqui escritos, e certamente que Deus sorriu ao ver o meu (vão) esforço.

Já passou... Foram apenas algumas horas oferecidas - pobremente oferecidas - ao Senhor. Agora vem aí a Quaresma, e com ela, o grande convite à mortificação, à renúncia, ao jejum, ao silêncio. Serei capaz de a aproveitar?...

PS - Prometo compensar esta semana a falta de posts da semana passada!

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publicado às 06:00


6 comentários

De D. a 08.02.2016 às 08:25

Admiro muito as pessoas que, apesar de enfrentarem grandes dificuldades, conseguem manter a fé. Duvido que a minha fé pequenina aguentasse tanto!
Um óptimo post para reflectir antes do início da Quaresma. Obrigada, Teresa.

De Olívia a 08.02.2016 às 10:45

Ainda no outro dia uma pessoa me dizia que os cristãos gostam muito de sofrer... eu disse que não é gostar é dar sentido ao sofrimento...

depois contei este testemunho que vi num comentário no blogue da Catholic all year, está em inglês mas vale bem a pena ler.

When my daughter was an infant I had horrible PPD and staying home was really hard on me. So every day, I would drive to get her to fall asleep in the car. Then I'd go to the church, sit in the pew with my sleeping child and rest. Most days I just kept my eyes closed the entire time, praying God would help me through the rest of the day. Then I'd load up and go home, still weary. But one day, a man approached me after Mass and handed me a card with a prayer for mothers on it. He said he had seen me everyday and admired how faithful I was to get to mass, even with a baby! He said I inspired him to make mass a priority each day and to be a better father and husband. Little did he know, I was using the mass as a break and that I was struggling so so much. But his words changed everything! I began using mass as, not just a break, but time to truly develop myself as a christian mother. We agreed to pray for each other and I still think of him when I go to Mass. You never know what your welcoming words can do to someone's spiritual life!

De Helena Le Blanc a 10.02.2016 às 09:52

Bom dia Olívia!

Que testemunha tão bonito, simples e "poderoso"!

Obrigada

De Cristóvão a 08.02.2016 às 12:13

Olá Teresa, gostei muito deste testemunho de hoje. Como é fácil dizermos (eu dizer) que as coisas não estão "perfeitas" e que por isso temos desculpa para não nos esforçarmos com a família, com o trabalho, com o caminho de Deus.
Quando penso nas grandes dificuldades por que tantos passam, sinto que Deus me tem levado ao colo e me tem dado oportunidades a mais, pois muita vez eu não tenho tirado proveito.

De Helena Le Blanc a 10.02.2016 às 09:56

Olá Teresa

O "outro eu".
No livro que me emprestaste da Madre Teresa, encontrei esta ideia que me intrigou muito: "o outro eu".
Por cada Missionária da Caridade há alguém, em sofrimento físico, a oferecer as suas dores ... Ups...
Não concluo. Tu deves saber do que estou a falar.

Acabei de perceber o que irei escrever para o Dia Mundial dos Doentes (eu que não fazia ideia nenhuma!)

Obrigada Teresa

De Teresa Power a 10.02.2016 às 10:12

É um mundo novo que se abre, não é, Lena? As Famílias de Caná têm também por detrás a sua retaguarda de dor, para serem fecundas... O Tomás no céu... Enfim, muitos segredos que só um dia serão conhecidos! Bjs

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